Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:723/15.0 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
TAXA
FACTURA
EXIGIBILIDADE
Sumário:I - A nulidade da sentença por excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido suscitadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.

II - Nos termos do art.º 39.º, n.º 12 do CPPT, “o ato de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do ato e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data”.

III - Esta norma não tem aplicabilidade quando o ato notificando (liquidação da taxa) seja praticado por uma entidade privada concessionária de serviços públicos e não por um órgão administrativo.

IV - O mesmo é dizer que nessas situações (que é a dos autos), a não indicação do autor do ato não inquina de nulidade o ato de notificação, falecendo o pressuposto do conhecimento oficioso.

V - A ilegalidade em concreto do ato que deu origem à dívida exequenda só é admitida como fundamento de oposição à execução fiscal nas raras situações em que «a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação» [cf. alínea h) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT], ou seja, quando a dívida exequenda não tenha origem em ato tributário ou administrativo prévio.

VI – No caso, com vista à liquidação das taxas em causa foram emitidas as respetivas faturas; são estas as faturas que externam e consubstanciam a liquidação das taxas, as quais foram comunicadas à Recorrida, pelo que não colhe a argumentação no sentido da inexigibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação das taxas em cobrança coerciva.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

“A.................... VI – …………………, Lda.” veio deduzir oposição no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) nº......................069 que o Serviço de Finanças (SF) de Faro lhe moveu para cobrança das taxas de exploração do domínio público aeroportuário, no montante de €18.860,82, devidas à ANA- Aeroportos e Navegação Aérea, S.A.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, por sentença datada de 31 de janeiro de 2019, julgou procedente a oposição.

Inconformada com o assim decidido, a exequente, ANA- Aeroportos e Navegação Aérea, S.A. recorreu para este Tribunal Central Administrativo Sul tendo, na sua alegação, apresentado as seguintes conclusões:

«1) Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 31.01.2019, que julgou procedente a Oposição à Execução apresentada pela Recorrida contra os atos de liquidação da taxa de exploração do domínio público aeroportuário de 2014;

2) A referida sentença padece de erro de apreciação da matéria de facto, por ter considerado que os atos de notificação das taxas de exploração à Recorrida não indicam o respetivo autor, cumprindo a exigência do nº12 do artigo 39° do CPPT, o que não só é falso como contrário aos pontos l e 2 da matéria de facto provada;

3) Embora a sentença aponte outras supostas irregularidades, tais como a insuficiência da especificação dos serviços e falta de indicação dos meios de reação, os mesmos não foram causais da decisão, nem podiam sê-lo, pois não só não geram nulidade da notificação como também não estão entre o leque de vícios cognoscíveis em sede de oposição à execução, para além de tais vícios não terem sido arguidos pela Recorrida nem prejudicado a sua oposição à presente execução.

4) O Tribunal a quo andou mal por ter desconsiderado, dos documentos de fls. 12 e 13 dos autos, correspondentes às faturas emitidas peia Recorrente à Recorrida para cobrança da taxa de exploração do domínio público aeroportuário de 2014, os vários elementos constantes dos mesmos que permitem, taxativamente, identificar a Recorrente como autora desses mesmos atos;

5) Em particular, atente-se ao facto de o conteúdo integral dos referidos documentos ter sido dado como provado na formação da convicção do Tribunal a quo, incluído no probatório deste processo, enquanto matéria factual assente, tendo inexistido qualquer impugnação pelas partes ou convicção de falta de autenticidade pelo Tribunal a quo;

6) Basta uma análise dos documentos em causa para comprovar que os vários elementos de identificação do autor dos respetivos atos são mencionados em várias partes destas faturas - a título de exemplo, veja-se que a designação social da Recorrente consta do canto superior esquerdo, do canto inferior esquerdo, bem como do próprio cabeçalho do papel timbrado;

7) Pelo que a conclusão do Tribunal a quo de estarmos perante atos sem indicação do seu autor se revela incorreta, não lhe podendo ser assacada a consequência - nulidade - aplicada pelo Tribunal;

8) Sublinhe-se que para a análise deste erro de facto incorrido pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, releva, ainda, a circunstância de a Recorrida não ter, em momento algum, invocado este fundamento de nulidade, nem ter suscitado qualquer confissão relativa à indicação do autor dos atos;

9) O facto de a Oposição à Execução ter sido corretamente (meramente do ponto de vista da entidade a quem se dirige) interposta contra a entidade emitente das referidas faturas constitui, aliás, a prova máxima da total ausência de confusão a este respeito na esfera da Recorrida;

10) Mal andou, ainda, o Tribunal a quo na interpretação do conceito de autor do ato constante do invocado n°12 do art°39 do CPPT, ao pretender a designação, nos atos de notificação, de um órgão específico no seio da Recorrente;

11) Efetivamente, o autor do ato é a Recorrente, que é a pessoa coletiva à qual todos os atos praticados dentro da mesma são imputáveis. A designação de um órgão autor dos atos não resulta do n°12 do art°39 do CPPT, invocado pelo Tribunal a quo, nem do n°2 do art°36 do mesmo diploma, o qual dispõe sobre os requisitos, e efeitos, das notificações em geral;

12) Acresce que o único órgão da Recorrente - o seu Conselho de Administração - não tem personalidade jurídica: esta é apenas reconhecida à Recorrente enquanto entidade administrativa, e não ao seu órgão deliberativo interno;

13) Tal resulta do facto de a realidade orgânica da recorrente ser totalmente diferente da realidade orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira (em que, certamente, estaria a pensar o Tribunal a quo na sua decisão), não tendo serviços autónomos, nem estando o respetivo poder deliberativo disperso por vários serviços ou órgãos, como é próprio de uma organização desconcentrada e periférica;

14) Cumpridos todos os requisitos legais para efeitos de faturação do art°36 do Código do IVA, os quais incluem a designação social e morada de ambas as partes (quando sejam sujeitos passivos de imposto, como é o caso), não se compreende, nem se aceita, que o Tribunal a quo possa concluir pela pretensa falta de indicação do autor do ato, como se se tratasse de um documento emitido por um desconhecido;

15) Subsidiariamente, sempre se diga que a sentença é nula por violação do princípio do contraditório, expresso no n°3 do art°3 do Código do Processo Civil, que postula que os juízes devem fazer cumprir, ao longo de todo o processo judicial, o princípio do contraditório, ainda que estejam em causa matérias de conhecimento oficioso (como invocado na sentença recorrida), salvo casos de manifesta desnecessidade;

16) Tendo em conta que nem a Recorrida suscitou a questão da nulidade por falta de indicação do autor, nem as áreas de discordância entre as partes não abrangem divergências quanto à existência dos atos de liquidação da taxa de exploração, nem quanto à sua autoria, mal andou o Tribunal a quo ao decidir unilateralmente, sem observar o princípio do contraditório, como se de um caso de manifesta desnecessidade se tratasse;

17) Em face do exposto, conclui-se que a sentença recorrida efetuou uma errada apreciação e julgamento da matéria, quer de facto, quer de direito, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que decida pela improcedência da Oposição à Execução.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO MERECER MPROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR UMA DECISÃO DE IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DAÍ RESULTANTES, NOMEADAMENTE, AO NÍVEL DA MANUTENÇÃO DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO DA TAXA DE EXPLORAÇÃO DO DOMÍNIO PÚBLICO AEROPORTUÁRIO DE 2014.»


*


Não foram apresentadas contra-alegações.

*

A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, dado que a sentença “julgou procedente a Oposição com base, exclusivamente, na verificação de um vício não invocado pelas partes,…. incorrendo em nulidade, por violação do princípio do contraditório fixado no artigo 3º, nº3 do CPC”.

*

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:


«1.


ANA – Aeroportos de Portugal, SA, remeteu a A………….. VI – ……………….., LDA., o documento de fls. 12 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:

“Aeroportos de Portugal | Vinci Airports

ANA – Aeroportos de Portugal, SA, sede

Rua D, edifício 120, Lisboa

1700-008 Lisboa - Portugal

Factura/Invoice n.º …………………

(Consumos e Exploração)

Data/Date_ 15-10-2014

Ref. Período/Charging Period_ 01-07-2014 / 31-07-2014

Limite Pgto/Payable before_ 07-11-2014

(…)

Descrição – Entregas Viaturas Ligeiras

Observ. – Aeroporto de Faro

Quant. – 35,00

Unit./Taxa – 17,0000€

IVA – 23%

Valor – 595,00€

(…)

Sub-Total – 595,00€

IVA/VAT – 136,85

Total/Eur – 731,85

Sujeito a juros de mora ao abrigo do art. 45.º do DL 254/2012

(…)”»


2.


ANA – Aeroportos de Portugal, SA, remeteu a A ………….. VI – ……………….., LDA., o documento de fls. 13 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:
“Aeroportos de Portugal | Vinci Airports

ANA – Aeroportos de Portugal, SA, sede

Rua D, edifício 120, Lisboa

1700-008 Lisboa - Portugal

Factura/Invoice n.º ……………………….

(Consumos e Exploração)

Data/Date_ 15-10-2014

Ref. Período/Charging Period_ 01-08-2014 / 31-08-2014

Limite Pgto/Payable before_ 07-11-2014

(…)

Descrição – Entregas Viaturas Ligeiras

Observ. – Aeroporto de Faro

Quant. – 867,00

Unit./Taxa – 17,0000€

IVA – 23%

Valor – 14.739,00€

(…)

Sub-Total – 14.739,00€

IVA/VAT – 3.389,97

Total/Eur – 18.128,97

Sujeito a juros de mora ao abrigo do art. 45.º do DL 254/2012

(…)”


3.


No dia 16 de Julho de 2015, o Administrador Delegado na ANA – Aeroportos de Portugal, SA, emitiu o documento de fls. 22 que aqui se dá por integralmente reproduzido e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:
“CERTIDÃO DE DÍVIDA
Eu, Jorge Ponce Leão, Administrador Delegado na ANA – Aeroportos de Portugal, SA, (…) certifico, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 148.º, 162.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º e n.º 2 do artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro, que compulsados os elementos dos correspondentes livros, a A …………….VI – GESTÃO, …………………, LDA., (…) não procedeu ao pagamento atempado das taxas devidas tal como dispõe o Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro, artigo 39.º e Regulamento n.º 278/2015 no seu artigo 5.º.
O montante da dívida é de 18.860,82 € (dezoito mil, oitocentos e sessenta euros e oitenta e dois cêntimos) e refere-se às facturas abaixo:
DocumentoData DocumentoData VencimentoDias de atrasoMontante
…………/201415.10.201407.11.2014 251731,85€
……………./201415.10.201407.11.2014 25118.128,97€
Ao valor da dívida acrescem juros de mora vencidos até integral pagamento. (…)”

4.


No dia 14 de Agosto de 2015, no Serviço de Finanças de Faro, foi instaurado o Processo de Execução Fiscal n.º ……………..069, para cobrança dos montantes referidos no ponto anterior – cfr. fls. 18 dos autos.



II-B. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO


Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.»

*

- De Direito

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão que importa apreciar reconduz-se a indagar se a nulidade do ato exequendo “por falta de indicação do autor do ato” se trata de questão nova que não foi suscitada pelas partes, nem é de conhecimento oficioso e, consequentemente, se ao ter decidido sem prévia audição das partes a sentença encerra uma verdadeira decisão-surpresa. Na conformação dada às conclusões pela EMMP, a questão assim colocada configura uma pronúncia indevida, posto que não invocada pela Oponente.

Digamos, desde já, que este recurso é, em grande medida, semelhante ao que já neste TCA foi recentemente decidido (com as mesmas partes), concretamente o processo nº 729/15.9 BELLE, com acórdão do passado dia 12 de maio. Razões de uniformidade da jurisprudência, de economia processual e por não virem suscitados argumentos novos que nos levem a diferente ponderação daquela que ali foi feita (nas questões que aqui também se colocam), levam-nos a seguir de muito perto (repete-se, na parte para aqui transponível) o que, então, foi decidido.

“Vem invocado pela Recorrente e também pela Exma. Senhora PGA nulidade processual porquanto a sentença decidiu questão não suscitada pelas partes – falta de indicação do autor do acto exequendo na notificação – sem contraditório prévio, o que consubstancia uma decisão-surpresa. E, se bem apreendemos, a Exma. Senhora PGA entenderá ainda ocorrer nulidade da sentença por pronúncia indevida na medida em que conheceu de questão que as partes não colocaram ao tribunal.

Como a jurisprudência vem entendendo de forma unânime em inúmeros arestos, uma coisa é a nulidade processual, por ex. a omissão de um acto que a lei prescreva, relacionada com um acto de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência, outra bem diferente é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso um vício do conteúdo do acto, por ex. a omissão/ excesso de pronúncia, um vício referente aos limites da decisão.

No que em particular respeita às nulidades processuais, importará ter em conta o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, bem expressado no seu ac. de 16/09/2020, tirado no proc.º 01762/13.0BEBRG, em que se consignou:

«Abordando as nulidades processuais, dir-se-á que as mesmas consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.176; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.79).

As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.

No entanto, relativamente às nulidades processuais que se consumam com a prolação da sentença (omissão de actos que deveriam ser praticados antes dela), este Tribunal tem vindo a entender que, embora se trate de nulidades processuais, a respectiva arguição pode ser efectuada nas alegações do recurso jurisdicional que for interposto da sentença. Entende a jurisprudência do S.T.A. que a nulidade acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que se situa a montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação, e que, sendo o meio próprio de a atacar o do recurso, a sua arguição se mostra feita atempadamente por situada no prazo deste. Por outras palavras, as nulidades do processo que sejam susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa e forem conhecidas apenas com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades desta (cfr.artº.615, do C.P.C.) e devem ser arguidas em recurso desta interposto, quando admissível, que não em reclamação perante o Tribunal "a quo" (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 6/07/2011, rec.786/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/01/2002, rec.26653; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/07/2002, rec.25998; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/02/2012, rec.684/11; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.183; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.355 e seg.)» (fim de cit.).

Começando por apreciar a nulidade da sentença, dir-se-á que as nulidades estão taxativamente previstas no art.º 615.º do CPC, com correspondência no processo tributário, no art.º 125/1 do CPPT, aí se prevendo como integrando nulidade da sentença, “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.

Relaciona-se esta nulidade com o estatuído no art.º 608/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Pois bem, de acordo com o disposto no art.º 39.º, n.º 12, do CPPT, «O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data».

Como se sabe, quer no regime do actual Cód. de Procedimento Administrativo, quer no anterior, as nulidades dos actos são de conhecimento oficioso do tribunal (artigos 161.º e 162.º, n.ºs 1 e 2, com correspondência nos anteriores 133.º e 134.º).

No entanto, concluir tratar-se de questão de conhecimento oficioso (omissão do autor do acto na notificação) supõe previamente resolvida a qualificação como nulo do acto em causa.

E neste ponto, não podemos discordar mais da sentença recorrida, aliás na linha do que propugna a Recorrente.

A ANA – Aeroportos de Portugal, S.A., é uma sociedade comercial que tem por objecto social a exploração, em regime de concessão, do serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil em Portugal, assegurando ainda a exploração de espaços comerciais e publicitários nos aeroportos, a oferta de imóveis (ligados à operação aeroportuária, edifícios comerciais e hotéis), parques de estacionamento e serviços de rent-a-car (designados de negócios não aviação).

Como resulta do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro, trata-se de uma sociedade anónima concessionária de serviço público, a quem compete liquidar e cobrar as taxas previstas nesse diploma (art.º 43.º), podendo proceder à sua cobrança coerciva através do processo de execução fiscal (art.º 45/2).

Não se trata de um órgão da Administração Pública enquadrável no art.º 2.º, n.º 2 do Cód. do Procedimento Administrativo à data vigente (DL 442/91 de 15 de Novembro), cuja competência é definida por lei (art.º 29.º).

Ora, salvo o devido respeito, a não indicação do autor do acto na factura que externa a liquidação da taxa (cf. art.º 44.º do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro), não integra a nulidade do acto prevista no art.º 39.º, n.º 12 do CPPT, pela elementar razão de que o mesmo não foi praticado por um órgão administrativo, a que se restringe, em nosso entender, o campo de aplicação daquela norma, mas por uma entidade privada concessionária de serviço público, autorizada por lei a cobrar taxas pela utilização dos serviços concessionados que presta.

Não se aplicando, no caso em apreço (facturação da taxa por entidade privada), os requisitos da notificação previstos no art.º 39.º, n.º 12 do CPPT, que supõe a prática do acto notificando por órgão administrativo, é manifesto que o tribunal a quo conheceu de questão que não é de conhecimento oficioso nem foi suscitada pelas partes, incorrendo em excesso de pronúncia, sendo de declarar nula.

O recurso merece provimento.

Fica prejudicado o conhecimento da eventual nulidade processual por violação do contraditório, posto que unicamente reportada ao segmento da decisão declarado nulo.

Procedendo a apelação, haverá que conhecer das questões que o Tribunal recorrido não conheceu por prejudicadas em vista da solução dada ao litígio – art.º 665.º do CPC.

Ora, várias das questões que a oponente coloca na P.I. prendem-se com a legalidade concreta da liquidação exequenda, como é a de saber se poderá ser liquidado imposto (IVA) sobre taxa (cf. artigos 15 a 19 da douta P.I.; aqui, 16º a 20º), ou se a liquidação tem subjacente normas regulamentares cuja suspensão de eficácia foi judicialmente pedida por associações do sector em que opera (cf. artigos 31 a 40 da P.I.; aqui, 28º a 37º) ou, ainda, se ocorrem os pressupostos factuais e jurídicos da liquidação (cf. artigo 40.º da P.I.; aqui 37º).

Como à saciedade tem decidido o Supremo Tribunal Administrativo, a oposição à execução fiscal tem como fundamentos os taxativamente indicados no art.º 204.º do CPPT, sendo que a ilegalidade em concreto da liquidação da dívida exequenda apenas constitui fundamento de oposição à execução fiscal quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (cf. ac. do STA, de 02/04/2009, tirado no proc.º 0925/08).

Ora, o acto exequendo de liquidação da taxa, externado através da factura remetida ao contribuinte, é contenciosamente impugnável e, nessa medida, não preenche a condição de que a lei faz depender a possibilidade de conhecimento da legalidade concreta da liquidação na oposição, o que obsta ao conhecimento do respectivo mérito nesta forma de processo, por manifesta impropriedade do meio utilizado”.

Invoca, ainda, a Recorrente que “não foi emitida qualquer certidão de dívida ou certidão de ato administrativo que determine a dívida a ser paga”, o que, como a matéria de facto evidencia (cfr. ponto 3 dos factos provados), não corresponde à verdade, pois foi emitida, e existe, a certidão de dívida que constitui título válido e suficiente para instauração da execução fiscal.

Defendendo a inexigibilidade dos valores em questão, a Recorrente considera que, no caso, a exigência das quantias em dívida reclamaria a emissão de um ato de liquidação das taxas em causa, a praticar pela ANA, e a sua subsequente notificação. Ao não ter sucedido assim, ou seja, sem a emissão e notificação de um ato de liquidação das taxas, a dívida é inexigível, o que consubstancia fundamento válido de oposição.

Adiante-se que nenhuma razão assiste à Recorrente.

Vejamos as razões para assim entendermos, não perdendo de vista que, como deixámos transcrito supra (seguindo anterior acórdão deste TCA), “o acto exequendo de liquidação da taxa, externado através da factura remetida ao contribuinte, é contenciosamente impugnável …”.

O Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de novembro, estabelece o quadro jurídico geral da concessão de serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil em Portugal atribuída à ANA - Aeroportos de Portugal, S. A. Na prossecução das suas atribuições, a ANA liquida e cobra as taxas devidas pelo uso privativo dos bens do domínio público aeroportuário e pelo exercício de atividades e serviços nos aeroportos nacionais, liquidando taxas pelos serviços prestados/operações exercidas.

De acordo com o artigo 39.º do referido DL, e sob a epígrafe Taxa de exploração, estabelece-

-se o seguinte:

“1 - É devida a taxa de exploração pelo exercício de quaisquer atividades relativamente às quais não haja lugar à cobrança de taxas de tráfego ou de assistência em escala, podendo ser definida segundo um dos seguintes critérios:

a) Por aplicação de um valor percentual sobre o volume de negócios realizado;

b) Por montante fixo definido pela entidade gestora aeroportuária, que pode ser diferenciado em função do tipo de atividade ou por unidade de tempo do exercício respetivo;

c) Por aplicação conjugada dos critérios referidos nas alíneas anteriores.

2 - Aplica-se à liquidação desta taxa o disposto no artigo 34.º, com as devidas adaptações”.

Por seu turno, o artigo 43.º (Liquidação e cobrança) do mesmo diploma preceitua o seguinte:

“1 - As taxas previstas no presente decreto-lei são liquidadas e cobradas pelas entidades gestoras aeroportuárias e, salvo disposição expressa em contrário, constituem receitas próprias dessas entidades.

2 - Salvo os casos abrangidos pelos números seguintes, as taxas e outras importâncias em dívida às entidades gestoras aeroportuárias devem ser pagas no prazo estabelecido por estas, o qual não pode ser inferior a 20 dias a contar da data da emissão da respetiva fatura.

3 - As taxas devidas pela ocupação de terrenos, edificações e instalações na área dos aeroportos e aeródromos vencem-se no 1.º dia do mês anterior àquele a que respeitam e são pagas até ao 8.º dia desse mês.

4 - As taxas devidas pela utilização dos aeroportos ou aeródromos por aeronaves são cobradas antes da partida destas podendo, no entanto, fixar-se regimes especiais de cobrança quando razões ligadas à operacionalidade da exploração aeroportuária o justifiquem.

5 - Em relação a utilizadores e utentes com atividade regular na área dos aeroportos ou aeródromos, podem as respetivas entidades gestoras aeroportuárias fixar regimes de cobrança periódica eventualmente condicionados à prestação de garantias patrimoniais idóneas.

6 - Sem prejuízo do que estiver especialmente regulado, a liquidação e a cobrança das taxas previstas no presente decreto-lei regem-se pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis à generalidade dos serviços públicos, nomeadamente pelo disposto na legislação tributária em vigor”.

Temos, pois, como a ANA defende e como já foi entendido por este Tribunal em anterior acórdão, que com vista à liquidação das taxas em causa são emitidas as respetivas faturas, como aqui aconteceu, tal como resulta dos pontos 1 e 2 dos factos provados.

Com efeito, foram emitidas as faturas nºs …………../2014 e ………./2014, datadas de 15/10/14, nos montantes de € 731,85 e € 18.128,97, respetivamente, as quais respeitam à taxa de exploração devida pela entrega de viaturas ligeiras pela A …. no aeroporto de Faro, nos meses de Julho e Agosto de 2014.

São estas as faturas que, como explicado, externam e consubstanciam a liquidação das taxas em causa, as quais foram comunicadas à Recorrida (como a mesma reconhece no ponto 3 da p.i de oposição), pelo que não colhe a argumentação no sentido da inexigibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação das taxas em cobrança coerciva.

E, dito isto, sem necessidade de considerações mais demoradas, falece também este fundamento de oposição, a qual, consequentemente, só pode ser julgada improcedente.


*

III - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

i. Conceder provimento ao recurso e declarar nula a sentença recorrida.

ii. Conhecendo em substituição, julgar improcedente a oposição.

Condena-se a Recorrida em custas.

Lisboa, 9 de junho de 2022


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Isabel Fernandes)

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(Jorge Cortês)