Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1281/16.3BESNT |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 10/17/2019 |
Relator: | BENJAMIM BARBOSA |
Descritores: | EXECUÇÃO FISCAL - IMÓVEL - VENDA - DIREITO À HABITAÇÃO |
Sumário: | 1. No pedido para autorização de recurso à força pública no arrombamento da porta de imóvel vendido em execução fiscal, para posterior entrega daquele ao adquirente, não constitui excesso de pronúncia verificar se a venda foi feita com infracção ao disposto no artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, na redacção da Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio, porque ao juiz cabe sindicar a actuação da AT quando esta é susceptível de violar o direito fundamental à habitação do executado, previsto no artigo 65.º da CRP. 2. A utilização desse mecanismo deve compatibilizar o direito do executado à habitação com o direito do adquirente, prevalecendo o direito do executado sobre este se se verificarem os dois requisitos exigidos pelo artigo 244.º, n.º 2, do CPPT: (i) que o imóvel se destine à habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar e que (ii) o imóvel esteja efectivamente afectado a essa finalidade. 3. Sendo contraditórios os elementos constantes do processo quanto à residência efectiva do executado no imóvel vendido, deve o juiz efectuar diligências, no âmbito dos seus poderes inquisitórios previstos no artigo 13.º do CPPT e o artigo 99.º da LGT, que permitam determinar se o imóvel constitui a morada efectivado executado. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: 1. Relatório 1.1. As partes A Fazenda Pública, não se conformado com a sentença do TAF de Sintra que nos autos de Outros Incidentes da Execução Fiscal indeferiu o pedido de recurso ao auxílio da força pública para entrega de imóvel vendido em execução fiscal instaurada contra C…….., e que este alegadamente ocupa, veio interpor recurso jurisdicional. * 1.2. O Objecto do recurso1.2.1. Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões: 1.ª O presente recurso interposto vem reagir contra o douto despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, o qual recusou o pedido de auxílio da força policial, para a entrega do bem imóvel, designado pela letra …, sito na Rua das M…., n.° … a 2E, R…, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de R……, Sintra, sob o artigo 35…-G e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.° 64…-G. 2.ª O Meritíssimo Juiz indeferiu a pretensão da Fazenda Pública, por entender, que dos autos, resulta que o imóvel se destina à habitação própria e permanente do executado, facto impeditivo à venda do mesmo, nos termos da Lei 13/2016, de 23 de Maio. 3.ª Ora, não pode a Fazenda Pública concordar com tal despacho, uma vez que do processo de execução fiscal, junto aos presentes autos resulta, de forma inequívoca, que o executado C........ tem residência em C........, n.° 27 – 2 A Z...... Espanha, constando do despacho de adjudicação tal morada e tendo a notificação para a entrega do bem imóvel sido enviada e recebida pelo executado nesta morada. 4.ª Não obstante, constar da petição inicial apresentada pela Fazenda Pública, que o imóvel é o domicílio do devedor, tal se deveu a um mero lapso de escrita, facilmente detectável pela análise dos documentos entregues com a mesma. 5.ª Ao decidir como decidiu, o Meritíssimo Juiz pronunciou-se sobre factos já consolidados na Ordem Jurídica, extravasando o objecto dos autos e os limites impostos ao seu dever de pronúncia. 6.ª Assim, salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que o douto despacho padece de erro de julgamento de facto, por equívoco de interpretação, valoração e consideração da prova produzida nos autos, tornando-se inadmissível o indeferimento do requerimento apresentado pela Fazenda Pública, onde se solicita o auxílio das forças policiais para a efectivação da entrega do bem imóvel * 1.2.2. Contra-alegaçõesNão foram apresentadas contra-alegações. * 1.3. Parecer do Ministério PúblicoO Exm.º Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. * 1.4. Questões a decidir1. Verificar se a decisão recorrida padece de excesso de pronúncia 2. E se está viciado por erro de julgamento ao negar o auxílio da força pública para entrega de imóvel arrematado e adjudicado em execução fiscal. * 2. Fundamentação2.1. De facto 2.1.1. Factos considerados provados na sentença: 1. No âmbito da execução fiscal instaurado pela Adm. Fiscal contra o executado C........, com o n° 354920080107…., foi penhorado o prédio urbano aí identificado, designado pela letra “…”, sito na Rua das M…., n° … a 2E, R…., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de R…….., Sintra, sob o art° 35…-G e Descrita na 2ª C.R.P. de Sintra sob o n° 64…- G, o qual se destina a habitação a qual, após registo, foi objecto de venda mediante propostas em carta fechada realizada em 02.06.2016, no âmbito do qual foi aceite a proposta apresentada por C........, e adjudicado o bem ao proponente e emitido o título de transmissão a seu favor em 13.07.2016. – cfr. art°s 1°,2° e 3°, do requerimento de fls. 3 e segs e despacho aposto nos autos de execução de fls. 6, e “Auto de Adjudicação” de fls. 8, Informação e Despacho, de fls. 7, dos autos. 2. O executado e detentor do bem não efectuou a entrega do imóvel ao adquirente ainda que instado para o efeito, tendo este último dirigido ao Serviço de Finanças um pedido de entrega da coisa, ao abrigo do disposto no art° 256°, n° 2 do CPPT, o qual determinou a notificação do executado para proceder à entrega das chaves não tendo sido dado cumprimento ao mesmo – cfr. requerimento de fls. 8 v., Oficio de fls. 9 e correspondência postal de fls. 9 v., despacho de fls 4 v. aposto sobre Informação de fls. 5 e v., dos autos. 3. Conforme Informação prestada pelo Serviço de Finanças, o bem imóvel vendido em execução fiscal destina-se a habitação do executado – cfr. Despacho de 18.10.2016 aposto sobre a Informação, de fls. 4 v. a 5 v., dos autos. * Adita-se o seguinte facto (artigo 662.º, n.º 1, do CPC)1. A notificação para a entrega do imóvel foi enviada para o executado para a seguinte morada: C……., n.º … – 2.º A Z…… Espanha 500…. Z…… (cfr. doc. de fls. 9) * 2.2. De DireitoA decisão recorrida negou o requerido pela Fazenda Pública estribando-se na seguinte argumentação: “Por força do disposto nos n.° 2 e 3, do art° 256° do CPPT, determinou-se que o adquirente de um bem penhorado em processo de execução fiscal pode requerer ao órgão de execução fiscal, contra o executado e no próprio processo, a entrega do bem com base no titulo de transmissão, cabendo àquele órgão de execução solicitar o auxilio das autoridades policiais para a entrega do bem. Tendo sido requerido pelo adjudicatário aquela entrega do bem e não se tendo a mesma concretizado, requereu as diligências de tendentes á entrega efectiva do imóvel. Não obstante vem a F.P. requerer a este Tribunal que determine a solicitação de auxílio da força pública, por existirem dúvidas sobre a possibilidade legal de proceder ao arrombamento da porta para efectivar a posse do imóvel, face ao disposto no nº 4, do artº 757º, do CPC: Ora, verificando-se que o bem vendido se destinava a habitação, encontra-se legitimado o pedido formulado pelo adquirente contra o detentor, com fundamento no título de transmissão a seu favor emitido pelo Órgão de Execução Fiscal competente, não tendo, aquele detentor, efectuado a entrega do bem ainda que instado para tal, nem deduzido requerimento de diferimento de desocupação do imóvel, pelo que se determina a efectivação da entrega do bem nos termos requeridos, através da requisição do auxilio da força pública para o efeito, arrombando-se as portas se necessário e lavrando-se auto da ocorrência, tudo nos termos do disposto no n°3 e 4, do artº 757º, do CPC. Não obstante, A tal desiderato obsta as restrições à venda executiva no âmbito da execução fiscal impostas pela Lei nº 13/2016, de 23.05. quanto ao impedimento á realização da venda quando o imóvel se destina exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor, nos termos do nº2, do artº 244º, do CPPT, na redacção dada pelo artº 2º daquela Lei, entrada em vigor antes da data de realização da venda e cuja alteração tem aplicação imediata nos processos de execução fiscal pendentes á data da sua entrada em vigor (cfr. artº s 5º e 6º daquela Lei), porquanto dos autos não resulta que o mesmo não tenha aquela afectação a habitação própria e permanente do executado, antes consta do presente incidente formulado pela F.P. que o imóvel constitui o domicílio do devedor (cfr. artº 16º da p.i.), sendo certo que o acto executivo de entrega do bem ao exequente só pode ser deferida em caso de inexistência de qualquer impedimento legal á venda que lhe antecede, não estando, em caso contrário, o executado obrigado a essa entrega até que a sua venda seja concretizada nos termos legalmente admissíveis, como resulta do nº 1, do artº 4º daquela Lei”. A primeira questão que se coloca é a de saber se este segundo segmento da fundamentação consubstancia um excesso de pronúncia como defende a recorrente. Cremos que não. A convocação da Lei nº 13/2016, de 23 de Maio é feita apenas à guisa de argumentação para justificar o indeferimento do peticionado. Não há um verdadeiro excesso de pronúncia mas apenas a utilização de um argumento legal para rechaçar a pretensão da recorrente. Ademais, como o direito à habitação constitui um direito fundamental (cfr. artigo 65.º da CRP), a sua violação gera a nulidade dos actos administrativos que o lesem (cfr. artigo 161.º, n.º 2, al. d), do CPA), impunha-se ao Senhor juiz a quo verificar dessa violação, porque o juiz, no contencioso tributário, é o garante da legalidade (em sentido amplo) da actuação da autoridade fiscal. Nos termos do artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, na redacção da Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio, “ Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim”. A paralisação da venda nestas circunstâncias exige que estejam reunidos dois requisitos: - Um, que o imóvel se destine à habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar; - Outro, que esteja efectivamente afectado a essa finalidade. Quando estes dois requisitos cumulativos não se verifiquem a Administração Fiscal pode avançar com a venda, devendo abster-se dessa diligência em caso contrário. Ora, não obstante a carta para entrega do bem ter sido dirigida para a morada do executado em Espanha, nada nos autos permite concluir que essa era a sua morada à data da venda ou mesmo que essa é a sua morada efectiva. O mesmo raciocínio vale para a indicação de residência do executado constante do auto de adjudicação (Z…. – Espanha). Por outro lado, no requerimento em que solicitou autorização para o recurso à força pública a recorrente nada alega quanto a essa temática, limitando-se a argumentar que estão reunidos os requisitos legais para ser determinado o arrombamento da porta. Não colhe, por isso, a argumentação constante da conclusão 3.ª das alegações da recorrente, de que está documentado, quer no despacho (rectius, no auto) de adjudicação, quer na notificação para a entrega do imóvel, a morada do executado em Espanha, pois é de todo impossível saber se essa morada é efectiva ou meramente transitória. É que, para além dos documentos servirem unicamente para prova dos factos e não para suprir qualquer alegação dos mesmos, perante a contraditoriedade resultante da informação prestada pelos serviços – de que o imóvel se destinava à morada do executado e o correio que lhe foi dirigido para Espanha, fica-se sem se saber se, efectivamente, a morada do executado é num sítio ou no outro. Tanto mais que foi constituído fiel depositário do imóvel, o que não quadra bem com uma residência efectiva em Espanha. É certo que o imóvel foi efectivamente vendido, mas em infração ao disposto no citado artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, na redacção da lei supra referida, já então em vigor; ora, devendo o juiz tributário assumir-se como garante dos direitos dos contribuintes, não podia o Senhor juiz a quo deferir sem mais a pretensão da recorrente, tanto mais que a protecção da morada de família é um desiderato constitucional (cfr. artigo 65.º da CRP), decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP). Mas, não lhe competindo, obviamente, determinar a nulidade da venda, porque tal questão não lhe foi submetida, ainda assim deveria ter ponderado também o direito da adquirente, que igualmente tem tutela constitucional (cfr. artigo 62.º, n.º 1, da CRP). De facto, a Constituição protege o direito de propriedade, o que abrange o direito do proprietário a ser investido na posse efectiva dos bens que adquira por efeito de negócio translativo do direito de propriedade. Da colisão destes dois direitos não há dúvida que a lei determina a prevalência do direito à habitação no caso dos imóveis penhorados em execução fiscal, mas apenas se estiverem verificados os requisitos acima aludidos. Não é, pois, necessário convocar o artigo 335.º do Código Civil. Mas, perante a dúvida que se lhe podia suscitar face aos documentos que acompanharam a p.i., o Senhor Juiz a quo não devia ter inferido imediatamente o pedido sem se certificar se o imóvel em causa era ou não, efectivamente, a morada do executado, pois só assim compatibilizaria o direito deste com o direito da adquirente. Dito de outro modo, deveria ter actuado os poderes inquisitórios que o artigo 13.º do CPPT e o artigo 99.º da LGT, lhe conferiam, indagando quanto a essa vexata questio. Não o tendo feito, verifica-se um deficit instrutório que apenas pode ser colmatado com a baixa dos autos ao tribunal a quo para os efeitos investigatórios tidos por convenientes, com vista ao esclarecimento dessa questão e para posterior decisão prolatada com a segurança que o cabal conhecimento da mesma fornece, o que implica anular a decisão recorrida nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC. * 2.2.4.Sumariando: 4. No pedido para autorização de recurso à força pública no arrombamento da porta de imóvel vendido em execução fiscal, para posterior entrega daquele ao adquirente, não constitui excesso de pronúncia verificar se a venda foi feita com infracção ao disposto no artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, na redacção da Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio, porque ao juiz cabe sindicar a actuação da AT quando esta é susceptível de violar o direito fundamental à habitação do executado, previsto no artigo 65.º da CRP. 5. A utilização desse mecanismo deve compatibilizar o direito do executado à habitação com o direito do adquirente, prevalecendo o direito do executado sobre este se se verificarem os dois requisitos exigidos pelo artigo 244.º, n.º 2, do CPPT: (i) que o imóvel se destine à habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar e que (ii) o imóvel esteja efectivamente afectado a essa finalidade. 6. Sendo contraditórios os elementos constantes do processo quanto à residência efectiva do executado no imóvel vendido, deve o juiz efectuar diligências no âmbito dos seus poderes inquisitórios previstos no artigo 13.º do CPPT e o artigo 99.º da LGT, que permitam determinar se o imóvel constitui a morada efectiva do executado. * 3 - Dispositivo:Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em anular a sentença recorrida por deficit instrutório, ordenando a baixa dos autos ao TAF de Sintra para os efeitos acima aludidos. Sem custas D.n. Lisboa, 2019-10-17 ____________________________________ (Benjamim Barbosa, Relator) ____________________________________ (Ana Pinhol) ____________________________________ (Isabel Fernandes) |