Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:332/23.0BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:06/27/2024
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
EXTINÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE.
Sumário:A extinção do processo de execução fiscal torna a presente lide supervenientemente inútil, nos termos do preceituado na alínea e) do artigo 277º do CPC.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO


B... – CONSULTORIA ECONÓMICA, LDA, melhor identificada nos autos, deduziu reclamação judicial contra o processo de execução fiscal n.º 2810.2023/01190067, instaurado para cobrança coerciva do acto de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2015, no montante de € 274.663,01, acrescido de custas processuais e encargos, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira.

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por decisão de 31 de dezembro de 2023, considerou verificado o erro na forma de processo e, consequentemente, declarou a nulidade do mesmo e absolveu da instância a Fazenda Pública.


Não concordando com essa decisão, B... – Consultora Económica, Ldª, interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo que, por Decisão Sumária de 8 de Abril de 2024, se declarou incompetente em razão da hierarquia para conhecer do mesmo, determinando a sua remessa para a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, ao abrigo do nº1 do artigo 18.º do CPPT.

A Recorrente formulou as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que decidiu pela rejeição liminar da reclamação judicial deduzida pela ora Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 276.º e seguintes do CPPT, da decisão do órgão de execução fiscal, de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução fiscal n.º 2810202301190067, para cobrança coerciva de IRC, do período de tributação de 2015, no montante de € 273.684,78, acrescido de custas processuais e encargos no montante de € 978,23, totalizando a quantia de € 274.663,01, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira.

B. A Recorrente, desde logo, requer que o presente recurso tenha subida imediata nos próprios autos para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, por respeitar exclusivamente a matéria de direito (artigos 280.º, n.º 1 e 286.º, n.º 1 do CPPT), com efeito suspensivo (artigos 278.º, n.º 3 e 6 e 286.º, n.º 2 do CPPT).

C. A Sentença recorrida padece de erro de julgamento, quanto à identificação e juízo do objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente.

D. De facto, entendeu a Sentença recorrida que o objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente é o ato de citação para o processo de execução fiscal acima identificado, e os respetivos vícios que lhe são imputáveis.

E. Em função de tal perceção (errónea) do objeto da reclamação, concluiu pela sua rejeição liminar, em razão da alegada verificação de erro na forma de processo, arguindo que o conhecimento de vícios imputáveis à citação do executado é da competência do órgão da execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea f) do CPPT.

F. Contudo, salvo o devido respeito, que é muito, o ato de citação (e a violação das respetivas formalidades legais) não é o objeto da reclamação judicial aqui em causa.

G. O objeto da reclamação judicial em causa é, ao invés, a decisão administrativa em matéria fiscal, proferida pela Exma. Sr.ª Diretora de Finanças do Funchal, de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda, decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal.

H. Com efeito, do conteúdo da citação é possível inferir que o órgão de execução fiscal tomou a decisão deliberada de aplicar de modo fragmentado o processo de execução fiscal à recuperação de auxílios de estado (de resto, sem habilitação legal) – desaplicando, em concreto, as regras que preveem a possibilidade de pagamento da dívida em prestações e suspensão do processo mediante a constituição de garantia idónea ou a sua dispensa –, em razão da natureza e das características da dívida.

I. A indicação de que a supressão de determinadas garantias decorre “da natureza e características da dívida” corresponde a uma fundamentação – manifestamente insuficiente – de um ato administrativo.

J. Não está, assim, em causa a sindicância do ato de citação, mas antes do ato administrativo prévio que determinou a elaboração dos atos de citação nos termos em que o foram.

K. No caso concreto, os vícios formais da citação mais não são do que a decorrência da execução da decisão administrativa que lhes serve de base: a não concessão de possibilidade de suspensão da execução não decorre de um lapso ou incorreção da citação, que, pela sua incompletude ponha em causa o direito à informação do contribuinte sobre os seus direitos e garantias processuais, mas sim o resultado da convicção da AT de que as regras do processo tributário são aplicáveis à recuperação do auxílio mas apenas na medida em que, na sua interpretação, não ponham em causa o principio da efetividade da decisão de recuperação do auxilio, revelando assim todo um esforço hermenêutico que necessita ser escrutinado.

L. Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, no requerimento de arguição de nulidades da citação apenas podem ser invocados os vícios formais da citação, decorrentes da falta dos requisitos prescritos pela lei, mas não o mérito das decisões administrativas que lhe subjazem, sendo essa a razão que conduziu a Recorrente a apresentar a reclamação judicial em apreço.

M. No presente caso, dúvidas não subsistem que não está apenas em causa a violação das formalidades da citação, mas antes a execução de uma decisão da AT tomada em função da natureza e características da dívida, decisão essa que não pode deixar de ser escrutinada pelo Tribunal.

N. No entendimento da Recorrente, ou a AT considera que está a executar um imposto e tem de o fazer nos termos das normas de processo tributário aplicáveis in totum,

O. ou entende que a dívida em execução não tem a natureza de imposto e aplica as regras que se mostrem apropriadas a esse efeito e que legitimam a sua atuação, identificando-as para que o contribuinte possa exercer os seus direitos.

P. O que a AT não pode fazer, na perspetiva da Recorrente, é aplicar parcialmente um regime processual, que foi concebido como um conjunto coerente de direitos e deveres, com base em critérios que não se conhecem e sem indicação de qualquer base legal.

Q. Deste modo, a Recorrente não pode concordar com tal decisão, pois – tal como mais bem explicitado na reclamação judicial deduzida–, a mesma padece de (i) vício de falta de fundamentação, não sendo inteligível qual a motivação e base legal para considerar derrogadas as disposições legais constantes dos artigos 163.º, 169.º, 189.º, 190.º, 196.º, 200.º do CPPT e artigo 52.º da LGT, e, ainda, de (ii) ilegalidade por violação de lei, em concreto, dos mencionados artigos.

R. Ora, esta decisão de desaplicação de parte da legislação processual tributária não se confunde com a citação, sendo antes a citação, nos termos em que foi efetuada, o resultado e a materialização da decisão que que foi tomada.

S. Assim sendo, estamos perante uma decisão da AT, proferida no âmbito de um processo de execução fiscal, que é contestável por meio da reclamação judicial prevista no artigo 276.º e seguintes do CPPT, não havendo qualquer erro na forma de processo.

T. Nos termos do artigo 276.º do CPPT, as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que, no processo, afetem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro, são suscetíveis de reclamação para o Tribunal Tributário de primeira instância.

U. No presente caso, sendo o ato sob reclamação a decisão de aplicação das regras de processo tributário à recuperação de auxílios de estado com recusa do direito a realizar pagamento em prestações da alegada dívida e, bem assim, de apresentar garantia idónea para suspensão do processo, dúvidas não subsistem de que a decisão em causa afeta legítimos direitos e interesses da Recorrente, circunstância que lhe confere legitimidade processual para reclamar da mesma.

V. Em face de tudo quanto vem de se expor, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos.

W. Requer-se, ainda, a dispensa do pagamento remanescente por se encontrarem verificados os pressupostos previstos no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, a qual deverá aplicar-se quer em sede de primeira instância, quer do presente recurso.

Nestes termos e nos mais de Direito requer-se a V. Exa. se digne admitir o presente recurso e julgá-lo procedente, por provado, revogar a Sentença recorrida, e substituí-la por outra que determine o prosseguimento dos autos.»


*

A Recorrida, Fazenda Pública, apresentou contra-alegações tendo concluído do seguinte modo:

«1. Reitera-se na íntegra a posição exarada na douta sentença ora recorrida,

2. e, assim sendo, pugna-se pela manutenção da mesma e improcedência do recurso jurisdicional, com todas as legais consequências.

Termos em que e nos mais de direito que Vossa Excelência doutamente suprirá:

Deve o presente recurso ser julgado improcedente, com o que se fará a sempre devida Justiça.»


*

Em 27/02/2024 a Recorrida, Fazenda Pública, apresentou requerimento com o seguinte teor:

«A Fazenda Pública (Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, doravante AT-RAM), recorrida no âmbito dos autos à margem referenciados, onde melhor se encontram identificadas todas as partes, vem, mui respeitosamente, expor e requerer a V. Exa. o seguinte:


1.°

Em causa nos presentes autos está a reclamação apresentada pela recorrente, na qualidade de executada no âmbito do processo de execução fiscal n.° 2810202301190067, do ato de citação.

Ora,


2.°

Entre os fundamentos dessa reclamação está a ilegitimidade da recorrente no processo de execução fiscal,

3. °

Alegação que, após melhor apreciação por parte da Administração Tributária, mereceu acolhimento,

4. °

Razão pela qual esta decidiu extinguir o processo de execução fiscal contra a recorrente e prossegui-lo contra a executada “W... ...LDA., ZFM” - tudo conforme print do sistema informático em uso pela administração fiscal da tramitação do processo que ora se junta como doc.1

5. °

Que é, na verdade, o beneficiário dos auxílios de estado que, com o processo executivo, se quer recuperar.

Desta feita,


6.°

Verificando-se estar a pretensão da recorrente satisfeita fora do próprio processo, inexistindo, por isso, interesse na sua prossecução,

7.°

Deve, em consequência, ser declarada por V. Exas. a inutilidade superveniente da presente lide e, em consequência, ser a Fazenda Pública absolvida da instância (artigo 277.° alínea e) do CPC ex vi artigo 2.° aliena e) do CPPT).

Termos em que se requer a V. Exas. que declarem a presente instância extinta por inutilidade superveniente da lide e, em consequência, absolva a Fazenda Pública da instância (artigo 277.° alínea e) do CPC ex vi artigo 2 o aliena e) do CPPT).»


*

A Recorrente, notificada do requerimento apresentado pela Fazenda Pública, veio dizer o seguinte:

«B... – CONSULTORIA ECONÓMICA, LDA. (ZONA FRANCA DA MADEIRA), Recorrente nos autos acima mencionados e neles melhor identificada (doravante, “Requerente”), tendo sido notificada do requerimento apresentado pela Fazenda Pública datado de 27.02.2024, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:

1. A Requerente interpôs Recurso da decisão de absolvição da Fazenda Pública da instância, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal no âmbito do presente processo, relativamente à reclamação judicial deduzida da decisão do órgão de execução fiscal, de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução fiscal n.º 2810202301190067, para cobrança coerciva de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), do período de tributação de 2015, no montante de €274.663,01, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira.

2. Sem prejuízo, após a apresentação do referido recurso e na sequência da notificação deste Tribunal para contra-alegar, a Fazenda Pública apresentou um requerimento, através do qual afirmou que concorda com o entendimento da Requerente no que concerne à respetiva ilegitimidade no processo de execução fiscal controvertido,

3. razão pela qual decidiu extinguir o referido processo de execução fiscal contra a Requerente.

4. Em face do exposto, verificando-se estar satisfeita a pretensão da Recorrente, o Representante da Fazenda Pública requereu a inutilidade superveniente da presente lide e, em consequência, a absolvição da instância da Fazenda Pública, nos termos dos artigos 277.º alínea e) do CPC ex vi artigo 2.º aliena e) do CPPT).

5. A Requerente concorda com o requerimento apresentado pela Fazenda Pública, não havendo utilidade na prossecução dos presentes autos, pelo que requer a V. Exa. se digne a declarar a presente instância extinta por inutilidade superveniente da lide.

6. Não obstante, a extinção da instância só deverá operar mediante comprovação nos autos, por parte da Fazenda Pública, da extinção do processo de execução fiscal supramencionado, o que se requer.

7. Adicionalmente, e no concerne à repartição das custas, importa desde já esclarecer que as mesmas deverão ficar a cargo da Fazenda Pública, por aplicação do disposto no artigo 536.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (doravante, “CPC”).

8. De acordo com o referido artigo, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (não identificados no n.º 2, como é o caso), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.

9. De acordo com o entendimento sufragado na jurisprudência1, “considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente (...)” (sublinhado nosso).

10. Por consequência, resulta evidente que, in casu, a inutilidade superveniente da lide é imputável à Fazenda Pública, uma vez que só neste momento decidiu proceder à extinção do processo de execução fiscal instaurado contra a Requerente, quando já tinha toda a informação desde o início da instauração do processo de execução fiscal para satisfazer a pretensão da ora Recorrente nos presentes autos.

11. Neste sentido, requer-se a V. Exa. se digne declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e condenar a Fazenda Pública no pagamento das custas de parte decorrentes dos presentes autos, com as demais consequências legais.

PEDE E ESPERA DEFERIMENTO.»


*

O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida não individualizou a matéria de facto.


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Importa considerar as seguintes ocorrências processuais:

- Por requerimento entrado em 27/02/2024 veio a AT informar o Tribunal que decidiu extinguir o PEF contra a Recorrente, por ilegitimidade desta, pugnando pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

- A Recorrente pronunciou-se no sentido de se verificar a inutilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância, com custas pela Recorrida.

- Na sequência de despacho proferido pela Relatora foi junto documento comprovativo da extinção do PEF contra a Recorrente.

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.


Como resulta do documento junto pela Recorrida, o processo de execução fiscal em causa nos presentes autos foi extinto oficiosamente pela AT, por ter sido a Recorrente considerada parte ilegítima.


A extinção do PEF tem como consequência a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, já que aquela extinção ocorreu em momento ulterior ao da interposição da oposição à execução.


A extinção do processo de execução fiscal torna a presente lide supervenientemente inútil, nos termos do preceituado na alínea e) do artigo 277º do CPC, o que determina a extinção da presente instância.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Custas pela Recorrida.

Registe e Notifique.

Lisboa, 27 de Junho de 2024

(Isabel Fernandes)

(Hélia Gameiro Silva)

(Maria de Lurdes Toscano)