Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 9474/16.7BCLSB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 01/14/2020 |
Relator: | CRISTINA FLORA |
Descritores: | MÉTODOS INDIRECTOS, FUNDAMENTAÇÃO, INIMPUGNABILIDADE DA LIQUIDAÇÃO, ACORDO DOS PERITOS |
Sumário: | I. A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa (cfr. art. 85.º, n.º 1, da LGT), o que se impõem por força do princípio jurídico-constitucional da tributação pelo rendimento real (art. 104.º, n.º 2, da CRP) enquanto concretização dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal, implicando que a tributação do rendimento real seja a regra da tributação do rendimento empresarial; II. A decisão da tributação por métodos indirectos deve conter os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável; III. A inimpugnabilidade do acto tributário de liquidação derivada da existência de acordo no processo de revisão da matéria tributável (art. 86.º, n.º 4 da LGT) não é absoluta, se limita ao respectivo quantum não abrangendo vícios do procedimento como o da falta de fundamentação. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela L......, Lda das liquidações adicionais de IVA dos anos de 1997, 1998 e 1999. A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões: «4- CONCLUSÕES A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou totalmente procedente a impugnação deduzida por L......, Lda contra as liquidações oficiosas de IVA referentes aos anos de 1997, 1998 e 1999, e em consequência determinou a anulação de tais actos. B) Considerou o tribunal a quo, para assim decidir, que " Em consequência da acção inspectiva e da entrega das referidas declarações de rendimentos, foi a impugnante notificadas das respectivas liquidações de IRC para cada um daqueles exercícios. Destas liquidações não consta qualquer importância corrigida aos dados declarados pela impugnante. Neste desiderato, procedem as alegações da impugnante quando refere que as declarações de rendimentos, em sede de IRC, foram aceites pela Administração Fiscal, considerando correctos os valores declarados para cada um dos exercícios, nas quais foram referidos os movimentos de IVA. (...) Neste conspecto, tendo a Administração Fiscal aceite os valores declarados nas declarações Mod. 22 do CIRC e declarações anuais, entregues pela impugnante, as liquidações de IVA a considerar, só podem ser aquelas que decorrem dos valores apurados e declarados nessas declarações de rendimentos e não em quaisquer valores apurados por métodos indiciários. Ou seja, a base tributaria para efeitos de IVA foi apurada pela impugnante e é aquela que consta das declarações Mod. 22 de IRC para os anos de 1997, 1998 e 1999 e que foram aceites pela Administração Fiscal, sob pena de se assim não se entender, incorrer em violação de lei" C) Com tal entendimento não nos podemos conformar. D) Desde logo porque, em nossa opinião, a decisão padece de errónea apreciação da matéria de facto dado que se impunha, observando os elementos constantes no processo administrativo tributário, junto, em anexo, aos autos, considerar que: i) Que posteriormente as liquidações emergentes das declarações do contribuinte, entregues em 21.06.2001, foi a sociedade impugnante notificada do relatório final de inspecção, e respectivas liquidações. ii) Que em reacção a tais liquidações, o contribuinte solicitou a constituição de comissão de revisão, e que no âmbito de tal comissão os peritos, por comum acordo, entenderam fixar a matéria tributaria nos valores que levaram a liquidação das liquidações impugnadas. iii) Que por ter chegado a tal acordo, a impugnante se conformou com o entendimento da Administração Tributaria, e inclusivamente veio a pagar, em execução fiscal, os montantes exigidos. E) Ora, bastaria observar que no âmbito da referida comissão de revisão a impugnante e a Administração Fiscal acordaram, unanimemente, fixar, para todos os anos em causa, valores de matéria tributaria, quer em sede de IRC quer em sede IVA, para concluir que não poderia proceder a acção com a fundamentação constante na sentença notificada. F) Alias, veja-se a título de exemplo que a liquidação de IRC relativa ao ano de 1997, que o tribunal aceita, e necessariamente influencia a decisão, não refere quaisquer valores tributáveis mas ao contrario, e em sede de comissão, é o próprio contribuinte que acorda, unanimemente, com a AT a fixação do valor tributário de 203.929$00. G) Assim sendo, desde logo estariam em causa a validade das liquidações juntas aos autos pelo contribuinte porquanto, desde logo, são anteriores a data da reunião da comissão, acrescendo ainda que a todas as liquidações juntas aos autos pela impugnante sucederam outras emergentes dos resultados do procedimento inspectivo e consequente comissão de revisão. H) Assim, a liquidação de IRC relativa ao ano de 1997 com o n.° 2….., datada de 2001/07/25 foi substituída pela liquidação com o n.° 2….. datada de 2001/11/14, sendo que esta reflecte já os resultados apurados em sede de comissão de revisão da matéria colectável. I) De igual forma, a liquidação de IRC relativa ao ano de 1998 com o n.° 2….., datada de 2001/07/20 foi substituída pela liquidação com o n.° 2…… datada de 2001/11/14, sendo que esta reflecte já os resultados apurados em sede de comissão de revisão da matéria colectável. J) E por fim, a liquidação de IRC relativa ao ano de 1999 com o n.° 2……, datada de 2001/10/26 foi substituída pela liquidação com o n.° 2….. datada de 2001/11/14, sendo que esta reflecte já os resultados apurados em sede de comissão de revisão da matéria colectável. K) Desta forma, e mesmo que não conste dos autos tais liquidações, o facto é que a decisão é contrária aos elementos probatórios juntos aos autos, nomeadamente ao resultado da reunião de peritos. L) E é assim porque concede relevância decisória a existência das liquidações emergentes das declarações entregues pelo contribuinte no decurso da inspecção, mas em nada atenta ao pedido de revisão da matéria tributaria requerida pelo contribuinte em resposta aos resultados da inspecção tributaria. M) Assim sendo, impunha-se que fosse outra a matéria de facto dada por provada, e dai decorrente, outro o sentido da decisão. N) Ora, assim não tendo ocorrido e existindo nos autos elementos que a isso obrigavam, aqui pugnamos pela consideração de erro na apreciação da matéria de facto e dai decorrente, erro na decisão, resultando assim a necessidade de Acórdão que corrigindo a decisão, conceda provimento ao presente recurso e desta forma julgue improcedente a acção. O) Mas caso assim não se entenda, pelo menos haveria o tribunal a quo, ainda atento aos elementos juntos aos autos, ter decidido pela declaração de inutilidade da lide, tal como melhor se fundamenta no parecer do digníssimo procurador do ministério publico. P) E isto porque tendo a impugnante, na referida comissão, concordado com a liquidação de IVA que aqui contesta, efectuado, posteriormente em sede de execução fiscal, o seu pagamento e a tudo isto acrescendo que a gerente da sociedade tendo sido confrontada pelo Tribunal com a questão de saber se mantinha interesse na lide sem que nada tenha dito, demostra em momento posterior ao da acção que se conformou com a decisão da Administração Tributaria. Q) Ademais e tal como se refere na contestação apresentada, tendo a quantificação da matéria tributaria sido fixada em sede de Comissão de Revisão por comum acordo, o tributo teria que ser, como foi fixado com base na matéria tributaria acordada, razão pela qual tais valores não são passíveis de impugnação. R) Desta forma, face a tudo quanto se deixa dito, e a tudo quanto V. Exas. melhor suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser reconhecida a legalidade das correcções efectuadas e em consequência ser revogada a douta sentença, resultando assim na improcedência da acção, ou na declaração da inutilidade superveniente da presente lide.» A Recorrida, não apresentou contra-alegações. **** Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. **** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.**** As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:- Erro de julgamento de facto, ao não ter considerados factos resultantes do processo administrativo e que conduzem à conclusão de que as liquidações resultantes da entrega das declarações modelo 22 foram substituídas pelas liquidações impugnadas uma vez que reflectem os valores apurados em sede de comissão de revisão que ocorreu posteriormente (cfr. conclusões A) a N); _ Inutilidade superveniente da lide porque a Impugnante concordou na Comissão de revisão da matéria colectável com os montantes fixados, e ademais, tal como foi invocado na contestação, havendo acordo os valores não são passíveis de impugnação (cfr. conclusões O) a R) e Q). II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Matéria de facto A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto: «III. I – DE FACTO Com relevância para a decisão da presente ação de impugnação, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito e, por acordo, considero provados os seguintes factos: A) A impugnante desenvolve a actividade de “Lavagem e Limpeza a Seco de Tecidos” e encontra-se registada com o código de actividade económica (CAE 93010);(cfr. fls. 17 dos autos) B) Em cumprimento das ordens de serviço n.º 62282, 62283 e 62284 de 15.05.2001, a impugnante foi alvo de uma ação inspetiva levada a cabo pela Equipa 12 da Inspeção Tributária que decorreu entre 15.05.2001 e 23.07.2001; C) Do relatório da referida ação, consta que a inspecção tributária efetuou correções em sede de IVA, através de métodos indiciários, fixando para o exercício de 1997, o montante de 217.561$00, para o exercício de 1998, o montante de 785.798$00 e para o exercício de 1999, o montante de 403.842$00;(cfr. fls. 6, 7 e 8 do relatório que integra o PA junto aos autos) D) Do relatório inspectivo consta ainda a seguinte conclusão:«Assim na sequência das correcções efectuadas no âmbito do IRC, presume-se que não deu entrada nos cofres do estado os montantes de 217.561$00. 785.798$00 e 403.842$00, relativamente a IVA liquidado nos anos de 1997, 1998 e 1999, respectivamente, repartido por períodos de imposto, como se indica anteriormente.» (cfr. fls. 8 do relatório inspetivo que integra o PA junto aos autos) E) A impugnante procedeu à entrega das declarações Mod. 22 de IRC e declarações anuais referentes anos 1997, 1998 e 1999, antes do término da ação inspectiva, em 21.06.2001;(cfr. fls. 33 do PA junto aos autos) F) Em face da reclamação apresentada para a Comissão de Revisão da Matéria Tributável, foi elaborada a Acta n.º 62/2001 referente ao Procedimento de Revisão n.º 1349 a 1354 Ano/2001;(cfr. fls. 12 do PA junto aos autos) G) Na sequência do Procedimento de Revisão atrás referido, foram fixados nos documentos de correção, Mod. DC 22 os lucros tributáveis para efeitos de IRC de 280.932$00, 393.651$00 e 268.563$00 para os exercícios 1997, 1998 e 1999 respectivamente;(cfr. fls. 36 a 44 do PA junto aos autos) H) Na sequência do Procedimento de Revisão atrás referido, foram fixados em sede de IVA os montantes de 217.561$00, 785.798$00 e 403.842$00 para os exercícios 1997, 1998 e 1999 respectivamente, tendo a impugnante sido notificada através do ofício n.º 18549 de 12.10.2001 em 18.10.2001;(cfr. fls. 13, 15 e 17 do PA junto aos autos) I) Do termo de declarações, redigido a 21.06.2001, Anexo 2 do Relatório inspectivo, consta designadamente que:«(…) que relativamente aos exercícios de 1997, 1998 e 1999 os resultados apurados pelos serviços de Inspeção Tributária respectivamente 469.587$00, 468.084$00 e 301.257$00 não correspondem aos resultados efetivamente registados na escrita da empresa devidamente organizada, e conforme as declarações de rendimentos Mod.22 de IRC, bem como as declarações anuais e seus anexos, referentes aos exercícios de 1997,1998 e 1999, e que apresentam os seguintes resultados: Ano de 1997 – conforme anexo A da declaração anual, apresenta um prejuízo de 796.455$00 de acordo também com os livros selados da empresa; Ano de 1998 – conforme anexo A da declaração anual, apresenta um prejuízo de 1.343.321$00 de acordo também com os livros selados da empresa; Ano de 1999 – conforme anexo A da declaração anual, apresenta um prejuízo de 1.837.535$00 de acordo também com os livros selados da empresa; (…) Relativamente ao IVA apurado pelos serviços de Inspeção também não concordam com os valores apurados em falta de 698.039$00 para o ano de 1997, 879.240$00 para o ano de 1998 e 403859$00 para o ano de 1999, porquanto a empresa sempre apresentou as declarações periódicas de IVA referentes aos quatro trimestres de cada uma dos anos de 1997, 1998 e 1999, com a correspondente liquidação do IVA e de acordo com a escrita devidamente organizada, e que correspondem inequivocamente aos valores da actividade. (…)» (cfr. fls. 33 e 34 do PA junto aos autos) J) Na sequência da entrega das declarações Mod. 22 de IRC e das correções efetuadas pelos serviços de inspeção tributária, foram emitidas as respectivas liquidações n.º 2…… de 25.07.2001, referente ao ano 1997 referenciando um prejuízo fiscal de 718.331$00, n. º2…… de 20.07.2001, referente ao ano 1998 referenciando um prejuízo fiscal de 1.272.538$00, n. º2……. de 26.10.2001, referente ao ano 1999 referenciando um prejuízo fiscal de 1.777.103$00;(cfr. fls. 32, 33 e 34 dos autos) K) As liquidações atrás identificadas, efetuadas de acordo com o art.º 70 do CIRC, não refletem as correções efetuadas pela inspeção tributária;(cfr. fls. 32, 33 e 34 dos autos) III.I – Factos não Provados Não se provam outros factos com relevância para a presente decisão. MOTIVAÇÃO A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram.» **** Conforme resulta dos autos, a Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção no âmbito da qual foram efectuadas correcções com recurso a métodos indirectos em sede de IRC e IVA dos exercícios de 1997, 1998 e 1999. Está em causa dos autos as liquidações de IVA resultantes dessa acção de inspecção. O Meritíssimo Juiz a quo julgou procedente a impugnação judicial, entendendo, em síntese, que a acção de inspecção teve por fundamento a omissão de entrega das declarações de IRC (modelo 22) dos exercícios de 1997, 1998 e 1999, e considerando que posteriormente ao início da acção de inspecção a Impugnante entregou as declarações em falta, sem que tenham sido objecto de correcções pela AT, com a correspondente liquidação do IVA, então, considera-se que foram aceites os valores declarados. A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido invocando erro de julgamento de facto, ao não ter considerados factos resultantes do processo administrativo e que conduzem à conclusão de que as liquidações resultantes da entrega das declarações modelo 22 foram substituídas pelas liquidações impugnadas uma vez que reflectem os valores apurados em sede de comissão de revisão que ocorreu posteriormente (cfr. conclusões A) a N). Por outro lado, refere que deveria ter sido declarada a inutilidade superveniente da lide porque a Impugnante concordou na Comissão de revisão da matéria colectável com os montantes fixados, e ademais, tal como foi invocado na contestação, havendo acordo os valores não são passíveis de impugnação (cfr. conclusões O) a R). Apreciando. Antes de mais, cumpre ao abrigo do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, aditar à matéria de facto dada como provada os seguintes factos com relevo para a decisão do recurso: L) No âmbito da acção de inspecção referida em B), e após o exercício do direito de audição do Impugnante e a entrega das declarações Modelo 22 referidas em E) foram elaboradas as conclusões do relatório de inspecção no qual se propõe, face aos “novos elementos, agora conhecidos” o seguinte: “6.1. As correcções em sede de IRC e IVA tenham por base os elementos que o s.p. veio declarar, assim temos: (…) Os montantes declarados para a rubrica – Custo das Existências Vendidas e Consumidas para os anos de 1997, 1998 e 1999 são de 341.857$00, 379.558$00 e 258.949$00, respectivamente. (…) Cálculo do volume de negócios As prestações de serviços que vão ser presumidas é o resultante do cálculo entre os valores declarados no direito de audição da rubrica – custos das existências vendidas na declaração Modelo 22 de IRC de exercício de 1996. (…) O lucro tributável proposto deverá ser determinado em função da rentabilidade fiscal sobre as vendas constante da base de dados da DGCI, para o novo CAE 93010, nos anos de 1997, 1998 e 1999.” (cfr. conclusões da acção de inspecção de fls. 13 e ss dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido). Estabilizada a matéria de facto vejamos, então, os fundamentos do recurso. Conforme resulta do relatório de inspecção, a acção de inspecção levada a cabo em 2001, teve por motivação a falta de entrega das declarações de IRC dos exercícios de 1997, 1998 e 1999, sustentando-se nos artigos 94.º e 96.º do CIRC, aplicando-se métodos indirectos nos termos do art. 52.º do CIRC e artigos 87.º, n.º 1, alínea b) do 88.º da LGT, bem como apurado IVA em falta nos termos do art. 84.º do CIVA. Ora, ainda no âmbito dessa acção de inspecção a Impugnante vem apresentar as declarações de IRC em falta, e defender-se dizendo que as declarações periódicas de IVA foram sempre enviadas de acordo com a escrita organizada. A AT nunca coloca em causa a entrega destas declarações periódicas de IVA, nem que estas não estejam de acordo com a escrita da Impugnante. Nas conclusões do relatório de inspecção final faz-se expressa referência à entrega dessas declarações de IRC, e mais, assume-se que devem ser considerandos elementos declarados pelo contribuinte, designadamente, mas ainda assim, no cálculo do volume de negócios presumem-se as prestações de serviços, e apura-se o lucro tributável em função da rentabilidade fiscal sobre as vendas constantes da base de dados da DGCI. Portanto, resulta claro do relatório de inspecção tributária que foram analisadas as declarações de IRC apresentadas no decurso da acção de inspecção, tanto mais que foram considerados os elementos declarados pelo contribuinte nessas mesmas declarações, o que significa que se consideraram fiáveis tais elementos declarados ainda que após o início da acção de inspecção. Porém, sem qualquer fundamento de facto ou de direito, a AT manteve o apuramento do lucro tributável por métodos indirectos em função da rentabilidade fiscal sobre as vendas constantes da base de dados da DGCI, não justificando em momento algum, a razão pela qual apenas utilizou alguns dos elementos declarados e ignorou por completo o apuramento do lucro tributável efectuado pelo contribuinte com base na sua contabilidade. Parece-nos que falha a fundamentação da AT da manutenção da decisão de tributação com recurso à avaliação indirecta, face ao circunstancialismo supra descrito. No que diz respeito à fundamentação da decisão de tributação com recurso à avaliação indirecta o art. 77.º, n.º 4 e n.º 5, da LGT, estabelece as regras a respeitar em matéria de fundamentação da decisão da AT. A fundamentação deve especificar “os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.” (n.º 4) – Sublinhado nosso. Sublinhe-se que a acção teve por motivação a omissão de entrega de declarações modelo 22 que veio a ser sanada pelo contribuinte ainda no âmbito da acção de inspecção, e é a própria AT que utiliza elementos constantes das declarações no âmbito do apuramento da matéria colectável. Por isso, não se compreende a razão pela qual se têm por credíveis alguns elementos declarados, mas depois aplicam-se rácios de rentabilidade, uma vez que a AT nada diz a esse respeito, bem como não se compreende porque se desconsideram as declarações de IVA anteriormente apresentadas com base na contabilidade do Impugnante. É que relativamente ao IVA, que é o imposto em causa nos presentes autos, o contribuinte alegou que apresentou as respectivas declarações periódicas com base na sua escrita, facto que nunca foi colocado em causa pela AT, nem na acção de inspecção, nem posteriormente ao longo do processo. Portanto, neste contexto específico, em momento algum foram colocadas em causa as declarações periódicas de IVA entregues em momento anterior à acção de inspecção, nem os valores aí declarados. Na verdade, a AT presumiu IVA por força de correcções com recurso a métodos indirectos em sede de IRC, sem sequer considerar as liquidações periódicas de IVA entregues anteriormente pela Impugnante, sendo certo que os valores aí declarados não foram colocados em causa, e sendo certo que mesmo ao nível do IRC a situação de omissão declarativa foi corrigida ainda no âmbito da acção de inspecção e não se motiva as razões pelas quais se aceitam alguns dos valores declarados, mas ainda assim se aplicam métodos indirectos. Parece-nos que face ao circunstancialismo dos autos, e ao carácter subsidiário e excepcional da avaliação indirecta, a AT não cumpriu com o seu dever de fundamentação. Com efeito, é preciso não olvidar a regra da subsidiariedade da avaliação indirecta (cfr. art. 85.º, n.º 1, da LGT), imposta desde logo pelo princípio jurídico-constitucional da tributação pelo rendimento real (art. 104.º, n.º 2, da CRP), que se afigura como uma concretização dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal, implicando que a tributação do rendimento real seja, por imposição constitucional, a regra da tributação do rendimento empresarial (neste sentido, vide JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 8ª edição, Almedina, 2015, pág. 171). Ademais, a avaliação indirecta é absolutamente excepcional, pelo que só pode ser admitida nos casos e nas condições expressamente previstas na lei. Ora, pese embora na sentença recorrida não se densifique o discurso como o fazemos aqui, a verdade é que, subjaz claramente este entendimento, pelo que não se verifica erro de julgamento de facto quanto à apreciação dos factos relevantes para a decisão conforme invoca a Recorrente Fazenda Pública, na medida em que, por um lado, não se ignorou que as liquidações emergentes da entrega das declarações modelo 22 são anteriores ao relatório final de inspecção, e por outro lado, não releva que tenha havido acordo na Comissão de Revisão quanto às liquidações resultantes da aplicação de métodos indirectos uma vez que a impugnação não assenta no quantum das mesmas, como infra explicaremos melhor. Portanto, improcedem as conclusões de recurso A) a N), uma vez que o discurso fundamentador para a anulação das liquidações não contende com qualquer erro no quantum do imposto acordado no âmbito da Comissão de Revisão, e, portanto, admissível nos termos do disposto no art. 86.º, n.º 4 da LGT, não se verificando o erro de julgamento de facto e de direito invocado. Com efeito, relativamente ao acordo dos peritos obtido na comissão de revisão importa considerar que nos termos do art. 86.º, n.º 4 da LGT “Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo.” Ora, como a doutrina e a jurisprudência do STA têm afirmado, “a inimpugnabilidade do acto de liquidação efectuado com base no acordo de fixação da matéria tributável se limita ao respectivo quantum, sendo que poderá constituir fundamento de impugnação por parte do sujeito passivo qualquer ilegalidade susceptível de conduzir à sua anulação, nomeadamente a falta de fundamentação.” – Cfr. nesse sentido Acórdão do STA de 29/03/2017, proc. n.º 0413/15, e jurisprudência e doutrina aí citadas). Com efeito, como se cita naquele acórdão “a medida da inimpugnabilidade da liquidação feita com base no acordo, tendo a sua razão de ser na existência deste acordo, terá de ter (de) ser restringida ao que foi objecto deste, que é a medida da matéria tributável. Por isso, a existência de acordo não poderá afastar o direito do contribuinte impugnar a liquidação feita com base no acordo por qualquer razão que não lhe esteja ligada, como, por exemplo, vícios de forma (falta de fundamentação, incompetência, violação de direitos procedimentais) ou de violação de lei (como erro na taxa aplicável ou sobre a existência de uma isenção total ou parcial). (Cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, fls. 749.)”. Ou seja, no caso dos autos apesar de ter havido acordo na fixação da matéria tributável tal facto não obsta que se conheça da ilegalidade da liquidação porque não está em causa o quantum relativamente ao qual foi obtido o acordo. Por outro lado, também não se verifica qualquer inutilidade superveniente da lide por ter havido pagamento do imposto em sede de execução fiscal, porque apenas relativamente a este processo, e não ao de impugnação judicial é que o pagamento poderá conduzir à extinção do processo por inutilidade superveniente da lide (cfr. art. 9.º da LGT: “O pagamento do imposto nos termos de lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei.) Improcedem também, portanto, as conclusões de recurso N) a Q). Em face do exposto, improcedem a totalidade das conclusões de recurso. Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2), e, portanto, vencida no recurso a Recorrente, esta é responsável pelas custas. Porém, considerando que a presente acção foi proposta em momento anterior a 1 de Janeiro de 2004, a Recorrente Fazenda Pública se encontra isenta de custas ao abrigo do art. 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, e art. 9.º, do DL n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, que aprovou tal Regulamento. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida. **** Sem custas.D.n. Lisboa, 14 de Janeiro de 2020. Cristina Flora
Tânia Meireles da Cunha
Mário Rebelo |