Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:695/08.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/13/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS. CONTRATO. CLÁUSULA PENAL. INDEMNIZAÇÃO.
Sumário:Constitui rendimento tributável em IRS a quantia paga pelo promitente-comprador, a título de compensação pelos eventuais prejuízos (actuais ou futuros) sofridos pelo promitente-vendedor, advenientes da quebra da promessa de compra de acções, nos termos previamente estipulados.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
A ………………… deduziu impugnação judicial peticionando à anulação da liquidação adicional com o n.º ……………., referente ao IRS do ano de 2003, e respectivos juros compensatórios, emitida na sequência de acção de inspeção tributária realizada à sociedade SIIF (E……...), da qual resultou a pagar, após compensação, a quantia de € 225.553,50. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls.340 e ss. (numeração do SITAF), datada de 14 de Agosto de 2020, julgou a impugnação judicial totalmente improcedente. O impugnante interpôs o presente recurso, em cujas alegações de fls. 392 e ss. (numeração do processo em SITAF) formulou as conclusões seguintes:
«A. O Tribunal a quo delimitou bem o thema decidendum que se reconduz a aferir da qualificação jurídica do montante recebido pelo ora Recorrente, no valor de €500.000,00, como cláusula penal e a saber se tal constitui ou não rendimento tributável em sede de IRS.
B. Porém, o Tribunal a quo não deu como provados factos que ficaram demonstrados por prova documental e testemunhal apresentada pelo Recorrente, e que impunham uma decisão diversa sobre a matéria de facto, tendo também feito uma (muito) errada subsunção dos factos ao Direito.
C. No seu afã de tributar o rendimento recebido pelo Recorrente, a AT qualifica-o de indemnização, qualificação manifestamente errada quando se atende aos factos do caso (até porque não existiu qualquer dano ou qualquer lucro cessante passível de ser indemnizável)
D. Não obstante esta manifesta ilegalidade, o Tribunal a quo parece também, com o devido respeito, apostado em admitir a tributação deste rendimento fruto, quiçá, de uma qualquer conceção de IRS diferente da vigente, que é a de imposto cedular.
E. Para o efeito, o Tribunal a quo força a qualificação da cláusula penal enquanto cláusula indemnizatória, omitindo factos relevantíssimos, dando relevo a factos não aplicáveis, caindo no vício de petição de princípio, e fazendo alusões a "comportamentos fraudulentos" quando nenhuma fraude era possível neste caso... ou foi sequer alguma vez alegada por qualquer das partes.
F. Resulta claro da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida que a mesma apresenta omissões relativamente a factos que foram demonstrados nos autos, quer porque não foram contestados pela Recorrida, quer porque resultam dos depoimentos das testemunhas inquiridas.
G. Porque estão em causa factos absolutamente essenciais para a boa decisão da causa e que resultaram demonstrados nos autos, importa, a coberto do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, ex vi do artigo 2º, alínea e) do CPPT, aditar 14 factos ao probatório:
H. Apenas com a adição dos 14 factos omissos ao rol de factos provados, estará o Tribunal em condições de aplicar o Direito corretamente em face do que efetivamente ocorreu e foi cabalmente provado pelo Recorrente.
I. Como ficou provado nos autos, a cláusula introduzida no quarto aditamento ao Memorando de Entendimento e que motivou o pagamento ao Recorrente de € 500.000 foi introduzida com o único propósito de compelir a S……. E……., promitente-vendedor, a cumprir o Memorando de Entendimento, o mesmo é dizer, a celebrar o contrato definitivo de compra e venda.
J. Desta forma, tal como constitui entendimento da melhor e mais recente doutrina e da jurisprudência, tal cláusula deve ser qualificada como uma cláusula penal puramente compulsória, não constituindo uma indemnização antecipada e não se destinando a ressarcir ou compensar qualquer dano.
K. Com efeito, o Recorrente não sofreu qualquer dano emergente da não celebração do contrato definitivo com a S……. E….., nem tão-pouco se verificou qualquer lucro cessante.
L. Pelo contrário, ao não celebrar o contrato definitivo com a S…….. E……….., o Recorrente (i) manteve as participações sociais que iria vender àquela sociedade e veio a vendê-las, pouco depois, por um valor superior àquele que a S…….. E……… estava disposta a pagar nos termos do Memorando de Entendimento e (ii) recebeu a quantia de € 500.000 prevista na cláusula penal aditada em 01.04.2003 ao Memorando de Entendimento.
M. Dificilmente se encontra um caso que evidencie tão bem quanto este a inexistência de qualquer dano ou lucro cessante na esfera do Recorrente.
N. Diferentemente do que alega o Tribunal a quo, resulta claro dos factos provados nos autos (em particular pela prova testemunhal produzida e pela circunstância de terem ocorridos já quatro adiamentos da data) que a vontade dos declarantes respeitante à cláusula aditada em 01.04.2003, e que originou o pagamento sub judice, foi somente compelir a S…. E….. a celebrar o contrato de compra e venda que vinha adiando.
O. Razão pela qual, à luz das regras de interpretação dos negócios jurídicos, a vontade das partes, considerando todos os aspetos do negócio, foi a de prever uma cláusula penal puramente compulsória.
P. Contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, a circunstância de o Memorando de Entendimento prever, na sua versão inicial, uma cláusula com função ressarcitória (que, como demonstrado, perdeu todo o seu efeito útil), nada tem que ver com a cláusula penal compulsória que foi aditada em 01.04.2003 e que está na origem do pagamento de € 500.000 que foi considerado para efeitos da liquidação adicional de IRS impugnada (cfr. relatório de inspeção).
Q. Por fim, andou mal também o Tribunal a quo ao considerar que a cláusula penal em causa teria em vista evitar o recurso à via litigiosa, o que não poderia estar mais longe da realidade, pois o que as partes acordaram não foi na execução específica do contrato definitivo, mas somente no pagamento de uma quantia que visava compelir o comprador a celebrar o contrato definitivo na data acordada.
R. Verifica-se, pois, o erro de julgamento de matéria de Direito de que enferma a sentença recorrida ao partir de uma petição de princípio quanto à qualificação da natureza do pagamento ao Recorrente de € 500.000 como indemnização e não como cláusula penal compulsória.
S. Ora, estando em causa uma cláusula penal compulsória, a mesma não tem cabimento na previsão do artigo 9º, nº l, alínea b) do Código do IRS.
T. Com efeito, só são tributados como rendimentos em IRS as importâncias recebidas que estejam previstas numa das categorias do IRS e, em concreto, que encontrem cabimento numa norma de incidência objetiva.
U. In casu, não estando em causa uma indemnização e tendo ficado demonstrada a inexistência de qualquer dano ou lesão, resulta evidente que não existem danos emergentes não comprovados ou lucros cessantes sujeitos a tributação nos termos do artigo 9º, nº l, alínea b) do Código do IRS.
V. Assim, apesar de consubstanciar um acréscimo patrimonial na esfera do Recorrente, o pagamento do montante de € 500.000 a título de cláusula penal compulsória não se encontra sujeito a tributação em IRS por não se reconduzir a qualquer norma de incidência objetiva e este imposto ter natureza cedular.
W. De tudo quanto foi exposto resulta que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de Direito ao procurar tributar, a coberto do artigo 9º, nº1, alínea b) do Código do IRS, a quantia de €500.000 recebida a título de cláusula penal pelo Recorrente.
X. Acresce que a interpretação que o Tribunal a quo faz da norma constante do artigo 9º, nº l, alínea b) do Código do IRS, no sentido incluir na mesma as cláusulas penas compulsórias, reconduzindo-as a cláusulas indemnizatórias, e sujeitando o respetivo pagamento a IRS, é inconstitucional por violação do princípio da legalidade, vertido no artigo 103º da CRP, pois consubstancia-se na criação jurisprudencial de uma norma de incidência tributária.
Y. Termos em que improcedem todos os fundamentos invocados pelo Tribunal a quo para negar provimento à impugnação do ora Recorrente.
Z. Deste modo, deve a sentença recorrida ser anulada e substituída por uma decisão que, partindo da factualidade demonstrada nos autos (maxime pelo depoimento das testemunhas arroladas), e da interpretação das normas em causa, decida pela não sujeição a IRS da importância recebida pelo Recorrente a título de cláusula penal, porque fora do âmbito de incidência objetiva de IRS, nos termos do artigo 9º do Código do IRS.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. que desde já se impetra, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida que julgou a impugnação improcedente, substituindo-a por uma decisão de total procedência.»
X
A Recorrida, FAZENDA PÚBLICA, não contra-alegou.
X
A Digna Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:«
A) Em 16/12/2002, o Impugnante (como vendedor) celebrou com a entidade “S…… E…………, S.A.” (como comprador), um “Memorando de Entendimento” nos termos do qual acordaram vir a celebrar “Contrato Definitivo” para a compra / venda de 100% do capital social da entidade U………….. – cf. documento a fls. 159 e seguintes dos autos.
B) Foi acordado, no âmbito do “Memorando de Entendimento” mencionado na alínea que antecede, nos termos do respetivo “Capítulo XV (Celebração do Contrato definitivo e Violação do MdE”, que “(…) 3. Se por qualquer razão que não as condições estabelecidas no n.º 2 e sem qualquer justificação prevista neste MdE, a S……… decidir abandonar as negociações relativas ao Contrato Definitivo ou não celebrar o Contrato Definitivo, o vendedor terá direito a um montante de indemnização fixo de € 500.000,00 (quinhentos mil euros)” – cf. documento a fls. 159 e seguintes dos autos.
C) No “Memorando de Entendimento”, na versão em inglês, consta a cláusula mencionada na alínea que antecede com a seguinte redação “3. If for any reason other than the conditions ser forth in n.º 2 above and without any justification foreseen in this MOU, S…….. decides to leave the negotiations regarding the Definitive Agreement or does not execute the Definitive Agreement, the VENDOR shall be entitled to a fix compensation amount of € 500.000,00 (five hundred thousand euros)” – cf. documento 3 junto com a p.i.
D) Foi acordado, no âmbito do “Memorando de Entendimento” mencionado na alínea A), nos termos do respetivo “Capítulo XXI (Despesas)” que “Cada parte suportará as suas próprias despesas relativas à transação proposta incluindo quaisquer honorários relativos ao aconselhamento financeiro de terceiros” - cf. documento a fls. 159 e seguintes dos autos.
E) O “Memorando de Entendimento” mencionado em A) foi objeto de 4 alterações, nomeadamente quanto à data acordada para cumprimento do mesmo que foi sujeita a adiamentos – cf. documento 5 junto com a p.i. e depoimento da testemunha Paulo Miguel Olavo de Pita e Cunha.
F) Em 01/04/2003, o Impugnante e a “S………. E…………., S.A.”, subscreveram instrumento designado “Alteração Número 4 ao Acordo de Intenções”, de cujo teor se extrai o seguinte:
«Capítulo 1
Por mútuo acordo, as Partes decidiram alterar o Capítulo XIV e o Capítulo XV n.º 3 do Acordo de Intenções e prorrogar, pela última vez, a sua validade até 17 de abril de 2003.
“Até 16 de abril de 2003 (inclusive), a S……….. deverá notificar o Vendedor da sua decisão final relativamente à assinatura do Acordo Definitivo.
a) Se esta decisão for negativa, ou no caso de não ser feita qualquer notificação pela S…………, esta pagará ao Vendedor, até 17 de abril de 2003, uma compensação final e fixa no valor de € 500.000,00 (quinhentos mil euros). (…)
b) Se a decisão for positiva, a Celebração do Acordo Definitivo e Fecho será efetuada irrevogavelmente em Lisboa no dia 22 de abril de 2003 (…)» - cf. documento 5 junto com a p.i.
G) Em 09/04/2003, a “S…….. E……….., Lda.” assumiu perante o Impugnante e no lugar da “S…… E………, S.A.”, todos os direitos e obrigações resultantes do “Memorando de Entendimento” mencionado em A) – cf. facto não controvertido.
H) Em 16/04/2003, a “S……. E………., Lda.” emitiu o cheque n.º ……………. em nome do Impugnante, no montante de € 500.000,00 – fls. 40 do PAT n.º……………junto aos autos.
I) Em 30/04/2004, o Impugnante apresentou a declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano 2003, na qual não declarou o valor mencionado na alínea que antecede- cf. documento 6 junto com a p.i.
J) Em cumprimento da ordem de serviço n.º …………, de 02/10/2007, foi o Impugnante alvo de uma ação inspetiva interna de âmbito parcial, em sede de IRS, ao exercício de 2003 – cf. documento 2 junto com a p.i.
K) No âmbito da ação inspetiva mencionada na alínea que antecede, foi elaborado relatório final de inspeção, em 19/11/2007, de cujas conclusões resultaram correções de natureza meramente aritmética ao rendimento coletável no valor de €500.000,00 e de cujo teor se extrai o seguinte:
“(…) pela análise da situação em causa de que resultou o valor de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) recebido pelo contribuinte, a título de indemnização, constata-se que o mesmo é considerado um incremento patrimonial, previsto no artigo 9.º (Rendimentos da categoria G), n.º 1, alínea b) do Código do IRS, pelo facto de que a indemnização em causa visa a reparação de lucros cessantes, considerando-se como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter, o que, no caso concreto, se verifica pela não concretização da venda da participação prevista no acordo de intenções
(…) IX.2.1. – Artigos 1.º a 31.º do Direito de Audição
(…) Confunde o sujeito passivo o escopo da indemnização por lucros cessantes com a realização de uma eventual mais valia futura. O direito à indemnização concretiza-se com o facto lesivo, não ficando dependente de um acontecimento futuro de verificação incerta, como o de uma eventual alienação de quota futura. Isto é, não é pelo sujeito passivo ter sido indemnizado por lucros cessantes que se vê coartado no direito de alienar a sua quota ou ao aliená-la perder o direito à indemnização.
Dito de outra forma, não interessa que o sujeito passivo volte a alienar a quota mesmo que por um valor superior, o direito à indemnização venceu-se com o facto lesivo, com o incumprimento contratual, com o verificar da frustração de um ganho. Aliás, tanto assim foi que o sujeito passivo por esse facto foi indemnizado.
(…) nem os sujeitos passivos que subjazem à relação jurídica são os mesmos, isto é, a S…… E……….. S.A. não é adquirente, nem sequer o objeto dos diversos negócios é o mesmo (…)
Declara o sujeito passivo, no artigo 22.º do seu articulado, que “sempre considerou que o montante previsto no referido Acordo de Intenções e que lhe veio a ser pago pela SIIF a 16 de abril de 2003, era devido a título de incumprimento de uma cláusula contratual” e assim é, de facto, o facto lesivo concretizou-se no incumprimento contratual.
O que já não se pode aceitar é o afirmado no artigo 23.º do articulado que “A finalidade do mesmo foi entendida como um montante estipulado apenas para fazer fase às despesas com a preparação da respetiva operação (v.g. despesas de preparação do contrato, análises financeiras, etc.) (…)”.
Antes de mais, se fosse esse o escopo da referida cláusula indemnizatória, não faria sentido a disposição contratual constante da cláusula XXI do Acordo de Intenções, cita-se “Each party shall bear its own expenses related to the proposed transaction including any fees related to third party financial advice.
Depois, e atendendo às declarações do sujeito passivo, estaríamos então perante uma indemnização por danos emergentes, não comprovados, também esta tributável visto o sujeito passivo não ter junto elementos comprovativos das eventuais despesas realizadas. (…)
IX.3 – (…) passam a definitivas as seguintes correções: IRS – Correções ao Rendimento Coletável Capítulo III – Ponto 1. – Correções em sede de IRS: € 500.000,00 (…)” – cf. documento a fls. 17 a 40 do PAT n.º …………… junto aos autos.
L) Na sequência da ação inspetiva mencionada na alínea J) e das correções constantes do RIT mencionado na alínea que antecede, foi emitida, em 11/12/2007, a liquidação de IRS n.º ………………… e respetivos juros compensatórios no valor de € 225.553,50 – cf. documento 1 junto com a p.i.
M) Em 27/03/2008, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ……………, o Impugnante apresentou perante o Serviço de Finanças Lisboa-3 a garantia bancária nº ……………, prestada pelo “Banco ……………., S.A.”, no montante de € 293.285,36 – fls. 96 e 98 do PAT n.º 442/2008 junto aos autos.
N) Em 21/04/2008, a petição inicial da presente impugnação foi remetida pelo Impugnante a este Tribunal, via postal com registo - vinheta aposta a fls. 87 (verso) dos autos.»
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Factos não provados: // Não resultou provado nos presentes autos o montante das despesas em que o Impugnante incorreu no âmbito do “Memorando de Entendimento” mencionado na alínea A) da matéria de facto provada. //
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Motivação da matéria de facto:// A decisão da matéria de facto fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nos documentos juntos aos autos pelas partes, conforme referido em cada alínea do probatório, bem como na posição expressa pelas partes e ainda na prova testemunhal produzida na audiência final, na qual foram ouvidas duas testemunhas arroladas pelo Impugnante, a saber, a testemunha P……………e C………...// No respeita ao facto dado como provado na alínea E), resultou a convicção do Tribunal do depoimento da testemunha P…………..que afirmou ter tido intervenção direta nas negociações entre o Impugnante e a entidade “S………. E………, S.A.”, nomeadamente na elaboração do “Memorando de Entendimento” e sucessivas alterações, revelando conhecimento sobre o decorrer das negociações.// No que respeita ao facto não provado, a convicção do Tribunal decorre da total ausência de substrato probatório que o pudesse sustentar.// Ademais, os restantes factos relevantes para a causa sobre os quais as testemunhas prestaram depoimento estavam já provados por documento – artigo 393.º, n.º 2 do CC.//
X
No que respeita ao invocado erro de julgamento invocado nas conclusões F) a H), o recorrente pretende o aditamento ao probatório de elementos que considera relevantes ao correcto enquadramento da causa. Concretamente, tendo por suporte a prova testemunhal por si arrolada, pretende o aditamento dos quesitos seguintes:
O) A introdução da cláusula citada na alínea F) do probatório, aquando da 4ª alteração ao Memorando de Entendimento (efetuada em 01.04.2003), foi imposta pelo então advogado do Recorrente, Prof…………. (cfr. depoimento das duas testemunhas).
P) A introdução da citada cláusula resultou do facto de a S……… E……….. S.A. ter já adiado a celebração da compra e venda por quatro vezes, sem apresentar um motivo válido para o efeito (cfr. depoimento das duas testemunhas).
Q) A S……….. E……….. S.A. havia adiado sucessivamente a celebração da compra e venda das participações apenas por motivos internos desta sociedade francesa e que não estavam relacionadas com a conduta ou com a participação a adquirir (cfr. depoimento da testemunha Eng. C …………..).
R) O então advogado do Recorrente, Prof. …………, exigiu a introdução desta cláusula, argumentando que a sua inclusão demonstraria a boa-fé da S……… E…………S.A. na efetiva aquisição da participação, já que tal boa-fé se encontrava abalada pelos sucessivos e inexplicados adiamentos, e serviria para compelir esta entidade à referida celebração do negócio (cfr. depoimento das duas testemunhas).
S) A S………. E……… S.A. havia adiado sucessivamente a celebração da compra e venda das participações apenas por motivos internos desta sociedade francesa e que não estavam relacionadas com a conduta ou com a participação a adquirir (cfr. depoimento da testemunha C …………..).
T) Os representantes da S……… E……… S.A. aceitaram prontamente a inclusão da cláusula imposta pelo então advogado do Recorrente, Prof. ………….., manifestando compreensão com essa exigência (cfr. depoimento das duas testemunhas).
U) No dia em que foi introduzida esta cláusula, um dos representantes da S…….. E…….. S.A., o Eng. C……………., exigiu que aquela entidade, por si representada, emitisse imediatamente um cheque pré-datado no valor de € 500.000,00, com data de 16.03.2003, em nome do ora Recorrente, que o Eng. C …………. guardou no seu cofre para a eventualidade de esta entidade decidir não efetuar a compra da participação até ao dia constante da cláusula (cfr. depoimento da testemunha C ………….).
V) O contrato de compra e venda não veio a celebrar-se (cfr. facto alegado pelo Recorrente e que consta do 3° parágrafo da página 3 do Relatório de Inspeção, junto como documento n.° 2 à p.i.).
W) A não celebração da compra e venda deveu-se a motivos exclusivamente imputáveis à S…….. E………. S.A. (cfr. depoimento das duas testemunhas).
X) Face ao incumprimento definitivo da S….. E……….. Lda., a cláusula aposta ao Memorando de Entendimento em 01.04.2003 foi acionada, tendo o ora Recorrente recebido, em 16.04.2003, a acordada quantia de € 500.000 (cfr. facto alegado pelo Recorrente e que consta do 4° parágrafo da página 3 do Relatório de Inspeção, junto como documento n.° 2 à p.i.).
Y) O Recorrente alienou, ainda durante o período de 2003, dois lotes de ações representativas do capital social da U…….. SGPS S.A. a uma outra entidade totalmente distinta e independente da S……… E……….. S.A., nos seguintes termos:
o primeiro, de 40% daquele capital, por € 8.264.693,00, em maio de 2003; e
o segundo, de 20%, por € 4.651.346,00, em setembro de 2003 (cfr. documento n.° 6 junto com a p.i. e depoimento das duas testemunhas).
Z) Daquelas alienações resultou uma mais-valia no valor de € 12.886.039,00, fiscalmente declarada também em 2003, mas isenta de tributação ao abrigo do então artigo 10.°, n.° 2, do CIRS (cfr. documento n.° 6 junto com a p.i.).
AA) As restantes participações da sociedade U………… SGPS S.A. foram alienadas em 21.02.2005, pelo valor de € 21.296.286,80 (cfr. facto alegado pelo Recorrente e não contestado e ainda o depoimento da testemunha …………………..).
BB) A não celebração do contrato de compra e venda das participações sociais com a SIIF Energies não foi geradora de qualquer dano ou prejuízo para o Recorrente.
Apreciação.
A pretensão do recorrente não pode ser acolhida. A mesma é contrariada pela alínea F), do probatório. É que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. (artigo 236.º/1, do Código Civil - CC). Mais se refere que, «[n]os negócios formais, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 238.º/1, do CC).
Os elementos referidos nas alíneas O) a S), W), e BB) são conclusivos, pelo que não correspondem a enunciados probatórios.
As alíneas T), V), X), são redundantes, dado que a informação neles contida já consta do probatório (v. alíneas F) e K).
Os elementos constantes das alíneas Y) a AA) correspondem a invocados factos posteriores - e sem ligação - à operação em causa nos autos, a qual respeita ao pagamento ao impugnante da quantia de €500,000,00, a qual tem em vista a execução do estipulado pelas partes no acordo de 01.04.2003.
Em face do exposto, impõe-se concluir no sentido de que tais elementos não devem ser aditados ao probatório.
Termos em que se julga improcedente a presente imputação.
X
2.2. De Direito.
2.2.1.A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Erro de julgamento na determinação da matéria de facto, dado que não foi considerado provado que «[a] cláusula introduzida no quarto aditamento ao Memorando de Entendimento e que motivou o pagamento ao Recorrente de € 500.000 foi introduzida com o único propósito de compelir a S…… E……….., promitente-vendedor, a cumprir o Memorando de Entendimento, o mesmo é dizer, a celebrar o contrato definitivo de compra e venda [conclusões A) a H)] (Apreciado supra).
ii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, dado que o pagamento da quantia em causa não corresponde ao accionamento de uma cláusula penal indemnizatória [conclusões I) a R)].
iii) Erro de julgamento quanto ao tratamento jurídico-fiscal da quantia em apreço, dado que está em causa uma cláusula penal compulsória, pelo que mesma não é tributável, em sede de IRS [demais conclusões do recurso].
2.2.2. Enquadramento
Nos presentes autos, está em causa a correcção à Declaração de rendimentos de IRS de 2003, do impugnante, cuja fundamentação, constante do relatório inspectivo, é a seguinte (1): // «(…) pela análise da situação em causa de que resultou o valor de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) recebido pelo contribuinte, a título de indemnização, constata-se que o mesmo é considerado um incremento patrimonial, previsto no artigo 9.º (Rendimentos da categoria G), n.º 1, alínea b) do Código do IRS, pelo facto de que a indemnização em causa visa a reparação de lucros cessantes, considerando-se como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter, o que, no caso concreto, se verifica pela não concretização da venda da participação prevista no acordo de intenções».
A correcção em exame convoca o conceito e regime da cláusula penal. Sobre esta dispõe o artigo 810.º do Código Civil (CC). De acordo com este, as partes podem «fixar por acordo o montante da indemnização exigível» (n.º 1), devendo observar «formalidades exigidas para a obrigação principal»; sendo nula «se for nula esta obrigação» (n.º 2). Segundo o artigo 811.º (Funcionamento da cláusula penal) do CC, «[o] credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação», sendo «nula qualquer estipulação em contrário» (n.º 1). «O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes» (n.º 2). O «valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal» constitui o limite para a indemnização exigível pelo credor (n.º 3).
«A cláusula penal é a estipulação pela qual as partes fixam o objecto da indemnização exigível do devedor que não cumpre, como sanção contra a falta de cumprimento.» Cumpre, normalmente, uma dupla função. Pretende «constituir em regra um reforço (um agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama pena – cláusula penal – ou pena – pena convencional. A cláusula penal é, nestes casos, um plus em relação à indemnização normal, para que o devedor, com receio da sua aplicação, seja menos tentado a faltar ao cumprimento. (…)». Por outro lado, a cláusula penal pretende, muitas vezes, «facilitar ao mesmo tempo o cálculo da indenização exigível» (2)
A este propósito, colhem-se da jurisprudência os elementos seguintes:
i) «Por cláusula penal entende-se a estipulação em que alguma das partes se obriga perante a outra, antecipadamente a realizar certa prestação para o caso de vir a não cumprir (ou cumprir retardadamente, ou cumprir de forma imperfeita) a prestação principal a que se vinculou. // Pese embora os arts. 810.º a 812.º do CC conotarem a cláusula penal com uma função puramente ressarcitória (compensatória ou moratória), nada se encontra definitivamente na lei que impeça as partes, no exercício da sua liberdade contratual, de criarem uma cláusula com uma outra função, como seja (i) a de compelir ao cumprimento através da fixação de uma pena ou sanção (cláusula penal compulsória) e que acresce à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não cumprimento, ou (ii) a de compelir ao cumprimento através da fixação de uma obrigação de substituição da execução específica da prestação ou da indemnização pelo não cumprimento, valendo essa obrigação de substituição como a forma de satisfação do interesse do credor». (3)
ii) «A cláusula penal é uma forma de liquidação prévia do dano, que dispensa o recurso às normas estabelecidas para efeito do cálculo da indemnização, ou seja, trata-se de uma forma de fixação antecipada e convencional do “quantum respondeatur”, em caso de inadimplemento (cláusula penal “compensatória”) ou de mora (cláusula penal “moratória”) do devedor. // A lei portuguesa não permite cumular a cláusula penal compensatória com a indemnização, determinada segundo as regras gerais, do dano relativo ao não-cumprimento definitivo da obrigação (indemnização compensatória), nem a cláusula penal moratória com a indemnização segundo as regras gerais, do dano correspondente ao atraso no cumprimento da obrigação (indemnização moratória)». (4)
iii) «A cláusula penal prevista no art.º 810º, nº 1, do CC, num conceito amplo engloba dentro de si cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsórias: nas primeiras (cláusulas penais indemnizatórias), o acordo das partes tem por exclusiva finalidade liquidar a indemnização devida em caso de incumprimento definitivo, de mora ou cumprimento defeituoso; nas segundas (cláusulas penais compulsórias), o acordo das partes tem por finalidade compelir/pressionar o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento. // II- Esses dois tipos de cláusulas são, em termos de execução, cumuláveis entre si, dado que visam alcançar fins diferentes» (5)
No que respeita ao enquadramento fiscal da indemnização em apreço, rege o disposto nos artigos 12.º e 9.º do CIRS. Nos termos destes preceitos, não há, em princípio, lugar à tributação de indemnizações, salvo se se tratar de «indemnizações que visam a reparação de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão.
A este propósito afirma-se que, «[p]erante o amplo e heterogéneo conjunto de situações que podem dar origem ao pagamento de indemnizações pecuniárias, verifica-se que apenas algumas são tributáveis. Um montante recebido a título de indemnização é sujeito a tributação em sede de IRS apenas quando se consubstanciar um verdadeiro rendimento. (…) Nos termos [da concepção rendimento-acréscimo] devem ser tributadas apenas as indemnizações que derem origem a um acréscimo patrimonial líquido, na esfera do sujeito passivo. // Em termos gerais, o CIRS concretiza esta concepção de “rendimento acréscimo”, sujeitando a tributação as indemnizações que constituam acréscimos patrimoniais (ou aquelas em que a falta de comprovação dos danos permita também apontar neste sentido). Deste modo, o CIRS considera como rendimentos tributáveis, no âmbito da categoria G, os seguintes tipos de indemnização (artigo 9.º, n.º 1, alínea b), do CIRS): i) As indemnizações por danos não patrimoniais (exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente). // ii) As indemnizações por danos emergentes não comprovados. // iii) As indemnizações por lucros cessantes (considerando-se como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão)». (6)

2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), o recorrente considera que a sentença recorrida incorreu erro na apreciação da matéria de facto, ao considerar que «não pode deixar de se concluir que tanto a cláusula penal aposta ao “Memorando de Entendimento” e a cláusula penal aposta à alteração ao mesmo (que gerou o rendimento ora em causa e que só difere da anterior porque estabelece prazo para o cumprimento), cumpre uma função reparadora, representando, assim, uma estipulação fixa prévia do dano pelo não cumprimento do acordo, enquadrando-se na definição do artigo 810.º, n.º 1 do CC, simultaneamente subsumindo-se ao conceito de indemnização do artigo 9.º do CIRS».
Apreciação.
Do probatório resulta que o recorrente celebrou, na qualidade de promitente-vendedor, com a entidade SIFF um contrato de promessa de compra e venda da totalidade das participações sociais relativas à sociedade U……,(7). As partes acordaram, então, para o caso da não celebração do contrato definitivo que o vendedor tinha direito a uma indemnização de €500.000,00 (8). Através do acordo de 01.04.2003, as partes acordaram em prorrogar o contrato-promessa até 17.04.2003, findo o qual, sem a celebração do contrato, o vendedor teria direito a receber a referida indemnização (9).
Ao invés do postulado pelo recorrente, a alteração de 01.04.2003 não implicou a mudança de sentido da cláusula indemnizatória em apreço, dado que continuou a prever-se que, caso não ocorresse a celebração do contrato definitivo, em determinado prazo, o vendedor (impugnante) receberia da contraparte o valor estipulado, a título de indemnização.
Ao julgar no sentido referido, a sentença sob escrutínio não incorreu em erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao esteio do recurso referido em iii), o recorrente sustenta que a sentença incorreu em erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico-fiscal da quantia em apreço.
Na sentença escreveu-se o seguinte: «…diga-se que, i) não tendo o Impugnante comprovado a existência de danos emergentes na quantia fixada na cláusula penal e, a final, por ele recebida; ii) encontrando o pagamento da quantia fixada razão no incumprimento do acordo por parte da outra parte do contrato, estão reunidas as condições para afirmar que tal quantia configura uma indemnização subsumível à norma de incidência da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS».
Apreciação.
Dos elementos coligidos nos autos resulta que o montante em causa foi pago ao impugnante, na qualidade de promitente-vendedor, em virtude do incumprimento de contrato-promessa de compra e venda de acções, por parte do promitente-comprador (10). O facto de o pagamento em causa assumir uma função ressarcitória ou compulsória em nada releva para o enquadramento fiscal da quantia em apreço, enquanto acréscimo patrimonial ocorrido na esfera do impugnante, em virtude da ocorrência de facto considerado, nos termos do acordo firmado entre as partes, como originador na esfera jurídica do impugnante do direito a receber da contraparte o montante em causa. Por conseguinte, trata-se de quantia paga pelo promitente-comprador, a título de compensação pelos eventuais prejuízos (actuais ou futuros) sofridos pelo promitente-vendedor (ora recorrente), advenientes da quebra da promessa de compra. Pelo que o recebimento de tal quantia se subsume no disposto no artigo 9.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, isto é, corresponde a montante recebido que «vis[a] a reparação de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão». O acto tributário que seguiu tal entendimento não enferma do vício que lhe é assacado.
Ao julgar no sentido referido, a sentença sob escrutínio não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(1.ª Adjunta – Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)

(1) Alínea K), do probatório.
(2) João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, Vol. II, Almedina, 1997, pp. 139/140.
(3) Acórdão do STJ, de 10.01.2021, P. 1939/15.4T8CSC.L1.S1.
(4) Acórdão do TRLisboa, 10-09-2019, P. 7/19.4TNLSB-B.L1-7.
(5) Acórdão do TRCoimbra, 20-06-2017, P. 95/05.0TBCTB-H.C1.
(6) Paula Rosado Pereira, Manual de IRS, Almedina, 2.ª Edição, 2019, p. 270.
(7) Alínea A), do probatório.
(8) Alíneas B), e C) do probatório.
(9) Alínea F), do probatório.
(10) Alíneas H) e K), do probatório.