Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 305/18.4BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/27/2024 |
| Relator: | HÉLIA GAMEIRO SILVA |
| Descritores: | OPOSIÇÃO SANEADOR TABELAR / CASO JULGADO FORMAL INIDONEIDADE DO MEIO PROCESSUAL UTILIZADO CONVOLAÇÃO |
| Sumário: | I. O legislador processual foi criterioso na especificação dos casos em que o despacho saneador é suscetível de constituir “caso jugado formal” ao clarificar que o mesmo apenas se verifica quanto ás questões sobre as quais, tenha, em concreto, havido pronuncia e, como é óbvio, depois transitando em julgado. II. A questão é a de saber se a Oponente é, ou não, o sujeito passivo da relação material controvertida e sabendo que o ato que determina o valor do imposto a pagar (liquidação) é contenciosamente impugnável, nos termos previstos no artigo 99.º do CPPT, a Oponente poderia/deveria, ter contra ele reagido em momento próprio. III. Não o tendo feito, estamos perante um erro na forma do processo que constitui nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo já que o erro na forma do processo se afere pelo pedido e não pela causa de pedir. IV. A convolação será admitida sempre que não seja manifesta a sua improcedência ou intempestividade, para além da idoneidade da respetiva petição para o efeito. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
1 – RELATÓRIO Clínica …., Lda., melhor identificada nos autos, veio, deduzir OPOSIÇÃO judicial, aos processos de execução fiscal n.ºs n°s 3301201401296469; 3301201401295985; 3301201401296426, 3301201401296434; 3301201401296442; 3301201401296450; 3301201401299980; 3301201481008864; 3301201481014198 e 3301201481032498, instaurados no Serviço de Finanças de Lisboa 4, para cobrança coerciva de dívidas de coimas e encargos do processo de contraordenação. O Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, por sentença de 28 de fevereiro de 2022, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Inconformada, a Oponente, Clínica Lda., veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado alegações e formulado as seguintes conclusões: «1. A depreciação do argumentário aduzido na oposição tempestivamente oferecida, importa a denegação de justiça porquanto é coarctada a prerrogativa da aqui Recorrente, Clínica ...., Lda, ver apreciado o mérito da impugnação entregue. 2. Nunca por nunca, o pagamento da dívida exequenda, no âmbito do procedimento tributário, poderá ser óbice à valoração dos motivos que possam ter dignidade jurídica para fazer valer a pretensão do contribuinte e o reembolso do que haja sido prestado. 3. A douta decisão “sub judice” acolheu o argumentário expendido pela Recorrente, Clínica ...., Lda, no que concerne à pretensão sindicada em dar como provados com interesse para a decisão da causa, os factos referentes à circunstância de as motas com as matrículas 98...e 02… terem sido “...furtadas no ano de 1999...” bem como a assunção pela seguradora “... da transferência da responsabilidade civil referente às mesmas motas através da apólice n° 52415...”. 4. A pretensão da Recorrente, Clínica ...., Lda, é consubstanciada no elementar reembolso do que pagou indevidamente, pagamento esse que só efectuou por forma a que a Fazenda Pública não inviabilizasse a actividade daquela por força de penhoras decretadas no âmbito dos presentes autos. Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença proferida, devendo os autos prosseguir os seus termos com o correlativo julgamento da oposição deduzida, só assim se fazendo Justiça.» »« Devidamente notificada para o efeito, a recorrida, nada disse. »« A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, veio oferecer o seu parecer, no sentido da improcedência do recurso, por considerar que a sentença não merece qualquer censura. »« Apreciado, demos conta de que, em sede de contestaçaÞo, a Fazenda Publica havia suscitado a inidoneidade do meio processual utilizado, exceção que, nos autos, não foi apreciada, mas eì de conhecimento oficioso e a verificar-se obsta a que o tribunal conheça o mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, situação que, por dever de oficio, este Tribunal deu a conhecer à Oponente, para, querendo, sobre ela, se pronunciar – artigo 3.º do CPC aqui aplicável ex vi da al. e) do artigo 2.º do CPPT. Respondendo a Oponente vem dizer que: “1. O douto despacho de 05 de Fevereiro de 2024 alude à não apreciação da excepção sindicada pela Fazenda Pública quanto à alegada inidoneidade do meio processual utilizado. 2. Porém e salvo o devido respeito, a sentença em crise escrutinou a questão suscitada em sede de contestação pelo “... representante da autoridade tributária e aduaneira...” quanto ao invocado “...erro na forma do processo...”. 3. Mais e em sede do saneamento havido, foi definido que “...o processo não enferma de vícios que o invalidem...” o que releva a título de apreciação realizada, bem como de pronúncia em conformidade. 4. A tudo acresce o facto de no âmbito da oposição deduzida, ser invocado pelo então Mandatário da Recorrente, Clínica ...., Lda, um fundamento consignado no artigo 204° do Código do Procedimento e do Processo Tributário. 5. Naturalmente que está em causa o disposto na alínea b), do n° 1, do artigo 204° do Código do Procedimento e do Processo Tributário, na justa medida em que é sindicada a “...ilegitimidade da pessoa citada...”, mercê da circunstância de não ser a possuidora dos bens que originaram a dívida no período a que a mesma respeita. 6. Ademais e conforme foi demonstrado na peça processual de oposição tempestivamente deduzida, houve acto jurídico translactivo de propriedade/responsabilidade para a Seguradora ..., acto este decorrente da transferência da responsabilidade civil por referência à apólice n° 52415.” »« Em parecer complementar a Exma. Procuradora Geral Adjunta acompanhando a posição assumida pela Fazenda Pública, vem dizer que “não pode a Oponente pretender, através da oposição à execução, a apreciação da legalidade da dívida exequenda e obter a procedência do pedido que formula, pelo que estamos perante a inidoneidade do meio processual utilizado, o que consubstancia uma excepção dilatória inominada, nos termos dos artigos 576.°, n.° s 1 e 2 e 577.° do Código de processo Civil (CPC), aplicável ex vi o artigo 2.°, alínea e) do CPPT;”
Com dispensa dos vistos legais, vêm os autos submetidos à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.
2 - OBJETO DO RECURSO Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos e consequentemente, o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT). Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo. Caso esta não se verifique importa então apreciar os argumentos recursivos que se subsumem a saber se a sentença errou ao determinar a extinção da instância por inutilidade superveniente deixando prejudicado o conhecimento de mérito. »« 3 - FUNDAMENTAÇÃO A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «1- Em 18/10/2014, foi instaurado o PEF n° 3301201401295985 por falta de pagamento de IUC referente ao ano de 2013, Veículo da Categoria E, com a matricula 02-…, extinto por pagamento em prestações em 03/08/2017; (cf. processo de execução e descrição do mesmo apenso nos autos). 2- Em18/10/2014, foi instaurado o PF 3301201481008864, com base na certidão 2014/2643621 por falta de pagamento de IUC, referente ao ano de 2014, Veiculo da Categoria E, com a matricula 98…; (Informação da AT nos autos). 3 Em 13/11/2014 foi instaurado o PE n° 3301201481014198 por falta de pagamento de IUC, referente ao ano de 2014, Veiculo da Categoria E, com a matricula 02…), (Informação da AT nos autos). 4- Em 18/10/2014, foram instaurados os PEF (s) 3301201401296426; 3301201401296434; 3301201401296442; 3301201401296450; 3301201401296469; 5- Em 19/10/2014 foi instaurado o PEF 3301201401299980 6- Em 13/11/2014 foi instaurado o PEF 3301201481032498, com origem na falta de pagamento de coimas fixadas nos processos de contraordenação n.°33012014060000034349; 6- Em 27/10/2014, foi instaurado o processo n° 3301201481008864 o por falta de pagamento de IUC, referente ao ano de 2014, veiculo da Categoria E, com a matricula ...JU), (Informação da AT nos autos). 7- Em 13/11/2014, foi instaurado o processo n° 3301201481014198 por falta de pagamento de IUC, referente ao ano de 2014, Veiculo da Categoria E, com a matricula ...LA, (Informação da AT nos autos). 8- Em 18/10/2014, foram instaurados os PEFS 33012014060000034349; 9- A sociedade Oponente foi citada, em 10-11-2014 e 16-11-2014 10- Em 09-12-2014, foi apresentada a oposição à execução fiscal; 11- O processo 3301201401295985 foi extinto por pagamento em prestações em 08/03/2017, (Informação da AT nos autos). 12- Os processos número 3301201401296469; 13- os processos referidos nos pontos anteriores * A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.» »« De direito Como deixamos evidenciado na delimitação do objeto do recurso, cumpre, a título prévio conhecer da exceção suscitada pela Fazenda Pública (FP) em sede de contestação e que se reporta à idoneidade do meio processual utilizado. É a seguinte e, em suma, a base argumentativa esgrimida pela FP em prol da sua razão: “(...) 36.º (…) na interprertação que se fizer do pedido formulado na p.i., não se podem ignorar as concretas causas de pedir invocadas na medida em que permitam descortinar a verdadeira pretensão da tutela jurídica. Veja-se, a esse titulo entre outros os Acórdãos do STA de 25-09-2012 e 05-02-2014, proc. n.s 678/12 e 1803/13, respetivamente. 37.º De facto, do pedido e da causa de pedir formulados pela Oponente, verifica-se que o que se pretende discutir é a legalidade concreta do acto de liquidação, bem como a susceptibilidade da suspensão dos autos executivos, em virtude da verificação dos pressupostos relativos à prestação de garantia idónea. 38° No entanto, conforme já tivemos oportunidade de evidenciar, a Oposição à execução fiscal não se configura como o mecanismo processual idóneo a provocar os efeitos jurídicos pretendidos pela Oponente. 39° Pois que o presente mecanismo processual tem como escopo a extinção total ou parcial da dívida exequenda em relação ao executado, pela eventual procedência de algum dos fundamentos taxativamente elencados no artigo 204. ° do CPPT e não é esse o efeito jurídico pretendido pela Oponente, conforme se constata, cristalinamente, do seu petitório. 40° E assim, estamos perante a inidoneidade do meio processual utilizado, o que consubstancia uma excepção dilatória inominada, nos termos dos artigos 576.°, n.° s 1 e 2 e 577.° do Código de processo Civil (CPC), aplicável ex vi o artigo 2.°, alínea e) do CPPT. 41° Pelo que deve a Fazenda ser absolvida da instância, em harmonia com o preceituado no artigo 278.°, n.° 1, alínea e) do CPC, ex vi o artigo 2.°, alínea e) do CPPT.” – fim de citação
Confrontada com a possibilidade de ver apreciada esta questão a Oponente vem dizer que a mesma já foi escrutinada na sentença em crise, uma vez que «… em sede do saneamento havido foi definido que “...o processo não enferma de vícios que o invalidem...” o que releva a título de apreciação realizada, bem como de pronúncia em conformidade». Mas sem razão, porém vejamos porque assim o entendemos. Com efeito, no saneamento levado a efeito na sentença recorrida, o TT de Lisboa referiu que “[O]o processo não enferma de vícios que o invalidem na totalidade” e ainda que “[N]não se verificam outras nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito”. Quanto ao despacho saneador dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 595.º do CPC, aqui aplicável ex vi da alínea e) ao artigo 2.º do CPPT que o mesmo se destina a: “[C]conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente”. Por seu lado o n.º 3, da mesma disposição legal especifica que “[N]no caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas” – destacado e sublinhado são nossos. Daqui se depreende que o legislador processual foi criterioso na especificação dos casos em que aquele despacho é suscetível de constituir “caso jugado formal” ao clarificar que o mesmo apenas se verifica quanto ás questões sobre as quais, tenha, em concreto, havido pronuncia e, como é óbvio, depois transitando em julgado. Vai neste sentido a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, que tem vindo a assumir que, a referência que expressamente a norma citada faz, à apreciação concreta das exceções dilatórias e nulidades processuais ínsitas na alínea a) do n.º 1 do artigo 595.º do CPC, constitui uma exigência para a aquisição do “estatuto de caso julgado”, não se bastando este, com um despacho meramente tabelar. Vide, a este respeito, entre outros o Acórdão deste TCAS proferido em 07/03/2019,no processo n.º 193/06.3BEFUN, donde se transcreve que “... limitando-se o Mmº Juiz “a quo” a fazer uma declaração genérica sobre as questões prévias ou excepções (tabelar) sem efectuar uma apreciação concreta, o despacho saneador, não constitui nessa parte caso julgado formal, nada obstando à sua apreciação em momento subsequente, ou seja, não está precludida a possibilidade de apreciar tais questões.” – destacado é nosso. Na situação sub judice, como bem refere a Recorrente, a Mma. juíza a quo limitou-se, na sentença, em sede de saneamento, a fazer uma declaração genérica enunciando a inexistência de nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito, sem proferir, em concreto, qualquer pronuncia, sobre a questão, termos em que temos por seguro não se ter verificado caso julgado formal e, assim sendo, não está precludida a possibilidade de a reapreciar. Dito isto, prosseguimos para apreciação da exceção suscitada.
Da idoneidade do meio processual utilizado. Decorre ao n.º 2 do artigo 97.º da Lei Geral Tributária que “[A]a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”, dispondo o n.º 3 da mesma disposição legal que deve ordenar-se a correção do processo para a forma própria, quando o meio usado, não for o legalmente adequado. O erro na forma do processo afere-se assim, pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer. Na situação em apreciação foi deduzida oposição à execução fiscal, que embora seja um processo com tramitação autónoma em relação ao processo executivo funciona na dependência deste, e constitui o meio processual adequado para reagir contra uma execução fiscal, nos termos e com os fundamentos previstos no artigo 204.º do CPPT. São eles: «a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação; Esta restrição de fundamentos deve ser vista numa perspetiva de tutela judicial efetiva dos direitos dos cidadãos, face à globalidade dos meios contenciosos e pré-contenciosos previstos na lei processual tributária, permitindo que, em qualquer situação, os particulares possam fazer valer os seus direitos e/ou interesses legítimos quer perante a administração quer perante os tribunais, deitando mão aos meios adequados para cada situação, dentro dos condicionalismos previstos na lei, tudo de acordo com a garantia de acesso aos tribunais previsto no artigo 2.º do CPC, aqui aplicável por força da al. e) do artigo 2.º do CPPT. Em sede da presente oposição, alega, ab initio, a Oponente que a divida exequenda se reporta a IUC dos anos de 2008 a 2014, referente a dois veículos motorizados, da sua propriedade, adquiridos em 1998, mas que o imposto não é devido desde 1999, em virtude de os veículos terem sido, ambos, furtados nesse ano e pede a absolvição e exoneração das quantias que lhe estão a ser exigidas a esse título nos processo executivos que ali identificada e em quaisquer outros relacionados com o IUC das motas descritas. Daqui resulta que a pretensão da Oponente se subsume à questão de saber se a divida é, ou não, devida o que contende com a legalidade concreta da liquidação, em termos que se apresentam insuscetíveis de ser discutidos em sede de oposição à execução fiscal, o que só não sucederia se a lei não assegurasse meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação, o que não é o caso (cfr. artigo. 204.º, n.º 2, alínea h), do CPPT). Com efeito, retira-se da argumentação aduzida na petição inicial que a Oponente vem insurgir-se contra a liquidação do IUC que deu origem à instauração a que se opõe, ao defender que o imposto não é devido, porque não foi detentora/possuidora dos veículos sobre que incide o imposto, situação que, manifestamente, se reporta à legalidade concreta das liquidações que constituem a dívida exequenda. Acolhemos, por facilidade, o que se escreveu, em situação semelhante, no acórdão do TCA Norte, de 04/05/04, processo nº 00019/04, donde se transcreve o seguinte: ”(…) É pacífico o entendimento de que constitui fundamento de oposição a ilegalidade em abstracto da dívida exequenda, ou seja, a ilegalidade que decorre da própria norma aplicada e que pode resultar da inexistência de lei em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação que preveja a sua liquidação ou da não autorização da sua cobrança à data em que tiver ocorrido a sua liquidação (cfr. art. 204.º, n.º 1, alínea a), do CPT). Já se o fundamento da oposição for a ilegalidade em concreto, isto é, a que resulta da aplicação da norma ao caso concreto, em princípio não será admissível Vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., notas 3, 4 e 40 a 42 ao art. 204.º, págs. 872 e 907/908.. E bem se compreende que seja assim. É que a reacção prevista pelo sistema legal contra a ilegalidade da liquidação é a impugnação judicial (cfr. art. 99.º do CPPT). Como dizia ALBERTO XAVIER, o legislador «procurou traçar uma linha de separação entre as duas vias paralelas de reacção ao acto tributário: uma, relativa à apreciação da sua correspondência com a lei no momento em que foi praticado - e é o processo de impugnação; outra, respeitante aos fundamentos supervenientes que possam tornar ilegítima ou injusta a execução por falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adoptam as providências de subrogação em que a execução se traduz - e que é a oposição à execução fiscal. Num como noutro processo, o objectivo visado é fazer prevalecer a relação subjacente, a verdade material, sobre a abstracção própria do acto tributário. Mas no caso da impugnação, a abstracção destrói-se pela invocação da ilegalidade do acto; no caso da oposição, pela invocação da ilegitimidade superveniente desse mesmo acto na sua função de título executivo» Conceito e Natureza do Acto Tributário, 1972, pág. 589/590.. O rigor desta linha divisória entre os dois meios de reacção ao acto tributário encontra-se claramente vincado na articulação entre os dois processos. Parafraseando ALBERTO XAVIER Ibidem., note-se que, por um lado, a execução deve conformar-se com a sentença proferida no processo de impugnação e, por outro, que na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do mesmo código, na qual se admite como fundamento da oposição «quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores», logo se ressalva «desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda». A lei admitiu, no entanto, excepções a este princípio da impossibilidade de apreciação da ilegalidade em concreto da liquidação em sede de oposição à execução fiscal, como decorre da alínea h) do n.º 1 do art. 204.º. A alínea h) do art. 204.º do CPPT reproduz a alínea g) do art. 286.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, que foi uma inovação deste código, pois não tinha correspondência em qualquer das alíneas do art. 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos. Nos termos daquele preceito, é possível discutir a legalidade em concreto da liquidação da dívida exequenda em sede de oposição «sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação». Esta disposição legal surgiu da necessidade de facultar ao executado na oposição os meios de defesa que até aí não tinha tido Esta disposição terá certamente surgido por influência do art. 158.º do Estatuto das Estradas Nacionais, que, permitia que as dívidas provenientes de indemnizações fixadas pelos prejuízos causados nas estradas nacionais e seus pertences fossem cobradas mediante execução fiscal e autorizava o executado a deduzir oposição com fundamento na ilegalidade concreta da dívida. A jurisprudência, apesar de no art. 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos não se prever a ilegalidade concreta da dívida exequenda como fundamento de oposição, considerou que aquele artigo se mantinha em vigor, sensível ao facto de ao executado não serem facultados pela lei em momento anterior os meios contenciosos para reagir contra a dívida exequenda.. Assim, a discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda em sede de oposição só será possível nas «situações em que seja a própria lei que não prevê meio de impugnação contenciosa», como o são aquelas «aqueles em que se permite a extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio definidor da situação» JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., nota 41 ao art. 204.º, pág. 907.. Na verdade, o direito de recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, desde que lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos está hoje constitucionalmente consagrado (art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP)) e a garantia do recurso contencioso configura-se, de acordo com o entendimento unânime, como tendo a natureza de um direito fundamental, análogo aos “direitos, liberdades e garantias” Cfr., entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional de 15 de Junho de 1989, publicado no Diário de República, II Série, de 21 de Setembro de 1989.. Assim, a discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda na oposição à execução só é permitida nos casos em que, por via do “âmbito da execução fiscal” definido no art. 148.º do CPPT, são cobradas dívidas, através de tal processo, que não foram criadas por acto administrativo. Só em relação a estas se pode afirmar que o executado não teve anteriormente a possibilidade de utilizar meio judicial de impugnação ou recurso para sindicar a respectiva legalidade.” – fim de citação – o destacado é nosso Dito isto, e regressando ao caso em análise, é forçoso concluir que, aqui, estando em causa, como vimos que está, a questão de saber se a Oponente é, ou não, o sujeito passivo da relação material controvertida e sabendo que o ato que determina o valor do imposto a pagar (liquidação) é contenciosamente impugnável, nos termos previstos no artigo 99.º do CPPT, a Oponente poderia/deveria, ter contra ele reagido em momento próprio. O que não pode é pretender que a legalidade desse ato tributário seja sindicada judicialmente em sede de oposição, pois que lho não permite a citada alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º, do CPPT. O que significa que estamos perante um erro na forma do processo que constitui nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo já que o erro na forma do processo se afere pelo pedido e não pela causa de pedir. Na verdade, no caso em apreço, o efeito pretendido pela Oponente na petição inicial apresentada em juízo não é adequado ao meio processual por si deduzido, pois o que vem pedido não é extinção da execução fiscal com base na ilegalidade subjacente à dívida exequenda, mas sim a “absolvição e exoneração das quantias que lhe estão a ser exigidas”, por (alegado) erro nos pressupostos em que assentou a liquidação do imposto. Destarte, e sem necessidade de mais delongas, julga-se procedente a exceção suscitada. Da possibilidade de convolação Em face do erro na forma do processo impõe-se avaliar da possibilidade de convolação para a forma processual adequada a esse pedido conforme estatui o n.º 3 do artigo 97.º, da LGT, já enunciado e o n.º 4 do artigo 98.º do CPPT, se a tal nada mais obstar, devendo nesse caso a petição inicial ser convolada no meio processual adequado. A este respeito, diz-nos Jorge Lopes de Sousa In Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição 2011, Volume III, Áreas Editora, anotação ao artigo 209º, que “[S)se o oponente não indicar um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável no n.º 1 do art. 204.° do CPPT, mas invocar um fundamento de impugnação judicial, designadamente a ilegalidade em concreto da liquidação, fora dos casos previstos nas alíneas a), g) e h) desse número, a petição de oposição poderá ser convolada em petição de impugnação judicial, ao abrigo do preceituado no n.º 3 do artigo 97.º, da LGT, desde que não haja quaisquer obstáculos que impeçam o seu aproveitamento, como a intempestividade ou a incompatibilidade do pedido formulado com o objecto do processo de impugnação judicial”. Ora, a convolação será admitida sempre que não seja manifesta a sua improcedência ou intempestividade, para além da idoneidade da respetiva petição para o efeito. Acontece que na situação em apreço, como se alcança dos elementos constantes dos processos executivos em anexo aos presentes autos, as datas limite de pagamento das liquidações aqui em conflito ocorreram durante o ano de 2014, sendo que os processos executivos foram, também, todos eles instaurados em 2014, tendo a presente oposição sido deduzida a 07/02/2018, donde decorre que há muito havia decorrido o prazo de três meses a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 102º do CPPT, pelo que a impugnação judicial seria, deste modo, intempestiva. Importa, assim, concluir pela inadmissibilidade da pretendida convolação, o que não deixaria de ser um ato inútil e, como tal, proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC). Nota final A título no nota final, importa ainda referir que o Tribunal não desconsidera que a Oponente, em sede de reposta ao despacho do tribunal, que prevê a possibilidade de apreciação da questão suscitada pela Fazenda Publica, que vimos de apreciar, ou seja a idoneidade do meio processual, vem dizer que aqui «está em causa o disposto na alínea b), do n° 1, do artigo 204° do Código do Procedimento e do Processo Tributário, na justa medida em que é sindicada a “...ilegitimidade da pessoa citada...”, mercê da circunstância de não ser a possuidora dos bens que originaram a dívida no período a que a mesma respeita. Contudo, esta é uma questão nova, sendo que, constitui princípio básico e elementar em matéria de recursos o de que a impugnação de decisão judicial apenas visa a modificação da mesma, por via do reexame da matéria nela apreciada, e não a criação de decisão sobre matéria nova, estando o tribunal de recurso limitado nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido ou devendo ter sido objeto da decisão recorrida, sejam submetidas à sua apreciação, com exceção, obviamente, das questões de conhecimento oficioso: destas o tribunal de recurso tem o dever de conhecer independentemente de alegação e independentemente do concreto conteúdo da decisão recorrida, quer digam respeito à relação processual, quer à relação material objeto do processo. Não obstante, como se refere no acórdão deste Tribunal proferido em no processo “a ilegitimidade a que se refere a alínea b) do nº1 do artigo 204º do CPPT e, portanto, fundamento de oposição, corresponde ao que se designa por ilegitimidade substantiva e visa, claro está, aferir do acerto da imputação que foi efectuada de uma dívida tributária a uma determinada pessoa.” No caso, se a pretensão da Oponente, era a de ver apreciada a sua ilegitimidade relativamente a todas as dívidas que constituem a divida exequenda o que pretende discutir é a sua legitimidade substantiva, com âmbito no domínio do mérito da causa, que contende com a relação material controvertida. Diz-se ainda no aresto citado que “[E)esta (i)legitimidade – substantiva, repita-se – não se confunde a (i)legitimidade processual, enquanto pressuposto processual relativo às partes, correspondente a uma excepção dilatória do conhecimento oficioso – cfr. artigo 577º e 578º do CPC”. Concluindo, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema introduzido requerimento excede o objeto da pronúncia, implicando a sua apreciação em nulidade por excesso de pronuncia, pelo que dela se não conhece. 4 - DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes desta Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste TCA Sul em julgar verificado o erro na forma do processo com a consequente nulidade de todo o processado insuscetível de convolação. Custas pela Recorrente. Registe. Notifique. Lisboa, 27 de junho de 2024 Hélia Gameiro Silva – Relatora Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta Isabel Vaz Fernandes – 2.ª Adjunta (Assinado digitalmente) |