Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:670/19.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/14/2020
Relator:PAULA FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:ASILO- RETOMA A CARGO- POLÓNIA;
AUDIÊNCIA PRÉVIA- REFOULEMENT INDIRETO;
ARTIGO 3.º, N.º 2 REGULAMENTO (UE) 604/2013- ARTIGO 3.º CEDH- ARTIGO 4.º CDFUE.
Sumário:I- O exercício do direito de audiência prévia previsto no art.º 5.º, n.º 6 do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (doravante, Regulamento Dublin), não obriga a que o relatório ou resumo da entrevista seja notificada ao requerente antes de ser emitida a decisão final deste procedimento especial, nos termos do art.º 17.º da Lei do Asilo, assim como não impõe que ao requerente deva ser notificado o projeto de decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e subsequente transferência para o Estado responsável, por forma a que possa emitir a sua pronúncia.

II- No âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável ao abrigo do Regulamento Dublin, e de acordo com o disposto no art.º 5.º, n.º 6 do dito Regulamento, o direito de audiência prévia do requerente de asilo pode ser exercido durante a entrevista pessoal a que se refere o art.º 5.º, n.º 1 do mesmo Regulamento, ou no final da mesma entrevista, contanto que ao requerente seja prestado todo o manancial informativo descrito no art.º 4.º do aludido Regulamento, e lhe seja dada a oportunidade de apresentar cabalmente todos os seus argumentos, razões e factos, mormente no caso de uma provável transferência para outro Estado.
III- Entendendo-se que o direito de audiência prévia pode ser exercitado em sede da entrevista pessoal descrita no art.º 5.º, n.º 1 do Regulamento, deve igualmente entender-se que o direito de audiência prévia queda aniquilado no caso de o seu exercício por banda do requerente de proteção internacional ser, algum modo, desadequado, incompleto ou insuficiente.
IV- Ressalte-se que o aludido “aligeiramento” da forma através da qual é exercido o direito de audiência reclama, por contraposição, um maior grau de exigência no controlo concreto do conteúdo do exercício de tal direito, bem como uma elevação da exigência do controlo jurisdicional exercido, principalmente, no caso de o requerente não estar acompanhado de advogado.
V- Este entendimento encontra respaldo na Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão proferido pela Grande Secção em 07/06/2016, caso C-63/15, e no Acórdão prolatado em 05/11/2014, caso C-166/13.
VI- O direito europeu consagra, em matéria de asilo, a garantia a um procedimento justo, que inclui o direito a uma análise individualizada e atualizada do pedido de proteção internacional.
VII- Tal direito a um procedimento justo constitui uma garantia de efetivação do direito de asilo, encarado este como um direito fundamental internacional ao acolhimento, titulado por todos os que reúnam determinadas condições.
VIII- Ora, a ausência de procedimento justo e individualizado para efeitos de concessão de asilo, ou o impedimento de acesso ao mesmo, pode constituir infração ao art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ou ao art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, conduzindo à anulação da decisão de transferência de um requerente de asilo no domínio do Regulamento Dublin, como aliás foi já firmado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão promanado em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, Queixa n.º 30696/09, e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, em sede de reenvio prejudicial, no Acórdão proferido pela Grande Secção em 21/12/2011, nos processos apensos C-411/10 e C-493/10, N.S. vs Secretary of State for the Home Department.
IX- O requerente de proteção internacional alegou não querer ir para a Alemanha e ter receio de voltar à Ucrânia, à Alemanha e à Polónia, pois que, quanto à Ucrânia, caso regresse, “posso ali ser morto” e quanto à Alemanha e Polónia, “porque são nacionalistas e poderíamos ser maltratados”- referindo-se a ele próprio e à sua família, constituída por mulher e filho-, sendo que ainda relatou pertencer a um grupo “anti-guerra” e ser judeu, motivo pelo qual era alvo de perseguição na Ucrânia e mal-aceite na Alemanha.
X- Como é consabido, por constituir um facto de conhecimento geral, especialmente as regiões Leste e Sudeste da Ucrânia vivenciam, desde início de 2014, uma clara situação de conflito armado, protagonizada por grupos separatistas pró-russos e pelas forças militares da Ucrânia, que para além de ter provocado já milhares de mortos, desembocou numa crise humanitária e originou, nos anos de 2014/2015, cerca de 34.380 pedidos de proteção internacional por parte de nacionais Ucrânia.
XI- Por conseguinte, apresentava-se pertinente a averiguação do risco provável do requerente e da sua família serem expulsos para o país de origem, especialmente, para a zona em que sucedem os conflitos relatados, ficando sujeitos às deploráveis condições humanitárias aí subsistentes e à de violência e outro tratamento desumano exercidos pelos grupos nacionalistas ucranianos ou pelos grupos separatistas pró-russos.
XII- Tal averiguação assoma como crucial, em virtude de subsistir no Direito da União Europeia um princípio de non-refoulement, derivado do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que constitui uma barreira de absoluta intransponibilidade, e da qual resulta a proibição de transferência de qualquer pessoa para outro Estado se essa transferência acarreta o risco de tortura, ou de tratamento humano ou degradante.
XIII- Este princípio tem sido afirmado desde há muito, tendo o Tribunal de Justiça da União Europeia reiterado o sobredito valor principiológico no Acórdão proferido em 16/02/2017 no processo C-578/16 PPU, C.K. vs Republika Slovenija, e explicitado que deve admitir-se outras circunstâncias fundamentadoras de uma proibição de transferência de um requerente de asilo para o Estado responsável para além das falhas sistémicas que neste Estado possam existir.
XIV- Nesta senda, o risco de violação do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser avaliado de modo completo e individual, abarcando não só o risco de devolução direta ou de devolução em cadeia (ou indireta), como o próprio risco da transferência em si mesma, em concordância com a Jurisprudência cristalizada no Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão promanado em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, queixa n.º 30696/09, bem como no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia promanado em 16/02/2017, no processo C-578/16 PPU, C.K. vs Republika Slovenija.
XV- A consideração do princípio de non refoulement e a respetiva importância para o sistema Dublin está já estabelecida pela Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, especificamente, nos Acórdãos promanados em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, Queixa n.º 30696/09, e em 04/11/2014, Tarakhel vs Suíça, Queixa n.º 29217/12.
XVI- Destarte, a possibilidade aventada pelo requerente, quanto à devolução da sua família à Ucrânia, merece valorização por parte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, impondo uma indagação aprofundada dos factos em causa, por forma a apurar se existem indícios objetivos que permitam ancorar a convicção da existência de tal risco e se essa devolução sucede em contexto indicativo da violação do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ou do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
XVII- As declarações do requerente emitidas na entrevista pessoal apresentam-se como insatisfatórias, na medida em que não permitem percecionar a integralidade e concretude dos motivos pelos quais a requerente declarou não querer regressar à Alemanha, muito embora permitam apreender que existe um conjunto de razões pertinentes suscetíveis de obstar à transferência da família da requerente para a Alemanha.
XVIII- Em boa verdade, o que sucedeu é que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não possibilitou ao requerente a apresentação de todo o acervo de razões e factos potencialmente obstaculizantes à emissão da decisão de transferência, demitindo-se também da realização de qualquer diligência instrutória apta a confirmar ou infirmar o teor do declarado pelo requerente.
XX- Ademais, nem durante a entrevista nem em momento posterior à mesma foi adiantado ao requerente a probabilidade do mesmo ser transferido para outro país ao abrigo do Regulamento Dublin, dado que, examinando o “auto de declarações” elaborado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o que se verifica é que o requerente apenas foi informado de que seria outro país a apreciar o pedido de asilo feito em Portugal, não existindo qualquer menção à transferência para outro país.
XXI- Adicionalmente, constata-se que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras mencionou somente a Alemanha e a Holanda como os países que, no âmbito da aplicação do Regulamento Dublin, poderiam ser responsáveis pela apreciação do pedido de proteção internacional formulado pelo requerente em Portugal.
XXII- Todavia, a decisão sob escrutínio determina a transferência do requerente para a Polónia e não para a Alemanha ou Holanda, sendo certo que o requerente nunca foi informado desta possibilidade, nem auscultado quanto à mesma.
XXIII- O que quer dizer que deve concluir-se pela violação do direito de audiência prévia do requerente, violação esta que inquina as decisões de inadmissibilidade e transferência de ilegalidade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

            I. RELATÓRIO

G….. (Recorrente), nacional da Ucrânia, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 24/05/2019, que julgou improcedente a ação administrativa especial urgente por si proposta contra o Ministério da Administração Interna- Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrido) e, em consequência, manteve o ato proferido pelo Recorrido em 13/03/2018, nos termos do qual o pedido do Recorrente foi considerado inadmissível e determinada a sua transferência para a Polónia.

 As alegações de recurso oferecidas pelo Recorrente culminam com as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES

42ª

O A. pretende a anulação do despacho proferido pelo MAI e que lhe seja concedido o direito de asilo ou em alternativa a autorização de residência do A. por razões humanitárias pois quer ficar em Portugal.

43ª

Como se pode ler no Ac. Do TCAS DE 24-02-2011, Rec. 07226/11, o Princípio do "non-refoulement", nos termos do qual é assegurada a proibição de quaisquer formas de perturbação da segurança do individuo, incluindo o retorno forçado ou a negação do estatuto que o possa colocar em risco e insegurança directa ou indirecta.

44ª

O Princípio de " non-refoulement" significa que ninguém será expulso ou reenviado para um País onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas e aplica-se sempre que alguém se encontra no território, ou nas fronteiras de um determinado País, independentemente de ter sido, ou não, formalmente reconhecido o seu estatuto de refugiado.

39ª

Pelo que o Pedido e Asilo apresentado pelo A. deveria ter sido deferido, nos termos do art 3 da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos Fundamentais, o Principio de "non-refoulement”, previsto no art33da Convenção de Genebra, o n2 art 3 e 19 do regime jurídico aprovado pela Lei n 27/2008 de 30 de junho, o art.º 7 PIDPC, o art 3 da CEDH, o art 25 da CRP, o art8.º da Lei 15/98 de 26 de Março.

40ª

A não ser concedido o Pedido de Asilo ou a Autorização de Residência por Razões Humanitárias ao A. estar-se-á a violar os arts 33º da Convenção de Genebra, o n 2 art 3 e 19 do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 27/2008 de 30 de junho, o art.º 7.º PIDPC, o art.º 3 da CEDH, o art 25 da CRP, o art 8 da Lei 15/98 de 26 de Março.

41ª

Incumbia à entidade demandada previamente à decisão instruir o processo com Informação fidedigna actualizada sobre o procedimento de asilo na Polónia e as Condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado membro.

42ª

Deve a decisão do Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ser anulada por défict instrutório, nos termos dos artigos 58 e 163 n 1 do CPA.

43ª

Nestes termos deve a Entidade demandada ser condenada a reconstituir o Procedimento instruindo-o com informação fidedigna actualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo na Polónia e as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional na Polónia, de molde a aferir se no caso concreto se verificam qualquer dos motivos invocados no artigo 3 n 2, 2º parágrafo do Regulamento 604/2013 do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho.

44ª

Com base no art 3 da CEDH e 4 da CDFUE são violados o Principio da não expulsão por não estarem assegurados os direitos fundamentais de dignidade humana por tratamento cruel ou degradante da responsabilidade do Estado pela análise do pedido de protecção internacional.

Nestes termos e nos melhores de Direito requer-se:
A. A anulação do Despacho do MAL
B. A Admissibilidade da Concessão do Direito de Asilo ou em alternativa a Autorização de Residência por Protecção Subsidiária em Portugal.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.


*

O Digníssimo Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer.


*

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


*

  Questões a apreciar e decidir:

A questão suscitada pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstancia-se, em suma, em apreciar se a sentença a quo padece de erro de julgamento. Concretamente, a problemática a deslindar é a de apurar se na situação vertente, em que houve lugar à determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, conducente à decisão de inadmissibilidade deste pedido, o Recorrido cumpriu o dever de ouvir o Recorrente, bem como se subsiste défice instrutório por parte do Recorrido, tendo em atenção que o mesmo não avaliou a possibilidade do Recorrente ser devolvido ao seu país de origem pela Polónia.

II- FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

«A) Em 18/1/2018, o requerente apresentou junto dos serviços do SEF um pedido de protecção internacional, cfr. p.a., apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

B) Em sede de análise preliminar do pedido verificou-se, através do sistema EURODAC, que o requerente havia apresentado anteriormente pedido de protecção internacional na Alemanha e na Holanda, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

C) O Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades alemãs que recusaram, assim como as autoridades holandesas, com o fundamento de que o requerente entrou em espaço Schengen na posse de visto emitido pela Polónia, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

D) Em 6/3/2018 Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades polacas, que, em 12/3/2018, aceitaram o pedido, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

E) Em 13/3/2018, o Director Nacional do SEF, considerou o pedido de protecção internacional inadmissível e determinou a transferência do requerente para a Polónia, com base na informação nº 0417/GAR/2018, do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, que foi notificada ao requerente em 15/3/2018, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Motivação da matéria de facto

O tribunal assentou a sua convicção nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo apenso aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório.»

Aditamento à matéria de facto coligida pela Instância a quo          
Deve proceder-se à modificação e aditamento à matéria de facto constante da sentença recorrida, nos termos do estabelecido no art.º 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável ao caso vertente em virtude do previsto no art.º 140.º, n.º 3 do CPTA, quando subsista necessidade identificada de se proceder ao enquadramento circunstanciado do caso, em termos que permitam percecionar e captar o alcance dos atos praticados no procedimento administrativo a que se referem os autos.
    No caso versado, o Tribunal a quo não conduziu ao probatório um facto absolutamente crucial para o desfecho do presente dissídio e que respeita à realização de entrevista ao agora Recorrente e ao conteúdo da mesma.
   Nesta senda, procede-se, então, ao aditamento de um novo facto ao probatório da sentença recorrida, designado como B.1), e cuja redação é a seguinte:
B.1) Em 12/02/2018, foi realizada a entrevista pessoal ao agora Recorrente G….., cujas declarações constam do “Auto de Declarações” lavrado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e assinado pelo Recorrente, e que apresentam o teor registado no documento n.º 3 junto com a petição inicial, e que aqui se considera como integralmente reproduzido.



            III- APRECIAÇÃO DO RECURSO
O Recorrente, G….., propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente ação administrativa de natureza urgente, demandando o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do Ministério da Administração Interna, de modo a obter a anulação do ato administrativo que considerou inadmissível o pedido de asilo apresentado no Gabinete de Asilo e Refugiados e, em consequência, determinou a sua transferência para a Polónia.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 24/05/2019, julgou a ação improcedente.

Discorda o Recorrente do julgado na Instância a quo, invocando a ocorrência de erro de julgamento, pois que, no seu entendimento, não foi cumprido o dever de audiência prévia do Recorrente, subsistindo défice instrutório por parte do Recorrido, tendo em atenção que o mesmo não avaliou a possibilidade do Recorrente ser devolvido ao seu país de origem pela Polónia.

Examinemos, então, a sentença recorrida.


A decisão do Tribunal a quo, após a enumeração da factualidade provada, apresenta o seguinte discurso fundamentador:
            “(…)
  O requerente pretende a anulação da decisão que indeferiu, por inadmissível, o pedido de asilo e que determinou a sua transferência para a Polónia, por vício de violação de lei.
Resulta da factualidade dada como assente que o requerente antes de vir para Portugal pediu asilo na Alemanha e na Holanda, tendo entrado em espaço Schengen com visto da Polónia.
Com base nesta informação, houve necessidade de proceder à determinação do Estado responsável através do procedimento especial regulado pelos artigos 36º a 40º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho.
Dispõe o artigo 37º, nº 1, dessa Lei nº 27/2008 que “quando existam fortes indícios de que é outro o Estado membro da União Europeia responsável pela tomada ou retoma a cargo de requerente de asilo, de acordo com o previsto no Regulamento (CE) nº 343/2003, de 18 de Fevereiro, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras solicita às respectivas autoridades a sua aceitação”.
Por sua vez, o nº 2 do mesmo normativo estabelece que uma vez aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o director nacional do SEF profere, no prazo de 5 dias, decisão de transferência da responsabilidade.
Por outro lado, o Regulamento (CE) nº 604/13 do Conselho, de 26 de Junho (doravante designado “Regulamento”), no seu artigo 18º, nº 1, al. d) estabelece que:
1. O Estado-Membro responsável por força do presente regulamento é obrigado a:
d) Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.o, 24.o, 25.o e 29.o, o nacional de um país terceiro ou o apátrida cujo pedido tenha sido indeferido e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência.”.
O que se pode concluir da análise dos autos e do PA apenso é que, o SEF perante a verificação do pedido de protecção internacional do requerente na Alemanha e Holanda, deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Polónia, uma vez que o requerente entrou em espaço Schengen com visto desse país.
Ora, tendo a Polónia aceite o pedido, apenas cabia ao SEF proferir a decisão vinculada de transferência da responsabilidade, acto que se encontra a ser impugnado nos autos.
Na presente data, o SEF é apenas responsável pela execução da transferência pois a responsabilidade transferiu-se no momento em que as autoridades polacas aceitaram a retoma a cargo.
Com efeito, não cabia à entidade requerida ter atentado a todas as circunstâncias invocadas pelo requerente, quando é a própria Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, que no seu artigo 37º, lhe impunha a actuação levada a efeito, pelo que não há qualquer violação de Lei.
Assim sendo, a decisão aqui em crise cumpriu as exigências legais determinadas pelos artigos 18º, nº 1, al. d), 26º a 27º, do Regulamento, e 37º, nºs 1 e 2 da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, pelo que resta concluir pela total improcedência da presente acção.
 (…)”.
A questão a dilucidar é a de saber se a sentença a quo realizou um julgamento incorreto, o que passa por apreciar se, no caso concreto, cumpria ao Recorrido desenvolver atividade instrumental acrescida, mormente, a audição do Recorrente, a acontecer antes da emissão da decisão final de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional formulado e de transferência do Recorrido para a Polónia.
Ora, após minuciosa análise do caso agora em apreciação e aturada ponderação em termos hermenêuticos do regime legal aplicável à situação versada, incluindo os subsídios jurisprudenciais e doutrinais relevantes, é nosso entendimento que a decisão a quo revela-se completamente desacertada, especialmente, tendo em conta a parca fundamentação que apresenta, e que revela ligeireza na apreciação do caso concreto.
Espraiemos, então, as razões do nosso veredito.
 
A concessão do direito de asilo ou, subsidiariamente, de proteção subsidiária, está prevista e é regulada, em termos de direito nacional infraconstitucional, pela Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, alterada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio (Lei do Asilo em diante), diploma que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou de proteção subsidiária.
De acordo com a Lei do Asilo, as disposições comuns do procedimento a seguir para apreciação e decisão dos pedidos de proteção internacional estão consignadas nos art.ºs 10.º a 22.º.
No que releva para o caso versado, dispõem os art.ºs 16.º, 17.º, 18.º, 19.º-A e 20.º o seguinte:
Artigo 16.º
Declarações
1- Antes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de proteção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou noutro idioma que possa compreender e através do qual comunique claramente, em condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respetiva pretensão.
2- A prestação de declarações assume carácter individual, exceto se a presença dos membros da família for considerada necessária para uma apreciação adequada da situação.
3 - Para os efeitos dos números anteriores, logo que receba o pedido de proteção internacional, o SEF notifica de imediato o requerente para prestar declarações no prazo de dois a cinco dias.
4 - (Revogado.)
5 - A prestação de declarações só pode ser dispensada:
a) Se já existirem condições para decidir favoravelmente sobre o estatuto de refugiado com base nos elementos de prova disponíveis;
b) Se o requerente for considerado inapto ou incapaz para o efeito devido a circunstâncias duradouras, alheias à sua vontade;
c) (Revogada.)
6 - Quando não houver lugar à prestação de declarações nos termos do número anterior, o SEF providencia para que o requerente ou a pessoa a cargo comuniquem, por qualquer meio, outras informações.

Artigo 17.º
Relatório
1- Após a realização das diligências referidas nos artigos anteriores, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido.
2 - O relatório referido no número anterior é notificado ao requerente para que o mesmo se possa pronunciar sobre ele no prazo de cinco dias.
3 - O relatório referido no n.º 1 é comunicado ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, desde que o requerente tenha dado o seu consentimento, para que aquela organização, querendo, se pronuncie no mesmo prazo concedido ao requerente.
4 - Os motivos da recusa de confirmação do relatório por parte do requerente são averbados no seu processo, não obstando à decisão sobre o pedido.

Artigo 18.º
Apreciação do pedido
1- Na apreciação de cada pedido de proteção internacional, compete ao SEF analisar todos os elementos pertinentes, designadamente as declarações do requerente, proferidas nos termos dos artigos anteriores, e toda a informação disponível.
2- Na apreciação do pedido, o SEF tem em conta especialmente:
a) Os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação;
b) A situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;
c) Se as atividades do requerente, desde que deixou o seu país de origem, tinham por fim único ou principal criar as condições necessárias para requerer proteção internacional, por forma a apreciar se essas atividades o podem expor a perseguição ou ofensa grave, em caso de regresso àquele país;
d) Se é razoável prever que o requerente se pode valer da proteção de outro país do qual possa reivindicar a cidadania;
e) A possibilidade de proteção interna se, numa parte do país de origem, o requerente:
i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou
ii) Tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se.
3 - Constitui um indício sério do receio fundado de ser perseguido ou do risco de sofrer ofensa grave, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição ou ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, exceto se existirem motivos fundados para considerar que os fundamentos dessa perseguição ou ofensa grave cessaram e não se repetirão.
4 - As declarações do requerente devem ser confirmadas mediante prova documental ou outros meios de prova admitidos em direito, a não ser que estejam reunidas cumulativamente as seguintes condições:
a) O requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido;
b) O requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes;
c) As declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis;
d) O pedido tiver sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido;
e) Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.

Artigo 19.º-A
Pedidos inadmissíveis
1- O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que:
a) Está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV;
[…]
2- Nos casos previstos no número anterior, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.

Artigo 20.º
Competência para apreciar e decidir
1- Compete ao diretor nacional do SEF proferir decisão fundamentada sobre os pedidos infundados e inadmissíveis no prazo de 30 dias a contar da data de apresentação do pedido de proteção internacional.
2 - Na falta de decisão dentro do prazo previsto no número anterior, considera-se admitido o pedido.
3 - A decisão sobre o pedido mencionado nos números anteriores é notificada ao requerente no prazo de dois dias.
4 - Relativamente aos pedidos fundamentados, é proferida pelo diretor nacional do SEF a decisão de admissibilidade.
5 - A decisão referida no n.º 1 é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, desde que o requerente tenha dado o seu consentimento.

 Por sua vez, os art.ºs 36.º a 40.º, ínsitos no Capítulo IV da Lei do Asilo, consagram um conjunto de regras e princípios aplicáveis às situações em deva haver lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional, conformemente com o estipulado no art.º 19.º-A, n.º 1, al. a) do mesmo diploma.
O art.º 37.º, sob a epígrafe “pedido de proteção internacional apresentado em Portugal”, nos respetivos n.ºs 1 e 2- que são os que interessam para o caso em discussão- reza o seguinte:
1- Quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo.
2- Aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o diretor nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º- A e do artigo 20.º, que é notificada ao requerente, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, mediante pedido apresentado, acompanhado do consentimento do requerente.
Sendo assim, importa escrutinar o regime pertinente estabelecido pelo Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.
Com efeito, os art.º 3.º, 4.º, 5.º e 17.º do sobredito Regulamento n.º 604/2013 assumem determinante relevo na dissolução do conflito posto. Da redação dos indicados preceitos consta o que se segue:
Artigo 3.º
Acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional
1. Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.
2. Caso o Estado-Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.
Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja esignado responsável.
Caso não possa efetuar-se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado-Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado-Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável passa a ser o Estado-Membro responsável.
(…)

Artigo 4.o
Direito à informação
1- Após a apresentação de um pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 20.o, n.o 2, num Estado-Membro, as suas autoridades competentes informam o requerente da aplicação do presente regulamento e, em especial, dos seguintes elementos:
a) Os objetivos do presente regulamento e as consequências da apresentação de um novo pedido num Estado-Membro diferente, bem como as consequências da deslocação de um Estado-Membro para outro durante o processo de determinação do Estado-Membro responsável nos termos do presente regulamento e durante a análise do pedido de proteção internacional;
b) Os critérios e determinação do Estado-Membro responsável, hierarquia desses critérios durante as diversas etapas do procedimento e a duração das mesmas, nomeadamente que a apresentação num Estado-Membro de um pedido de proteção internacional pode implicar que esse Estado-Membro passe a ser o responsável nos termos do presente regulamento mesmo que essa responsabilidade não decorra desses critérios;
c) A entrevista pessoal nos termos do artigo 5.o e a possibilidade de informar da presença de membros da família, de familiares ou de outros parentes nos Estados-Membros, bem como os meios de que o requerente dispõe para transmitir essas informações;
d) A possibilidade de contestar uma decisão de transferência e, se necessário, de pedir a suspensão da transferência;
e) O facto de as autoridades competentes dos Estados-Membros poderem trocar dados sobre o requerente unicamente para dar cumprimento às suas obrigações decorrentes do presente regulamento;
f) O direito de acesso aos dados que lhe digam respeito e o direito de solicitar que os dados inexatos sejam corrigidos e que sejam suprimidos os dados tratados ilicitamente, bem como os procedimentos aplicáveis ao exercício de tais direitos, incluindo os elementos de contacto das autoridades referidas no artigo 35.o e das autoridades nacionais de proteção de dados pessoais competentes para analisar queixas em matéria de proteção de dados pessoais;
2- As informações referidas no n.o 1 devem ser facultadas por escrito numa língua que o requerente compreenda ou que possa razoavelmente presumir-se que compreenda. Para o efeito, os Estados-Membros devem utilizar o folheto informativo comum elaborado nos termos do n.o 3.
Caso se afigurar necessário para a correta compreensão por parte do requerente, as informações também devem ser facultadas oralmente, por exemplo no âmbito da entrevista pessoal a que se refere o artigo 5.º.
3- A Comissão adota os atos de execução relativos à elaboração de um folheto informativo comum e um folheto específico para menores não acompanhados do qual devem constar, pelo menos, as informações referidas no n.o 1 do presente artigo. Daquele folheto informativo comum devem ainda constar informações relativas à aplicação do Regulamento (UE) n.o 603/2013, e, em especial, a finalidade com que os dados de um requerente podem ser tratados no Eurodac. O folheto informativo comum deve ser elaborado de forma a permitir que os Estados-Membros o completem com informações específicas a cada um. Esses atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 44.o, n.o 2, do presente regulamento.


Artigo 5.º
Entrevista pessoal
1- A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-Membro responsável, o Estado-Membro que procede à determinação realiza uma entrevista pessoal com o requerente. A entrevista deve permitir, além disso, que o requerente compreenda devidamente as informações que lhe são facultadas nos termos do artigo 4.º.
2- A realização da entrevista pode ser dispensada se:
a) O requerente for revel; ou
b) Depois de ter recebido as informações referidas no artigo 4.o, o requerente já tiver prestado por outros meios as informações necessárias para determinação do Estado-Membro responsável. Se a realização da entrevista for dispensada, o Estado-Membro deve dar ao requerente a oportunidade de apresentar novas informações relevantes para se proceder corretamente à determinação do Estado-Membro responsável antes de ser adotada uma decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável nos termos do artigo 26.o, n.º 1.
3- A entrevista pessoal deve realizar-se em tempo útil e, de qualquer forma, antes de ser adotada qualquer decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável nos termos do artigo 26.o, n.o 1.
4- A entrevista realiza-se numa língua que o requerente compreenda ou que possa razoavelmente presumir-se que compreenda, e na qual esteja em condições de comunicar. Caso necessário, os Estados-Membros designam um intérprete que esteja em condições de assegurar uma comunicação adequada entre o requerente e a pessoa que realiza a entrevista.
5- A entrevista pessoal realiza-se em condições que garantam a respetiva confidencialidade e é conduzida por uma pessoa competente ao abrigo da legislação nacional.
6- O Estado-Membro que realiza a entrevista pessoal deve elaborar um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista. Esse resumo pode ser feito sob a forma de um relatório ou através de um formulário-tipo. O Estado-Membro assegura que o requerente e/ou o seu advogado ou outro conselheiro que o represente tenha acesso ao resumo em tempo útil.

Artigo 17.º
Cláusulas discricionárias
1- Em derrogação do artigo 3.o, n.o 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.
O Estado-Membro que tenha decidido analisar um pedido de proteção internacional nos termos do presente número torna-se o Estado-Membro responsável e assume as obrigações inerentes a essa responsabilidade. Se for caso disso, informa, por intermédio da rede de comunicação eletrónica «DubliNet», criada pelo artigo 18.o do Regulamento (CE) n.o 1560/2003, o Estado-Membro anteriormente responsável, aquele que conduz o processo de determinação do Estado-Membro responsável ou aquele que foi requerido para efeitos de tomada ou retomada a cargo.
O Estado-Membro responsável por força do presente número deve indicar também imediatamente esse facto no Eurodac em conformidade com o Regulamento (UE) n.o 603/2013 acrescentando a data em que foi tomada a decisão de analisar o pedido.
2- Estado-Membro em que é apresentado um pedido de proteção internacional e que está encarregado do processo de determinação do Estado-Membro responsável, ou o Estado-Membro responsável, podem solicitar a qualquer momento, antes de ser tomada uma decisão quanto ao mérito, que outro Estado-Membro tome a seu cargo um requerente a fim de reunir outros parentes, por razões humanitárias, baseadas nomeadamente em motivos familiares ou culturais, mesmo nos casos em que esse outro Estado-Membro não seja responsável por força dos critérios definidos nos artigos 8.o a 11.o e 16.o. As pessoas interessadas devem dar o seu consentimento por escrito.
O pedido para efeitos de tomada a cargo deve comportar todos os elementos de que o Estado-Membro requerente dispõe, a fim de permitir ao Estado-Membro requerido apreciar a situação.
O Estado-Membro requerido procede às verificações necessárias para examinar as razões humanitárias apresentadas e responde ao Estado-Membro requerente no prazo de dois meses a contar da data da receção do pedido por intermédio da rede de comunicação eletrónica «DubliNet», criada pelo artigo 18.o do Regulamento (CE) n.o 1560/2003. As respostas de recusa do pedido devem indicar os motivos em que a recusa se baseia.
Se o Estado-Membro requerido aceitar o pedido, a responsabilidade pela análise do pedido é transferida para ele.

 Debruçando-nos sobre a factualidade que foi coligida no probatório exposto em momento antecedente, verifica-se, de imediato, que o Recorrente apresentou pedidos de proteção internacional na Alemanha e na Holanda (concretamente, em 31/10/2016 e em 15/07/2017, respetivamente). Em 18/01/2018, o Recorrente apresentou pedido de proteção internacional em Portugal.
Em 13/03/2018, após a aceitação do pedido de retoma a cargo por banda da Polónia, o Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras proferiu decisão de inadmissibilidade do pedido formulado pelo Recorrente de acordo com o prescrito no art.º 19.º-A, n.º 1, al. a) da Lei do Asilo, bem como decisão de transferência do Recorrente para a Polónia.
O Recorrente foi notificado das referenciadas decisões em 15/03/2018.
 Perante a factualidade vinda de elencar, o Recorrente explana que, tendo sido realizada a entrevista, explicou que não poderia voltar para a Ucrânia, em virtude do risco de ser morto, e que se fosse transferido para a Alemanha, corria sério risco de ser recambiado para a Ucrânia. Mais declarou ser judeu, e que tal condição implicava a sua não aceitação na Alemanha, outra razão pela qual não queria ser transferido para a Alemanha. Finalmente, alega o Recorrente que, tendo acabado por ser decidida a sua transferência para a Polónia, o Recorrido não se muniu da devida informação sobre o sistema de asilo e sobre as condições de acolhimento dos requerentes de asilo na Polónia, sendo certo que, se a decisão de transferência for executada, corre o sério risco de ser recambiado para a Ucrânia.
Ora, perscrutando as imputações que o Recorrente realiza à sentença recorrida e, por arrasto, à decisão prolatada pelo Recorrido em 13/03/2018, é mister concluir que, em bom rigor, o Recorrente equaciona, por um lado, o cumprimento do dever de audiência prévia no que se refere à decisão de o transferir para a Polónia e, por outro lado, a ausência de atividade instrutória por banda do Recorrido no sentido de avaliar, no mínimo, a subsistência de perigo de devolução do Recorrente à Ucrânia.
Sendo assim, vejamos se foi cumprido dever de audiência prévia do Recorrente no que concerne à decisão de transferência para a Polónia.

Analisada a factualidade vertida na sentença recorrida, especificamente o ponto B.1), verifica-se que, durante a entrevista, foi referido ao ora Recorrente a existência de dois pedidos de asilo previamente por si apresentados na Alemanha e na Holanda e que, de acordo com o Regulamento Dublin, um destes dois países seria o responsável pela análise do pedido de proteção internacional que o Recorrente apresentou em Portugal. E tendo sido questionado o Recorrente sobre o que teria a dizer sobre essa circunstância, o mesmo respondeu: “não quero ir para a Alemanha”; “tenho receio de voltar à Ucrânia, Alemanha e Polónia”, pois que, quanto à Ucrânia, caso regresse, “posso ali ser morto” e quanto à Alemanha e Polónia, “porque são nacionalistas e poderíamos ser maltratados”- referindo-se a ele próprio e à sua família, constituída por mulher e filho.
É de salientar, aliás, que durante a entrevista o Recorrente relatou que os bens da família foram alvo de ataque e destruição e que, apesar de terem participado tal evento à polícia, foi a própria que os aconselhou a saírem da cidade onde viviam. Mais relatou pertencer a um grupo “anti-guerra” e ser judeu, motivo pelo qual era alvo de perseguição na Ucrânia e mal-aceite na Alemanha.
Ponderando os factos vindos de elencar, cumpre ressaltar que, nem durante a entrevista nem em momento posterior à mesma foi adiantado ao Recorrente a probabilidade do mesmo ser transferido para outro país ao abrigo do Regulamento Dublin. Na verdade, examinando o “auto de declarações” elaborado pelo Recorrido, o que se verifica é que o Recorrente apenas foi informado de que seria outro país a apreciar o pedido de asilo feito em Portugal, não existindo qualquer menção à transferência do Recorrente para outro país. 
Adicionalmente, constata-se que o Recorrido mencionou somente a Alemanha e a Holanda como os países que, no âmbito da aplicação do Regulamento Dublin, poderiam ser responsáveis pela apreciação do pedido de proteção internacional formulado pelo Recorrente em Portugal. Todavia, a decisão sob escrutínio determina a transferência do Recorrente para a Polónia e não para a Alemanha ou Holanda, sendo certo que o Recorrente nunca foi informado desta possibilidade, nem auscultado quanto à mesma.
Ora, o exercício do direito de audiência prévia no domínio do procedimento especial de determinação do Estado responsável está previsto no art.º 5.º, n.º 6 do Regulamento (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin). A nosso ver, este preceito não impõe a realização daquela formalidade intercalar específica, isto é, não obriga a que o relatório ou resumo da entrevista seja notificada ao requerente antes de ser emitida a decisão final deste procedimento especial, nos termos do art.º 17.º da Lei do Asilo, assim como não impõe que ao requerente deva ser notificado o projeto de decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e subsequente transferência para o Estado responsável, por forma a que possa emitir a sua pronúncia.
Na verdade, sufragamos o entendimento de que, no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável ao abrigo do Regulamento Dublin, o direito de audiência prévia do requerente de asilo pode ser exercido durante a entrevista pessoal a que se refere o art.º 5.º, n.º 1 do mesmo Regulamento, ou no final da mesma entrevista, contanto que ao requerente seja prestado todo o manancial informativo descrito no art.º 4.º do aludido Regulamento, e lhe seja dada a oportunidade de apresentar cabalmente todos os seus argumentos, razões e factos, mormente no caso de uma provável transferência para outro Estado.
Como bem explica CATARINA JARMELA (Audiência prévia nos procedimentos de protecção internacional, in Julgar, Revista do Centro de Estudos Judiciários, 1.º semestre 2019, número 1, junho de 2019, pp. 307 a 311), “neste art. 5.º n.ºs 1, 3, 4 e 5 prevê-se a realização de uma entrevista pessoal, antes de ser adoptada qualquer decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável, a fim de facilitar o processo de determinação desse Estado-Membro, em condições que garantam a respectiva confidencialidade e numa língua que o requerente compreenda ou que possa razoavelmente presumir-se que compreenda, e na qual esteja em condições de comunicar. No n.º 6 deste art. 5.º estatui-se ainda a obrigação de elaboração de um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista, o qual pode ser feito sob a forma de um relatório ou através de um formulário-tipo.
Quanto à realização desta entrevista pessoal deve-se ter também em atenção as seguintes exigências previstas na Directiva n.º 2013/32/UE17:
- na entrevista pessoal o órgão de decisão deve assegurar que o requerente disponha da possibilidade de apresentar os elementos necessários da forma mais completa possível (cfr. o respectivo art. 16.º);
- os Estados-Membros devem assegurar que, antes de o órgão de decisão tomar uma decisão, o requerente tem a oportunidade de fazer observações e/ou prestar esclarecimentos oralmente e/ou por escrito relativamente a eventuais erros de tradução ou de compreensão constantes do relatório (ou do formulário-tipo), no final da entrevista pessoal ou dentro do prazo fixado; para esse efeito, os Estados-Membros devem assegurar que o requerente seja plenamente informado do conteúdo do relatório (ou do formulário--tipo), se necessário com a assistência de um intérprete; os Estados-Membros solicitam ao requerente que confirme que o conteúdo do relatório (ou do formulário-tipo) reflecte correctamente a entrevista (cfr. o respectivo art. 17.º n.º 3).
Assim sendo, e tendo ainda em conta nomeadamente o estatuído nos arts. 3,º n.º 2, primeiro18 e segundo parágrafos, e 8.º a 17,º, todos do Regulamento (UE) n,º 604/2013, nessa entrevista pessoal deve ser dada a possibilidade ao requerente de protecção internacional de, da forma mais completa possível:
- se pronunciar sobre a sua identificação- maxime nome próprio e apelido, nacionalidade, actual e anterior, e data e local de nascimento-, membros da sua família, familiares e outos parentes, documentos de identidade e de viagem, títulos de residência ou vistos emitidos por um Estado-Membro, data de saída do país de origem, percurso efectuado desde o país de origem até Portugal, data de chegada a Portugal, se regressou ao seu país de origem, onde permaneceu nos últimos cinco meses anteriores ao pedido de protecção, data de apresentação de eventual(ais) pedido(s) de protecção internacional anterior(es), situação do processo e, eventualmente, teor da decisão, tomada, se facultou as impressões digitais para registo e, em caso afirmativo, onde e seu estado de saúde;
- esclarecer as razões que militam contra a adopção de uma decisão de transferência para um determinado país, o qual deverá ser identificado pelo entrevistador, pois o requerente só pode dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a factualidade que justifica a eventual apIicação da excepção prevista no art. 3.º n.º 2, segundo parágrafo, ou das cláusulas discricionárias, previstas no art, 17.º, ambos do Regulamento (UE) n.º 604/2013, caso lhe seja dado a conhecer o concreto país para onde eventualmente pode ser transferido.
(…)
Por conseguinte, defende a articulista que “a audição do requerente de protecção internacional neste procedimento especial de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional é assegurada pela realização de uma entrevista pessoal, nos termos acima explicitados, complementada pelo acesso do requerente ao relatório ou ao formulário-tipo que contenha as principais informações que facultou durante a entrevista, a fim de o mesmo poder fazer observações, prestar esclarecimentos e/ou confirmar o conteúdo desse relatório ou formulário-tipo, não se encontrando prevista nesses diplomas a exigência de, neste procedimento especial, ser elaborado um documento que contenha o sentido provável da decisão e respectivos fundamentos e da sua notificação ao requerente de protecção internacional, a fim de se pronunciar sobre tal projecto de decisão, sendo certo que a Directiva n.º 2013/32/UE permitia a adopção de disposição mais favorável (cfr. o seu considerando 14 e o respectivo art. 5.º), isto é, permitia que a Lei 27/2008 previsse, neste procedimento especial, a obrigação de o SEF, antes da adopção da decisão de transferência, informar o requerente de protecção internacional do projecto de decisão, para efeitos de pronúncia, tendo o legislador nacional optado por não prever tal exigência.
Cumpre a este propósito salientar que este entendimento mostra-se conforme com o direito da União Europeia e harmoniza-se com o disposto no art. 267.º n.º 5, da CRP, pelos motivos supra explanados no ponto 2 deste artigo, para onde se remete.”
Sendo assim, “para se determinar se o direito de audição do requerente de protecção internacional foi assegurado neste procedimento especial é essencial analisar, por um lado, a decisão tomada e os respectivos fundamentos, e, por outro lado, as concretas perguntas que foram feitas ao requerente aquando da realização da entrevista pessoal, se o mesmo foi convidado, durante essa entrevista, a acrescentar quaisquer outros comentários que considerasse pertinentes e ainda as eventuais observações e/ou esclarecimentos que tenha apresentado na sequência do acesso ao relatório ou formulário-tipo da entrevista.
Caso se venha a apurar que nessas declarações, observações e/ou esclarecimentos o requerente de protecção internacional não teve a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre algum(uns) dos eIementos com base nos quais a Administração tomou a decisão, ter-se-á de concluir no sentido da violação do direito de audição.”
Acrescente-se que esta visão e interpretação do art.º 5.º, n.º 6 do Regulamento Dublin foi já acolhida por este Tribunal de Apelação, designadamente, nos Acórdãos proferidos em 30/01/2020 nos processos n.º 1322/19.2BELSB, 1419/19.9BELSB e 1088/19.6BELSB, em 27/02/2020 no processo n.º 1300/19.1BELSB e em 16/04/2020 no processo 1932/19.8BELSB.
Quer isto significar, portanto, que não se descortina a necessidade imperativa de procedimentalizar, em fase individualizada e própria, o direito de audiência prévia no caso do procedimento para determinação do Estado responsável e nos termos em que está conformado tal direito no Regulamento Dublin, art.º 5.º, n.º 6.
Evidentemente que, com esta afirmação, não se pretende retirar o carácter de fundamentalidade ao exercício do direito de audiência prévia, diminuindo, porventura, a tónica garantística que deve ser concedida ao procedimento administrativo em causa.
O que antes- e apenas- pretende afirmar-se é que o exercício do direito de audiência prévia por banda do requerente de asilo pode suceder, no caso do disposto no art.º 5.º, n.º 6 do dito Regulamento, em sede da entrevista pessoal no caso desta preceder a prolação da decisão de inadmissibilidade e de transferência.
No entanto, o facto de ocorrer um “aligeiramento” do rigor da forma como pode ser realizado o direito de audiência não pode, de modo algum, acarretar um “aligeiramento” da substância do exercício daquele direito, ou seja, não pode ser afetado ou atingido o núcleo daquela garantia procedimental.
Sendo assim, entendendo-se que o direito de audiência prévia pode ser exercitado em sede da entrevista pessoal descrita no art.º 5.º, n.º 1 do Regulamento, deve igualmente entender-se que o direito de audiência prévia queda aniquilado no caso de o seu exercício por banda do requerente de proteção internacional ser, algum modo, desadequado, incompleto ou insuficiente. Na verdade, e em bom rigor, o que acontece é que o aludido “aligeiramento” da forma através da qual é exercido o direito de audiência reclama, por contraposição, um maior grau de exigência no controlo concreto do conteúdo do exercício de tal direito, bem como uma elevação da exigência do controlo jurisdicional exercido. Principalmente, no caso de o requerente não estar acompanhado de advogado, ou jurista que o aconselhe, como sucedeu no caso versado.
Como explicitou o Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão proferido pela Grande Secção em 07/06/2016, caso C-63/15, “o artigo 5.°, n.os 1, 3 e 6, deste regulamento [Regulamento n.º 604/2013] prevê que o Estado‑Membro que procede à determinação do Estado‑Membro responsável realiza, em tempo útil e, de qualquer forma, antes de ser adotada qualquer decisão de transferência, uma entrevista individual com o requerente de asilo, devendo ser assegurado o acesso ao resumo dessa entrevista ao requerente ou ao conselheiro que o represente. Em aplicação do artigo 5.°, n.° 2, do referido regulamento, esta entrevista pode ser dispensada quando o requerente já tiver prestado as informações necessárias para a determinação do Estado‑Membro responsável e, nesse caso, o Estado‑Membro em causa deve dar ao requerente a oportunidade de apresentar novas informações relevantes para se proceder corretamente à determinação do Estado‑Membro responsável antes de ser adotada uma decisão de transferência”.
A propósito também do exercício do direito de audiência no âmbito dos procedimentos atinentes ao asilo é também de convocar o Acórdão prolatado pela mesma Alta Instância Europeia em 05/11/2014, caso C-166/13, em que o Tribunal afirma:
“(…) Em contrapartida, esse direito [o direito de audiência prévia] é parte integrante do respeito dos direitos de defesa, princípio geral do direito da União.
O direito de ser ouvido garante que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista, de maneira útil e efetiva, no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (v., nomeadamente, acórdão M., EU:C:2012:744, n.° 87 e jurisprudência referida).
Nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a regra segundo a qual deve ser dada ao destinatário de uma decisão lesiva dos seus interesses a possibilidade de apresentar as suas observações antes de a mesma ser tomada destina‑se a permitir que a autoridade competente tenha utilmente em conta todos os elementos pertinentes. A fim de assegurar uma proteção efetiva da pessoa em causa, essa regra tem, designadamente, por objetivo permitir que esta pessoa possa corrigir um erro ou invoque determinados elementos relativos à sua situação pessoal que militam no sentido de a decisão ser tomada, não ser tomada ou ter determinado conteúdo (v., neste sentido, acórdão Sopropé, EU:C:2008:746, n.° 49).
O referido direito implica igualmente que a Administração preste toda a atenção necessária às observações assim submetidas pelo interessado, examinando, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto e fundamentando a sua decisão de forma circunstanciada (v. acórdãos Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.° 14, e Sopropé, EU:C:2008:746, n.° 50), constituindo, assim, o dever de fundamentar uma decisão de forma suficientemente específica e concreta para permitir que o interessado possa compreender as razões da recusa oposta ao seu pedido o corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa (acórdão M., EU:C:2012:744, n.° 88).
Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o respeito do referido direito impõe‑se mesmo quando a regulamentação aplicável não preveja expressamente essa formalidade (v. acórdãos Sopropé, EU:C:2008:746, n.° 38; M., EU:C:2012:744, n.° 86; e G. e R., EU:C:2013:533, n.° 32).
A obrigação de respeitar os direitos de defesa dos destinatários de decisões que afetam sensivelmente os seus interesses incumbe, assim, em princípio, às Administrações dos Estados‑Membros, sempre que estas tomem medidas abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União (acórdão G. e R., EU:C:2013:533, n.° 35).”
Explanados estes considerandos, e revertendo ao caso sob escrutínio, assoma à evidência que o Recorrido não procedeu ao cumprimento do dever de audiência prévia do Recorrente no tocante à sua transferência para outro país e, muito menos, no que à Polónia concerne. Com efeito, compulsado o documento atinente à transcrição da entrevista, e que se encontra vertido no ponto B.1) da factualidade provada, grassa à evidência que o Recorrido nunca equacionou, até então, a hipótese do Recorrente poder vir a ser transferido para a Polónia. E, o que é certo, é que quando se confrontou com essa realidade optou por não ouvir previamente o Recorrente.
Sendo assim, não resta outra solução que não a de concluir que o ato prolatado pelo Recorrido em 13/03/2018 viola o direito de audiência prévia do Recorrente. Por essa razão, a sentença a quo não pode manter-se, merecendo inteira revogação.


Sem prejuízo do que antecedentemente se exarou, cumpre referenciar que ao Recorrido sempre se impunha levar a cabo uma indagação mais aprofundada quanto às alegações do Recorrente atinentes a um certo antissemitismo na Alemanha e na Polónia, à possibilidade destes países poderem vir a devolver o Recorrente ao respetivo país de origem, e ao potencial risco que tal implicará para o Recorrente e a sua família à luz das disposições insertas nos art.ºs 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE).
 Com efeito, as razões elencadas pelo Recorrente, tangente à forte possibilidade da sua família ser recambiada para a Ucrânia e ao perigo de correrem risco de vida, constitui também motivo que deveria ter espoletado uma averiguação dos factos mais profunda e cuidadosa por banda do Recorrido, nomeadamente, questionando o Recorrente relativamente a determinados pormenores, v.g., sobre as suas simpatias políticas- federalistas (pró-russas/separatistas) ou nacionalistas-, cidade de residência e a localização da mesma no território Ucraniano para efeitos de determinar se a região em que se localiza é ou tem sido palco dos conflitos armados que ocorrem no Leste e Sudeste da Ucrânia, se participou em atividades políticas, bem como se tal sucedeu com a sua muher e qual era a profissão desta, especialmente atendendo a que a família viajou toda junta, incluindo para Portugal, etc..
Realmente, e como é consabido, por constituir um facto de conhecimento geral, especialmente as regiões Leste e Sudeste da Ucrânia vivenciam, desde início de 2014, uma clara situação de conflito armado, protagonizada por grupos separatistas pró-russos e pelas forças militares da Ucrânia, que para além de ter provocado já dezenas de milhares de mortos, desembocou numa crise humanitária e originou, nos anos de 2014/2015, cerca de 34.380 pedidos de proteção internacional por parte de nacionais Ucrânia[1]. Por conseguinte, apresentava-se pertinente a averiguação do risco provável do Recorrente e da sua família serem expulsos para o país de origem, especialmente, para a zona em que sucedem os conflitos relatados, ficando sujeitos às deploráveis condições humanitárias aí subsistentes e à de violência e outro tratamento desumano exercidos pelos grupos nacionalistas ucranianos ou pelos grupos separatistas pró-russos.
            Tal averiguação assoma como crucial, em virtude de subsistir no Direito da União Europeia um princípio de non-refoulement, derivado do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que constitui uma barreira de absoluta intransponibilidade, e da qual resulta a proibição de transferência de qualquer pessoa para outro Estado se essa transferência acarreta o risco de tortura, ou de tratamento humano ou degradante.
            Este princípio tem sido afirmado desde há muito, tendo o Tribunal de Justiça da União Europeia reiterado o sobredito valor principiológico no Acórdão proferido em 16/02/2017 no processo C-578/16 PPU, C.K. vs Republika Slovenija, e explicitado que deve admitir-se outras circunstâncias fundamentadoras de uma proibição de transferência de um requerente de asilo para o Estado responsável para além das falhas sistémicas que neste Estado possam existir:
            “(…)
Neste contexto, carece de fundamento o argumento da Comissão segundo o qual decorre do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III que apenas a existência de falhas sistémicas no Estado‑Membro responsável seria suscetível de afetar a obrigação de transferência de um requerente de asilo para esse Estado‑Membro.
Com efeito, nada na redação desta disposição indica que a intenção do legislador da União tenha sido a de regular outra circunstância que não seja a das falhas sistémicas que impedem a transferência do requerente de asilo para um Estado‑Membro determinado. Por conseguinte, a referida disposição não pode ser interpretada no sentido de que exclui que considerações associadas aos riscos reais e comprovados de tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.o da Carta, possam, em situações excecionais como as descritas no presente acórdão, ter consequências na transferência de um requerente de asilo em especial.
Além disso, tal leitura do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III seria, por um lado, incompatível com o caráter geral do artigo 4.o da Carta, que proíbe os tratos desumanos ou degradantes sob todas as suas formas. Por outro lado, seria manifestamente incompatível com o caráter absoluto dessa proibição que os Estados‑Membros pudessem ignorar um risco real e comprovado de tratos desumanos ou degradantes que afetem um requerente de asilo sob pretexto de que esse risco não resulta de uma falha sistémica no Estado‑Membro responsável.
Do mesmo modo, a interpretação do artigo 4.o da Carta constante do presente acórdão não é infirmada pelo acórdão de 10 de dezembro de 2013, Abdullahi (C‑394/12, EU:C:2013:813, n.o 60), no qual o Tribunal de Justiça declarou, em substância, no que se refere ao Regulamento Dublim II, que, em circunstâncias como as do processo que deu origem a esse acórdão, um requerente de asilo só pode pôr em causa a sua transferência se invocar a existência de falhas sistémicas no Estado‑Membro responsável. Com efeito, para além do Tribunal de Justiça ter declarado, como recordado no n.o 62 do presente acórdão, que, no que se refere aos direitos conferidos aos requerentes de asilo, o Regulamento Dublim III difere, em aspetos essenciais, do Regulamento Dublim II, há que recordar que o referido acórdão foi proferido num processo que envolvia um nacional que não invocou no Tribunal de Justiça nenhuma circunstância especial suscetível de indicar que a sua transferência seria, em si, contrária ao artigo 4.o da Carta. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça mais não fez do que recordar o seu anterior acórdão de 21 de dezembro de 2011, N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865), relativo à impossibilidade de proceder a qualquer transferência de requerentes de asilo para um Estado‑Membro cujo processo de asilo ou condições de acolhimento conhecem falhas sistémicas.
Por último, a referida interpretação respeita plenamente o princípio da confiança mútua uma vez que, longe de afetar a existência de uma presunção de respeito dos direitos fundamentais em cada Estado‑Membro, garante que as situações excecionais descritas no presente acórdão são devidamente tidas em conta pelos Estados‑Membros. De resto, se um Estado‑Membro procedesse à transferência de um requerente de asilo em tais situações, o trato desumano e degradante que daí resultaria não seria imputável, direta ou indiretamente, às autoridades do Estado‑Membro responsável, mas unicamente ao primeiro Estado‑Membro. (…).”
 Nesta senda, o risco de violação do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser avaliado de modo completo e individual, abarcando não só o risco de devolução direta ou de devolução em cadeia (ou indireta), como o próprio risco da transferência em si mesma, em concordância com a Jurisprudência cristalizada no Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão promanado em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, queixa n.º 30696/09, bem como no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia promanado em 16/02/2017 e citado imediatamente supra.    
Esta visão é partilhada, entre nós, por A. SOFIA PINTO OLIVEIRA (Direito de Asilo, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Volume VII, coord. Paulo Otero e Pedro Gonçalves, abril, 2017, Almedina, pp. 5 a 131), que salienta, neste ensejo, o Acórdão proferido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em 07/03/2000, TI vs Reino Unido, como tendo sido o primeiro em que aquela Instância afirmou que “a aplicação dos critérios de Dublin não dispensa os Estados de verificarem se a transferência dos requerentes pode ou não iniciar uma cadeia de transferências dos requerentes que venha no final a resultar numa violação dos direitos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que os Estados tinham o dever de  proteger.”
Numa nota publicada mais recentemente, em 30 de novembro de 2018, o European Council on Refugees and Exiles[2] (doravante, ECRE), após relatar o aparecimento, desde 2017, de casos de deportação indevida sequentes à adoção de procedimentos de transferência[3], findava a sua avaliação com recomendações dirigidas aos Estados-Membros, concretamente: que as respetivas autoridades, com base em indícios objetivos, deveriam adotar instruções claras no sentido de impedir a transferência de requerentes de asilo para outros Estados-Membros nos quais enfrentariam o risco de devolução direta ou indireta; que os Estados-Membros deveriam elaborar instruções respeitantes à avaliação do contexto sociopolítico dos requerentes de asilo e refugiados no Estado para o qual serão transferidos, na medida da relevância para efeitos de aplicação do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; nas situações em que o Estado-Membro considera ocorrer o risco de devolução em cadeia, em violação do citado art.º 3.º da Convenção, deve cessar ou não iniciar o procedimento de transferência ao abrigo do Regulamento Dublin e socorrer-se da cláusula de soberania inscrita no art.º 17.º do Regulamento Dublin.
Ressalte-se, a este propósito, que o sistema Dublin tem sido alvo de ferozes ataques, quer de índole política, quer de natureza jurídica, quer por introduzir desequilíbrios óbvios entre os Estados-Membros no que se refere à organização e gestão do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA), quer por dar azo a procedimentos muitas vezes mais complexos e morosos do que aqueles que se destinam a indagar dos requisitos para a concessão de asilo, para além das constatadas divergências de interpretação e aplicação do sistema Dublin por banda dos Estados-Membros[4].
Seja como for, a consideração do princípio de non refoulement e a respetiva importância para o sistema Dublin está já estabelecida pela Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, especificamente, nos Acórdãos promanados em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, Queixa n.º 30696/09, e em 04/11/2014, Tarakhel vs Suíça, Queixa n.º 29217/12.
Referindo- se aos mencionados Acórdãos, PATRÍCIA CABRAL (Construção de uma Responsabilidade Europeia Além-Fronteiras, Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Mestre, julho de 2015, Faculdade de Direito da Universidade Nova, consultável no Repositório da Universidade Nova, em www.run.unl.pt., pp. 36 e 37) explica: “(…) No primeiro, o TEDH construiu o princípio segundo o qual perante a existência de falhas sistémicas que apresentem um risco de violação do artigo 3.º no Estado que seria responsável pela análise de um pedido de asilo, o Estado-Membro onde o requerente se encontra fica impedido de o transferir para esse país. (…) Por fim no julgamento Tarakhel o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem veio reforçar que esta proteção não se limita a situações de falhas sistémicas, sendo refutada a presunção de cumprimento do artigo 3.º da CEDH sempre que existam razões sérias para crer que a pessoa enfrentaria um risco de tratamento contrário a esta mesma norma.
Os Estados-Membros encontram-se efetivamente adstritos ao nível de proteção mais elevado concedido por decisões como Tarakhel e M.S.S., incorrendo em responsabilidade internacional sempre que tomarem uma posição restritiva que reduza os direitos fundamentais do requerente. Por parte dos tribunais nacionais, estes deverão sempre optar pela mais ampla proteção conferida pelos instrumentos supranacionais, como principais responsáveis pela aplicação do direito da União e sob pena de violar as suas obrigações internacionais, sujeitando-se aos mecanismos de responsabilidade implementados.
Ora da perspetiva do Tribunal de Justiça, o artigo 3.º da CEDH e o artigo 4.º da CDFUE são correspondentes, de tal forma que contêm um texto idêntico. Seguindo a interpretação exigida pelo artigo 6.º do TUE e pelos artigos 52.º e 53.º da CDFUE, o tribunal do Luxemburgo não pode descurar a interpretação que tem sido tomada e crescentemente consolidada por Estrasburgo e encontra-se igualmente obrigado a conferir a mais ampla das proteções concedidas pelo direito da União ou pela CEDH. A posição defendida em Tarakhel permite a extensão da suspensão de transferências a mais situações além daquelas em que sejas provadas falhas sistémicas, bastando a existência de um risco real para o requerente no caso concreto. Abre ainda caminho para que seja dada relevância a outros direitos fundamentais além da proibição de pena ou tratamentos desumanos ou degradantes, não sendo o artigo 3.º da CEDH o único invocável para efeitos de suspensão de transferência. (…)”
            Destarte, face ao exposto, é mister assumir que a possibilidade aventada pelo Recorrente, quanto à devolução da sua família à Ucrânia, merece valorização por parte do Recorrido, impondo uma indagação aprofundada dos factos em causa, por forma a apurar se existem indícios objetivos que permitam ancorar a convicção da existência de tal risco e se essa devolução sucede em contexto indicativo da violação do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ou do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Sopesando os subsídios doutrinais e jurisprudenciais espraiados, e examinando uma vez mais as declarações do Recorrente emitidas na entrevista pessoal, resulta forçosa a conclusão de que o Recorrido não possibilitou ao Recorrente, sequer, a apresentação do acervo de razões e factos potencialmente obstaculizantes à emissão da decisão de transferência, especialmente a transferência para a Polónia, demitindo-se também da realização de qualquer diligência instrutória apta a confirmar ou infirmar o teor do declarado pelo Recorrente.
   Neste contexto, impera concluir que o direito de audiência prévia do Recorrente foi coartado pelo Recorrido, atendendo ao modo como auscultou o Recorrente e à absoluta passividade e indiferença com que encarou e tratou as breves declarações do mesmo.
O que quer dizer que, deve concluir-se pela violação do direito de audiência prévia do Recorrente, nos termos do prescrito no art.º 5.º, n.º 6 do Regulamento Dublin, violação esta que inquina de ilegalidade as decisões de inadmissibilidade e de transferência do Recorrente para a Polónia
A conclusão de que o ato proferido pelo Recorrido em 13/03/2018- e que é objeto de impugnação nestes autos- é ilegal por violação do direito de audiência prévia impõe, impreterivelmente, a anulação do aludido ato.
O que quer dizer, evidentemente, que a sentença a quo não pode manter-se, atento o notório desacerto com que apreciou o litígio posto.


O Recorrente, no seu articulado inicial, formula dois pedidos: a anulação do ato promanado pelo Recorrido em 13/03/2018 e a concessão de proteção internacional. Esta pretensão é reiterada em sede de alegações de recurso.
Sucede que, não obstante a ilegalidade do ato proferido em 13/03/2018, a verdade é que os presentes autos não coligem todos os elementos necessários ao prosseguimento para apreciação do pedido de proteção internacional.
Com  efeito, a circunstância do Recorrido ter obliterado o direito de audiência prévia do Recorrente não inviabiliza, por si só, a emissão de nova decisão de transferência do Recorrente para outro país que venha a ser considerado o Estado responsável pela apreciação do pedido. Na verdade, e em bom rigor, o Recorrido deverá reapreciar a situação do Recorrente, mormente nos termos expostos antecedentemente, bem como ponderar qualquer informação ou elemento factual novo e atual, relevantes para a decisão de admissibilidade, ou não, do pedido de proteção internacional, designadamente, em termos de respeito pelos prazos estabelecidos no Regulamento Dublin ou mesmo pela aplicabilidade deste à situação do Recorrente.
Por outra banda, mesmo que pudesse concluir-se, de imediato, pela admissibilidade do pedido de proteção internacional formulado pelo Recorrente- e não pode, atenta a falta de elementos instrutórios e de audição do Recorrente-, a verdade é que a instrução do procedimento administrativo não foi orientada para o desiderato em questão, ou seja, para apreciar o mérito do pedido de asilo. Por estes motivos, o procedimento reclama instrução adicional, v.g., a realização de nova entrevista pessoal, desta feita, orientada para a apreciação do pedido de asilo ou para a concessão de proteção subsidiária.
Destarte, face ao exposto, é de assumir que os autos não estão em condições que permitam suportar o conhecimento e julgamento do pedido de concessão de asilo ou de proteção subsidiária.
           


Por conseguinte, atento o exposto, impõe-se concluir que a vertente impetração merece procedência, o que consequência a revogação da sentença a quo e, por inerência, o sucesso parcial do mérito da ação.



            IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
I- Conceder provimento ao recurso;
II- Revogar a sentença recorrida; e
III- Julgar a ação administrativa especial urgente parcialmente procedente e anular o ato proferido pelo Recorrido em 13/03/2018.
 


Sem custas, atenta a gratuitidade prevista no art.º 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio.



Remeta cópia do presente Acórdão ao Conselho Português para os Refugiados.



Lisboa, 14 de maio de 2020,

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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro

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Jorge Pelicano

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Celestina Castanheira



[1] Fonte: CEDOS, Ukrainians seek asylum in the EU: real refugees or economic migrants?, publicado em 01/04/2016 e consultado no site www.cedos.org.ua, em 24/04/2020.
[2] “To Dublin or not to Dublin?”, publicada no site www.ecre.org, consultado em 14/04/2020.
[3] “(…)
One area where policy choices on the application of Dublin come into tension with human rights law  relates to onward deportation. Since 2017, a fresh body of case law has emerged on the suspension of Dublin transfers to Member States where an asylum seeker would unfairly be denied international protection and would face removal to his or her country of origin. Such suspensions on account of indirect refoulement have been most prominent vis-à-vis applicants from Afghanistan: domestic courts have ruled against transfers of individuals to Germany, Austria, Belgium, Sweden, Finland and Norway, due to human rights risks stemming from their unduly strict policy on granting protection to Afghan claims. Some courts have taken a similar line towards asylum seekers at risk of onward return to Sudan upon transfer to Italy.
Here, the deficiencies identified by courts in the receiving Member States are not capacity-related: these countries have generally well-resourced asylum systems and reception arrangements to cater for applicants’ subsistence needs. The suspension of Dublin transfers results rather from the persisting discrepancies in national decision-making outcomes, due to which Afghan asylum seekers – like many others – continue to face an “asylum lottery” in Europe.
As of October 2018, first-instance protection rates for nationals of Afghanistan ranged from 98% in Italy and 71% in Greece, to 51% in Germany, 32% in Sweden and 7% in Bulgaria according to latest statistics. Similarly, Iraqi nationals have a 95% chance of getting protection at first instance in Italy but no more than 26% in Sweden and 8% in Bulgaria. As there is no evidence to indicate variations in the profiles of applicants from these countries, the conclusion has to be that the extreme disparities in recognition rates are to a large extent a product of conscious policy choices. For example, in some countries authorities are instructed to refuse protection based on the “internal protection alternative” or even on a presumption of “manifest unfoundedness” for claims lodged by applicants from countries such as Afghanistan or Iraq, while others do not systematically apply such concepts.
Successful appeals against Dublin transfers therefore shatter the illusion that asylum claims are treated alike across the continent. Over a decade into the implementation of Asylum Directives and multiple forms of practical cooperation and knowledge exchange, persons who clearly qualify for international protection by one Member State’s standards may face the prospect of unfair rejection in the “responsible Member State” and subsequent removal to a place where they risk persecution or serious harm.”
[4] Nesta matéria, e para maior desenvolvimento, veja-se SARA RIBEIRO MENDES, A Cláusula de Soberania do Regulamento Dublin III à Luz do Princípio da Confiança Mútua entre os Estados-Membros da União Europeia, Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Mestre, dezembro de 2016, Faculdade de Direito da Universidade Nova, consultável no Repositório da Universidade Nova, em www.run.unl.pt..