Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1489/21.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:SUBSTITUIÇÃO DA GARANTIA
PENHOR
RATIO LEGIS
PRESSUPOSTOS LEGAIS
GRAU DE LIQUIDEZ
Sumário:I-Da conjugação dos normativos legais 85.º, 169.º e 199.º todos do CPPT e 52.º da LGT, resulta que instaurada a execução fiscal a sua suspensão apenas pode ser efetuada nos casos previstos na lei, sendo que para esse efeito importa, por um lado, que o sujeito passivo interponha o competente meio de discussão da legalidade/inexigibilidade da dívida exequenda e esteja associada uma garantia idónea ou tenha sido dispensado da sua prestação, podendo, no entanto, a garantia prestada ser objeto da competente substituição desde que demonstrados os respetivos pressupostos legais.

II-Não obstante o normativo 199.º, nº2, do CPPT, preceituar que nos casos em que a garantia consista em penhor e hipoteca tem de existir a concordância da AT, tal não pode implicar, per se, a atribuição de uma margem de discricionariedade desproporcional e concatenada, apenas, com aspetos qualitativos das garantias, implicando, inclusive, deveres acrescidos de fundamentação.

III-O legislador não estabeleceu qualquer ordem de preferência das garantias ditadas pela maior ou menor eficácia e bem assim pelo grau e percentagem de liquidez das mesmas, consagrando, efetivamente, o penhor como meio idóneo para obter a suspensão da execução fiscal.

IV-Logo, o importante é que a garantia seja capaz de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efetiva cobrança dos créditos garantidos, tendo, portanto, de ser adequada a satisfazer o interesse da exequente, mas sem onerar ou afetar de forma grave os interesses legítimos do executado.

V-A formulação do juízo sobre a legalidade do ato, tem de quedar-se pela fundamentação contextual integrante do mesmo, estando o Tribunal impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação.

VI-Inexistindo uma atuação de inércia probatória por parte da Recorrida, se os elementos careciam de ser densificados com os respetivos suportes contabilísticos ou outra realidade documental, poderia/deveria a AT, desde logo, ao abrigo dos princípios da colaboração e do inquisitório, diligenciar na obtenção dos elementos que reputava pertinentes, sendo que apenas em caso de incumprimento dessa instrução estaria legitimada a inferência da falta de demostração, e a decisão em conformidade.

VII-A AT não pode recusar a substituição da garantia com o fundamento de que a garantia na modalidade já prestada lhe garante um grau de liquidez superior ao da garantia oferecida em substituição, porquanto não constitui parâmetro legalmente relevante no juízo de aferição da idoneidade da garantia, sendo que a criação de obstáculos concatenados com o risco e o grau de liquidez traduzem uma limitação e cerceamento de direitos dos contribuintes, subvertendo a tutela regulada pelo legislador no âmbito das garantias idóneas e ulterior substituição, desvirtuando, inclusive, as premissas base que lhe estão subjacentes coadunadas com a incerteza do crédito.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO



O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, (doravante DRFP) veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pela Mmª. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, através da qual julgou procedente a reclamação deduzida por R. N. P. P., SA, (Recorrida) do despacho proferido em 12 de maio de 2021, pelo Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Lisboa, que indeferiu o pedido de substituição de garantia apresentado pela Reclamante, no âmbito dos processos de execução fiscal números 3263202001220462 e apenso, 3263202001223658, 3263202001263110 e apenso, 3263202101000845 e 3263202101015788 e apensos, 3263202101030132 e 3263202101036114, que correm termos no Serviço de Finanças de Lisboa 5, para cobrança coerciva de dívida no valor global de 441.754,70€.


A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


“I. Ficou decidido nos autos ter o órgão de execução fiscal, ao recusar a substituição de garantia consistente na penhora de depósitos bancários por um penhor de participações sociais com os fundamentos que constam do despacho reclamado, incorrido em vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos, consagrados nos artigos 52.º, n.º 7 e 55.º da LGT, em conjugação com o artigo 199.º do CPPT, devendo, por isso, o referido ato reclamado ser anulado.

Douta decisão com a qual, com a devida vénia, não se concorda.

II. Em causa está a recusa pela AT da pretensão de substituição de garantia anteriormente prestada pela executada/Reclamante – penhora de saldos de conta bancária – por uma outra – penhor de ações.

III. E desde logo cabe convocar o disposto no n.º 2 do artigo 199.º do CPPT, nos termos do qual, o penhor só consubstancia garantia idónea «a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária».

Ora, neste caso, a AT não manifestou concordância com o dito penhor, pelo que este não é suscetível de consubstanciar uma garantia idónea.

Porém, caso assim não se entenda e sem conceder,

IV. Nos termos do disposto no n.º 7 do art.º 52.º da LGT, a substituição da garantia obedece a três requisitos: a excecionalidade; a prova de interesse legítimo do executado e não resultar prejuízo para o credor tributário.

V. Quanto ao requisito da excecionalidade, refere José Maria Pires (Coord.) e Outros, na pág. 515 da obra citada, que o requerente terá de provar que “tal interesse legítimo não poderia ter sido invocado na altura da prestação da garantia, por nesse momento não se poder prever, com razoabilidade, a verificação das circunstâncias actual ou potencialmente lesivas das quais resulta o interesse legítimo na substituição. A referência à imprevisibilidade em termos razoáveis deve ter por critério de aferição a do homem mediano e normalmente diligente na condução dos seus negócios”.

E esta prova não se pode considerar como tendo sido feita pela aqui Reclamante.

VI. Afigura-se que a situação de excecionalidade relatada não é de considerar in casu, atendendo a que, aquando da prestação de garantia mediante indicação de bens à penhora, por certo toda a envolvente relatada – v.g. necessidade de pagamento de salários e a credores – já seria conhecida da Reclamante ou por esta perfeitamente previsível.

VII. E à data, tal situação não impediu a Reclamante de indicar bens à penhora para valer como garantia.

VIII. Sobre o requisito da excecionalidade na substituição da garantia, importa ainda referir que esta é reportada pela douta Sentença ao momento da constituição da garantia – e vem identificada pela necessidade de rápida obtenção de certidão de situação tributária regularizada – sendo que a excecionalidade que aqui releva, é a que se verifica após este momento e que motiva a substituição da garantia.

IX. A prova do interesse legítimo caberia à requerente da substituição da garantia, a qual se entende não ter sido feita. Com efeito, foram invocadas dificuldades de pagamento de vencimentos e a credores, porém, tal não só não configura situação de exceção, - previsível aquando da indicação dos saldos de conta bancária à penhora - como não constitui prova do interesse legítimo na substituição.

X. Quanto à prova do interesse legítimo, a Reclamante limitou-se a invocá-lo, apresentando o Anexo 1 ao seu requerimento, no qual se encontram inscritas um conjunto de despesas sob as epígrafes «Pagamentos até 31-03-21» e «Fornecedores correntes críticos», sem ter realizado qualquer prova que corroborasse os valores ali inscritos, assim como invocou «um conjunto de dívidas já vencidas e cujo pagamento se encontra a ser negociado, que ascendem ao valor de € 948.000».

XI. Neste conspecto, entendeu o douto Tribunal que «assentou mal a decisão reclamada no errado pressuposto de que tais meios de prova necessitavam de outros que os corroborassem, sem explicar porque é que aqueles não seriam aptos, por si só, a realizar a correspondente prova e que outros documentos entendia serem relevantes (…)».

XII. Com o devido respeito, não concordamos com esta argumentação, uma vez que do ato reclamado resulta expressamente que a executada não logrou provar este requisito, pois que apresentou o Anexo 1, no qual se encontram inscritas um conjunto de despesas sob as epígrafes «Pagamentos até 31-03-21» e «Fornecedores correntes críticos», sem que viesse carrear para o processo quaisquer elementos probatórios que sustentassem aqueles valores inscritos. Porque não basta alegar, apresentando um mero documento escrito no qual inscreveram valores sob o título de «Pagamentos até 31-03-21» e «Fornecedores correntes críticos», sem que venha demonstrar a veracidade daqueles montantes através dos competentes meios probatórios, no caso, os elementos da contabilidade da empresa.

XIII. Considerou ainda o douto Tribunal que «(…) tendo em consideração a data da apresentação do requerimento para a substituição de garantia, perante a alegação dos correspondentes factos e a junção do relatório de contas e IES referentes ao ano de 2019, assentou mal a decisão reclamada no errado pressuposto que a Reclamante devia ter procedido à junção dos elementos referentes ao ano de 2020, quando a existência e aprovação dos mesmos ainda não era exigível àquela data (…)».

XIV. Porém, se bem que, na data da apresentação do requerimento, a N. não estivesse obrigada a ter já realizado a prestação de contas (três meses após o encerramento do exercício – n.º 5 do art. 65.º do CSC), não é menos certo que «Não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, contados do último dia do mês a que as operações respeitam.» (n.º 3 do art. 123.º do CIRC), pelo que a contabilidade referente ao mês de novembro – data em que já se verificava uma retoma da economia – já poderia/deveria ter sido apresentada, permitindo, assim, obter uma avaliação mais próxima da realidade.

XV. Quanto ao requisito da ausência prejuízo para o credor tributário, foi referido na douta Sentença que não pode a AT fundamentar tal recusa num ofício circulado que estabelece restrições quanto ao tipo de garantias que podem ser oferecidas em substituição, porquanto o legislador não o fez no art.º 52.º n.º 7 da LGT, logo esta poderá abranger qualquer uma das garantias previstas no art.º 199.º do CPPT.

XVI. Sobre esta asserção importa referir que está em causa a substituição de uma garantia anterior e que estamos perante regime legal distinto daquele que é aplicável à prestação da garantia ab initio.

E neste caso, não poderia ser aceite a substituição da garantia já prestada pelo penhor de ações da N. que revela claramente um grau de liquidez inferior, por daí advir uma diminuição da probabilidade de cobrança do crédito tributário.

XVII. Com efeito, na eventualidade de ser executada a garantia que se pretende apresentar em substituição da anterior, teria a Autoridade Tributária que proceder à venda do bem, (arts. 248.º e 250.º do CPPT), ficando assim a AT sujeita às contingências decorrentes deste procedimento (v.g. venda deserta ou com propostas de aquisição de valor inferior ao da avaliação), daqui decorrendo um sério risco de a garantia se tornar insuficiente ou até nula.

XVIII. Pelo que, bem andou a AT ao decidir que o penhor de ações não deverá ser aceite em substituição da penhora de saldos bancários já prestada por não estarem reunidos os pressupostos legais previstos no n.º 7 do artigo 52.º da LGT, designadamente por aquela penhora de saldos de conta bancária melhor assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

XIX. E no processo de execução fiscal, há que ponderar o interesse público da cobrança dos tributos e da maior ou menor probabilidade de sucesso em proceder a essa cobrança, face às várias modalidades de garantia legalmente previstas e admissíveis. A “execução fiscal é um processo cujo interesse tutelar é o da cobrança do crédito” e os “créditos tributários têm natureza pública e a sua incobrabilidade tem efeitos danosos que ultrapassam largamente os interesses do Estado, dado que se projetam sobre todos os contribuintes”, estando proibida a concessão de moratórias ilegais – cfr. pág. 507 da obra citada em V.

XX. Por outro lado, decidiu o Tribunal pela anulação do despacho de indeferimento do pedido de substituição da garantia. No entanto, e salvo melhor opinião, tal anulação do despacho não levará necessariamente à obrigatoriedade de aceitação da garantia oferecida em substituição, mas antes acarretará nova pronúncia pela AT quanto ao que veio solicitado;

XXI. Requerimento que, como explanado supra, não se entende fundamentar a excecionalidade nem o interesse legítimo, devendo sempre ser indeferido por não cumprimento dos requisitos previstos no n.º 7 do art.º 52.º da LGT;

XXII. Pelo que, a anulação do ato reclamado apenas levará – necessária e legalmente – a novo ato de recusa de substituição da garantia (ainda que com diferente fundamentação), mantendo-se a garantia entretanto prestada. E nestes termos, porque assim terá de ser, deverá o Despacho Reclamado manter-se, ao abrigo do princípio do aproveitamento do ato, por se afigurar evidente que a decisão tomada é a única legalmente possível.

XXIII. Por fim, e atendendo ao facto de, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 7.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), nos recursos a taxa ser fixada nos termos da tabela I-B [ainda que pela alínea a) do n.º 1 do art. 15.º do RCP esteja a Fazenda dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça], e tendo sido atribuído à causa o valor de € 441.754,70 Euros, sendo assim superior a 275.000,00 Euros, requer-se desde já a V. Ex.ªs que seja determinada a dispensa do pagamento, a final, do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no n.º 7 do art.º 6.º do mesmo RCP.

XXIV. Ao decidir, como decidiu, o douto Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento de fato e de direito, tendo violado, entre outros, o disposto no art.º 52.º da LGT e art.º 199.º do CPPT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por Acórdão que declare a Reclamação improcedente.

PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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O Recorrido devidamente notificado optou por não apresentar contra-alegações.



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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso.



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Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.



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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:


Com interesse para a decisão da presente causa, consideram-se provados os seguintes factos:


“1) Corre termos, contra a Reclamante, no Serviço de Finanças de Lisboa 5, o processo de execução fiscal número 3263202001220462 e apenso número 3263202001223658, para cobrança de dívida no valor de 113.410,17€ (informação da decisão de indeferimento de substituição de garantia e informação oficial de fls. 20 a 27, 38 a 47 e 49 a 56 do SITAF).

2) Corre termos, contra a Reclamante, no Serviço de Finanças de Lisboa 5, o processo de execução fiscal número 3263202001263110 e apenso número 3263202101000845, para cobrança de dívida no valor de 119.447,44€ (informação da decisão de indeferimento de substituição de garantia e informação oficial de fls. 20 a 27, 38 a 47 e 49 a 56 do SITAF).

3) Corre termos, contra a Reclamante, no Serviço de Finanças de Lisboa 5, o processo de execução fiscal número 3263202101015788 e apensos números 3263202101030132 e 3263202101036114, para cobrança de dívidas nos valores de 77.730,28€, 84.166,81€ e 47.000,00€, respectivamente (informação da decisão de indeferimento de substituição de garantia de fls. 20 a 27 e 49 a 56 do SITAF).

4) Por despacho de 22/12/2020, foi deferido o pagamento dos valores em dívida referidos em 1) a 3), em 24 prestações, condicionado à prestação de garantia ou à invocação e prova dos pressupostos de que depende a sua isenção (informação oficial de fls. 38 a 47 do SITAF).

5) Em 09/03/2021, a Reclamante ofereceu como garantia, nos processos de execução fiscal referidos em 1) a 3), a penhora de saldo bancário, até ao valor máximo de 450.000,00€, da conta n.º 215.., junto do banco M. (informação oficial de fls. 38 a 47 do SITAF).

6) Na mesma data, foi concretizada a penhora referida no número anterior (extracto bancário e informação oficial de fls. 36 e 38 a 47 do SITAF).

7) Em 19/03/2021 a Reclamante, acompanhada pela sociedade “G. N. – M. G., SA”, apresentou um requerimento, no Serviço de Finanças de Lisboa 5, através do qual requereu a substituição da garantia referida em 5), pela constituição de penhor sobre 135.000 acções da sociedade “N. – I. G. N., SA”, às quais atribuiu o valor de 639.735,57€ (requerimento de fls. 58 a 63 do SITAF).

8) Em 29/04/2021 foi elaborada a informação n.º E202101569, na qual foi proposto o indeferimento do pedido de substituição de garantia referido no número anterior por não estarem preenchidos os requisitos legais (informação de fls. 20 a 27 e 49 a 56 do SITAF).

9) Com base na informação referida no número anterior, em 12/05/2021 foi proferido despacho de concordância e indeferido o pedido de substituição de garantia, por não se mostrarem preenchidos os requisitos legais (despacho de fls. 20 e 49 do SITAF).

10) Por ofício datado de 17/05/2021, enviado à Reclamante, por correio postal registado com a referência RF3333…PT, cujo aviso de recepção foi assinado em 27/05/2021, foi-lhe dado conhecimento do teor da decisão referida no número anterior (notificação e aviso de recepção de fls. 19, 48 e 57 do SITAF).

11) Em 07/06/2021, o saldo da conta n.º 0000000135.., da titularidade da Reclamante, Junto do banco M., era no valor de 19.041,46€ (extracto bancário de fls. 33 e 34 do SITAF).

12) Na mesma data, o saldo da conta n.º 096.., da titularidade da Reclamante, Junto do N. B., era no valor de 190,95€ (extracto bancário de fls. 35 do SITAF).

13) A petição da presente acção foi enviada para o Serviço de Finanças de Lisboa 5 em 07/06/2021, por correio postal registado com a referência RH7306…PT (envelope de fls. 37 do SITAF).


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Consta ainda na decisão recorrida que “Nenhum outro facto foi considerado provado ou não provado com interesse para a presente decisão.”



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A motivação da matéria de facto, “[f]undou-se nos elementos documentais existentes no processo, tal como indicado por referência a cada um dos factos provados, os quais não foram impugnados, tendo ainda o facto 5) e a data do facto 7) sido considerados provados, também por admissão por acordo das partes nos respectivos articulados.”



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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.(1)Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica, por referência à sua enumeração por números efetuada em 1.ª instância:

8) Em 29/04/2021 foi elaborada a informação n.º E202101569, na qual foi proposto o indeferimento do pedido de substituição de garantia referido no número anterior por não estarem preenchidos os requisitos legais, da qual se extrata, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:










Imagem: Original nos autos

Imagens: Originais nos autos


(informação de fls. 20 a 27 e 49 a 56 do SITAF, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação deduzida contra o despacho proferido em 12 de maio de 2021, pelo Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Lisboa, que indeferiu o pedido de substituição de garantia apresentado pela Reclamante, no âmbito dos processos de execução fiscal números 3263202001220462 e apenso, 3263202001223658, 3263202001263110 e apenso, 3263202101000845 e 3263202101015788 e apensos, 3263202101030132 e 3263202101036114, que correm termos no Serviço de Finanças de Lisboa 5, para cobrança coerciva de dívida, no valor global de 441.754,70€.

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, face ao exposto e ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre analisar se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto interpretou erroneamente a realidade fática dos autos, e com isso julgou, incorretamente, que o órgão da execução fiscal incorreu em erro sobre os pressupostos de direito consagrados nos artigos 52.º, n.º 7 e 55.º da LGT, em conjugação com o artigo 199.º do CPPT, quando indeferiu o pedido de que a garantia prestada pela Executada, mediante penhora de conta bancária, fosse substituída pelo penhor de ações, com a inerente anulação do ato reclamado.

Vejamos, então.

A Recorrente sustenta, desde logo, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento preterindo o artigo 199.º, nº2, do CPPT, porquanto a AT não manifestou concordância com o dito penhor, pelo que este não é suscetível de consubstanciar uma garantia idónea.

Mais aduz que, de todo o modo, não estão verificados os requisitos contemplados no artigo 52.º, nº7, da LGT, para que se opere a substituição da garantia, concretamente a excecionalidade, a prova de interesse legítimo do executado e a inexistência de prejuízo para o credor tributário. Convocando, in fine, o princípio do aproveitamento do ato.

Apreciando.

Atentemos, desde já, no quadro normativo que releva para o caso dos autos.

Dispõe o artigo 85.º, nº3 do CPPT relativamente à proibição da moratória e da suspensão da execução fiscal que:

“3 - A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária.”

No concernente à regulamentação da suspensão da execução fiscal, dispõe o artigo 169.º, do CPPT que:

“1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.
2 - A execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda.
3 - O requerimento a que se refere o número anterior dá início a um procedimento, que é extinto se, no prazo legal, não for apresentado o correspondente meio processual e comunicado esse facto ao órgão competente para a execução.
4 - Extinto o procedimento referido no número anterior, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 200.º
5 - A execução fica ainda suspensa até à decisão que venha a ser proferida no âmbito dos procedimentos a que se referem os artigos 90.º e 90.º-A.
6 - Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é disponibilizado no portal das finanças na Internet, mediante acesso restrito ao executado, ou através do órgão da execução fiscal, a informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar, apenas se suspendendo a execução quando da sua efetiva prestação.
7 - Caso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reação previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora.
8 - Quando a garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução (…)”

De convocar, outrossim, o artigo 199.º, números 1 a 5 do CPPT, sob a epígrafe de “garantias”, o qual estatui que:

“1 – Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente.
2 – A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195º, com as necessárias adaptações.
3 – Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição.
4 - Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efetuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7.
5 - No caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo.”

Estatui ainda o artigo 199.º-A do CPPT, a propósito da “avaliação da garantia”, que:

“1 - Na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo.
2 - Sendo o garante uma sociedade, o valor do seu património corresponde ao valor da totalidade dos títulos representativos do seu capital social determinado nos termos do artigo 15.º do Código do Imposto do Selo.
3 - Sendo o garante uma pessoa singular, deve atender-se ao património desonerado e aos rendimentos suscetíveis de gerar meios para cumprir a obrigação.
4 - O valor determinado nos termos dos números anteriores deve ser deduzido dos seguintes montantes, quando aplicável e sempre que afete a capacidade da garantia:
a) Garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais assumidas;
b) Passivos contingentes;
c) Partes de capital do executado, detidas, direta ou indiretamente, na respetiva proporção;
d) Quaisquer créditos sobre o executado.”

Preceituando, ainda neste particular, o artigo 52.º, nºs 1, 2 , 3 e 7, da LGT, relativamente à garantia da cobrança da prestação tributária que:

“1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.
2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
3 - A administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.(…)
7 - A garantia pode, uma vez prestada, ser excecionalmente substituída, em caso de o executado provar interesse legítimo na substituição e daí não resulte prejuízo para o credor tributário.”

Ora, da conjugação dos citados normativos legais resulta que instaurada a execução fiscal a sua suspensão apenas pode ser efetuada nos casos previstos na lei, sendo que para esse efeito importa, por um lado, que o sujeito passivo interponha o competente meio de discussão da legalidade/inexigibilidade da dívida exequenda e esteja associada uma garantia idónea ou tenha sido dispensado da sua prestação, podendo, no entanto, a garantia prestada ser objeto da competente substituição desde que demonstrados os respetivos pressupostos legais.

Visto o direito que releva para o caso dos autos, importa transpor o mesmo para o caso vertente, sublinhando-se, desde já, que não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha incorrido nos erros de julgamento que lhe são assacados.

Senão vejamos.

A Recorrente sustenta, desde logo, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento preterindo o artigo 199.º, nº2, do CPPT, porquanto a AT não manifestou concordância com o dito penhor, logo o mesmo é insuscetível de consubstanciar uma garantia idónea.

Porém, se é certo que, como visto, o citado normativo preceitua, desde logo, que nos casos em que a garantia consista em penhor e hipoteca tem de existir a concordância da AT, tal não pode implicar, per se, a atribuição de uma margem de discricionariedade desproporcional e concatenada, apenas, com aspetos qualitativos das garantias.

Note-se que, inexistindo uma definição legal de garantia idónea, tem vindo a afirmar-se que o conceito de idoneidade depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efetiva cobrança dos créditos garantidos, conforme resulta da conjugação do disposto no artigo 169.º com os artigos 199.º e 217.º do CPPT, ex vi n.º 2 do artigo 52º da LGT.

Como doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 0126/12, de 15 de fevereiro de 2012:

“I - Quando o nº 5 do art. 52º da LGT permite, ainda que a título excepcional, a substituição de uma garantia por outra, essa substituição há-de abranger qualquer das garantias previstas no art. 199º do CPPT, porque todas são consideradas idóneas pela lei, na medida em que são adequadas a garantirem a suspensão da execução fiscal;

II - O nº 2 do art. 199º do CPPT, ao fazer depender a hipoteca da concordância da Administração tributária, significa maior liberdade de apreciação do pedido, que implica deveres acrescidos de fundamentação, devendo a recusa alicerçar-se em razões objectivas, que hão-de assentar fundamentalmente na insuficiência dos bens objecto da garantia, bem como o respeito pelo princípio da proporcionalidade;

III-A partir do momento em que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração fiscal não pode recusar a substituição com fundamento em aspectos qualitativos das garantias, designadamente quanto à maior ou menor liquidez imediata, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199º do CPPT conjugado com o nº 5 do art. 52º da LGT.” (destaques e sublinhados nossos).

No mesmo sentido aponta o Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0559/18, de 20 de dezembro de 2018, no qual se doutrina, claramente, que “[n]ão pode olvidar-se que, apesar de a lei fazer depender a aceitação da hipoteca como garantia da anuência do credor tributário, isso não o dispensa de fundamentar a sua recusa; pelo contrário, a maior liberdade de apreciação do pedido implica deveres acrescidos de fundamentação, reportados a elementos objectivos.”

Pelo que, a concordância a que faz alusão o aludido normativo é no sentido de que a aceitação da substituição da garantia tem de estar subordinada a uma ponderação devidamente densificada não podendo, sem mais, entender-se que a falta de concordância espoleta o seu indeferimento. Até porque, uma interpretação tão singela e literal do normativo bastaria que a AT simplesmente discordasse da substituição para estar fundamentado o seu indeferimento, o que não traduz, de todo, a ratio legis subjacente à prestação de garantia idónea e ulterior substituição.

Mais importa, igualmente, relevar que contrariamente ao defendido pela Recorrente o legislador não estabeleceu qualquer ordem de preferência das garantias ditadas pela maior ou menor eficácia e bem assim pelo grau e percentagem de liquidez das mesmas, o que é certo é que consagrou o penhor como meio idóneo para obter a suspensão da execução fiscal.

Como se pondera no já citado Aresto do STA prolatado no processo nº 0126/12, cuja fundamentação jurídica se perfilha e, ora, se transcreve:

“Na execução fiscal confluem dois interesses conflituantes: o da administração fiscal na realização da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida exequenda. Dando prevalência ao primeiro, a lei faz depender a suspensão da execução da prestação de garantia idónea, que cubra a totalidade da dívida exequenda. O que significa que a garantia há-de ser adequada a satisfazer o interesse da exequente, mas sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado.

(…)

Assim se compreende que legislador tenha consagrado no art. 199º do CPPT um conceito amplo de garantia idónea, com vista a acautelar a maior ou menor dificuldade para o executado em conseguir, sem onerar excessivamente a sua situação, apresentar garantia adequada a suspender a execução. E, no mesmo sentido, se deve entender o facto de não se estabelecer nenhuma preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor eficácia resultante da maior ou menor liquidez imediata.

Em conformidade com a melhor doutrina, diz-se que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (Neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.). No mesmo sentido, estando em causa um pedido de substituição de bens penhorados por garantia bancária, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7/12/2011, proc. nº 1006/11, ficou consignado que tal substituição seria admissível, ponto é que “a garantia cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, atenta a previsível duração do processo, pois apenas a garantia da totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido garantem a suspensão da execução até à decisão do pleito”.

Considerando o exposto, podemos extrair desde já uma ilação no sentido de que, quando o nº 5 do art. 52º da LGT permite, ainda que a título excepcional, a substituição de uma garantia por outra, essa substituição há-de abranger qualquer das garantias previstas no art. 199º do CPPT, porque todas são consideradas idóneas pela lei.

Por outro lado, do exposto resulta igualmente que o prejuízo para o credor na substituição não pode alicerçar-se na melhor ou menor qualidade ou eficácia das garantias em causa.

(…) … o objectivo do legislador não é dotar a Administração fiscal de garantia absoluta do seu crédito, tanto mais que o mesmo é ainda incerto, mas tão-só de “garantia idónea”, que o mesmo é dizer adequada ao fim em vista».(Cfr. também no mesmo sentido, entre outros, os acs. desta secção do STA, de 30/1/2013, proc. n.º 034/13; de 21/9/2011, proc. n.º 0786/11; de 11/7/2012, proc. n.º 730/12; e de 10/10/2012, proc. n.º 0916/12; bem como, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário - anotado e comentado, 6ª ed., Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art. 199º, pp. 411/412.)” (destaques e sublinhados nossos).

Mas continuemos.

A AT vem, outrossim, sustentar que contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo não estão verificados os requisitos contemplados no artigo 52.º, nº7, da LGT, para que opere a substituição da garantia, concretamente a excecionalidade, a prova de interesse legítimo do executado e a inexistência de prejuízo para o credor tributário.

Propugnando quanto à situação de excecionalidade que a mesma não é de molde a preencher esse requisito porquanto aquando da prestação de garantia mediante indicação de bens à penhora, a mesma já seria conhecida da Reclamante ou por esta perfeitamente previsível, não a impedindo de indicar bens à penhora para valer como garantia. Ademais, a excecionalidade que aqui releva, é a que se verifica após este momento e que motiva a substituição da garantia.

Comecemos, então, por convocar o que, a propósito da excecionalidade, foi dirimido no ato reclamado porquanto, como é consabido, é apenas com base nas razões nele constantes que se terá de balizar a ponderação da legalidade do ato e o inerente juízo de censura.

Se atentarmos no teor do ato reclamado, verifica-se que a análise da excecionalidade assentou, tão-só, no seguinte: “No que respeita à excecionalidade da substituição, nada foi referido pelo executado na petição apresentada, pelo que a mesma se tem como não provada.”

Ora, como é bom de ver, a análise da questão foi objeto de liminar rejeição, não sendo apreciados quaisquer argumentos ou asserções fatuais, porquanto, no entendimento da AT, existiu uma total ausência de alegação.

E a verdade é que, tal como ajuizado pelo Tribunal a quo, tal inferência conclusiva não traduz a realidade dos factos, bastando, para o efeito, uma leitura atenta do requerimento de substituição de garantia.

Com efeito, e como bem ajuizou o Tribunal a quo:

“[n]o requerimento de 19/03/2021 (vd. facto provado 7)), alegou a Reclamante que “a garantia oferecida em substituição apenas não foi oferecida inicialmente pela urgência que a Reclamante tinha em obter a certidão de situação fiscal regularizada e que não era compatível com a realização pela AT da avaliação das acções” (artigo 14.º); que “(…) perante a necessidade de ver a sua situação fiscal regularizada se modo a poder cobrar-se de contratos celebrados com entidades públicas, alocou à garantia das execuções valores que se destinam ao pagamento de salários de trabalhadores e sem os quais entra em incumprimento perante estes e outros credores com os quais mantém acordos de pagamentos de dívidas já vencidas e em fase executiva” (artigo 15.º) e que “a situação das empresas afetadas pela pandemia, como é o caso da Requerente, com quebras de faturação na ordem dos 45% de Janeiro 2021 face a Janeiro 2020 (53% de quebra face a Janeiro 2019), tem trazido a implementação de medidas excepcionais [Decreto-Lei n.º 10-F/2020, de 26/03], e de que não há memória na história do nosso país” (artigo 16.º).

Ora, tal alegação, que se resume na necessidade de obter, no imediato, certidão de situação fiscal regularizada, de molde a poder cobrar-se de contratos celebrados com entidades públicas, com a consequente alocação à garantia prestada de valores que se destinavam ao pagamento de salários e outros credores, de forma a manter os acordos de pagamento de dívidas celebrados com estes, ao que acresce a redução de facturação na ordem dos 45%, derivada da situação de pandemia, com a consequente implementação de medidas excepcionais, relatam uma situação excepcional que carecia de ser apreciada pela administração tributária.

Assim, quanto a este requisito, assentou mal a decisão reclamada no errado pressuposto de que nada havia sido alegado pela Reclamante, nada tendo sido decidido quanto ao mérito do mesmo.”

E por assim ser, validando-se o expendido na decisão recorrida, não tendo a AT apreciado o pressuposto inerente à excecionalidade porquanto não cuidou de analisar, com cautela, a petição da Recorrida, nada tendo alvitrado nesse e para esse efeito carece de qualquer relevância e ulterior análise as alegações de recurso tendentes a demonstrar o erro na apreciação da excecionalidade.

Com efeito, “[e]m sede de reclamação do acto do órgão da execução fiscal (art. 276.º do CPPT), se o acto sindicado tiver natureza administrativa, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência do meio impugnatório."(2)

Conclui-se, assim, que não pode proceder-se à sindicância desse ato com a amplitude que a Recorrente pretende nas alegações de recurso, mas apenas tendo em conta os fundamentos que foram externados aquando da prática do mesmo, carecendo, por isso, de relevância as alegações ora aduzidas pela Recorrente quanto à falta de preenchimento desse requisito, mormente, alocando-o ao momento do apuramento da excecionalidade e às razões invocadas que -no seu entendimento, sublinhe-se e reitere-se não contemporâneo do ato- não permitem a subsunção na aduzida excecionalidade.

Prosseguindo.

No concernente à prova do interesse legítimo a Recorrente defende que as invocadas dificuldades de pagamento de vencimentos e a credores não constituem prova do interesse legítimo na substituição, porquanto se limitou a invocá-lo, e a apresentar os elementos documentais que integram o Anexo 1 ao seu requerimento, os quais não permitem asseverar a realidade neles contemplada.

Regressemos, mais uma vez, ao ato reclamado e atentemos quais os fundamentos em que assentou a falta de demonstração do interesse legítimo.

A AT sustenta que “[o] executado limita-se a proceder à sua invocação, e legítima essa invocação com a apresentação do Anexo I, onde se encontram inscritas um conjunto de despesas sob as epígrafes «Pagamentos até 31-03-21» e «Fornecedores correntes críticos», sem realizar qualquer prova que corrobore os valores ali inscritos.

26. Por outro lado, importa atentar que o executado invoca, no ponto 4º da petição «um conjunto de dívidas já vencidas e cujo pagamento se encontra a ser negociado, que ascendem ao valor de 948K», sendo que o montante total alvo de penhora no dia 2021-03-09, para todos os PEF, incluindo aqueles cuja competência para aceitação de garantia pertence ao Sr. Chefe de Finanças, se cifra no valor de €441.754,70, ou seja, apenas 46% das necessidades prementes pelo executado.”

Mas a verdade é que, também, não lhe assiste razão.

Com efeito, não logra provimento a argumentação aduzida pela Recorrente, desde logo, porque existindo insuficiência de documentação carreada aos autos poderia/deveria a AT ter requerido, ao abrigo do princípio da colaboração e do inquisitório, a documentação que reputava pertinente para suprir essa insuficiência.

Note-se que a Recorrida não teve uma atuação de inércia probatória, visto que juntou o Anexo I que expressa o valor convocado de €636.364,59-o qual, de resto, deveria ser concatenado com a demais prova carreada, mormente, anexos 2 a 5- que visou provar as alegações de interesse legítimo na substituição da garantia, logo se os elementos careciam de ser densificados com os respetivos suportes contabilísticos ou outra realidade documental deveria a AT antes de julgar não preenchido esse pressuposto, diligenciar na obtenção desses elementos que reputava pertinentes, sendo que apenas em caso de incumprimento dessa instrução estaria legitimada a inferência da falta de demostração, e a decisão em conformidade.

Acresce que, a AT ao convocar o artigo 4.º do requerimento e a apelar um percentual inferior a 50% para fazer face ao total da dívida exequenda, está a estabelecer uma restrição e limitação do circunstancialismo fático alegado, descurando todo o demais.

Com efeito, e conforme ajuizado na decisão recorrida, e que, ora, se transcreve:

“[a] Reclamante alegou que “(…) o valor do depósito bancário penhorado é essencial para cumprir com obrigações de pagamento de salários e regularizar dividas de fornecedores que são vitais para que a empresa possa continuar a desenvolver a sua actividade” (artigo 2.º); que “(…) a manutenção da garantia em curso compromete a sua capacidade de pagamento de salários e colaborações e, bem assim, o cumprimento de obrigações financeiras para as quais não tem recursos, de entre as quais consta um conjunto de dívidas já vencidas e cujo pagamento se encontra a ser negociado, que ascendem ao valor de 948k€, relativas a serviços indispensáveis para o exercício da atividade de emissão de rádio, incluindo situações já em fase de contencioso, tal como se informou no requerimento da exponente onde requereu a dispensa de prestação de garantia” (artigo 4.º); que “(…) para o cumprimento das sobreditas obrigações a Requerente terá que dispor de um montante mínimo de 636.364,59 euros ((…) - anexo 1), sendo que os seus saldos bancários disponíveis na atualidade ascendem apenas a 11.740,97 euros ((…) - anexos 2 a 5) sendo manifesta a necessidade de libertação da penhora existente sobre a conta n.º 215.. do banco M.” (artigo 5.º) e que “a Requerente precisa do valor dado em garantia para preservar a sua atividade e assegurar os postos de trabalho, tendo mais do que um mero interesse legítimo na substituição da garantia, pois desse valor dependem pagamentos essenciais de trabalhadores e fornecedores críticos para a atividade da Rádio” (artigo 17.º).

Ora, de tal alegação, que se resume na necessidade de pagar aos trabalhadores e a outros credores, de forma a poder assegurar a continuação da sua actividade de rádio, à qual juntou os anexos 1 a 5, referentes pagamentos e fornecedores vitais para esse efeito, revelam que a Reclamante não só alegou factos concretos, com valores concretos das suas necessidades monetárias e dos valores que tem actualmente disponíveis, concluindo, de facto, pela necessidade de libertação do valor penhorado na sua conta bancária n.º 215.. junto do banco M. para fazer face a tais necessidades, como juntou os documentos que entendeu serem demonstrativos dessa realidade, de forma a fornecer à administração tributária os elementos de débito e crédito existentes, para esta poder aferir o interesse legítimo alegado pela Reclamante.”

Logo, como é bom de ver as alegações da Recorrente não se limitaram ao aduzido em 4.º da petição não podendo, assim, o juízo da AT lograr o efeito almejado.

Destarte, a alegada falta de demonstração tem a montante uma conduta de inércia da AT, a qual tem de ser, devidamente, ponderada. Assim, anui-se e valida-se com o ajuizado na decisão recorrida, no sentido de qualquer deficit que o órgão administrativo entendesse necessário suprir ou mesmo dirimir eventuais incongruências, falhas ou colmatar quaisquer dúvidas carecia de uma prévia intervenção da AT, enquanto poder/dever.

Note-se que a AT nem, tão-pouco, densifica porque motivo os mesmos não são aptos, nem quais os documentos que entendia relevantes, externando os motivos atinentes a essa falta de demonstração, limitando-se a decidir pela negativa, ou seja, pela falta de demonstração do requisito do interesse legítimo na substituição da garantia.

Logo, também por aqui não vimos que a decisão recorrida mereça qualquer censura.

Mas, continuemos.

Aduz, ainda, a Recorrente que o Tribunal a quo considerou, erradamente, que face à data da apresentação do requerimento para a substituição de garantia, os elementos a apresentar se teriam de circunscrever ao relatório de contas e IES referentes ao ano de 2019, e isto porque, pese embora à data da apresentação do requerimento, não estivesse obrigada à prestação de contas, a verdade é que não sendo permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, a contabilidade referente ao mês de novembro – data em que já se verificava uma retoma da economia – poderia/deveria ter sido apresentada, permitindo, assim, obter uma avaliação mais próxima da realidade.

Mas, mais uma vez, a sua esteira de argumentação não procede, desde logo, porque a Recorrente, expressamente, reconhece que não era legalmente exigível a apresentação de qualquer documentação que não a reportada a 2019.

De facto, se a Reclamante apresentou o requerimento para a substituição de garantia a 19 de março de 2021, àquela data, não tendo decorrido o prazo para a elaboração e apresentação dos elementos contabilísticos atinentes ao exercício de 2020, não estava vinculada a apresentação de outros documentos que não os reportados a esse exercício. Sendo certo que, em ordem ao regulamentado no artigo 65.º, nº5 do CSC, o relatório de gestão e as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, apenas devem ser apresentados ao órgão competente e por este apreciados, regra geral, no prazo de três meses a contar da data do encerramento de cada exercício anual, ou seja, até ao dia 31 de março do ano civil seguinte àquele a que respeita. Ademais, foi prorrogado o prazo de entrega da declaração modelo 22, do exercício de 2020, para o dia 19 de julho de 2021, e o prazo da IES para o dia 30 de julho de 2021.(3)

Acresce que, e no mesmo sentido já preconizado anteriormente-sendo, ora, ainda mais premente-, se a AT entendia que deveria ser apresentada uma documentação que pretendesse gizar “uma avaliação mais próxima da realidade” deveria, antes de mais, ter solicitado essa documentação, justificando as razões atinentes a essa apresentação adicional com todas as cominações a ela inerentes, o que, como visto, não sucedeu no caso vertente.

Aliás, de uma leitura atenta do ato reclamado, no atinente a este concreto pressuposto verifica-se que a AT nem, tão-pouco, faz essa advertência, nada evidenciando quanto à necessidade de ultimar uma documentação mais “recente”, apenas faz uma alusão a essa realidade fática aquando da apreciação do terceiro pressuposto e para aduzir-tão-só- à realidade pandémica.

Pelo que, mais uma vez que não procede o arguido erro de julgamento.

Atentemos, ora, na demonstração do prejuízo efetivo para o credor tributário.

Neste particular, alega a Recorrente que quanto ao requisito da ausência prejuízo para o credor tributário, não pode ser aceite a substituição da garantia porquanto revela, claramente, um grau de liquidez inferior, face à diminuição da probabilidade de cobrança do crédito tributário.

O Tribunal a quo, neste concreto particular, ajuizou, designadamente, que:

“Efectuada a referida avaliação, se a garantia oferecida cobrisse a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a administração tributária não podia recusar a substituição com fundamento em aspectos qualitativos da mesma, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do artigo 199.º do CPPT, conjugado com o artigo 52.º, n.º 7 da LGT.

Pois, como se disse, a administração tributária deve pautar a sua actuação de acordo com o princípio da proporcionalidade (artigo 55.º da LGT), o que aponta para a necessidade da ponderação proporcionada dos interesses em jogo, de molde a não sacrificar nenhum deles.

Motivo pelo qual não pode a administração tributária prevalecer-se da penhora de saldo em conta bancária, em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito, sem qualquer consideração pelos interesses legítimos da Reclamante, conforme supra referido.

Em face de tudo quanto acima foi exposto, não pode a administração tributária recusar a substituição da garantia com base no raciocínio puramente hipotético de desvalorização das 135.000 acções oferecidas em penhor, a qual terás sido reconhecida pela Reclamante, o que não é mais do que um juízo de prognose, sem qualquer base legal que permita justificar a recusa da substituição da garantia prestada, uma vez que essa argumentação não integra o critério legal de aferição da idoneidade da garantia.”

Face ao supra expendido, não se vislumbra que o juízo de entendimento padeça da censura que lhe é dirigida, confirmando-se a fundamentação aduzida neste e para este efeito, porquanto fez uma adequada transposição da realidade fática ao quadro normativo aplicável. Ademais, evidencia-se, desde já, que o entendimento da Recorrente padece de um vício base, porquanto o grau de liquidez não permite estribar o prejuízo para o credor tributário.

Como doutrinado no Aresto do STA, prolatado no processo nº 0559/18, de 20 de dezembro de 2018 “[n]ão pode aquele órgão recusar a substituição com o fundamento de que a garantia na modalidade já prestada lhe garante um grau de liquidez superior ao da garantia oferecida em substituição, que não constitui parâmetro legalmente relevante no juízo de aferição da idoneidade da garantia”.

No mesmo sentido, doutrinam, designadamente, os seguintes Acórdãos do STA, prolatados nos processos com os números 730/12, de 11 de julho de 2012, 34/13, de 30 de janeiro de 2013, 57/13, de 6 de fevereiro de 2013, 137/16 e de 2 de março de 2016.

Ademais, importa ter presente que a criação de obstáculos concatenados com o risco e o grau de liquidez traduz uma limitação e cerceamento de direitos dos contribuintes, subvertendo a tutela regulada pelo legislador no âmbito das garantias idóneas e ulterior substituição.

De salientar, outrossim, que as circunstâncias aduzidas em XVII) não podem, sem mais, relevar para efeitos de recusa da substituição da garantia, visto que a maior dificuldade na realização do crédito não pode inviabilizar, per se, a substituição da garantia, visto que o cerne da questão é, como visto, que a mesma seja passível de assegurar o cumprimento do crédito tributário.

Acresce que, o legislador não visou regulamentar uma garantia plena e absoluta do crédito tributário, aliás uma interpretação no sentido da plenitude e isenção de qualquer risco seria, desde logo, desconforme com a ratio legis e desvirtuaria as premissas base que lhe estão subjacentes coadunadas com a incerteza do crédito, adveniente, desde logo, da pendência da discussão da legalidade/exigibilidade da dívida exequenda, mormente, em sede de reclamação graciosa, impugnação, ou oposição à execução fiscal, sendo que só após o desfecho da correspondente lide a dívida será incontestável.

Daí que, a garantia tenha de ser proporcional, razoável e adequada ao fim para o qual foi constituída, e não absoluta no sentido de poder acarretar uma maior onerosidade ou mesmo morosidade no cumprimento da obrigação tributária.

O mesmo sucedendo quanto à alegação atinente ao, eventual, decréscimo que o valor das participações pode sofrer com o decurso do tempo, visto que, por um lado, todas as razões convocadas no requerimento de indeferimento, nesse e para esse efeito, consubstanciam um mero juízo de prognose, e por outro lado, a lei faculta um mecanismo legal de resolução da questão, ou seja, o procedimento de reforço da garantia consignado nos artigos 169.º, nº 8 e 199.º, nº5 ambos do CPPT e 52.º, nº3 da LGT.

No concernente ao ofício circulado nº 60.076, de 29 de julho 2010, importa, desde já, evidenciar que as orientações administrativas veiculadas sob essa forma pela AT, não se impõe ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, carecendo, outrossim, de força vinculativa heterónoma para os particulares. (4)



Tribunal Central Administrativo Sul 38/38
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E-mail: lisboa.tca@tribunais.org.pt

De relevar, neste concreto particular, que esta problemática já foi objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, designadamente, nos Acórdãos com os números 583/2009 e 42/14, de 18 de novembro de 2009 e de 09 de dezembro de 2014, respetivamente, nos quais se decidiu que as prescrições contidas nas Circulares da AT, independentemente da sua difusão persuasiva e eficaz na prática dos contribuintes, não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade cometido ao Tribunal Constitucional.

Como doutrinado no primeiro Aresto citado, e cujos trechos se transcrevem na parte que para os autos releva, designadamente:

“(…) Esses atos, em que avultam as “circulares”, emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais.

A circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada (n.º 1 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária) às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (n.º 3 do artigo 68.º da LGT), não altera esta perspetiva porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa.

É certo que o administrado pode invocar, no confronto com a administração, o conteúdo da orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 3.ª ed., pág. 344). Mas é ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, não pelo seu valor normativo, que o conteúdo das circulares prevalece. O administrado só as acata se e enquanto lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam (artigo 59.º, n.º 3, alínea e) e artigo 68.º da LGT).

Consequentemente, faltando-lhes força vinculativa heterónoma para os particulares e não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, as prescrições contidas nas “circulares” da Administração Tributária não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade da competência do Tribunal Constitucional.” (destaques e sublinhados nossos).

Acresce, outrossim, que atentando no teor do aludido ofício subordinado ao assunto “constituição e manutenção de garantia idónea em processo de execução fiscal” o mesmo atribui uma classificação qualitativa das diversas garantias, regulamentando um critério subjacente à liquidez da garantia, como visto, sem fundamento legal.

Ainda neste âmbito e no respeitante ao aduzido em XVI), não aquiescemos verdadeiramente o seu alcance, porquanto foi a AT que convocou o Ofício Circulado no ato reclamado, logo não se apreende, de todo, o seu âmbito carecendo, por isso, de qualquer ponderação adicional.

In fine, cumpre relevar que, efetivamente, conforme expendido em XIX) há que ter sempre presente o interesse público subjacente à cobrança dos tributos, no entanto o mesmo, como é bom de ver, tem de ser ponderado casuisticamente, não podendo ser desrazoável e levar a uma recusa que traduza uma desproporcionalidade sem fundamento e decorrente de uma, presumível, menor eficácia da garantia oferecida em substituição tomando como acento tónico o risco de mercado e o menor grau de liquidez que lhe estão associados, como in casu.

A finalidade da garantia coaduna-se, tão-só, com assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, porquanto desde que verificada a idoneidade da garantia que o executado se propõe prestar, a AT deve aceitá-la, uma vez que a prossecução dos fins públicos atinentes à cobrança coerciva dos créditos tributários deve ser materializada com o menor sacrifício possível dos direitos e interesses dos executados. Daí que tenha de existir um balanceamento, sopesando, por um lado, o interesse público e por outro lado, os interesses legítimos e a proporcionalidade dos meios.

E por assim ser improcedem, integralmente, os erros de julgamento na interpretação dos normativos em contenda, mantendo-se, assim, o juízo anulatório decretado pelo Tribunal a quo.

Subsiste, ora, a questão atinente ao aproveitamento do ato.

A Recorrente aduz, in fine, que a anulação do ato reclamado apenas levará, necessária e legalmente, a novo ato de recusa de substituição da garantia (ainda que com diferente fundamentação), mantendo-se a garantia entretanto prestada, logo tem de ser convocado o princípio do aproveitamento do ato administrativo.

Porém, sem razão, pois como é consabido, o aproveitamento do ato apenas pode ser convocado quando seja inequívoco que o ato a prolatar não possa ser de outro conteúdo que não de recusa, o que não é, de todo, o caso vertente, não só porque conforme já evidenciado anteriormente a AT tem o poder/dever de solicitar os esclarecimentos e junção de documentação que arrogou, conclusivamente, em falta -logo essa instrução é preliminar traduzindo, claramente, uma apreciação concatenada com ulterior prova- como a própria excecionalidade não foi objeto de qualquer apreciação. Logo, não pode, seguramente, afirmar-se que a nova decisão a proferir sobre o requerimento não permita outra solução que não o indeferimento.

E por assim ser, o recurso não pode ser provido com base no aproveitamento do ato, convocando-se, designadamente, o doutrinado no Acórdão do STA, nº 0559/18, de 20 de dezembro de 2018 que, em situação similar à do caso sub judice, decidiu pela insusceptibilidade de aproveitamento do ato, extratando-se na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“A Recorrente sustenta, a título subsidiário, que sempre deveria manter-se o acto reclamado mediante a aplicação do princípio do aproveitamento do acto. Isto, porque a Recorrente entende que a «anulação do despacho [reclamado] não levará necessariamente à obrigatoriedade de aceitação da garantia oferecida em substituição, mas antes acarretará nova pronúncia pela AT quanto ao que veio solicitado» e, porque no requerimento de substituição a Executada não logrou «fundamentar a excepcionalidade nem o interesse legítimo, devendo [o requerimento] sempre ser indeferido por não cumprimento dos requisitos previstos no n.º 7 do art. 52.º da LGT», ou seja, a seu ver, a «anulação do acto reclamado apenas levará – necessária e legalmente – a novo acto de recusa de substituição da garantia (ainda que com diferente fundamentação), mantendo se a garantia bancária prestada já».
É certo que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a acolher o princípio do aproveitamento do acto – princípio que, actualmente, está consagrado no n.º 5 do art. 163.º do CPA («5- Não se produz o efeito anulatório quando:a) O conteúdo do acto anulável não possa ser outro, por o acto ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;
c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o acto teria sido praticado com o mesmo conteúdo».) e que assenta no entendimento de que não se justifica a anulação de um acto administrativo que foi praticado no exercício de poderes vinculados e está de acordo com os pressupostos fixados na lei.
No entanto, salvo o devido respeito e desde logo, não é líquido que o despacho recorrido não se tenha ainda pronunciado sobre a excepcionalidade e sobre o interesse legítimo e, muito menos, se pode considerar assente que esses requisitos para a substituição da garantia prestada se não verificam.
Seja como for, o que seguramente não pode afirmar-se é que nova decisão a proferir sobre o requerimento não permita outra solução que não o indeferimento, que essa é a única solução admissível em face da lei. Como disse o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, «não resulta evidenciada a inevitabilidade da prática de acto de indeferimento do pedido de substituição da garantia prestada».
Ora, só nessa situação se poderia manter o acto com fundamento no princípio do seu aproveitamento.
Por outro lado, não pode olvidar-se que, apesar de a lei fazer depender a aceitação da hipoteca como garantia da anuência do credor tributário, isso não o dispensa de fundamentar a sua recusa; pelo contrário, a maior liberdade de apreciação do pedido implica deveres acrescidos de fundamentação, reportados a elementos objectivos.
O recurso não pode, pois, ser provido com fundamento no aproveitamento do acto.” (destaques e sublinhados nossos).

Destarte, improcede, igualmente, a alegação atinente ao princípio do aproveitamento do ato.

Assim, tudo visto e ponderado, improcedem, integralmente, todas as alegações da Recorrente mantendo-se, nessa medida, a decisão recorrida.


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Subsiste por apreciar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, constante no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

No Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, resulta claramente que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns, encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pela Recorrente, com a dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe e notifique.

Lisboa, 07 de dezembro de 2021

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)











1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
2) In Acórdão do STA, proferido no processo nº 0559/18, de 20.12.2018, e demais jurisprudência nele citada.
3) Vide, Despacho do SEAAF, nº 240/2021-XXIII.
4) Vide, neste sentido, designadamente Acórdão do STA, no processo nº 0364/14, de 21.06.2017.