Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1060/08.1BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 01/14/2020 |
Relator: | HÉLIA GAMEIRO SILVA |
Descritores: | APLICAÇÃO DA LEI FISCAL NO TEMPO; RETENÇÕES NA FONTE A EMPRESA SEDIADA NO ESTRANGEIRO; JUROS INDEMNIZATÓRIOS / COMPENSATÓRIOS / MORA. |
Sumário: | i. As normas de natureza substantiva aplicam-se a factos e efeitos já consumados no domínio da lei anterior; mas se essas normas definirem o conteúdo (ou efeitos) de relações jurídico-tributárias duradouras, sem referência ao facto que lhes deu origem, como é o caso dos juros indemnizatórios, elas tem aplicação não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que, tendo sido constituídas antes, protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova lei.
ii. Na ausência de norma de direito transitório que regule diretamente a questão da sucessão da lei no tempo quanto a contagem de prazos, são de aplicar à situação as regras gerais do 279.º do CC, sendo a lei nova é aplicável aos pedidos de reembolso pendentes, devendo o prazo de um ano nela fixado ser contado a partir do início da sua vigência. iii. A génese em que assenta o núcleo de enquadramento de juros indemnizatórios e os juros de moratórios no direito fiscal português não tem a mesma natureza. Consideramos que aos juros indemnizatórios foi dado carater ressarcitório ou indemnizatório, enquanto que aos juros de mora a lei fiscal visou a atribuição de caráter sancionatório. iv. Não se verifica paridade entre o regime de liquidação de juros compensatórios e indemnizatórios para efeitos de aplicação cumulativa de juros moratórios, desde logo por se tratar de regimes diferenciados, não se verificando, deste modo qualquer violação ao principio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
1 - RELATÓRIO O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 11 de junho de 2015, julgou parcialmente procedente a impugnação. Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado alegações e formulado as seguintes conclusões: «4 – (…) 4.2 - A fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese, no entendimento de que [a aplicação do art.º 90º-A do CIRC] tem aplicação imediata à relação jurídica estabelecida por efeitos dos pedidos de reembolso de imposto que estão na base da decisão sindicada nos autos. 4.3 - Destarte, salvo o devido respeito, somos de opinião em que a Douta sentença, procedeu à errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente o preceito legal supra citado, bem como não analisou a matéria de facto carreada pela AT. 4.4 - O pedido de juros indemnizatórios apresentado pela impugnante ora recorrida, fundamenta-se no disposto no nº 6 do art.º 90º-A do CIRC (nº 8 à data das decisões proferidas sobre os pedidos de reembolso). 4.5 – Esta disposição legal tem a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 67º-A/2007 de 31 de Dezembro. 4.6 - Acontece, porém, que esta disposição legal (o artigo 90º-A do CIRC) apenas foi introduzida no Código do IRC pelo Dec. – Lei 211/2005 de 07 de Dezembro, tendo entrado em vigor em 01 de Janeiro de 2006. 4.7 – Anteriormente, os reembolsos eram regulados pelo disposto no art.º 90º do mesmo código só que não havia a estipulação de qualquer prazo para que os mesmos se processassem. 4.8 – Ora, tratando-se de um pedido de reembolso formulado em 13-12-2004 - antes da entrada em vigor do art.º 90º-A do CIRC -, não pode ser aplicada esta norma, uma vez que à mesma não foi dada eficácia retroactiva. 4.9 – Por outro, não estamos perante a situação prevista na al. a) do nº 3 do art.º 43º LGT, uma vez que, não estamos perante uma situação de reembolso de imposto oficiosa por parte da Administração Tributária, mas sim de um reembolso de imposto a pedido do contribuinte. 4.10 - Acresce, ainda, o facto de, a requerente não ter procedido à entrega, aquando do pedido de reembolso, de qualquer documento comprovativo da natureza dos rendimentos, bem como o comprovativo da retenção dos montantes reclamados nos cofres do estado, tendo apresentado o pedido de valores superiores ao constante das declarações modelo 30 entregues pela entidade devedora dos rendimentos. 4.11 - Foi necessário proceder à averiguação de alguns elementos e à confirmação de outros pelos serviços de inspecção tributária da Administração Fiscal. 4.12 - A recolha de tais elementos foi comunicada à Direcção de Serviços das Relações Internacionais, em 21-12-2007, que foi recepcionado em 03-01-2008. 4.13 – Só com a recepção deste ofício é que ficou o processo plenamente documentado e, por sua vez, em condições de ser objecto de decisão (que foi tomada em 14-03-2008). 4.14 – Em suma, mesmo que se considerasse que a alteração introduzida ao art.º 90.º-A do CIRC que impõe o prazo de um ano para a tomada de decisão dos pedidos de reembolso tinha efeitos retroactivos, o prazo ali previsto não foi ultrapassado, sendo que o ónus da prova dos factos susceptíveis de gerarem o reembolso são da responsabilidade da entidade requerente de acordo com o disposto no art.º 342º do C.C. 4.15 - Decorre do exposto que a decisão recorrida, ao julgar parcialmente procedente a impugnação no que diz respeito à condenação da Administração Tributária quanto ao pagamento de juros indemnizatórios, faz uma inadequada interpretação do disposto no nº 6 (nº 8 à data da decisão do pedido de reembolso) do art.º 90.º-A do CIRC na redacção à data dos factos. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.» »« H.........., S.A, notificada da apresentação do presente recurso, vem ao abrigo do disposto no artigo 633.º n.ºs 1 e 2 do CPC aplicável por força do artigo 2.º al. e) do Código de procedimento e de processo tributário (CPPT), interpor, para este tribunal, recurso subordinado na parte em que decaiu. Apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…) 1. O princípio da tipicidade que vigora no direito fiscal, refere-se à tipicidade dos tributos, e não pode ser confundido, como a sentença recorrida erradamente fez, com o princípio da legalidade latu sensu, que está subjacente a todo o direito público e que obviamente não está condicionado ou diminuído por qualquer outra limitação, sob pena de violação dos artigos 29.º e 103.º da Constituição. 2. Os juros indemnizatórios vencidos por falta de falta de restituição de tributos no prazo legal constituem uma obrigação de natureza diferente da dos juros moratórios que se vencem por falta de pagamento dos juros indemnizatórios no seu vencimento, pelo que não pode entender-se que se trata da mesma obrigação. 3. Reportando-se os juros indemnizatórios vencidos por falta de restituição de tributos no prazo legal ao período de tempo em que o credor dessa restituição ficou privado do respectivo valor, e reportando-se os juros moratórios ao período de tempo a partir do qual a obrigação de pagar entrou em mora, não pode entender-se que uns e outros se reportem a período de tempo coincidente. 4. Sendo a natureza da obrigação de juros indemnizatórios diversa da obrigação de juros decorrentes da mora, e reportando-se tais obrigações a períodos de tempo diferentes, não existe incompatibilidade entre os mesmos, não ocorre anatocismo, ou cumulação das duas espécies de juros, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto no artigo 43° da LGT, bem como nos artigos 561º e 806° do CC. 5. Prevendo-se no artigo 35° nº 8 da LGT a integração dos juros compensatórios na dívida do sujeito passivo, incidindo os juros de mora sobre a totalidade da liquidação, não pode deixar de entender-se que a falta de pagamento, no prazo legal, dos juros indemnizatórios previstos no artigo 43° da LGT dá lugar a juros moratórios, a pagar pela administração fiscal, sob pena de violação do princípio da igualdade consignado no artigo 13° da CRP. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, proferindo-se acórdão que revogue a sentença na parte aqui recorrida, condenando o impugnado no pagamento à impugnante da consequência pela mora no pagamento da indemnização traduzida nos juros indemnizatórios, desde a data da sua interpelação presumida com a apresentação da impugnação judicial, até efectivo e integral pagamento, como é de Justiça!» »« A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n.º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso apresentado pela Fazenda Pública e, por outro lado, pela procedência do recurso apresentado pela impugnante. »« Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão. »« 2 - OBJECTO DO RECURSO Antes de mais, importa referir que, independentemente das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de junho. Constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo. A situação que nos ocupa coloca-nos perante uma decisão proferida em sede de impugnação judicial que culmina julgando: a) Parcialmente procedente quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, condenando a Fazenda Publica no pedido de pagamento de destes sobre o valor de € 278.767,57, contados desde 01.01.2007 até 09.04.2008, à taxa legal de 4% ao ano; b) Improcedente quanto ao pedido de pagamento de juros de mora. Inconformada a Fazenda Publica vem interpor recurso judicial, independente ou principal, a que o recorrido responde recurso subordinado (art. 633.º do CPC) Assim, e “ultrapassados os requisitos de ordem formal relacionados com a admissibilidade ou com a tramitação do recurso, o tribunal ad quem confrontar-se-á, no momento da decisão, com ambas as pretensões recursórias, sem que o resultado decretado quanto a uma influa necessariamente no sucesso da outra.”(1). Enumerando as questões sob recurso, que nos autos importa aqui decidir, temos em primeiro lugar as de saber se a sentença recorrida enferma de: (1) erro na aplicação do direito por errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente o artigo 90.º-A do CIRC e caso assim seja considerado, se a situação em apreço se inclui no âmbito de aplicação da al. a) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, ou seja de uma restituição oficiosa; (2) erro de julgamento de facto quanto ao apuramento das datas da entrega dos documentos comprovativos na natureza dos rendimentos e respetiva retenção. Seguidamente coloca-se a questão de saber se a falta de pagamento, no prazo legal, dos juros indemnizatórios previstos no artigo 43° da LGT dá lugar a juros moratórios formulada em sede de recurso subordinado.
É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida «A) Em 13.12.2004, deu entrada na Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira pedido de reembolso de imposto – IRC – retido na fonte, apresentado pela ora Impugnante, através de formulário modelo 18RFI, ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suíça, o qual deu origem à instauração do processo n.º 4059/04 (cfr. documento de fls. 142- 143 do processo administrativo apenso aos autos); B) Em 13.12.2004, deu entrada na Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira, pedido de reembolso de imposto – IRC – retido na fonte, apresentado pela ora Impugnante, através de quatro formulários modelo 18RFI, ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suíça, o qual deu origem à instauração do processo n.º 4060/04 (cfr. documento de fls. 54 a 58 do processo administrativo apenso aos autos); C) Em 15.02.2005, deu entrada na Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira pedido de reembolso de imposto – IRC – retido na fonte, apresentado pela ora Impugnante, através de oito formulários modelo 18RFI, ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suíça, o qual foi junto ao processo n.º 4059/04, mencionado na alínea A) que antecede (cfr. documento de fls. 146 a 153 e 160 a 167 do processo administrativo apenso aos autos); D) Em 14.06.2007, a ora Impugnante apresentou requerimento no Gabinete do Ministro de Estado e das Finanças, na Direcção de Finanças de Lisboa e na Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira, nos quais, invocando a demora na prolação de decisão sobre os pedidos de reembolso mencionados em A), B) e C) supra, solicitou àquelas entidades a emissão de certidão “onde conste nomeadamente: a) a data da apresentação dos pedidos em causa; b) o respectivo conteúdo; c) a identificação do processo a que deram origem; d) a identificação dos funcionários responsáveis pela sua direcção; e) o andamento que tiveram; f) a fase em que se encontram; g) o tempo previsível da sua ultimação.” (cfr. documentos de fls. 228 a 224 do processo administrativo apenso aos autos); E) Por ofício datado de 27.06.2007, da Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira, dirigido ao Director de Serviços da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, foi solicitada informação sobre os pedidos de reembolso identificados nas alíneas A) a C) supra, nos seguintes termos: “ (…) "Texto integral no original; imagem" (…) ” (cfr. documento de fls. 63 do processo administrativo apenso aos autos) ; F) Em 28.06.2007, foi emitida pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira a certidão solicitada pela Impugnante, mencionada na alínea D) supra, da qual consta, designadamente, que “ (…) os processos se encontram em fase de instrução, estando pendentes de informação da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, mediando o tempo previsível para a sua conclusão entre 4 a 6 meses” (cfr. documento de fls. 225 do processo administrativo apenso aos autos); G) Em resposta ao solicitado pelo ofício mencionado em E) supra, foi emitida, em 19.12.2007, informação pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, sancionada por despacho de 20.12.2007, da qual constam as seguintes conclusões: “ (…) "Texto integral no original; imagem" (…) "Texto integral no original; imagem" (…) "Texto integral no original; imagem" "Texto integral no original; imagem" (…)” cfr. documento de fls. 66 a 69 do processo administrativo apenso aos autos ); H) Por ofício datado de 21.12.2007, foi remetida à Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira, a informação mencionada na alínea G) que antecede, a qual foi recepcionada em 03.01.2008 (cfr. documento de fls. 69 do processo administrativo apenso); I) No seguimento da recepção da informação mencionada em G) supra, foi proferida informação no processo n.º 4059/04, referido em A), pelos serviços da Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira, da qual consta, para o que aqui importa, o seguinte: “ (…) "Texto integral no original; imagem" (…) (…) (…)” (cfr. documento de fls. 122 a 139 do processo administrativo apenso aos autos) ; J) Por despacho da Directora de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira, proferido em 14.03.2008, no processo n.º 4059/04, referido em A) supra, foi autorizado o reembolso à ora Impugnante de IRC no montante de € 121.126,19, “conforme proposto” na informação mencionada em I) supra (cfr. documento de fls. 122 do processo administrativo apenso aos autos; K) No seguimento da recepção da informação mencionada em G) supra, foi proferida informação no processo n.º 4060/04, referido em B) supra, pelos serviços da Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira, da qual consta, para o que aqui importa, o seguinte: “ (…) "Texto integral no original; imagem" (…) (…) (…) ” (cfr. documento de fls. 42 a 53 do processo administrativo apenso aos autos); L) Por despacho da Directora de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira, proferido em 14.03.2008, no processo n.º 4060/04, referido em B) supra, foi autorizado o reembolso à ora Impugnante de IRC no montante de € 157.641,38, “conforme proposto” na informação mencionada em K) supra (cfr. documento de fls. 42 do processo administrativo apenso aos autos); M) Pelos ofícios n.ºs 5671 e 5672, de 19.03.2008, a ora Impugnante foi notificada das decisões mencionadas em J) e L), de deferimento dos seus pedidos de reembolso de imposto identificados em A), B) e C) supra (cfr. documentos de fls. 7 e 8 dos autos e fls. 41 e 119 do processo administrativo apenso aos autos); N) Por carta registada com aviso de recepção dirigida à Directora de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira, recepcionada nestes serviços em 28.03.2008, a Impugnante solicitou a “emissão de certidões das notas discriminativas dos cálculos efectuados para determinação dos montantes a reembolsar (…), com menção expressa da inclusão ou não nesses montantes dos juros indemnizatórios entretanto vencidos nos termos legais” (cfr. documento de fls. 9 e 10 dos autos); O) Em resposta ao pedido de emissão de certidão mencionado na alínea N) que antecede, foi emitida pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira certidão com o seguinte teor: “(…) (…) ” (cfr. documento de fls. 12 e 13 dos autos); P) Pelo ofício n.º 9142, de 08.05.2008, foi remetida à Impugnante a certidão mencionada em O) supra (cfr. documento de fls. 11 dos autos); Q) Em 09.04.2008, foram emitidos os cheques sobre o Tesouro n.ºs ..........77, ..........25, ..........26, ..........27, ..........28 e ..........29, à ordem da ora Impugnante, no valor total € 278.767,57, correspondente ao montante a reembolsar em conformidade com as decisões de deferimento dos pedidos de reembolso de imposto mencionadas em J) e L) supra (cfr. documentos de fls. 104 a 109 do processo administrativo apenso aos autos); R) Pelo ofício n.º ....., datado de 14.05.2008, foram remetidos à ora Impugnante os cheques mencionados na alínea Q) supra (cfr. documento de fls. 103 do processo administrativo apenso aos autos). * Factos não provados: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão. * Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo apenso, com destaque para os referidos a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»
De direito A Fazenda Pública recorre inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa na parte em que condenou a AT a pagar ao contribuinte juros indemnizatórios contados desde 01/01/2007 até 09/04/2008, imputando-lhe errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis. Considera que o art.º 90.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), em vigor na ordem jurídica portuguesa desde 01 de janeiro de 2006 (aditado ao Código pelo art. 10.º do Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de dezembro) não tem aplicação ao caso concreto, uma vez que à mesma (lei) não foi dada eficácia retroativa e em causa está um pedido de reembolso formulado em 13/12/2004. Refere ainda que não são devidos juros indemnizatórios porque o art.º 90.º do CIRC, em vigor à data do pedido, não estipulava prazo para que o reembolso fosse processado e que não estamos perante a situação prevista na al. a) do nº 3 do art.º 43º LGT, uma vez que, nos autos não está em causa uma situação de reembolso de imposto oficiosa por parte da Administração Tributária, mas sim de um reembolso de imposto a pedido do contribuinte – (concl. 4.1 a 4.9 do recurso principal). Vejamos então: A sentença recorrida, depois de considerandos de ordem geral sobre a questão da sucessão da lei fiscal no tempo, conclui pelo enquadramento da situação em apreço na redação que foi dada ao art. 90.º-A da CIRC aditado pela Lei n.º 211/2005 de 07/12 com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 67.º-A 2007 de 31/12 para o que alinhou um discurso fundamentado em doutrina e jurisprudência que culmina na conclusão de que a norma: “…tem aplicação imediata à relação jurídica estabelecida por efeito dos pedidos de reembolso de imposto que estão na base da decisão sindicada nos autos. De facto, resulta claro da leitura do referido preceito legal que tais normas visam exclusivamente disciplinar o percurso temporal do procedimento de reembolso do imposto retido em excesso a contribuintes não residentes, abstraindo-se de qualquer valoração dos factos constitutivos da respetiva responsabilidade. Deste modo, tais normas não visam outra coisa senão produzir efeitos procedimentais, conexionando-se apenas com o direito, sem referência aos factos que lhes deram origem, pelo que nada obsta, face aos princípios gerais que acima deixámos enunciados, à aplicação dessas normas às relações tributárias por elas abrangidas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.” Concordamos com este entendimento, porque o mesmo se mostra acolhido pelo instituto regulador da sucessão no tempo das normas tributárias e acrescentamos que tem vindo a ser este o percurso cognitivo da jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria. Na verdade o respetivo regime legal encontra-se instituído na Lei Geral Tributária (LGT) art. 12.º que assenta na proibição constitucional da retroatividade da lei fiscal (art. 103.º n.º 3 da CRP), que expressamente impõe que ninguém possa ser obrigado a pagar impostos . .. que tenham natureza retractiva. Resulta do cotado artigo 12.º da LGT o seguinte: Artigo 12 ° Aplicação da lei tributária no tempo 1. As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos. 2. Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor. 3. As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes. 4. Não são abrangidas pelo disposto no número anterior as normas que, embora integradas no processo de determinação da matéria tributável, tenham por função o desenvolvimento das normas de incidência tributária. (o negrito é nosso) Como se vêm trata-se da reafirmação do principio geral da irretroatividade, adotado no direito nacional expresso no Código Civil (art. 12.º) no sentido de que as normas tributárias se aplicam aos factos posteriores à sua entrada em vigor. Porém encontramos especificidades próprias na sua aplicação a outros ramos do direito e também no direito transitório tributário, nomeadamente nas normas que disciplinam os regimes das obrigações que emergem desses factos tributários e, concretamente, nas que preveem procedimentos. Do art. 12.º do Código Civil (CC) resulta que: Artigo 12.º Aplicação das leis no tempo. Princípio geral 1 - A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2 - Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor. (o negrito é nosso) “Deste preceito, tal como do artigo 12º da LGT, retiram-se dois princípios basilares: o da não retroactividade da lei e o da sua aplicação imediata. Ou seja, a lei nova só tem, em princípio, eficácia para o futuro, apresentando, como regra, eficácia prospectiva.” É o que ressalta do texto do acórdão proferido pelo STA em 13/01/2010 no processo nº 1148/09, que mais se transcreve e que, diga-se, vem assumido na sentença sob recurso: “(…) Mas, como adverte ANTUNES VARELA in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 120, pág.151., o princípio da aplicação prospectiva assume duas faces distintas, embora complementares: salvo disposição em contrário, a lei aplica-se a factos futuros, mas quanto às relações jurídicas duradouras a lei nova aplica-se não só às relações constituídas na sua vigência como às constituídas antes que se mantenham na vigência da lei nova. E, como explicam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA in “Código Civil, Anotado”, Vol. I, pág. 61., «Previnem-se no n.º 2, em primeiro lugar, os princípios legais relativos às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos, ou referentes aos seus efeitos. Assim, por exemplo, as condições de validade de um contrato (capacidade, vícios de consentimento, forma, etc.), bem como os efeitos da respectiva invalidade, têm de aferir-se pela lei vigente ao tempo em que o negócio foi celebrado. (...). Se, porém, tratando-se do conteúdo do direito, for indiferente o facto que lhe deu origem, a nova lei é já aplicável. Assim, para fixar o conteúdo do direito de propriedade, ou de qualquer outro direito real, é aplicável a lei nova e não a lei da data da sua constituição. Não interessa, na verdade, saber qual foi o título constitutivo, nem qual foi, por consequência, a data da formação do direito. (...)». Dito de outro modo, e citando BAPTISTA MACHADO in “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Almedina, pag. 29 e 18 e 19., «no n.º 2 do art.º 12º do nosso Código estabelece-se a seguinte disjuntiva: a lei nova, ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos, e neste caso só se aplica a factos novos, ou define o conteúdo (os efeitos) de certa relação jurídica independentemente dos factos que a essa relação jurídica deram origem, e então é de aplicação imediata (quer dizer, aplica-se, de futuro, às relações jurídicas anteriormente constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor)». E acrescenta, «(...) a lei nova relativa ao conteúdo (ou efeitos) de uma relação jurídica só não abstrai dos factos que a essa relação deram origem quando define ou modela intrinsecamente esse conteúdo em função de tais factos (...) isto é, quando os efeitos ou consequências jurídicas que ela determina são o produto da valoração legal de tais factos e variam consoante essa valoração, de tal modo que se possa dizer que a aplicação da lei nova aos efeitos duma relação constituída com base num facto passado representaria uma nova valoração desse facto passado e, consequentemente, teria carácter retroactivo.». Sobre essa mesma norma, OLIVEIRA ASCENSÃO “O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira”, 10.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 489. pronuncia-se em termos que se nos afiguram impressivos, estabelecendo a seguinte distinção: «1) A lei pode regular efeitos como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos factos. Assim, a lei que delimita a obrigação de indemnizar exprime uma valoração sobre o facto gerador de responsabilidade civil; (...); 2) pelo contrário, pode a lei atender directamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado. Se a lei estabelece os poderes vinculações do proprietário, pouco lhe interessa que a propriedade tenha sido adquirida por contrato, ocupação ou usucapião: pretende abranger todas as propriedades que subsistam. Aplica-se, então, imediatamente a lei nova.». Em consonância com o que acaba de se expor, podemos fixar o seguinte entendimento: se a nova regulamentação legal se prende com qualquer facto produtor de certo efeito, ela tem, tão só, aplicação aos factos novos; já se a nova regulamentação se conexiona apenas ao direito, sem referência ao facto que lhe deu origem, então a lei nova aplica-se às relações jurídicas já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor. Nesta conformidade, as normas de natureza substantiva contidas na LGT não se aplicam a factos e efeitos já consumados no domínio da lei anterior; mas se essas normas definirem o conteúdo (ou efeitos) de relações jurídico-tributárias duradouras, como é o caso da maior parte das obrigações tributárias, sem referência ao facto que lhes deu origem, elas vão aplicar-se não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que, constituídas antes, protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova regra. Donde decorre que é perfeitamente possível, no nosso sistema jurídico, aplicar normas tributárias compreendidas em diferentes diplomas (lei antiga e a lei nova) a uma relação ou situação jurídica de natureza tributária duradoura, não podendo o efeito imediato da lei nova ser considerado, em tais situações, como representando um efeito retroactivo. (…)”
Termos em que nada há a obstar ao entendimento largamente explanado no texto decisório de aplicação do estatuído no art.º 90.º-A do CIRC, no que respeita à dispensa de retenção na fonte sobre os rendimentos auferidos por entidades não residentes. A Fazenda Publica vem ainda dizer que a situação sub judice não se enquadra na al. a) do nº 3 do art.º 43º LGT, uma vez que, não estamos perante uma situação de reembolso de imposto oficiosa por parte da Administração Tributária, mas sim de um reembolso de imposto a pedido do contribuinte - (concl. 4.9 do recurso principal). Trata-se de um raciocínios que, salvo o devido respeito, consideramos parco de sentido, uma vez que a obrigação de proceder ao pagamento de juros indemnizatórios resulta expressamente do próprio texto legal(2) que esclarece termos, requisitos e prazos de que depende a respetiva restituição, a saber: “6 - O reembolso do excesso do imposto retido na fonte deve ser efectuado no prazo de um ano contado da data da apresentação do pedido e dos elementos que constituem a prova da verificação dos pressupostos de que depende a concessão do benefício e, em caso de incumprimento desse prazo, acrescem à quantia a reembolsar juros indemnizatórios calculados a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado.” O negrito é nosso. Emerge assim do texto citado que, caso não sejam cumpridas as condições impostas pela norma, a liquidação de juros indemnizatórios é devida. Trata-se de uma obrigação não dependente de qualquer tipo de pedido do contribuinte, deve ser efetivada oficiosamente, pelos Serviços, uma vez verificados os respetivos pressupostos legais. Termos em que, nesta parte a sentença não merce a censura que a recorrente lhe assaca. O mesmo se diga quanto ao decidido relativamente ao prazo para proceder ao reembolso e bem assim ao erro de julgamento de facto que vem invocado nas conclusões 4.10 a 4.13 final do recurso principal. A Fazenda Publica vem alegar que a sentença não ponderou o facto de a requerente não ter procedido à entrega, aquando do pedido de reembolso, de qualquer documento comprovativo da natureza dos rendimentos e que o pedido formulado foi de valor superior ao constante das declarações modelo 30 entregues pela entidade devedora dos rendimentos. Diz ainda que foi necessário proceder à averiguação de alguns elementos e à confirmação de outros pelos serviços de inspeção tributária da Administração Fiscal e que a recolha de tais elementos foi comunicada à Direção de Serviços das Relações Internacionais, em 21/12/2007, que foi rececionado em 03/01/2008 e só com a receção deste ofício é que o processo ficou plenamente documentado e em condições de ser objeto de decisão (que foi tomada em 14-03-2008) e tem razão conforme resulta dos pontos H) e J) do probatório. Porém, não invoca qualquer facto capaz de atribuir ao sujeito passivo responsabilidade pela morosidade do procedimento, sendo que, adiantamos já, o prazo que lhe é conferido para proceder ao reembolso só pode ser suspenso nos casos em que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente. É o que ressalta da leitura do n.º 7 do art. 90.º-A (n.º 9 na redação que lhe foi dada pela lei n.º 67.º-A /2007 de 31/12) que citamos: “7 - Para efeitos da contagem do prazo referido no número anterior, considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente.” Face a este quadro legal o Mmo Juiz a quo, vem concluir, ao arrepio do defendido pela Fazenda Publica, que, na situação em apreço, que o prazo de um ano previsto para a decisão do pedido de reembolso se inicia a partir desta data da entrada em vigor da lei (01/01/2006) e não, a partir da data de apresentação dos pedidos de reembolso. Para assim concluir a sentença recorrida perfilou, no que aqui importa, a seguinte exposição argumentativa: “(…) Sublinha-se, porém, que, estabelecendo a referida norma, como pressuposto da atribuição de juros indemnizatórios, o prazo de um ano contado da data da apresentação do pedido de reembolso e dos elementos que constituem a prova da verificação dos pressupostos de que depende a concessão do mesmo, considerando que a norma em questão entrou em vigor em 01.01.2006 (cfr. artigo 11.º, n.º 2, do referido Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de Dezembro), o referido prazo de um ano previsto para a decisão do pedido de reembolso inicia-se a partir desta data e não, como defende a Impugnante, a partir da data de apresentação dos pedidos de reembolso (cfr. regra geral do artigo 297.º do CC). In casu, resulta dos autos (cfr. alíneas A), B), C) e E) do probatório) que, tendo os pedidos de reembolso sido apresentados em 13.12.2004 e 15.02.2005, somente em 27.06.2007 a Direcção de Serviços das Relações Internacionais remeteu ofício à Direcção de Serviços de Inspecção Tributária a solicita informação sobre os pedidos de reembolso. Assim, quando foi praticado o primeiro acto de instrução conhecido nos autos já tinha sido largamente ultrapassado o prazo de um ano fixado no então n.º 6 do artigo 90.º-A do CIRC para a prolação da decisão a recair sobre os pedidos de reembolso, mesmo se contado a partir da entrada em vigor desta norma legal (01.01.2006). Alega a Fazenda Pública que os pedidos apresentados pela Impugnante não se encontravam devidamente instruídos para que em relação ao mesmo fosse tomada decisão nos tempos pretendidos, uma vez que foi necessária a averiguação/confirmação de alguns elementos. Pelo que o prazo previsto no artigo 90.º-A do CIRC não foi ultrapassado. Não pode, contudo, proceder o argumento da Fazenda Pública. O n.º 6 do artigo 90.º-A do CIRC é claro quando prevê que os elementos essenciais para a consideração do início do prazo de um ano são a apresentação do pedido e dos elementos que constituem a prova da verificação dos pressupostos de que depende a concessão do benefício. No caso dos autos, considerando a actividade instrutória encetada pela Administração Tributária, mais concretamente o teor do pedido de informação dirigido pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais à Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, bem como a resposta desta entidade, verifica-se que a única duvida relevante suscitada pelos pedidos de reembolso em questão deriva do facto dos valores (de rendimentos e retenção) declarados nos formulários utilizados terem-no sido em coroas suecas e não em euros. Ora, não está aqui em causa a falta de qualquer dos elementos legalmente estabelecidos constitutivos da prova da verificação dos pressupostos para a concessão do reembolso solicitado. Sendo que, com uma simples operação de aritmética se poderia determinar o quantum do reembolso, sem necessidade de qualquer outro elemento que devesse ser disponibilizado pelo contribuinte. De resto, não resulta dos autos, nem tal é alegado, que tivesse sido solicitado à ora Impugnante a apresentação de qualquer um adicional elemento de prova, ou sequer de uma simples informação. Em última instância, e ainda que se entenda como inadmissível e intransponível a declaração dos valores em moeda diferente do euro – o que não se admite, e não resulta dos autos –, a verificação desse facto poderia conduzir ao deferimento parcial do pedido de reembolso, mas nunca implicaria a suspensão ou paragem injustificada do procedimento. E assim sendo, ao contrário do alegado pela Fazenda Pública, não existe qualquer suporte legal que sustente a posição de que foi apenas a partir de 03.01.2008 que o procedimento passou a estar em condições de prosseguir e ser decidido. Por outro lado, da matéria dada como assente resulta claro que, tendo os pedidos de reembolso sido apresentados em 13.12.2004 e 15.02.2005, somente em 27.06.2007 a Direcção de Serviços das Relações Internacionais solicitou à Direcção de Serviços de Inspecção Tributária informação com vista à instrução dos pedidos de reembolso da Impugnante, ou seja, decorridos mais de 3 anos após tais pedidos, e cerca de 1 ano e seis meses após a entrada em vigor dos nºs 6 e 7 do artigo 90.º-A do CIRC, já após as interpelações da Impugnante no sentido de lhe ser informado do estado dos pedidos de reembolso. Sendo que a informação solicitada só foi elaborada cerca de 4 anos após a apresentação dos referidos pedidos. Ora, o que decorre da matéria assente é que, pelo menos até ao final do ano de 2007, nunca foram pedidos quaisquer elementos à Impugnante que implicassem a suspensão ou paragem do procedimento, designadamente nunca foi aquela interpelada para apresentar qualquer elemento que a Administração Tributária considerasse em falta. De resto, e pelo que decorre dos autos e do processo administrativo apenso, este pedido de elementos de prova nunca foi solicitado à Impugnante, o que revela, como supra foi referido, ter a Impugnante apresentado todos os elementos documentais que lhe eram exigíveis para a comprovação dos pressupostos da obtenção da restituição requerida. Tal como não se pode concluir que foi por motivo imputável à Impugnante que o procedimento não foi concluído no prazo previsto no então n.º 6 do artigo 90.º-A do CIRC. Por outro lado, para que pudesse assistir razão à Fazenda Pública, e de acordo com o teor literal da lei, a suspensão do prazo de um ano teria naturalmente de ocorrer antes do decurso desse mesmo prazo, o que, não sucedeu. (…)” E, com efeito, assim é. Não sofre dúvidas que, tal como decidido, de acordo com o disposto no nºs 6 e 7 do artigo 90.º-A do CIRC, a suspensão do prazo concedido à AT para proceder ao reembolso do excesso do imposto retido na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes, apenas se verifica no caso em que o procedimento venha a ficar parado por motivo imputável ao requerente, o que in casu não se provou. Sendo certo ainda que, conforme decorre do probatório, o procedimento administrativo tendente à verificação da prova dos pressupostos de que depende a concessão do benefício teve inicio quando já havia terminado o prazo concedido à AT para proceder ao reembolso. É o que aqui se verifica, em face dos pontos A), B), C) e E) do probatório. Temos, pois, para o que aqui importa, que considerar a inexistência de qualquer facto suspensivo e confirmar o que, com acerto, assim decidiu, sendo devidos juros indemnizatórios desde 01/01/2007, um ano após a entrada em vigor da lei, até 09/04/2008, data em que foram emitidos os cheques de reembolso (ponto Q) do probatório). Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação do recurso principal que vínhamos analisando. Passemos, por fim à questão formulada em sede de recurso subordinado e que consiste em saber se a falta de pagamento, no prazo legal, dos juros indemnizatórios previstos no artigo 43° da LGT dá lugar a juros moratórios. Alega, nesta parte, Recorrente, H.........., S.A, que os juros indemnizatórios vencidos por falta de falta de restituição de tributos no prazo legal constituem uma obrigação de natureza diferente da dos juros moratórios que se vencem por falta de pagamento dos juros indemnizatórios no seu vencimento, pelo que, em seu pensar, não pode entender-se que se trata da mesma obrigação, nem que se reporta ao mesmo período, já que estes vencem-se por falta de restituição de tributos no prazo legal e pelo período de tempo em que o credor dessa restituição ficou privado do respetivo valor, e aqueles (os moratórios) reportam-se ao período de tempo a partir do qual a obrigação de pagar entrou em mora. Considera ainda que não existe incompatibilidade entre os mesmos, não ocorre anatocismo, ou cumulação das duas espécies de juros, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto no artigo 43° da LGT, bem como nos artigos 561º e 806° do CC. Termina com apelo à similitude entre o regime legal previsto no artigo 35° nº 8 da LGT nomeadamente no que respeita à integração dos juros compensatórios na dívida do sujeito passivo e à incidência de juros de mora sobre a totalidade da liquidação, considerando não pode deixar de entender-se que a falta de pagamento, no prazo legal, dos juros indemnizatórios previstos no artigo 43° da LGT dá lugar a juros moratórios, a pagar pela administração fiscal, sob pena de violação do princípio da igualdade consignado no artigo 13° da CRP. Por seu lado, na sentença recorrida, o Mmo Juiz a quo, sustentado em laboriosa jurisprudência segue o entendimento de que estas duas espécies de juros (indemnizatórios e moratórios) têm a mesma função, correspondendo ambos a uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil, diz-se na sentença: “Com efeito, os juros moratórios a favor do contribuinte e os juros indemnizatórios perseguem a mesma finalidade: os indemnizatórios destinam-se “a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária” e os moratórios visam “reparar prejuízos presumivelmente sofridos [pelo sujeito passivo], derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente”. Considera ainda o Recorrente que, atento o domínio dos princípios da legalidade e tipicidade no âmbito do direto fiscal nacional encontra-se vedada à administração tributária a possibilidade de convencionar o anatocismo após o vencimento dos juros e conclui pela possibilidade de os juros indemnizatórios serem fonte de novos juros. Não acompanhamos inteiramente esta posição, não olvidando porém que a doutrina e jurisprudência, iam (ou vão ainda) maioritariamente no sentido de que os juros indemnizatórios e moratórios se destinam a compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente paga, e por conseguinte, não são cumuláveis relativamente ao mesmo período de tempo(3), porém, em nosso entender a génese em que assenta o núcleo de enquadramento de juros indemnizatórios e os juros de moratórios no direito fiscal português não tem a mesma natureza. Consideramos que aos juros indemnizatórios foi dado carater ressarcitório ou indemnizatório, enquanto que aos juros de mora a lei fiscal visou a atribuição de caráter sancionatório. Entendemos que isso ressalta desde logo da lei que os institui os respetivos regimes, nomeadamente do art. 43.º da LGT. Atentemos assim e antes de mais, no teor do referido preceito legal, que tem sob epigrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”. “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos; b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito; c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro) 4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. 5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.” (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro. De acordo com o n.º 3 do art. 151.º do mesmo diploma a nova redação deste n.º 5, tem aplicação imediata às decisões às decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente à data de 2012-01-01.) O negrito e sublinhado são nossos Salienta desde logo a norma citada, nomeadamente do seu n.º 1 e 3, que legislador tributário enumera diferentes situações suscetíveis de integração no direito ao ressarcimento através de juros indemnizatórios, já no que se refere a juros de mora, a obrigação legal cinge-se apenas às situações em que as decisões judiciais não foram cumpridas no período de execução espontânea. Recordemos que a situação que nos ocupa vem enquadrada na al. a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, ou seja, trata-se de um reembolso cujo pagamento não depende (ainda) de uma decisão judicial transitada em julgado, o seu reconhecimento decorre de não ter sido cumprido o prazo legal de restituição oficiosa do tributo, situação, por si, afasta a aplicação do n.º 5 do referido art. 43.º. Com intuito de clarificar a apreciação que vimos fazendo, convocamos o acórdão deste TCAS proferido em 16/11/2017 no processo n.º 1388.15/4BELRS, que acompanhamos: “(…) Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respectivas regras. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/09/2015, proc. 8862/15).” Ou seja, a obrigação de proceder ao pagamento de juros indemnizatórios visa a compensação pela privação da disponibilidade do valor da prestação tributária indevidamente liquidada, e neste contexto tem carater geral, ou seja, não depende, necessariamente do pedido, é de conhecimento oficioso nos casos em que a lei expressamente o refere, logo que sejam verificados os respetivos pressupostos legais. É o que, prosseguindo, nos diz o aresto citado: “ (…) Os pressupostos para a constituição do direito aos juros indemnizatórios são distintos consoante o seu enquadramento legal, o que resulta, aliás, da parte final do artº.100, da L.G.T., norma que contém implícita uma remissão para o disposto no artº.43, do mesmo diploma, bem como para o artº.61, do C.P.P.T. Nos termos do artº.43, nº.1, da L.G.T., o direito a juros indemnizatórios depende do reconhecimento, em sede de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, de que houve erro imputável à A. Fiscal. (…) Já nos casos descritos nas várias alíneas do artº.43, nº.3, do mesmo diploma, o direito a estes juros parece exclusivamente dependente da verificação dos respectivos pressupostos de facto, ou seja, incumprimento do prazo legal de restituição oficiosa do tributo [al.a)], atraso no processamento da nota de crédito, em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da Fazenda Pública [al.b)], ou concretização da revisão do acto tributário mais de um ano após o pedido do contribuinte [al.c)]. Estamos perante situações em que se verifica o atraso da A. Fiscal na restituição de tributos (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos llegais, Áreas Editora, 2010, pág.64 e seg.).” Por seu lado, o direito à liquidação de juros de mora depende do pedido do contribuinte e implica que haja sido reconhecido judicialmente a restituição do tributo, indevidamente pago (artigos 43.º n.º 5 e 102.º n.º 2 ambos da LGT) É o que nos diz mais adiante o aresto que vimos citando, vejamos então: “(…) Nos termos da lei os juros moratórios são devidos, a pedido do sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória, prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial cuja execução se pede e não com a data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da A. Fiscal competente para a execução, pelo que deve considerar-se que o artº.146, nº.2, do C.P.P.Tributário, ao prever coisa diferente, assim afrontando o artº.100, da L.G.Tributária, e o artº.205, nº.2, da Constituição da República, é material e organicamente inconstitucional (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/3/2009, rec.983/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/09/2013, proc.6718/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8379/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2015, proc.8862/15; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.528; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.887). (…)” Do que deixa exposto concluímos que a situação dos autos, enquadrada como foi, no seio da al. a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT escapa ao regime instituído para os juros moratórios por lhe faltar o carater sancionatório que constitui pressuposto do respetivo regime. Resta ainda apreciar o apelo que é feito quanto à similitude entre o regime legal previsto no artigo 43.º da LGT, referente a juros indemnizatórios e aquele que foi instituído no artigo 35° nº 8 do mesmo diploma legal, nomeadamente no que respeita à integração dos juros compensatórios na dívida do sujeito passivo e à incidência de juros de mora sobre a totalidade da liquidação e á eventual violação do princípio da igualdade consignado no artigo 13° da CRP. Neste ponto acompanhamos o que quanto ao mesmo ressalta do texto recorrido. O regime de liquidação de juros compensatório encontra-se regulado no art.35.º da LGT, nos termos do qual (n.º 1) os mesmos são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária. A liquidação deste tipo de juros depende da relação entre o comportamento culposo do sujeito passivo da relação jurídica tributária e a falta de recebimento pontual de prestação por parte da AT, comportamento esse, que se prevê censurável. A liquidação de juros compensatórios tem assim, na sua base, uma reparação civil e, por isso, depende do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formulação de um juízo de censura à sua atuação. Do n.º 8 do citado art. 35.º escoa que os juros compensatórios se integram na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados. E é o que basta para se concluir pela inexistência de paralelo nos regimes de liquidação de juros indemnizatórios e compensatórios, já que os dois regimes contêm diferenças de base, o que, por si, obsta à verificação da similitude invocada. A este respeito citamos um excerto da anotação 10. b) ao artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, volume I, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, p. 551 de Jorge Lopes de Sousa, também transcrito na sentença recorrida. “(…) Na verdade, ao contrário do que sucede com os juros compensatórios, que se integram «na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados» (art. 35.º, n.° 8, da LGT), constituindo um agravamento do imposto, os juros indemnizatórios mantêm a sua autonomia em relação ao tributo a que se reportam e lhes serve de base de cálculo. Com efeito, é esta a interpretação que, em boa hermenêutica, se tem de fazer perante o facto de para os juros compensatórios estar expressamente prevista aquela integração na dívida de imposto e não ser feita uma indicação paralela idêntica para os juros indemnizatórios, quando é certo que legislativamente se estendeu aos juros indemnizatórios uma parte do regime dos juros compensatórios, designadamente as taxas aplicáveis (art. 43.°, n.° 4, da LGT). Estando-se, nesta norma, a ponderar a aplicação do regime dos juros compensatórios aos juros indemnizatórios, o facto de apenas se ter estabelecido a aplicação das taxas e não qualquer dos outros elementos do seu regime legal conduz com segurança à conclusão de que apenas quanto às taxas de juro se pretendeu equiparar os regimes dos dois tipos de juros e não também quanto aos elementos comuns, relativamente aos quais não se estendeu a equiparação. Ora, sendo assim, o regime dos juros indemnizatórios será diferente do regime dos juros compensatórios. (…)”. Aqui chegados e regressando, para finalizar, à situação que nos ocupa concluímos pela inexistência de paridade entre o regime de liquidação de juros compensatórios e indemnizatórios, não se verificando, deste modo qualquer violação ao principio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP. A sentença recorrida não enferma de qualquer dos erros que lhe vem invocados devendo ser confirmada in totum.
4 - DECISÃO Em face do exposto, acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em negar provimento aos recursos interpostos (principal e subordinado) e manter a decisão recorrida. Custas pelos Recorrentes em partes iguais Lisboa, 14 de janeiro de 2020. (Hélia Gameiro Silva)
(Jorge Cortez )
(Ana Pinhol)
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