Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:39043/24.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/11/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
PRESSUPOSTOS
AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
Sumário:I - Cabe ao requerente da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, alegar e demonstrar a verificação dos pressupostos previstos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, incluindo que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia;
II - Residindo o Recorrente (legalmente) em Portugal, beneficia da aplicação do princípio da equiparação nos termos do n.º 1 do artigo 15.º da CRP, donde, com exceção dos direitos a que se reporta o n.º 2 do normativo constitucional, encontra-se assegurado o exercício dos direitos cuja tutela reclama em moldes idênticos aos cidadãos nacionais.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

F… (doravante Recorrente, Requerente ou A.), nacional do Brasil, instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias contra o Instituto de Registos e Notariado, IP (doravante Requerido, Recorrido, IRN ou ER), peticionando a procedência da intimação, intimando a Requerida a proferir decisão no pedido de aquisição de nacionalidade, com carácter de urgência, e, em caso de deferimento, a lavrar de seguida o registo de nascimento por transcrição, averbando-se a aquisição da nacionalidade portuguesa, dentro de um prazo de 30 dias úteis e que se determine a fixação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento.

Por sentença de 4 de junho de 2025, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou procedente a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, absolvendo o Requerido da instância.

Inconformado, o A./Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:

“I. A situação do Recorrente carece de proteção urgente e célere, a qual é incompatível com a ação administrativa, sob pena de poder ficar previsivelmente e irremediavelmente comprometido o exercício em tempo útil dos direitos inerentes à nacionalidade portuguesa, não tendo a Requerida atentado devidamente no facto de estarmos perante um direito fundamental, que necessita, no caso concreto, de uma tutela urgente através de uma decisão de mérito, indispensável a assegurar o seu exercício em tempo útil, face ao perigo de lesão grave e irreversível, como alegado e comprovado;
II. Do recurso apresentado resulta provado a existência e violação de um direito fundamental e de outros conexos;
III. O Recorrente deu cumprimento ao ónus alegatório que contra si impende, fundamentando e provando a má atuação da administração;
IV. Por conseguinte, no caso concreto, através num juízo de prognose, conclui-se que o presente meio processual é adequado e idóneo, porquanto foram alegados factos concretos subjacentes à especial urgência da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, por forma a tutelar e pôr termo à lesão dos direitos fundamentais de cidadania e nacionalidade (cuja concessão não é automática, é certo, mas a que o requerente entende ter direito) e em consequência da sua situação especial decorrente da irregularidade em que se encontra em território nacional, e cujo reconhecimento e atribuição em tempo útil e a curto prazo por parte da entidade requerida é a única forma de permitir o seu exercício efetivo;
V. Considerando que o Recorrente reside em Portugal está constantemente a ser prejudicado em função de ainda não ter a nacionalidade portuguesa;
VI. Assim, não restam dúvidas que o Arquivo Central do Porto e em geral os serviços que analisam e decidem pedido de nacionalidade, têm violado reiteradamente todos os prazos processuais aos quais estão vinculados, pelo princípio da legalidade, da boa-fé e da colaboração, nos termos dos artigos 3°, 10° e 11° do CPA, normas de carácter adjetivo e, por isso, de aplicação imperativa;
VII. Este facto implica um perigo acrescido da lesão dos direitos do Recorrente inerentes à titularidade da nacionalidade portuguesa, lesão alegada, comprovada e iminente, face à situação de irregularidade em que se encontra e que limita outros direitos, tais como o do trabalho, necessário a prover ao seu sustento e base da realização do princípio da dignidade humana, caraterístico de um Estado de Direito que deve ser realizado e não apenas previsto de forma teórica e dogmática;
VIII. Requerendo-se a intimação do IRN, I.P., a decidir o processo do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, formulado pelo Recorrente, nos termos do artigo 6°, n° 7 da Lei da Nacionalidade, entrado a 18 de juho de 2022, lavrando o respetivo registo de nascimento, atendendo à reiterada violação dos prazos processuais que supra evidenciamos, como o Recorrente o solicitou, com carácter de urgência, sem ter obtido, até presente data, qualquer resposta, passados que são quase 3 anos desde a data em que formulou o pedido - prosseguindo a respetiva tramitação nos termos do artigo 27.° do RNP, com respeito pelos prazos, diligenciando pela sua decisão e pela feitura do registo de nascimento;
IX. Pese embora o Recorrente não ignore nem desconheça os constrangimentos nos serviços evidenciados pela entidade requerida (grave carência de meios), a verdade é que tal circunstancialismo é alheio ao Recorrente, pois que, a administração deve adaptar-se e reorganizar-se para responder aos cidadãos dentro de um padrão de eficiência razoável.
TERMOS EM QUE, ADMITINDO-SE O PRESENTE RECURSO, QUE V.EXAS., REVOGUEM A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO
FAZENDO-SE A HABITUAL JUSTIÇA!”

O recurso foi admitido como de apelação, efeito meramente devolutivo e subida imediata nos próprios autos.

O Recorrido IRN, IP, citado para os termos do recurso e da causa, apresentou contestação e contra-alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos,
“i. O alegado direito de obtenção de decisão dentro de certo prazo legalmente não configura qualquer direito fundamental, seja na vertente de direito, liberdade e garantia, seja na vertente de direito análogo: é um direito que resulta da lei ordinária, que o regula.
ii. A demora da decisão não é o dano - pode, em certos casos gerar danos ou ameaçar direitos, e noutros não os gerar: não é a demora na decisão que a torna urgente.
iii. O direito à cidadania portuguesa consta do Art, 4.° da CRP "São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional".
iv. Não existe por isso o direito fundamental subjetivo à nacionalidade portuguesa: o art.° 6.°, n.° 7, da Lei da Nacionalidade confere ao Governo um poder discricionário ("pode conceder"), sujeito a verificação cumulativa de requisitos objetivos e a ponderação de interesse público, inexistindo qualquer comando legal que imponha decisão vinculada ou prazo específico para concessão - pelo que o A. não está privado de um direito, está privado de uma decisão de um pedido que formulou e por via do qual tem uma expetativa à aquisição da nacionalidade portuguesa.
v. A intimação para protecção de DLGs, prevista no art.° 109.° do CPTA, só é admissível quando (i) a tutela urgente de mérito seja indispensável à salvaguarda concreta de um direito fundamental, (ii) tal tutela não possa ser obtida por outros meios processuais e (iii) o Requerente alegue factualidade específica que demonstre essa indispensabilidade. 
vi. O Recorrente não alegou nem demonstrou qualquer circunstância concreta que evidencie a urgência da decisão sobre o pedido de nacionalidade, limitando-se a enunciar expetativas profissionais e académicas genéricas, destituídas de atualidade, risco efetivo ou prejuízo irreversível.
vii. O título de residência invocado pelo Recorrente, alegadamente caducado em outubro de 2023, encontrava-se válido por força do regime excecional de prorrogação previsto no artigo 2.°, n.ºs 8 e 9 do Decreto-Lei n.° 10-A/2020, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.° 41-A/2024, à data da entrada da ação.
viii. Ainda que o estivesse, a mera permanência irregular não implica automaticamente a instauração de procedimento de afastamento, dependendo tal medida de apreciação casuística, nos termos do artigo 135.° e seguintes da Lei n.° 23/2007.
ix. O Recorrente não foi objeto de qualquer notificação de afastamento nem demonstrou iminência de tal risco, limitando-se a formular receios abstratos, desprovidos de concretização ou prova.
x. Acresce que em 30.06.2025 foi publicado o Decreto-Lei n.° 85-B/2025, de 30 de junho, estatuindo o seu Art. 2.° n.° 1 que "autorizações de residência cuja validade termine entre 22 de fevereiro de 2020 e 30 de junho de 2025, são aceites, nos mesmos termos, até 15 de outubro de 2025", e o n.° 2 do mesmo artigo estatui que "após 15 de outubro de 2025, os documentos respeitantes a autorizações de residência serão aceites mediante a apresentação pelo seu titular de documento comprovativo do pagamento do pedido da respetiva renovação, emitido pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP (AIMA, IP), com validade de 180 dias, contados a partir da sua emissão".
xi. Na sua p.i., submetida no SITAF em 06.11.2024 o A. dizia pretender candidatar-se ao programa PEPAC-MNE até 15.12.2024 pelo que carecia de ter a nacionalidade portuguesa - um programa perfeitamente irrealista atendendo às formalidades, estatuídas no Regulamento da Lei da Nacionalidade que se teriam de cumprir antes de se poder decidir o pedido do A.
xii. A alegada impossibilidade de candidatura ao programa PEPAC-MNE não configura lesão de direito algum, uma vez que (i) tal programa tem natureza concursal e altamente seletiva; (ii) não está demonstrado que o Recorrente tenha reunido os demais requisitos exigidos; e (iii) o respetivo prazo de candidatura terminou há meses.
xiii. Não se verifica, pois, qualquer nexo de causalidade entre a pendência do pedido de nacionalidade e a impossibilidade de acesso a oportunidades profissionais ou académicas, sendo as alegações do Recorrente meramente especulativas.
xiv. O Recorrente não logrou provar qualquer limitação efetiva no acesso a cuidados de saúde, alojamento ou alimentação, nem demonstrou a existência de situações concretas de exclusão social ou económica diretamente decorrentes da ausência de nacionalidade portuguesa.
xv. O mecanismo de intimação para tutela de direitos fundamentais não pode ser instrumentalizado como meio de acelerar procedimentos administrativos sujeitos a instrução complexa, que envolve pareceres obrigatórios e diligências instrutórias reguladas por lei, como sucede nos processos de naturalização dos descendentes de judeus sefarditas.
xvi. A sentença recorrida aplicou corretamente o direito aos factos e fundamentou devidamente a inexistência dos pressupostos processuais da intimação, mormente a ausência de urgência e de indispensabilidade da tutela jurisdicional imediata.
xvii. Em face de todo o exposto, mostra-se correta a decisão que, verificando a falta de pressuposto processual (indispensabilidade da tutela urgente), absolveu o Recorrido da instância, não havendo fundamento para a sua revogação.
Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida e mantendo-se a absolvição da entidade demandada da instância, com todas as legais consequências.
Assim se fazendo Justiça!”

O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento recurso.

Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Delimitação do objeto do recurso

Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), a questão que a este Tribunal cumpre apreciar reconduz-se a saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito.

3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

“Com relevo para a decisão a proferir, dão-se como provados os seguintes factos:
1. O Requerente tem nacionalidade brasileira, tendo nascido em 15.09.2001 - cfr. fls. 5 a 9 do PA;
2. Em 18.07.2022, o Requerente solicitou ao Arquivo Central do Porto, a aquisição da nacionalidade portuguesa por ser descendente de judeu sefardita português, que deu origem ao Proc. n.° 160838/2022 - cfr. fls. 1 a 24 do PA;
3. O Requerente encontra-se a residir em Portugal, tendo sido titular do título de residência n° 7…, como estudante de ensino superior, emitido em 27 de outubro de 2021, válido até 27 de outubro de 20… - cfr. documento n.° 4 junto com a p.i.;
4. O Requerente concluiu a sua licenciatura em Relações Internacionais em 30 de junho de 2023, pela Universidade do Minho, com a nota final de 15 valores - - cfr. documento n.° 5 junto com a p.i.;
5. O Requerente realizou um estágio de natureza curricular no Consulado-Geral de Marselha, em França, com início em 15 de julho de 2023 e termo em 15 de janeiro de 2024, tendo obtido a classificação final de 20 valores - cfr. documento n.° 9 junto com a p.i.;
6. O Requerente encontra-se inscrito no 1° ano do Mestrado em Relações Internacionais e Diplomacia, na vertente de Especialização em Diplomacia Política - facto admitido por acordo;
7. O Requerente pretende concorrer à VI Edição PEPAC-MNE cujas candidaturas deverão ser apresentadas entre os dias 01 e 15 de dezembro de 2024, com vista a poder frequentar um estágio profissional remunerado nos Serviços Periféricos Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros - facto admitido por acordo;
8. Em 25.10.2024, o Núcleo de Estágios do Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros respondeu ao Requerente que o estágio profissional indicado no ponto antecedente se destina exclusivamente a cidadãos portugueses, conforme ora se extrata:
“O PEPAC-MNE destina-se exclusivamente a cidadãos portugueses, dado que as funções atribuídas aos estagiários estão relacionadas com Política Externa Portuguesa, em áreas como Diplomacia Económica ou Diplomacia Política e Apoio Consular. Estas funções enquadram-se no conceito de ''funções públicas que não têm caráter predominantemente técnico” e das inerentes à da Carreira Diplomática - que constituem, em si, exceções à equiparação de direitos entre nacionais e estrangeiros, de acordo com o disposto no artigo 15.°, n. °2 da Constituição da República Portuguesa. Assim, não é aplicável a equiparação para este tipo de funções, alinhando-se com as exceções estipuladas pela Constituição, sem contrariedade ao Direito Europeu.”
- cfr. documento n.° 11 junto com a p.i.;
9. Até à presente data, não foi proferida decisão quanto ao pedido mencionado no ponto 2 - facto admitido por acordo;”

3.2. A respeito dos factos não provados consignou-se na sentença recorrida,

“Não se provaram quaisquer outros factos, para além dos referidos, com interesse para a decisão da exceção.”

3.3. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão quanto à matéria de facto dada como provada realizou-se com base no exame dos documentos carreados aos autos e no acordo das partes, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.”


4. Fundamentação de direito

4.1. Do erro de julgamento

Decorre dos autos que a sentença absolveu a Entidade Requerida da instância, entendendo não se encontrar preenchido o pressuposto do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias correspondente à indispensabilidade de uma decisão de mérito urgente para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, o que considerou corresponder a impropriedade do meio processual determinante de exceção dilatória de nulidade de todo o processo.
Para tanto considerou, em suma, que
“Analisando de perto o requerimento inicial, constata-se que o Requerente apenas alega que se encontra atualmente a residir em Portugal e que o seu título de residência se encontra expirado, tendo tido dificuldades em conseguir a sua renovação.
Mais alega que pretende concorrer à VI Edição PEPAC -MNE, cujas candidaturas deverão ser apresentadas entre os dias 01 e 15 de dezembro de 2024, com vista a poder frequentar um estágio profissional remunerado nos Serviços Periféricos Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e que não pode concorrer por não ter a nacionalidade portuguesa.
Sustenta que existe um risco iminente de deportação e de perda de oportunidade de trabalho, bem como de futuros rendimentos porquanto, caso não lhe seja concedida a nacionalidade, perderá a oportunidade de estágio profissional até ao próximo dia 15 de dezembro de 2024 e, caso seja deportado, ficará impedido de regressar a solo europeu por um dado lapso temporal.”
Entendendo-se na sentença recorrida,
“que importa sublinhar que o Requerente é omisso na alegação de factos relativos à sua situação concreta, que permitam concluir que a falta de decisão, por parte da Entidade Requerida, contende com o exercício do direito supra mencionado, não bastando, para o efeito, a sua alegação vaga e genérica.
Ao demais, o Requerente não alega nenhum facto que indicie que seja necessário ser proferida uma decisão de mérito urgente, não logrando realçar a indispensabilidade do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
Na verdade, de acordo com a factualidade vertida no requerimento inicial, não é possível concluir que o Requerente esteja numa situação premente em que seja indispensável ocorrer a emissão de uma decisão, sob pena de vir a ser lesado o seu direito à nacionalidade.
Com efeito, resulta da matéria de facto provada que o Requerente se encontra a residir em Portugal e que o seu título de residência se encontra expirado desde 27 de outubro de 2023.
Não obstante isso, decorre da matéria provada que se encontra inscrito no 1° ano do Mestrado em Relações Internacionais e Diplomacia, na vertente de Especialização em Diplomacia Política, logo, poderá beneficiar de uma autorização de residência por ser estudante do ensino superior, nos termos do artigo 91° da Lei n.° 23/2007, de 04.07, como aliás, já o tinha feito anteriormente.
Assim sendo, o mesmo pode beneficiar dos direitos e estar sujeito aos deveres do cidadão português, de acordo com o artigo 15°, n.° 1 da CRP, que consagra o princípio da equiparação entre estrangeiros e cidadãos europeus, com a ressalva dos “direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses'", nos termos do n.° 2 do mesmo comando normativo.
Pelo que, em face da exceção prevista no n.° 2 do artigo 15° da CRP, não é permitido ao Requerente ingressar e frequentar o estágio profissional de Política Externa Portuguesa, no âmbito dos Serviços Periféricos Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, porquanto o mesmo se insere na carreira diplomática, consubstanciando o exercício de uma função pública de caráter não predominantemente técnico.
Em face da proibição constante na Lei Fundamental relativamente ao exercício de tais funções públicas e pese embora a Entidade Requerida ainda não tenha decidido o pedido de nacionalidade do Requerente, o que permitiria que este se pudesse candidatar a lugares na carreira diplomática, tal não representa, por si só, um motivo cabalmente ponderoso para justificar a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia.
O Requerente não alegou, pois, circunstancialismo que justificasse que possa ser prejudicado pela inércia da Entidade Requerida ao não lhe atribuir a nacionalidade portuguesa, não valendo enquanto tal as aspirações profissionais que o movem e a dedicação ao estudo e formação na área das Relações Internacionais.
Nessa medida, o Requerente não alegou e provou circunstancialismo concreto, de forma a se concluir que a sua situação é distinta (e urgente) relativamente a outros interessados que se dirigem aos serviços da Conservatória com o mesmo propósito e que deve gozar de prioridade relativamente a estes.
Por último, apesar de indicar, no seu articulado inicial, o limite temporal a partir do qual ocorreria a hipotética lesão, ou a ameaça de lesão, do alegado direito à nacionalidade, correspondente ao último dia do prazo de candidatura ao estágio profissional (15.12.2024), entende este Tribunal que não se está perante uma situação urgente que justifique o recurso ao presente meio processual visto que, reitera-se, está em causa o acesso a um estágio profissional de Política Externa Portuguesa, que é exclusivo aos candidatos de nacionalidade portuguesa, e relativamente ao qual o Requerente apenas detém uma mera expectativa profissional e de realização académica.”
Contra esta decisão insurge-se o Recorrente alegando, em suma, que o Tribunal não encontrou fundamentos de urgência porque não apreciou a violação reiterada e continuada pela R. no cumprimento dos prazos legais, desconsiderando a sua imperatividade e assim violando o artigo 27.º do RNP e os artigos 128.º e 129.º do CPA.
Sustenta ter comprovado a violação de todos os prazos legais, dado que o pedido de atribuição de nacionalidade encontra-se pendente na Conservatória dos Registos Centrais desde dia 18 de julho de 2022, ou seja, há quase 3 anos, não tendo ainda sido objeto de análise, nos termos do artigo 27.º, n.º 1 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, quando deveria ter sido analisado em 30 dias e proferida decisão em 45 dias, sendo o prazo de decisão de 90 dias úteis conforme os artigos 128.º e 87.º do CPA, estando em causa o dever de boa administração. Aduz, consequentemente, que tendo sido ultrapassado o prazo legal de decisão tal lhe confere legitimidade para recorrer a este meio processual, salientando que a sentença ignorou o princípio da boa administração e o dever de decisão.
Mais considera que, na medida em que apenas a partir do registo da aquisição da nacionalidade, pode comprovar e exercer os direitos a ela inerentes, o exercício desses direitos encontra-se comprometido pela inércia da Administração, tornando-se premente a tomada de decisão por estar em causa o direito fundamental à cidadania e identidade pessoal (artigo 26.º da CRP), sob pena da sua lesão grave e irreversível.
Reputa que, estando a Administração vinculada ao princípio da celeridade, não deve ser a Recorrente a arcar com as consequências do funcionamento deficiente desta, não sendo razoável uma espera de 3 anos pela decisão do seu pedido, o que determina a sua necessidade de tutela definitiva e urgente atendendo à violação do seu direito fundamental à cidadania, que não é compatível com uma tutela provisória, nem com uma ação de condenação à prática de ato devido que poderá demorar mais de 4 anos, existindo sério risco de perda de efeito útil.
Advoga que a violação do dever de decisão representa um perigo iminente e um dano irreversível, consubstanciado no facto de poder vir a não gozar do seu direito à nacionalidade caso o procedimento não seja decidido em tempo útil. E que o atraso na decisão sobre o seu pedido gera uma situação de residência ilegal em território nacional, podendo ser alvo de expulsão, com consequências imediatas e gravosas sobre a vida profissional do recorrente, violando o seu direito ao trabalho e, consequentemente, a sobrevivência e salvaguarda da dignidade humana, atenta a sua necessidade para preencher as necessidades mais básicas de habitação, alimentação e saúde. Aduz encontrar-se impedido de regularizar a sua situação migratória, devido à morosidade da Administração, que se reflete também na incapacidade prática de requerer qualquer autorização ou renovação de residência.
Considera que a sentença viola a jurisprudência dos tribunais superiores que considera a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias o meio processual idóneo quando a demora administrativa obsta ao exercício efetivo e urgente dos direitos fundamentais à cidadania e ao trabalho e em situações análogas à sua, em que a celeridade é essencial para evitar prejuízos irreparáveis.
Advoga não ser possível o decretamento provisório da nacionalidade portuguesa e que, ao ignorar a situação concreta apresentada pelo autor, a sentença proferida viola também os princípios constitucionais da confiança e da tutela jurisdicional efetiva (artigos 2.º e 20.º, n.º 4 da CRP), posto que o Recorrente confiou na Administração, cumprindo todos os requisitos legais e esperando legitimamente uma decisão em prazo legalmente previsto. Incumprimento que gera prejuízos concretos e irreparáveis, face à situação irregular em que o autor se encontra e a impossibilidade prática de obter autorização de residência ou exercer plenamente o direito ao trabalho.
Previamente cumpre clarificar que não obstante se detetar que o Tribunal a quo conclui verificar-se a “exceção de dilatória de nulidade de todo o processo”, decorrente de a intimação não se traduzir no meio processual adequado a satisfazer a pretensão do requerente, constata-se da fundamentação da decisão que, verdadeiramente, esta assenta na falta de (concretização do) preenchimento dos pressupostos específicos de que depende a utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, conducente à absolvição da Requerida da instância (ou, em sede liminar, ao indeferimento liminar) face à exceção dilatória inominada de falta de verificação do pressuposto da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.
Refira-se, em primeiro lugar, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente a vertida no Ac. do STA de 6.6.2024, proferido no processo 0741/23.4BELSB debruça-se sobre a (in)adequação do meio processual – intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias - em situações de falta de decisão por banda da Administração a pedidos de autorização de residência. Mas ainda que a forma processual seja a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, tal não dispensa, para que o requerente dela beneficie, que demonstre o preenchimento dos pressupostos subjacentes à tutela requerida.
E in casu o que o Tribunal a quo considerou foi que o Recorrente não concretizou uma situação fáctica demonstrativa do pressuposto, para o recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, da indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia.
É que, enquanto pressupostos do recurso a este meio processual, encontra-se, o de índole positiva, qual seja a indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão que imponha à Administração uma conduta positiva ou negativa como forma de assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, acudindo a lesões presentes e futuras, e o de índole negativa, traduzido na impossibilidade ou insuficiência, nas circunstâncias do caso, do decretamento de uma providência cautelar.
Com efeito, como emerge do n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, “[a] intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.”.
Este meio processual, que é de utilização excecional, assegura a proteção a título principal, urgente e sumária, de direitos, liberdades e garantias, que estejam a ser violados naquelas situações em que a rápida prolação de uma decisão que vincule a Administração (ou particulares) a adotar uma conduta positiva (facere) ou negativa (non facere) se revele como indispensável para acautelar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia.
Exige-se, assim, que a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia, cabendo ao requerente da intimação alegar e demonstrar a urgência na obtenção de uma decisão definitiva para a tutela dos direitos, liberdades e garantias que alega estarem a ser violados.
Como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição, Almedina, 2017, p. 883) “(...) é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adopção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício. À partida, o preenchimento deste requisito pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspectos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”.
É que a defesa ou tutela dos direitos fundamentais, faz-se, por regra, através do recurso à ação administrativa, recorrendo-se à intimação apenas quando aquela via não é possível ou suficiente por se verificar “a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de grave ameaça ou violação do direito, liberdade ou garantia em causa, que só possa ser reparada através do processo urgente de intimação.” (idem, ibidem, p. 883).
O segundo dos requisitos estatuídos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, refere-se à subsidiariedade da intimação, no sentido de que a intimação é o meio adequado quando a tutela do direito, liberdade ou garantia lesado, ou em vias de o ser, não se compadece com a delonga de um processo não urgente, ainda que acompanhado de uma providência cautelar. Assim, “[a] impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa. ” (Catarina Santos Botelho, A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31- 53).
Isto posto, dá-se nota que a jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo vem sustentando que na generalidade dos casos relativos à aquisição da nacionalidade portuguesa não se encontram reunidos os pressupostos da utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias (vg. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de março de 2024, Processo n.º 2087/23.9BELSB, de 6 de junho de 2024, Processo n.º 1846/23.7BELSB, de 20 de junho de 2024, Processo n.º 4037/23.3BELSB e de 14 de novembro de 2024, Processo n.º 2181/23.6BELSB, 30 de abril de 2025, Processo n.º 8605/24.8BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt).
Entendendo-se em sentido diverso, ou seja, que será de reconhecer que é urgente, sob pena de perda de utilidade, a prolação de uma decisão com vista a assegurar a possibilidade de exercício do direito à aquisição da cidadania portuguesa, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, em situações cujo circunstancialismo fáctico, devidamente concretizado nos autos, designadamente o Requerente deter idade avançada ou problemas do foro de saúde manifestamente debilitantes e graves, suscetíveis de encurtar o tempo de vida do requerente da nacionalidade, revela a urgência no recurso à intimação para cautelar a utilidade da lide (vg. as decisões proferidas nos Acórdãos deste TCA Sul de 27.4.2023, no processo n.º 3368/22.4BELSB, de 9.5.2024, no processo n.º 2604/23.4BELSB e de 13.3.2025, no processo 2078/24.2BELSB).
A admissão da utilização de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias depende, pois, da análise das circunstâncias de cada caso, sendo a verificação do preenchimento dos pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, efetuada por referência à causa de pedir e ao pedido formulado pelo Requerente, a quem incumbe alegar factos concretos idóneos ao preenchimento dos referidos pressupostos.
Ora, para sustentar a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito e a sua indispensabilidade para assegurar os seus direitos, liberdades e garantias, o Requerente, em sede de requerimento inicial, alegou encontrar-se a residir ilegalmente em Portugal, porquanto não logrou renovar o seu título de residência cuja validade terminou 27.10.2023, encontrando-se sob ameaça de ser expulso o que lhe acarreta inquietação, com a perda de ligação ao país onde reside há vários anos e prejuízo por se encontrar inscrito no 1.º ano de mestrado e não poder concluir os seus estudos.
Aduziu que a sua situação irregular o coloca à mercê de limitações no acesso aos serviços públicos, nomeadamente de saúde, apoio policial, e que, bem assim, o impede de circular livremente no espaço europeu. Vendo-se com receio de iminente expulsão e coibido de se apresentar e celebrar negócios civis básicos, ou de deslocar-se a um hospital, ou obter trabalho, o que resulta da falta de decisão do seu pedido, em violação dos prazos legais de análise e decisão.
Sustentando, ainda, que, dispondo das qualificações necessárias, pretende concorrer à VI Edição PEPAC-ME com vista a poder realizar um estágio profissional remunerado nos Serviços Periféricos Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas cujas candidaturas apenas se destinam a cidadãos nacionais e deverão ser apresentadas entre 1 e 15 de dezembro de 2024. Pelo que necessita urgentemente que o seu procedimento de aquisição de nacionalidade seja concluído, com vista a preencher o requisito necessário para prosseguir com a sua carreira e sob pena de se ver privado de ter acesso a um trabalho para que se encontra qualificado e de obter rendimentos que lhe permitam sustentar-se e prover às suas necessidades básicas de alimentação e alojamento.
Aduz encontrar-se em constante nervosismo de estar numa situação de completa imprevisibilidade quanto ao seu futuro, representando uma injustiça privar o A. do pleno gozo dos seus direitos decorrentes da aquisição da nacionalidade portuguesa, considerando que o seu pedido foi formalizado há 2 anos e 3 meses.
Em consequência, advoga a violação dos seus direitos à nacionalidade (artigo 26.º da CRP), ao trabalho, à liberdade, à segurança, à identidade pessoal, à saúde e o seu direito a circular, e, bem assim, os direitos fundamentais procedimentais a que se reporta o artigo 267.º da CRP, cuja efetividade se encontra comprometida pela falta de decisão.
Mais pugna que a omissão do dever de decisão viola o princípio da confiança e da segurança jurídica, pois apresentou o seu pedido com todos os documentos, procedendo ao pagamento das taxas necessárias, confiando no cumprimento pelo R. dos prazos legais, não tendo ainda obtido decisão.
Considera, ainda, que o facto de ter sido ultrapassado o prazo de decisão do seu pedido de aquisição de nacionalidade – que é de 90 dias (artigo 128.º do CPA) -, justifica por si só o recurso à intimação. Não cabendo ao Recorrente suportar as consequências do funcionamento da Administração.
Entendendo que a sua situação concreta exige uma decisão de mérito urgente que imponha à Administração uma conduta positiva, não se compadecendo com uma tutela provisória nem com a morosidade da ação administrativa, sob pena de comprometimento irreversível dos seus direitos inerentes à nacionalidade portuguesa.
Em primeiro lugar, importa considerar que o processo de intimação se destina a tutelar direitos, liberdades ou garantias ou direitos a estes análogos.
No caso, o Recorrente ancora a sua pretensão no que reputa configurar uma violação aos seus direitos à nacionalidade (ou à cidadania) portuguesa, ao trabalho, à liberdade, à segurança, à identidade pessoal, à saúde e o seu direito a circular, aos direitos procedimentais a que se reporta o artigo 267.º da CRP, à decisão e aos princípios da boa administração, confiança e segurança jurídica.
No que respeita ao dever de decisão que impende sobre a Administração (artigo 13.º do CPA]), este “não corresponde uma posição jurídica subjectiva dos particulares com a natureza de um direito, liberdade e garantia, o que significa que o incumprimento dos prazos procedimentais, na medida em que não contende com um direito com aquela natureza, não permite o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, donde “o incumprimento do prazo de decisão do pedido de atribuição de nacionalidade não permite, por si só, o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo que, noutra perspectiva, tal incumprimento não consubstancia a urgência que integra o primeiro pressuposto do recurso à intimação” (Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 3.10.2024, proferido no processo 1796/24.0BELSB).
E o mesmo sucede quanto aos princípios da boa administração, confiança e segurança jurídica que, como o próprio Recorrente reconhece, são princípios jurídicos, ou seja, padrões normativos que fundamentam e orientam todo o ordenamento jurídico, que não revestem a natureza de direitos, liberdades e garantias, e, consequentemente, não são tutelados pela intimação.
Quanto ao direito à cidadania, está em causa a dimensão do direito à aquisição da cidadania por estrangeiros que invoquem e demonstrem uma ligação a Portugal. E a este respeito acompanha-se o Acórdão deste TCA Sul de 10.4.2025, proferido no processo 2768/24.0BELSB (disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/04afc97d6da0a81280258c6f0028c27f?OpenDocument), onde se lê que “pretendendo o autor adquirir a cidadania portuguesa e invocando o mesmo que é descendente de judeu sefardita português (facto que se provou, aliás), está em causa o direito à aquisição da cidadania portuguesa. Na verdade, o direito à cidadania, contido no n.º 1 do artigo 26.º, abrange, tanto o direito dos portugueses a não serem arbitrariamente privados da cidadania portuguesa, como o direito dos estrangeiros com uma ligação a Portugal (por terem conhecimento suficiente da língua portuguesa, ou ascendência/descendência com residência em Portugal ou com nacionalidade portuguesa, ou por terem prestado serviços relevantes ao Estado português ou à comunidade, ou por serem descendentes de judeus sefarditas, nos termos do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade) a acederem à cidadania portuguesa – cfr. JORGE PEREIRA DA SILVA, O direito fundamental à cidadania portuguesa, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2004, pp. 277-279, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 106/2016, de 24.02.2016 (in https://www.tribunalconstitucional.pt). O direito à aquisição da cidadania portuguesa constitui, assim, uma dimensão positiva do direito fundamental à cidadania (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), embora “exigindo dos poderes públicos uma atitude interventiva, no sentido de criar as condições jurídicas para a sua efectivação”, sendo “um direito a prestações jurídicas por parte do Estado”. Assim, nesta dimensão, o artigo 26.º não é uma norma exequível por si mesma, carecendo de concretização por parte do legislador ordinário, estando concretizada na Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 03 de Outubro), que sujeita a aquisição da nacionalidade portuguesa pelos estrangeiros por naturalização - para além dos demais requisitos constantes do referido artigo 6.º, cuja demonstração se impõe para que a mesma seja concedida - à demonstração de uma ligação a Portugal.”.
O que significa, portanto, que, como se sumariou no citado Acórdão com integral aplicação aos autos face ao alegado no requerimento inicial e resulta do facto 2., “pretendendo o autor adquirir a cidadania portuguesa e invocando e provando o mesmo que é descendente de judeu sefardita português, está em causa o direito à aquisição da cidadania portuguesa”, para cuja salvaguarda do correspondente exercício em tempo útil se afigura idóneo o recurso à intimação.
A questão reside, portanto, em saber se se encontra suficientemente concretizada uma situação em que o direito à aquisição da cidadania portuguesa e os demais direitos convocados pelo Requerente - ao trabalho, à liberdade, à segurança, à identidade pessoal, à saúde e à liberdade de circulação – se encontrem ameaçados, em termos tais que se revela indispensável o recurso ao processo urgente de intimação.
Importa considerar que o probatório revela que o Requerente encontra-se a residir em Portugal, sendo titular de autorização de residência que, inicialmente ao abrigo do artigo 16.º, n.ºs 8 e 9 do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 na redação do Decreto-lei n.º 41-A/2024, de 28 de junho, e atualmente por força do disposto no artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 85-B/2025, mantém a sua validade até 15.10.2025 e, após 15.10.2025, será aceite “mediante a apresentação pelo seu titular de documento comprovativo do pagamento do pedido da respetiva renovação, emitido pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP (AIMA, IP), com validade de 180 dias, contados a partir da sua emissão”.
Ou seja, opostamente ao alegado, o Recorrente tem a sua permanência regularizada em Portugal, e, enquanto residente, beneficia do princípio da equiparação ao abrigo do disposto no artigo 15.º, n.º 1 da CRP, gozando, pois, com exceção do prescrito no n.º 2, dos mesmos direitos dos cidadãos nacionais.
Na realidade, residindo legalmente em Portugal encontra-se assegurado o exercício dos direitos à identidade, cidadania, trabalho, educação, segurança e, bem assim, o direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, concedida aos nacionais de países terceiros que residem legalmente no território de um Estado-Membro (artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia).
Assim, tal como (também) dispõe o artigo 83.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, ex vi artigo 97.º-A, n.º 1, ao Requerente assistem os direitos,
a) À educação, ensino e formação profissional, incluindo subsídios e bolsas de estudo em conformidade com a legislação aplicável;
b) Ao exercício de uma atividade profissional subordinada;
c) Ao exercício de uma atividade profissional independente;
d) À orientação, à formação, ao aperfeiçoamento e à reciclagem profissionais;
e) Ao acesso à saúde;
f) Ao acesso ao direito e aos tribunais.
E, sendo titular de autorização de residência, cuja validade foi, legalmente, estendida, não se encontra sujeito a decisão de afastamento ou expulsão, designadamente ao abrigo do artigo 134.º, n.º al. a) da Lei n.º 23/2007, por esta depender, além do mais, da permanência irregular em território nacional.
Isto é, a situação que o Requerente refere quanto aos seus receios de afastamento de território nacional, comprometendo o seu vínculo a Portugal e a possibilidade de completar os seus estudos, e os alegados constrangimentos decorrentes da sua situação de “estrangeiro”, designadamente, no acesso a serviços de saúde, à educação, ao trabalho ou aos meios de segurança pública, não encontram fundamento, nem sustentação face à sua concreta permanência regular em território nacional e aos direitos que legalmente lhe assistem.
Verifica-se, é certo, que lhe assistem limitações no que respeita ao exercício de funções públicas de carácter não predominantemente técnico. Contudo, para o efeito, o que o Recorrente alegou foi pretender candidatar-se ao Programa de Estágios Profissionais da Administração Central específico para os serviços periféricos externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, cujas candidaturas decorreram entre 1 a 15 de dezembro de 2024. Admitindo-se que a impossibilidade de não ter uma cidadania portuguesa plena compromete o exercício pleno do direito ao trabalho inerente à nacionalidade portuguesa, o que sucede é que, na presente data, já se consumou na íntegra a lesão ao direito, liberdade e garantia que o recurso à presente intimação visava obstar. E daí que, atualmente, não se mostra já indispensável, como forma de assegurar o direito ao trabalho, na dimensão de possibilitar que o Recorrente se apresentasse como opositor à referida VI edição do PEPAC-MNE e vir a realizar o referido estágio profissional, a tutela de mérito urgente que reclama nestes autos.
E quanto ao demais o que se verifica é que o Recorrente não consubstancia uma situação fáctica que evidencie que a demora na decisão do seu pedido de aquisição de nacionalidade viola os direitos que elenca inerentes à titularidade da nacionalidade portuguesa. Recorda-se que “do simples argumento de ter decorrido o prazo legal de decisão administrativa não emerge, sem mais, a conclusão de que está a ser violado um direito, liberdade e garantia que só possa ser defendido pelo recurso ao processo urgente de intimação.
É preciso algo mais. Impõe-se que dos factos concretamente alegados transpareça uma situação de especial urgência ou premência, a partir da qual se encontre a justificação factual dos já enunciados pressupostos da indispensabilidade e subsidiariedade” (Ac. deste TCA Sul de 9.5.2024, proferido no processo 4798/23.0BELSB, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/458d4b281a18814780258b1c0048262b?OpenDocument).
Ora, com exceção da invocada premência na obtenção da cidadania portuguesa como forma de se candidatar ao programa de estágios, relativamente à qual como vimos já se consumou a lesão em moldes obstam a que, atualmente, se possa reconhecer a urgência na tutela pretendida, o Recorrente limitou-se a invocar receios e inquietações relacionados com alegados constrangimentos aos direitos inerentes à nacionalidade portuguesa aos quais não aportou qualquer suporte fáctico, nem se coadunam com os direitos que lhe assistem enquanto residente (legal) em Portugal e que, de resto, lhe permitiram (e permitem) estudar livremente em território nacional, deslocar-se para outro país da União Europeia onde realizou um estágio, e exercer atividade profissional (com os limites que emergem do n.º 2 do artigo 15.º da CRP). Não revelando, opostamente ao invocado nesta sede recursiva, a ameaça ou perigo iminente determinante de não poder vir a gozar, em tempo útil, dos direitos que emergem da nacionalidade portuguesa.
Ou seja, na presente data, não se revela uma situação fáctica de se possa extrair a indispensabilidade de uma decisão urgente para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, conforme exigido pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
E porque se tratam de pressupostos cumulativos, tal dispensa a pronúncia deste Tribunal quanto à alegada inviabilidade da tutela cautelar, porquanto tal contende com o segundo pressuposto - impossibilidade ou insuficiência, nas circunstâncias do caso, do decretamento de uma providência cautelar – regulado no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
Donde, não se encontrando preenchidos os pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, impunha-se, como decidido, a absolvição da Requerida da instância face à exceção dilatória inominada de falta de verificação dos pressupostos da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.


4.2. Da condenação em custas

Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.

5. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas.

Mara de Magalhães Silveira
Joana Costa e Nora
Marcelo da Silva Mendonça