Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7/18.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/22/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DECISÃO ARBITRAL;
PRONÚNCIA INDEVIDA;
DISPOSITIVO CONDENATÓRIO.
Sumário:1. Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no art.º27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no art.º28.º, n.º 1, do mesmo diploma.

2. Não padece de vício inquinatório de nulidade por pronúncia indevida, a decisão do tribunal arbitral que condene a Requerente no reembolso à Requerente do montante de imposto pago e anulado, se não discerne (ainda que com eventual erro de julgamento) discordância das partes quanto a esse montante.

3. A nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença.

4. Constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído.

5. Nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão ou de um excesso de pronúncia. Essa causa de nulidade traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no art. 608.º, n.º 2, do CPC o qual consiste, por um lado, no dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de conhecimento oficioso.

6. Não integra a nulidade prevista no citado normativo a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões a apreciar, ou, mera divergência com a interpretação e aplicação do direito que foi feita na decisão arbitral.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


1 – RELATÓRIO

A Exma. Senhora Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), vem, ao abrigo do disposto no artigo 27.º e alíneas b) e c) do artigo 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), aprovado pelo D.L.n.º10/2011, de 20 de Janeiro, impugnar o acórdão arbitral proferido no processo n.º155/2017 – T, pelo Tribunal Arbitral constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD).

A apelante termina as alegações da impugnação formulando as seguintes Conclusões:
«
».

A impugnada, sociedade “G............... SGPS, S.A.”, apresentou contra-alegações onde expendeu o seguinte quadro Conclusivo:

«IV. CONCLUSÕES

i) Da improcedência da acusação de incompetência para anulação de um concreto montante de imposto, e determinação do seu reembolso

A) Conforme jurisprudência firme (e sensata) o acto tributário é uma realidade divisível, sendo que essa característica protege antes de mais o credor tributário e a boa aplicação do princípio da proporcionalidade ou da justa medida (só anular, destruir, eventual parte ilegal, e não todo o acto de liquidação a pretexto de uma ilegalidade parcial).

B) O tribunal que conheça da legalidade do acto deve promover a sua anulação parcial se for o caso, não constituindo isso interferência na área de competência da AT, e só assim se operando a tutela judicial efectiva prevista na Constituição: cfr. o acórdão do STA de 02.12.2015, proferido no processo n.º 0754/15 (FONSECA CARVALHO – relator –, ISABEL MARQUES DA SILVA e PEDRO DELGADO), ou o acórdão do TCAS de 8 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 06112/12 (JOAQUIM CONDESSO – relator – CATARINA ALMEIDA E SOUSA e BÁRBARA TAVARES TELES). Consequentemente, tendo sido quantificada a parte ilegal, nenhuma razão há para diferir a mesma para execução de julgados.

C) A segregação do montante da parte do acto tributário anulável e a condenação no reembolso consequencial a essa anulação, não constituem interferência alguma na área de competência da AT, e está entre os poderes de qualquer Tribunal que tenha competência para anular actos de liquidação, total ou parcialmente. O Tribunal nada cria, limita-se a anular com precisão uma parte de um todo pré-existente.

D) Acresce que é irreconciliável com o reconhecimento (a que a AT também adere) de que entre os poderes do Tribunal está o da condenação em juros, a negação do poder, logicamente prévio, de condenação no reembolso do montante de imposto anulado (posto que demonstradamente pago, evidentemente, o que no caso não é ponto controverso).

E) Como se nota no recentíssimo acórdão do TCAS, de 8 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 06112/12, a exclusão de tais poderes aos tribunais com competência material para anular actos de liquidação fere o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.

F) É consequentemente inconstitucional a leitura da norma, designadamente do artigo 2.º, n.º 1, e mais especificamente ainda, da sua alínea a), do RJAT, que veja nela implícita essas exclusões, por violação do princípio do Estado de direito democrático e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigos 2.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da Constituição).

G) É patentemente falso que a jurisprudência citada pela AT nos artigos 48.º e 66.º das suas alegações de impugnação corrobore a sua posição.

H) As inconstitucionalidades aqui suscitadas pela AT vão no sentido precisamente inverso ao por si indicado. Como se aludiu supra, se ao Tribunal estivesse vedado anular o concreto montante de imposto que padece da ilegalidade, e consequencialmente condenar no seu reembolso (caso esse montante tenha sido pago), reembolso a que aliás a AT está já desde logo ex lege obrigada,
I) então aí sim a norma, o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, assim interpretada, seria inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e do princípio do Estado de direito democrático (privilégio injustificável atribuído à AT, sacrifício injustificável do interesse legítimo da outra parte, o contribuinte/administrado).

ii) Da improcedência da acusação de contradição entre a decisão arbitral e os seus fundamentos

J) Nenhum contradição há entre o facto de o Tribunal ter afirmado em tese que havendo divergência de quantificação entre as partes a matéria dever ser relegada para execução de sentença, e o facto de o Tribunal, justamente por não ter discernido qualquer divergência de quantificação (a AT nenhuma vício imputou à quantificação do contribuinte e muito menos contrapôs uma outra), nada neste campo ter relegado para execução de sentença.

iii) Da improcedência da acusação de omissão de pronúncia

K) O Tribunal Arbitral não deixou de se pronunciar sobre nenhuma questão que tivesse de apreciar, donde não haver vício algum de omissão de pronúncia.

L) Mais concretamente, o Tribunal Arbitral pronunciou-se sobre a questão do direito a juros indemnizatórios, tendo decidido que havia direito aos mesmos contados desde a data do pagamento do imposto anulado.

M) O que quer significar que não considerou aplicável ao caso a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

N) E realmente seria intolerável, julga-se, considerar-se haver erro dos serviços quando um contribuinte segue na sua autoliquidação entendimento genérico da AT, mas já não quando seguisse entendimento da AT a si e ao seu caso especificamente dirigido (resposta da AT a pedido de informação vinculativa), como sucedeu nas circunstâncias do presente caso (cirurgicamente omitidas pela AT nas suas alegações de impugnação). Isso atentaria contra a unidade do sistema jurídico.

O) Fazendo nosso o feliz raciocínio do acórdão do STA invocado pela AT, “seria incompaginável com o princípio constitucional da igualdade uma interpretação do art. 43.º, n.º 2 [da LGT], que se reconduzisse a uma discriminação negativa na atribuição do direito a
juros indemnizatórios dos que foram destinatários de informação vinculativa a si especificamente dirigida em relação aos simples destinatários indiscriminados de orientações genéricas, pois a diferença entre as duas situações não justifica uma distinção quando àquele direito”, muito menos distinção na direcção pretendida pela AT.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO À IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL, MANTENDO-SE NA ORDEM JURÍDICA A
DOUTA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL ARBITRAL.»


O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), não se tendo pronunciado.

Colhidos os vistos dos actuais Senhores Juízes-Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

De facto
A matéria de facto não foi impugnada. Assim, nos termos do art.º 663º, n.º 6, do CPC, remete-se para a matéria de facto fixada na decisão impugnada.

De direito

Como se deixou consignado no acórdão desta secção proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB,

«O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al.b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPCivil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)» (fim de cit.).

Como tem sido entendimento deste Tribunal, a decisão arbitral poderá ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na pronúncia indevida. E no conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência – vd., entre outros, o Acórdão deste TCA Sul, de 06/09/2016, tirado no proc.º09156/15.

São estas as nulidades invocadas pela entidade impugnante: i) incompetência do tribunal arbitral para anulação de um concreto montante de imposto e determinação do seu reembolso; ii) contradição entre a decisão arbitral e os seus fundamentos; iii) omissão de pronúncia.

Ø Pronúncia indevida

Em sede de aplicação do direito, consta da parte dispositiva da decisão arbitral:

«Decisão
Em consequência do exposto, acordam os árbitros que constituem este tribunal Arbitral Colectivo:
a) Julgar improcedente a excepção dilatória de incompetência do tribunal, em razão da matéria;
b) Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial das autoliquidações de IRC do Grupo Fiscal G............... dos exercícios de 2013 e 2014, no que respeita ao montante em excesso de € 798.286,70, de cada uma das respectivas bases tributáveis, num total de € 1.596.573,40, com a sua consequente anulação nestas partes, e bem assim no que concerne ao imposto reflexo no montante de € 55.081,78 sobre o respectivo excesso de base tributável no exercício de 2014, com todas as consequências legais, designadamente, o reembolso à Requerente do montante de imposto pago (€ 55.081,78), acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, desde a data de pagamento até integral reembolso».

Dissente a impugnante do segmento decisório em que é condenada no reembolso do montante de imposto pago (€ 55.081,78).

A competência dos tribunais arbitrais está fixada no art.º2.º, n.º1 alíneas a) e b), do RJAT, pelo que importará, desde logo, indagar se o pedido de condenação da AT “no reembolso à Requerente do montante de imposto pago (€ 55.081,78)”, se compreende no âmbito da competência do tribunal arbitral para apreciar a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

Uma leitura conjugada do disposto naquele art.º2.º do RJAT com o disposto no art.º10.º, n.º1, alínea a) do mesmo diploma, parece apontar no sentido de que a competência dos tribunais arbitrais corresponderá, salvo restrições legais, aos casos em que, no processo judicial tributário, os tribunais tributários conhecem das pretensões através do meio processual da impugnação judicial – artigos 97.º, n.º1 alíneas a) a f), 99.º e 102.º, n.º1, todos do CPPT.

Como se sabe, em processo judicial tributário, é pelo pedido que se afere a adequação do meio processual ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo Autor não se ajusta à finalidade abstractamente configurada por lei para essa forma processual, ocorre erro na forma do processo (cf. Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição - reimpressão, págs. 288/289).
Só que, estando os tribunais arbitrais limitados na sua competência material à apreciação de pretensões que se prendem com “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e “a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”, quaisquer outras pretensões – não compatíveis, em processo judicial tributário, com a forma processual da impugnação judicial – excedem o âmbito da sua competência, fixada no art.º2.º, n.º1 do RJAT.

Ora, por força da consagração do princípio constitucional da tutela judicial efectiva (cf.artº.268.º, nº.4, da Constituição da República), o processo judicial tributário tem vindo a perder a sua natureza estrita de um contencioso de mera anulação e a conferir tutela a pretensões características de um contencioso de plena jurisdição. É que, como se diz no Acórdão deste tribunal de 06/08/2017, tirado no proc.º06112/12, aquele princípio constitucional “somente é alcançado se as sentenças puderem ter todos os efeitos necessários e aptos a proteger o direito ou interesse apreciado pelo Tribunal, assim não podendo limitar-se à mera anulação do acto tributário e podendo o processo de impugnação revestir uma natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros(sublinhado nosso).

E para sustentar a natureza tendencial da impugnação como processo de plena jurisdição, aponta-se também no aresto em citação, “o princípio da economia processual que exige que se ponha fim ao litígio utilizando do processo judicial tudo o que puder ser aproveitado para basear uma decisão do Tribunal de onde sai logo uma definição da situação tributária concreta sob análise que não careça de qualquer nova pronúncia da Administração Tributária” e, ainda e por último, “razões ligadas ao próprio âmbito do contencioso tributário ou aos limites à plena jurisdição de um tal contencioso, os quais só serão de aceitar em relação àqueles domínios ou aspectos da acção administrativa em que a mesma plena jurisdição implique para o juiz tributário a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa, nomeadamente a intangibilidade do caso julgado administrativo ou o respeito pelas áreas em que a Administração Tributária goza de uma margem de livre apreciação na sua decisão (v.g. discricionariedade técnica)”.

Nesta linha de entendimento, não se descortinam razões para restringir aos tribunais arbitrais a possibilidade – que se confere aos tribunais tributários em processo de impugnação judicial – de proferirem decisões de natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros, desde que tal não implique para o tribunal arbitral a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa, nomeadamente a intangibilidade do caso julgado administrativo ou o respeito pelas áreas em que a Administração Tributária goza de uma margem de livre apreciação na sua decisão (cf. Carla Castelo Trindade, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado”, Almedina, 2016, a págs.120 e ss.).
Concluímos, pois, pela competência dos Tribunais Arbitrais para proferir condenatórias nas situações em que, como a dos autos, contribuinte requerente solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante de imposto pago acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

Não existe, pois, pronúncia indevida por parte da decisão arbitral impugnada (artigo 28.º, nº1, al. c), do RJAT), improcedendo este segmento da impugnação.

Ø Contradição entre a decisão arbitral e os seus fundamentos

Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al. c), do C.P.Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37).

No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc. 1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, proc.7435/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).

No regime de arbitragem voluntária em direito tributário, a nulidade da decisão arbitral derivada dos fundamentos estarem em oposição com a decisão está consagrada no artº.28, nº.1, al.b), do R.J.A.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/6/2013, proc.6121/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16).

A nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído.

No caso em apreciação, impõe-se concluir pela improcedência deste vício, por quanto em apreciação da excepção então invocada pela Requerida, ora Impugnante, quanto à competência do tribunal arbitral para apreciar a pretensão de condenação da Requerida no reembolso do montante de imposto pago, consignou-se na decisão arbitral:

“Assim sendo, quando o montante a reembolsar resulta claramente identificado na sequência da anulação do ato tributário, não podemos deixar de admitir a competência do tribunal para o pedido de reembolso, por o mesmo ainda se compreender nos poderes de anulação.
Diferentemente se passam as coisas nos casos em que haja divergência quanto ao montante a reembolsar, devendo então a concretização do mesmo ser relegada para a fase de execução de sentença, por esta pertencer de facto à esfera da AT”

Alega a impugnante que não concordou com o montante peticionado, não obstante e em contradição com aquela fundamentação, veio a decisão arbitral, a final, condenar a AT a reembolsar à Requerente do montante de imposto pago (€ 55.081,78), acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde a data de pagamento até integral reembolso.

Ora, tal não consubstancia qualquer contradição lógica entre a fundamentação e a decisão, antes evidencia que o tribunal arbitral não discerniu qualquer divergência das partes quanto ao montante de imposto a reembolsar à Requerente. Se errou no juízo formulado, tal poderá inquinar a decisão de erro de julgamento, mas não de nulidade, único vício de que este tribunal pode conhecer.

Improcede a arguida nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Ø Omissão de pronúncia

Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al. d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).

No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).

No regime de arbitragem voluntária em direito tributário, a nulidade da decisão arbitral derivada do vício de omissão de pronúncia está consagrada no artº.28, nº.1, al. c), do R.J.A.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/06/2014, proc.7084/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/03/2016, proc.8981/15).

No caso em apreciação, basta atentar nas Conclusões ii) e jj) das doutas Conclusões da impugnante para logo ficar evidenciado que aquilo que questiona e com que não concorda é a interpretação e aplicação do direito que foi feita na decisão arbitral sobre o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios (eventual erro de julgamento de direito), mas tal matéria não é passível de impugnação perante este Tribunal, conforme amplamente referido supra nos considerandos iniciais.

Em suma, não se vê que a decisão arbitral impugnada tenha omitido pronúncia, nestes termos, improcedendo este último fundamento da impugnação.

Atento tudo o que se vem de referir tem que improceder in totum a impugnação da decisão arbitral.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente impugnação da decisão arbitral.

Custas pela Impugnante.

Registe e Notifique.

Lisboa, 22 de Maio de 2019


Vital Lopes


Joaquim Condesso


Tânia Meireles da Cunha