Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 714/10.7BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 05/26/2022 |
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Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
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Descritores: | CUSTOS DENSIDADE DOCUMENTAL INDISPENSABILIDADE ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS CRITÉRIO ECONÓMICO MERCADORIA ADIANTAMENTO POR CONTA DE COMPRAS |
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Sumário: | I-No âmbito da demonstração da funcionalidade da despesa e sua interligação com o escopo empresarial, a prova documental pode ser coadjuvada pela prova testemunhal. II-A densidade de suporte documental em termos de IRC é distinta da exigível em sede de IVA, porquanto o facto de uma dada transação não se encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, não preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que se admite a prova das características da transação através de qualquer meio. III-Um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, em nada podendo relevar a circunstância da operação económica se apresentar improdutiva ou economicamente prejudicial ou mesmo danosa. IV-Estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo V-Integrando o bem imóvel em questão o ativo da empresa, e tendo o mesmo sido utilizado para fins profissionais, de formação e de promoção os custos suportados são passíveis de ser alocados ao objeto societário, logo indispensáveis para a obtenção dos proveitos VI-Abrangendo o objeto social da Recorrida a importação e exportação de automóveis, barcos e aeronaves, bem como compra, venda e aluguer desses bens, e estando a Recorrida habilitada ao exercício da atividade marítimo-turística, sendo titular da respetiva Licença de Operador Marítimo-Turístico, tendo, nesse âmbito, adquirido a embarcação de recreio a qual usou para promoção das diversas áreas de negócio que compõem o seu objeto social, procedendo ao seu aluguer, designadamente, para realização de anúncios comerciais, os visados custos incorridos assumem a indispensabilidade que legitima a sua dedução fiscal. VII-O princípio da especialização dos exercícios não obedece a um critério financeiro, mas sim económico, ou seja, não aloca o gasto à data do pagamento ou recebimento. VIII-Resultando do probatório que a quantia corrigida mais não representa que o princípio de pagamento do preço pago pelo futuro adquirente, existe apenas uma saída de fluxo financeiro, respeitante a um adiantamento por conta de compras, logo tratando-se de uma mercadoria o seu custo só é refletido e relevado contabilisticamente aquando da sua venda. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO
I-RELATÓRIO
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por “Q..., S.A.” contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativas aos exercícios de 2005, 2006 e 2007. *** A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem: “ A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial deduzida pela Q..., S.A., e que determinou a anulação das liquidações adicionais de IRC, e correspondentes juros compensatórios, na parte em que desconsideraram os custos relativos à moradia da Quinta P..., ao iate “E...” e ao valor correspondente ao recibo emitido pela sociedade “M….”. B) É quanto a este, e apenas este, segmento da decisão que se recorre, sendo que quanto ao segmento favorável, desde já, se aceita, expressamente, essa parte da decisão. C) Neste âmbito, o Tribunal a quo acolheu parcialmente o entendimento perfilhado pela Recorrente tendo considerado improcedente o peticionado quanto às correções elencadas de seguida, por entender que a AT fez uma correta interpretação da Lei vigente (vide artigo 23. º do CIRC na redação à data), ao não deferir o peticionado no que se refere às correções relativas a: (i) relevância para efeitos fiscais dos custos com a frota de automóveis de luxo; (ii) relevância para efeitos fiscais dos custos relativos a prémios de seguros de vida a favor do acionista maioritário e administrador da Impugnante. D) Porém, por entender que a AT não fez uma correta aplicação da lei vigente, considerou o Tribunal a quo, acolher parcialmente o entendimento perfilhado pela Recorrida tendo considerado procedente o peticionado quanto às correções elencadas de seguida, determinado a sua anulação e consequentemente, a anulação parcial do ato de liquidação contestado: (i) relevância fiscal dos custos incorridos na construção da habitação Quinta P... e do iate “E...”; (ii) relevância fiscal da do valor relacionado com a “comissão” paga pela a aquisição de um imóvel em Vilamoura. E) Neste âmbito, conforme referido, não pode a Recorrente conformar-se com o teor da Sentença proferida por considerar que a mesma incorreu em erro de julgamento, ao manter, só, parcialmente, na ordem jurídica os atos de liquidação de IRC, como infra melhor se sintetizará. F) Ora, no que se refere a tais custos, não pode a Recorrente conformar-se com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, por tais custos (i) não serem indispensáveis para a realização dos proveitos gerados pela Impugnante os custos incorridos com a construção e manutenção da habitação Quinta P...; com a aquisição e manutenção do iate “E...”; e por fim (ii ) o referente à desconsideração de custos relacionados com a alegada “comissão” paga pela aquisição de um imóvel em Vilamoura, com fundamento na violação do princípio da especialização dos exercícios. G) Antes de mais e porque relevante começamos por convocar o Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, no sentido da improcedência da impugnação, acompanhando os fundamentos vertidos na contestação, considerando em síntese o seguinte: “(…) Compulsados os autos, e vistos os elementos que dos mesmos constam, o Ministério Público acompanha a posição sustentada no processo pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública, nos respetivos articulados, e designadamente na contestação e na bem fundamentada “informação dos serviços”, junta aos autos, de fls. 152 a 168, corroborada pelo relatório de inspeção tributária, que consta do processo administrativo tributário, que aqui se dão por reproduzidas para os devidos efeitos, por se concordar com o respetivo enquadramento factico-juridico, e por se mostrar que a Impugnante não logrou produzir prova de modo a infirmar a posição da Administração Fiscal. Neste condicionalismo, os atos impugnados não padecem de qualquer vicio anulatório, e daí que sejam de manter na ordem jurídica”. H) Ora, no que se refere aos custos (habitação e iate “E...”), tal como ficou amplamente demonstrado no RIT, tais não se enquadram no disposto no artigo 23.º do Código do IRC (na redação à data), para efeitos da sua dedutibilidade como custos do exercício. I) Por outro lado, sendo o meio de prova em IRC, acima de tudo, documental, as declarações de parte a prova testemunhal, como “complementares”, não podem deixar de permitir o mesmo controlo que a prova documental. J) Não é pelo facto de a prova ser produzida em tribunal, pela via testemunhal, que poderá ser mais “ligeira” – ultrapassando ou ignorando, os objetivos que a lei fiscal estabelecer (cfr. artigo 23.º do Código do IRC). K) Para que os custos, enumerados, sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais, são necessários dois requisitos fundamentais: - Que sejam comprovados através de documentos emitidos nos termos legais (normalmente faturas ou documentos equivalentes), sendo que, em certas situações e, tendo em conta a natureza da componente negativa do rédito, são admissíveis documentos internos. - Que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora (conforme decorre dos presentes autos, a tónica centra-se no requisito da indispensabilidade). L) É no conceito de indispensabilidade que reside a problemática essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que ali repousa um dos principais pontos de distinção entre o custo efetivamente incorrido, no interesse coletivo da empresa e, o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto que não pode por isso ser considerado custo – é o que sucede nos casos em que o custo é manipulado para reduzir o imposto a pagar. M) Podemos então dizer que o custo é uma despesa que deve ter, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial e a lei concede à AT poderes bastantes para recusar a aceitação, como custos fiscais, de despesas que não possam ser consideradas compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa. N) O requisito da indispensabilidade dos custos para a formação de proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários e atendendo por isso à razoabilidade e à fundamentação das decisões de gestão no momento e nas circunstâncias em que são tomadas. O) Por conseguinte, considera a Recorrente com o devido respeito que parece que o Tribunal a quo não atribuiu a relevância devida a toda a factualidade descrita no Relatório da Inspeção em torno dos custos com a construção e manutenção da habitação Quinta P... e, quanto aos custos de aquisição e manutenção do iate, decidindo pela dedutibilidade dos mesmos (artigo 23.º do CIRC). P) E ainda quanto aos custos com a referida habitação, não podemos deixar de olvidar, tal como constatado pela inspeção tributária que a casa em apreço era utilizada pelo administrador e acionista maioritário nessa qualidade e na qualidade de comodatário e o facto de surgir em diversas publicações. Q) Sendo certo que cabe à Recorrida definir suas estratégias empresarias, destinadas à obtenção de resultados, caber-lhe-á também fazer prova cabal de que esses custos se encontram comprovados e que foram indispensáveis à obtenção de resultados. O que in casu, e salvo melhor entendimento, não sucedeu. R) Assim, entende a Recorrente que ao decidir pela procedência do pedido no que se refere aos custos com a construção e manutenção da habitação Quinta P... e com a aquisição e manutenção do iate “E...”, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento. S) No que se refere à correção relativa a “custos relativos a exercícios anteriores” relacionados com a “comissão” paga pela aquisição de um imóvel em Vilamoura, considera também a Recorrente que o seu entendimento vertido no RIT, se encontra em conformidade com as disposições legais aplicáveis, sendo, consequentemente, legal o ato de liquidação emitido. T) Na verdade, ficou demonstrado no Relatório da Inspeção, que o custo suportado com esta comissão é imputável ao exercício de 2001, data em que foi paga, não obstante, tal comissão só foi contabilizada em 31 de janeiro de 2006, na conta ... Quinta do L.... U) Ora, conforme ficou demonstrado, não se afigura como correto o entendimento do Tribunal a quo, em linha com o entendimento sufragado pela Recorrida, possam em abono da justiça e da verdade material, não atribuir relevância ao tratamento contabilístico e respetivos documentos de suportes . V) Com efeito, não se afigura como correto, para a Recorrente a afirmação que “(…) Assim, sendo, como efetivamente resulta do cotejo dos documentos em apreço, conforme foi levado ao probatório, está em causa o custo de um bem, uma mercadoria, atento o objeto social da impugnante, que viria a ser vendido no exercício de 2007 originando proveitos que concorrem para a formação do lucro tributável desse exercício, devendo, por isso mesmo, ser aceite fiscalmente. Tanto vale dizer que a correção em apreço viola o disposto no artigo 23.º do CIRC”. W) Em face do exposto, não compreende, nem aceita, a Recorrente que o Tribunal a quo possa ter aderido de forma tão expressiva à tese da Recorrida, ignorando o que vem fundamentado em sede de RIT, pois a AT limitou-se analisar os lançamentos contabilísticos e respetivos documentos de suporte. X) Em suma, e salvo melhor entendimento, deverá, pois, proceder, também, a correção promovida pela AT. Y) Pelo que deverá o presente Recurso ser considerado procedente e, consequentemente, ser anulada, nesta parte, a Sentença recorrida e substituída por uma outra que, mantenha na ordem jurídica os atos de liquidação de IRC, com fundamento na sua legalidade ao terem sido emitido em total respeito pelo disposto nos artigos 18.º e 23.º do CIRC. Z) Ora, em face de todo o aduzido é entendimento da Fazenda Pública, não haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43° da LGT, porquanto o direito a tais juros abrange apenas uma das causas da responsabilidade da AT, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável. AA) Não estando em presença, de nenhuma das situações previstas no preceituado artigo 43. º da LGT, não há lugar ao pagamento de qualquer quantia a título de juros indemnizatórios. BB) Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por Acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente totalmente procedente, a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal as sobreditas correções. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença na parte recorrida, como é de Direito e Justiça.” *** O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações. *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas: A) A sociedade impugnante, em 2005, 2006 e 2007, tinha por objeto social a “compra e venda de imóveis, e revenda dos adquiridos para esse fim; Arrendamento e administração de propriedades, e vigilância de condomínios; Prestação de serviços no âmbito da actividade imobiliária, incluindo projectos de arquitectura e engenharia; Comércio de obras de arte; Importação e exportação de automóveis, barcos e aeronaves, bem como compra, venda e aluguer desses bens; Exploração de Clínicas de nutrição e estética, e prestação de serviços conexos com essas actividades.” – cf. certidão permanente a fls. 186 a 195 dos autos e doc. 4 junto à p.i.. B) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI200904756, OI200904757 e OI200904758, emitidas para fiscalização, respetivamente, dos exercícios de 2005, 2006 e 2007, foi a impugnante objeto de um procedimento de inspeção externa, para apuramento da sua situação tributária em sede de IRC e IVA – cf. o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), concretamente, pág.8, a fls. 145 do PAT apenso (vol.1/2). C) Em 11.12.2009 foi elaborado o Relatório de Inspeção, cujo teor, bem como respetivos documentos, aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual resulta, além do mais, o seguinte: “[…] D) A impugnante é proprietária de diversos imóveis de luxo que, no âmbito do seu objeto social, poderão ser vendidos ou locados – cf. docs. 10, 13 e 14 junto à p.i. e prova testemunhal. E) A impugnante adquire automóveis de valor superior a € 40.000,00 (ditos “de luxo”) que, no âmbito dos serviços que presta, disponibiliza para uso dos clientes da clínica de estética, “C...” – prova testemunhal. F) No que respeita à atividade náutica, a impugnante adquiriu, nomeadamente, a embarcação de recreio denominada E..., que usou para promoção das diversas áreas de negócio que compõem o seu objeto social e aluga, designadamente para realização de anúncios comerciais – prova testemunhal. G) A impugnante está habilitada ao exercício da atividade marítimo-turística desde 20.06.2007, sendo titular da Licença de Operador Marítimo-Turístico n.º 1…/IPTM, I.P., com Termo de Vistoria emitido pelo Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM) em 22.07.2009 – cf. doc. 5 junto à p.i. H) Com data de 18.01.2006 foi redigido e assinado um documento intitulado de COMODATO, em que figuram como partes a aqui impugnante, como primeira contraente, e o seu administrador H... como segundo contraente, que teve por objeto o “prédio urbano composto de moradia de 3 pisos, implantada no Lote … este com a área de 2185m2, da Quinta P..., lugar de Alcoitão” propriedade da impugnante, do qual foi feito constar, além do mais, que: “a Primeira Contratante assegurará a contratação do fornecimento de energia, água, telecomunicações e serviços de lazer, bem como os serviços de limpeza, domésticos e de jardinagem, os quais constituirão uma prestação de serviços a cargo do comodatário”; que o “comodato do imóvel terá o seu início no dia 1 de Fevereiro de 2006 e vigorará por tempo indeterminado”, e que “[o]s contratantes poderão fazer cessar o comodato a todo o tempo, porém quando da iniciativa da Primeira Contratante esta deverá observar na expedição da comunicação que lhe irá por termo, um prazo de 60 (sessenta) dias da data em que pretenda a produção dos efeitos dessa cessação” – cf. doc. 7 junto à p.i. I) Com data de 18.01.2006 foi redigido e assinado um documento intitulado de CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, em que figuram como partes a aqui impugnante, como primeira contraente, e o seu administrador H... como segundo contraente, de cujo teor resulta, além do mais, o seguinte: “[…] no pressuposto dos seguintes considerandos: J) O imóvel, destinado a habitação, referido nas alíneas que antecedem, correspondente ao Lote … da Quinta P..., dotado de um auditório com capacidade para 30 pessoas, foi utilizado, antes da existência da existência da “C…” para reuniões com franchisados e outros eventos relacionados com as atividades a que se refere o objeto social da sociedade impugnante, designadamente para promoção dos respetivos produtos, como bens imóveis, e serviços – prova testemunhal e declarações de parte. K) A embarcação/iate “E...” era utilizada para promover a imagem da impugnante e criar ambiente propício à concretização de negócios na sua área de atuação, e foi objeto dos alugueres refletidos nas faturas emitidas pela impugnante em 19.06.2007 e 23.07.2007, com os n.ºs 43A07 e 44A07, respetivamente, na segunda ocasião para efeitos de “filmagens de anúncio publicitário” – cf. doc. 9 junto à p.i., declarações de parte e prova testemunhal. L) Com data de 31.03.2008, foi elaborado o documento intitulado “CONTRATO DE ALUGUER DE EMBARCAÇÃO”, sendo identificados como contraentes a aqui impugnante, na qualidade de primeira contraente, e a “C….”, na qualidade de segunda contraente, resultando do respetivo teor que o mesmo é celebrado considerando, além do mais, que a segunda pretende diligenciar na organização de acções de comunicação e marketing bem como de motivação dos seus colaboradores, de forma a promover e desenvolver a sua imagem e conceito, sobretudo nas áreas ligadas à saúde, beleza e primordialmente à longevidade e que: PRIMEIRA M) O imóvel destinado a habitação correspondente ao Lote …, sito na Quinta P..., em Alcoitão, foi vendido pela impugnante em 16.11.2009, pelo preço de € 2.400.000,00 – cf. doc. 10 junto à p.i. N) Com data de 25.01.2001 foi celebrado entre a sociedade “M… (Propriedades) SA”, na qualidade de promitente vendedora, e a aqui impugnante, na qualidade de promitente compradora, um “Contrato-Promessa de Compra e Venda”, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que teve por objeto uma moradia isolada do tipo V4 N com piscina privativa, com o n.º …., integrada no prédio denominado “Lote …”, com uma área de 150.000 m2, sito na Quinta do L…, Almancil, resultando do mesmo, além do mais, o seguinte: CLÁUSULA SEGUNDA O) Por referência ao acordo referido na alínea que antecede foi emitido à ora impugnante, em 02.08.2001, o recibo n.º 50/01, no valor de € 94.272,80, no qual foi feita constar a descrição Dez por cento do valor da venda da moradia isolada n.º 102, conforme estipulado na alínea a) do n.º 1 da cláusula segunda do contrato de promessa de compra e venda – facto não controvertido e cf. art.º 84.º da p.i. e pág. 84 do RIT. P) O imóvel referido em N) foi efetivamente adquirido pela ora impugnante por escritura pública celebrada em 25.07.2006, pelo preço de € 748.197,00, para revenda – cf. doc. 14 junto à p.i. Q) Em 07.12.2007 a impugnante revendeu o imóvel identificado em N) pelo preço de € 1.400.000,00 – facto não controvertido e cf. pág. 84 do RIT. R) A “C...” foi criada em 2008 – prova testemunhal. S) Atos impugnados: Na sequência das conclusões da ação de inspeção referida em C), foram emitidas as liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, identificadas, respetivamente, com os n.ºs 2009 8310030439, 2009 8500030461 e 2009 8310030504, que apuraram a pagar, após compensação, os montantes de € 46.825,32 em relação a 2005; € 133,11 em relação a 2006 e € 91.793,05 em relação a 2007 – cf. doc. 1, 2 e 3 juntos com a p.i. e fls. 563 a 573 do PAT apenso (Vol. 2/2). T) Em 26.04.2010 a impugnante pagou as quantias a que se refere a alínea S), no âmbito dos processos de execução fiscal instaurados para feitos da respetiva cobrança coerciva – cf. docs. 1-B, 2-A e 3-A juntos com a p.i. U) A presente impugnação foi apresentada em 06.05.2010 – cf. fls. 3 dos autos. *** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada, o seguinte: “Que os veículos automóveis, ditos de luxo, de que a impugnante era proprietária nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, tenham sido utilizados, nos exercícios em apreço, para uso de cortesia por parte dos clientes, sobretudo angolanos, da “C...”. *** A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “Os factos dados como provados resultam dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso, os quais não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, bem como da prova testemunhal produzida no âmbito dos processos de impugnação judicial referente ao IRC e IVA de 2008, cuja prova foi aqui aproveitada, conforme acima relatado, tudo conforme referido em cada uma das alíneas. Em relação às declarações de parte e prova testemunhal, relevaram para formação da convicção do tribunal, no que respeita ao facto dado como provado em J), além das primeiras, o depoimento da testemunha M…, que de forma objetiva e consistente explicou ao tribunal que a casa de habitação sita na Quinta P..., em Alcoitão, era utilizada essencialmente para eventos relacionados com a atividade da sociedade, para promoção dos respetivos negócios, prestando-se a isso pelo facto de ser dotada de um anfiteatro com capacidade para 30 pessoas, afirmações inteiramente concordantes com o alegado na p.i. e com o teor das declarações de parte do Administrador da impugnante, que afirmou que a casa estava completamente virada para a atividade empresarial, ali se realizando vários eventos semanais para apresentação de produtos e serviços relacionados com a mesma. No que se refere à utilização do iate “E...”, resultou igualmente, quer das declarações de parte, quer do depoimento das testemunhas M… e O…, a convicção do tribunal sobre a sua utilização para os fins societários, quer por meio de aluguer, pese embora de diminuta relevância, quer para efeitos de promoção da imagem da impugnante criando o ambiente propício à concretização de negócios, promovendo a divulgação dos bens e serviços por si comercializados, nomeadamente das habitações de luxo. A este propósito, a testemunha M..., referiu, além do mais, que o Dr. H… se presta a estar a bordo e mostra-se, tal como nas casas que têm para venda, trazendo notoriedade, o que se traduz em negócio. Quanto ao uso dado aos veículos automóveis ditos de luxo, quer das declarações de parte quer do testemunho prestado por M..., resultou que os veículos em apreço são utilizados para “oferta” de um pacote completo de serviços a clientes da “C...”, sobretudo aos oriundos de Angola, com vista a captar clientes a empresas concorrentes, sendo utilizados para ir buscar os clientes ao aeroporto e conduzi-los ao hotel ou mesmo para colocar à disposição dos mesmos para uso durante a sua estada, investimento com retorno nos serviços por estes contratados na “C...”. No entanto, resultou também do depoimento da testemunha M... que a “C...” surge apenas no ano de 2008, razão pela qual o tribunal não deu como provado que os mesmos tenham sido utilizados nos exercícios em apreço nos autos, para os referidos efeitos. Note-se aliás, que o documento que a impugnante junta aos autos, com o n.º 11, para prova do que alega, refere-se a uma publicação de dezembro de 2009, sendo certo que no caso dos autos estão em discussão custos contabilizados em 2006 e 2007.” *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Recorrente, não se conforma, em parte, com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra , que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação de IRC dos exercícios de 2005, 2006 e 2007, emitidos na sequência da ação inspetiva que procedeu a correções meramente aritméticas das quais resultaram, para o exercício de 2005, um acréscimo à matéria tributável de €150.246,96, traduzido num aumento dos resultados declarados de €141.065,39 para € 291.312,35; para o exercício de 2006, um acréscimo de € 244.559,13 à matéria tributável que se traduziu na redução, de € -266.486,93 para € -21.927,80, dos prejuízos fiscais apurados e declarados pela impugnante e no concernente, ao exercício de 2007, o acréscimo de € 594.741,43 à matéria tributável, que se traduziu na redução a zeros dos prejuízos fiscais apurados pela impugnante, ora Recorrida, originando, ainda, um resultado fiscal positivo de € 328.083,56. Com efeito, em termos de delimitação da lide recursiva, importa relevar que apenas o DRFP interpôs recurso jurisdicional quanto às correções respeitantes aos custos relativos à moradia da Quinta P..., ao iate “E...” e ao valor correspondente ao recibo emitido pela sociedade “M…”, tendo, por isso, transitado em julgado as remanescentes correções julgadas na decisão recorrida e, ora, não sindicadas. Mais importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se: Ø O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em valorou as declarações de parte e a prova testemunhal, descurando a factualidade descrita no RIT. Ø A decisão recorrida padece de erro de julgamento por ter decidido pela ilegalidade das correções atinentes aos custos relativos à moradia da Quinta P..., ao iate “E...” e ao valor correspondente ao recibo emitido pela sociedade “M….”, porquanto não se encontra provada a sua indispensabilidade, existindo, outrossim, violação do princípio da especialização dos exercícios. Apreciando. A Recorrente começa por evidenciar que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, visto que valorou erradamente as declarações de parte e prova testemunhal, as quais visando e funcionando como meio complementar não podem assumir a mesma valoração e permitir o mesmo controlo que a prova documental. Mais sublinhando que não é pelo facto de a prova ser produzida em tribunal, pela via testemunhal, que “poderá ser mais ligeira”. Ora, atentando nas conclusões coadjuvadas com as suas alegações de recurso, resulta, desde logo, que a Recorrente não impugna a matéria de facto -em ordem aos requisitos estabelecidos no artigo 640.º do CPC- decorrente da prova documental e testemunhal não requerendo qualquer aditamento por complementação ou substituição, limitando-se, como visto, a sindicar -genérica e conclusivamente- a prova testemunhal, mas sem daí extrair uma cominação e sem a devida particularização quanto ao probatório dos autos. Aduza-se, em abono da verdade, que não são permitidos recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo (1). Não podendo, nessa medida, a Recorrente limitar-se a evidenciar que a prova testemunhal é “mais ligeira”, quando, de resto, nem, tão-pouco, se perceciona o alcance de tal adjetivação, face, desde logo, à bem fundamentada motivação da matéria de facto. Note-se, ademais que quando é colocada em causa a credibilidade do depoimento das testemunhas, não basta a mera alegação que o depoimento não é crível. E isto porque, se a convicção formada pela Recorrente sobre a credibilidade do depoimento da testemunha, não coincide com a convicção do julgador, tem de objetivar-se a ausência de credibilidade ponto da discordância, impondo-se ao Recorrente que indique as razões de ciência em que se firma, e bem assim as passagens da gravação demonstrativas da desconformidade. De resto, como é consabido os depoimentos das testemunhas quando, críveis, com razões de ciência perfeitamente evidenciados e devidamente ponderados, podem e devem ser valorados na exata medida da convicção do julgador e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova. In casu, conforme resulta, de forma clara e inequívoca, da motivação da matéria de facto, o Tribunal a quo enunciou as razões pelas quais entendeu credibilizar os depoimentos, quais as razões de ciência atinentes ao efeito, evidenciando, outrossim, particularidades dos depoimentos reputados de relevo para a decisão, não tendo a Recorrente sindicado os mesmos com os devidos trechos que poderiam acarretar uma valoração distinta e inclusive díspar redação, nem, tão-pouco, contraditado e refutado com a devida substanciação. Mais importa relevar que, contrariamente ao que é evidenciado pela Recorrente, no âmbito da demonstração da funcionalidade da despesa e sua interligação com o escopo empresarial, a prova documental pode ser coadjuvada pela prova testemunhal. Note-se, de resto, que, in casu, nem tão-pouco, é controvertida a efetividade e a documentabilidade dos custos em contenda. Ademais, importa ter presente que há muito que é Jurisprudência assente que se um dado movimento contabilístico não se encontrar comprovado, por um documento externo, ou mesmo se a densificação de uma determinada realidade cuja efetividade não é colocada em crise, tal não pode, sem mais, afastar a sua dedutibilidade fiscal em sede de IRC. Com efeito, “o custo indocumentado, pode relevar fiscalmente se o contribuinte provar, por qualquer meio admissível, a efectividade da operação e o montante do gasto, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova. (2)” Até porque, a densidade de suporte documental em termos de IRC é distinta da exigível em sede de IVA, porquanto o facto de uma dada transação não se encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, não preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que se admite a prova das características da transação através de qualquer meio. Como doutrina Rui Duarte Morais, “julgamos ser doutrina e jurisprudência pacíficas, que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito. É que a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva” (3). E por assim ser, face a todo o expendido anteriormente, conclui-se que inexiste qualquer erro de julgamento de facto, mantendo-se a matéria de facto inalterada. *** Aqui chegados, encontrando-se devidamente estabilizada a matéria de facto, vejamos, então, se a decisão recorrida padece de erro julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito. Apreciando. A Recorrente defende que o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento no concernente às correções atinentes à Quinta P... e ao iate “E...”, na medida em que o requisito da indispensabilidade deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários e atendendo por isso à razoabilidade e à fundamentação das decisões de gestão no momento e nas circunstâncias em que são tomadas. Defendendo, assim, que a decisão recorrida não atribuiu a relevância devida a toda a factualidade descrita no Relatório da Inspeção em torno dos custos com a construção e manutenção da habitação Quinta P... e, quanto aos custos de aquisição e manutenção do iate, sendo certo que quanto aos primeiros não se pode descurar que a casa era utilizada pelo administrador e acionista maioritário, surgindo, inclusive, em diversas publicações. Atentemos, ora, na fundamentação da decisão recorrida que esteou a procedência e consequente anulação das correções respeitantes aos custos com a habitação e com o iate. O Tribunal a quo, começa por evidenciar que “[a] questão da indispensabilidade dos custos suportados quer com o financiamento da aquisição dos bens em apreço, quer com a respetiva manutenção, deve ser aferida, não por critérios de razoabilidade, oportunidade ou conveniência, ou na ótica do nexo causal (…)”. Densificando, depois, por reporte para o acervo probatório dos autos que “[n]uma análise objetiva dos factos constatados pela inspeção tributária fosse admissível retirar a ilação de que a casa em apreço era utilizada pelo administrador, nomeadamente pela existência do contrato de comodato assinado pelo administrador e acionista maioritário nessa qualidade e na qualidade de comodatário, ou pelo facto de surgir em diversas publicações na “posse” do bem em apreço, resulta das concretas circunstâncias de facto que o bem imóvel em causa foi utilizado, antes da respetiva venda, para promoção quer da imagem da sociedade impugnante, quer dos bens e serviços que constituem o seu “core business”, contribuindo, desse modo, para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, razão pela qual devem ser admitidos como custo fiscal.” Propugnando no atinente ao iate “E...”, que “[t]endo a impugnante demonstrado que, não obstante as publicações em que a AT baseou a convicção de que o mesmo era utlizado pelo acionista maioritário como bem próprio, o mesmo era, no entanto, usado como forma de evidenciar a imagem quer do referido administrador, quer dos bens por ele “detido”, evidenciando a opulência como forma de promoção da imagem da impugnante e das diversas áreas de negócio que compõem o seu objeto social, criando o ambiente propício à concretização dos negócios, sendo ainda alugado, embora residualmente, quer para férias, quer para realização de anúncios comerciais. Mais uma vez, e como defendeu e demonstrou a impugnante, o bem em causa, cujos custos relacionados com a respetiva aquisição e manutenção foram refletidos no apuramento da matéria tributável, contribuiu, quer por via dos alugueres (ainda que residuais), quer por via do seu uso para promoção da imagem da sociedade e dos respetivos negócios, para realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, razão pela qual devem, também, ser admitidos como custo fiscal.” Ora, analisando a aludida fundamentação nenhuma censura merece a decisão recorrida, porquanto realizou uma correta análise do regime jurídico vigente com a devida transposição para o caso vertente. Mas, expliquemos porque assim o entendemos. Comecemos por convocar a fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária, porquanto, como é consabido, só a fundamentação nele gizada releva para efeitos de justificação das correções realizadas. Conforme descrito no probatório -não impugnado-mormente, na alínea C), a AT avançou como fundamentação para a realização das correções visadas o seguinte: Do aluguer da habitação na Quinta P... ao acionista maioritário da Recorrida H..., fundado num contrato de comodato da moradia na Quinta P..., com ele próprio e do aluguer de três dias ao longo de todo o ano do iate “E...”, resulta, que a “[c]ontribuição dos proveitos gerados com as rendas auferidas e com o aluguer do iate, para o total dos proveitos obtidos, é factualmente irrelevante”. Concretizando, depois, que “[a] contribuição para a formação dos proveitos no triénio fora do grupo que estes bens representam (moradia+carros de luxo+iate) é de cerca de 3,2%; Densificando, para o efeito, que “[v]erifica-se que os fluxos financeiros gerados pela actividade da empresa no período de 2000 a 2005, é manifestamente desproporcionado, ao total dispendido na construção da habitação na Quinta P..., na aquisição das seis viaturas de luxo, e do iate E..., para o mesmo período, no montante de 2.370.076,18€, bem como é irrelevante a contribuição destes bens para a formação dos proveitos gerados fora do grupo”. Concluindo, assim, que a “[d]esproporcionalidade entre os fluxos financeiros gerados na actividade da empresa, bem como o irrelevante contributo destes bens para a obtenção dos proveitos obtidos fora do grupo, que sob o ponto de vista fiscal, nos termos do artigo 23º do CIRC, coloca a questão da relevância fiscal do custo. Adensando, in fine, que “[d]o ponto de vista factual, indicia a não verificação da indispensabilidade do custo incorrido e a sua ligação com os proveitos obtidos. Nem pode relevar sob o ponto de vista fiscal, a existência em 2006, de um contrato de arrendamento de H..., enquanto administrador com participação dominante na Q... SA., consigo próprio, enquanto contribuinte H..., em que paga a si mesmo, a renda de 2.500,00€, porque não indicia a existência significativa de um nexo causal entre os custos suportados com a construção da habitação Quinta P..., as amortizações praticadas sobre o bem, e a obtenção de proveitos, mesmo que futuros, provenientes do arrendamento; Nem o aluguer de três dias do iate durante um ano, revela indiciar, sob o ponto de vista fiscal, uma actividade normal da empresa sua proprietária (…) Não é justificável à luz de qualquer critério de racionalidade económica, de acordo com a actividade da empresa, suportar custos de tão elevado montante, como inevitáveis para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora”, não se subsumindo, assim, normativamente no artigo 23.º do CIRC. Como visto, do teor do Relatório Inspetivo, o normativo convocado para legitimar as correções foi o artigo 23.º do CIRC, e o pressuposto colocado em crise para efeitos de dedutibilidade fiscal, assentou na falta de prova da indispensabilidade dos aludidos custos. Convoquemos, então, o quadro normativo com as devidas considerações reputadas de relevo. Importa, relevar, ab initio, que, em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana expressamente do artigo 17.º, nº1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real. Contudo, conforme dimana da letra do artigo 23.º do CIRC, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Com efeito, dispunha o artigo 23.º do CIRC, à data da prática dos factos tributários, sob a epígrafe de “custos ou perdas” que: “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora nomeadamente os seguintes: a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação; b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias; c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso; d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social; e) Encargos com análises, racionalização, investigação e consulta; (…) A lei, de facto, não recorta o conceito objetivo de custo, podendo, no entanto, aferir-se a existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento e por último, tem de existir um nexo de indispensabilidade entre os encargos e os proveitos para a obtenção de proveitos e/ou para a manutenção da fonte produtora. Sendo que indispensabilidade não é sinónimo de razoabilidade. “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (...) o Fisco filtra as decisões da empresa em face do escopo da organização, quer sobre o crivo imediatístico (subsunção dos actos ao ramo ou ramos de actividade estatutariamente definida) quer, sobretudo, em função do fim mediato (obtenção de lucros através dessa actividade, com vista à sua posterior repartição entre os sócios). (...) «Reprime os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos inerentes custos (4)”. O requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa. E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo (5). Significa, portanto, que um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, em nada podendo relevar a circunstância da operação económica se apresentar improdutiva ou economicamente prejudicial ou mesmo danosa. Logo, a AT apenas pode desconsiderar os custos que não se inscrevem no objeto social e no âmbito da atividade do sujeito passivo, ou seja, os que foram contraídos para a prossecução de objetivos alheios. Está, portanto, “[a]rredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).(6)” Em termos de ónus probatório, importa, ainda, relevar que impende, a montante, sobre a AT por em causa a indispensabilidade dos custos, competindo ao sujeito, após essa sindicância, demonstrar que os custos cumprem, efetivamente, esse desiderato. Uma vez convocado o regime jurídico e tecidos os considerandos de direito que para os autos relevam, vejamos, então, se o Tribunal a quo incorreu nos erros de julgamento que lhe são assacados. In casu, como visto, a decisão recorrida entendeu que a AT se ateve a um critério de razoabilidade e de nexo causal que não é passível de sustentar a aferição da indispensabilidade, sendo que a Impugnante, ora, Recorrida demonstrou que esses gastos se inseriam no objeto social da empresa, sendo, portanto, indispensáveis para obtenção dos proveitos. E assim também o entendemos. Explicitemos, então, quais os motivos atinentes a essa assunção. De relevar, desde já, que o juízo de entendimento da AT, refletido no RIT, reconduz-se à exigência de uma relação de causalidade necessária e direta entre custos e proveitos há muito recusada pela doutrina e pela jurisprudência, sendo que fazendo uma incursão no probatório, não impugnado, ter-se-á de concluir que não tendo sido colocada em causa a efetividade das despesas, estando as mesmas, devidamente, suportadas em documentos idóneos, evidenciado o fee pago e os fins para os quais a Recorrida o suporta, e alocando-o ao objeto societário da mesma, tais despesas devem ser integralmente dedutíveis, como custos fiscais. Senão vejamos. Dimana do probatório que a sociedade impugnante, ora Recorrida, nos anos de 2005 a 2007, tinha por objeto social a “compra e venda de imóveis, e revenda dos adquiridos para esse fim; Arrendamento e administração de propriedades, e vigilância de condomínios; Prestação de serviços no âmbito da actividade imobiliária, incluindo projectos de arquitectura e engenharia; Comércio de obras de arte; Importação e exportação de automóveis, barcos e aeronaves, bem como compra, venda e aluguer desses bens; Exploração de Clínicas de nutrição e estética, e prestação de serviços conexos com essas actividades.”. E que no âmbito dessa mesma atividade é proprietária de diversos imóveis de luxo passíveis de serem transacionados, mormente, venda ou locação. Mais resultando, nesse conspecto, que foi outorgado a 18 de janeiro de 2006, um contrato designado de comodato entre a Recorrida e o seu administrador “prédio urbano composto de moradia de 3 pisos, implantada no Lote … este com a área de 2185m2, da Quinta P..., lugar de Alcoitão”, e na mesma data celebrado um contrato de prestação de serviços do qual resultava a funcionalização do aludido imóvel à realização de eventos, designadamente apresentação dos produtos e serviços comercializados pela Recorrida, formação profissional de pessoal ao seu serviço, na medida em que dispunha de um auditório para 30 pessoas. Dimanando, igualmente, provado que esse mesmo imóvel, dotado de um auditório com capacidade para 30 pessoas, foi utilizado, antes da existência da existência da “C...” (2008) para reuniões com franchisados e outros eventos relacionados com as atividades a que se refere o objeto social da sociedade impugnante, designadamente para promoção dos respetivos produtos, como bens imóveis, e serviços. Promanando, in fine, que o visado imóvel foi vendido pela Recorrida em 16 de novembro de 2009, pelo preço de € 2.400.000,00. Ora, face à factualidade supra expendida, ter-se-á de validar o julgamento do Tribunal a quo, na medida em que a realidade fática supra expendida, permite inferir pela indispensabilidade dos custos, visto que integrando o bem imóvel em questão o ativo da empresa, e tendo o mesmo sido utilizado para fins profissionais, de formação e de promoção os mesmos são passíveis de ser alocados ao objeto societário, sendo que, como visto, o critério da indispensabilidade não pode ser encarado como abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva abarcando, justamente, custos que mediatamente visam esse fim. Ademais, como visto, resultou, outrossim, demonstrado que o visado imóvel foi alienado em 2009, por valor superior ao da respetiva aquisição, com evidentes ganhos para a Recorrida, não podendo, nessa medida, lograr o efeito almejado pela Recorrente a outorga do contrato de comodato, o qual, como visto, em nada obstou à realização dessa transação. Acresce, in fine, e conforme bem salientado pelo Tribunal a quo, que “[a]inda que, numa análise objetiva dos factos constatados pela inspeção tributária fosse admissível retirar a ilação de que a casa em apreço era utilizada pelo administrador, nomeadamente pela existência do contrato de comodato assinado pelo administrador e acionista maioritário nessa qualidade e na qualidade de comodatário, ou pelo facto de surgir em diversas publicações na “posse” do bem em apreço, resulta das concretas circunstâncias de facto que o bem imóvel em causa foi utilizado, antes da respetiva venda, para promoção quer da imagem da sociedade impugnante, quer dos bens e serviços que constituem o seu “core business”, contribuindo, desse modo, para realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, razão pela qual devem ser admitidos como custo fiscal.” De todo o modo, sempre se dirá que, nunca o alegado pela Recorrente, mormente, o aludido em P), poderia acarretar uma desconsideração, tout court, dos encargos, efetivamente, incorridos. Mas, igual asserção e validação se realiza no atinente aos custos do iate “E...”. Senão, vejamos. Conforme já evidenciado anteriormente, integra-se no âmbito do objeto social da Recorrida a importação e exportação de automóveis, barcos e aeronaves, bem como compra, venda e aluguer desses bens. Dimanando, no que concerne à atividade náutica, que a Impugnante, ora Recorrida, está habilitada ao exercício da atividade marítimo-turística, sendo titular da respetiva Licença de Operador Marítimo-Turístico n.º …/IPTM, I.P. e que, nesse âmbito, adquiriu, nomeadamente, a embarcação de recreio denominada “E...”, a qual usou para promoção das diversas áreas de negócio que compõem o seu objeto social, procedendo ao aluguer, designadamente para realização de anúncios comerciais. Resultando, inclusivamente, densificada essa atividade promocional mediante a emissão das faturas refletidas no probatório. Ora, face às aludidas asserções fáticas, não é, de todo, defensável o entendimento da Recorrente no sentido de que o Tribunal a quo ignorou o Relatório Inspetivo, bem pelo contrário. E por assim ser, não sendo sindicada a efetividade, e a documentabilidade das aludidas despesas, mas, tão-só, o seu nexo com o objeto social da empresa por concreta correspondência com os fluxos financeiros ter-se-á de concluir que as aludidas correções padecem, efetivamente, de erro sobre os pressupostos de facto e de direito. É certo que os alugueres podem, efetivamente, ter sido residuais, mas a verdade é a avaliação da indispensabilidade dos custos não pode ser materializada -como foi no respetivo Relatório de Inspeção- à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito, porquanto, como já expendido, o controlo a efetuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser feito pela negativa, ou seja, a entidade fiscalizadora só deve desconsiderar fiscalmente os custos que, claramente, não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, e que tenham sido contraídos para a prossecução de objetivos alheios, o que, como visto, não é o caso (7). Destarte, do exame da factualidade provada deve concluir-se no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, de que nos encontramos perante despesas que se destinam a assegurar o normal desenvolvimento do seu objeto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta, de acordo com a definição do mesmo constante do probatório, assim devendo enquadrar-se no artigo 23.º do CIRC, conforme se entendeu na decisão recorrida. E por assim ser, e sem necessidade de mais considerações, improcedem as razões invocadas pela Recorrente, mantendo-se a anulação decretada pelo Tribunal a quo, por as correções impugnadas padecerem, efetivamente, de vício de violação de lei, por errada interpretação dos pressupostos de direito. Subsiste, então, por analisar sobre a correção atinente à desconsideração do valor relacionado com a “comissão” paga pela aquisição de imóvel. Relativamente a esta correção, defende a Recorrente que o entendimento vertido no Relatório de Inspeção Tributária se encontra em conformidade com as disposições legais aplicáveis, porquanto ficou demonstrado que o custo suportado com esta comissão é imputável ao exercício de 2001, data em que foi paga, não obstante, tal comissão só ter sido contabilizada em 31 de janeiro de 2006, na conta ... Quinta do L.... Ressalvando, ainda, que tal entendimento desvirtua o tratamento contabilístico e respetivos documentos de suportes, violando, nessa medida, o consignado nos artigos 18.º e 23.º do CIRC. O Tribunal a quo não validou a aludida correção entendendo que a mesma enfermava de erro sobre os pressupostos, desde logo, atinente à própria qualificação da despesa em causa e bem assim que esse custo da mercadoria foi adequadamente refletido na contabilidade sendo fiscalmente dedutível. Para aquilatar da bondade da censura gizada à decisão recorrida, atentemos, então, na fundamentação contemporânea do Relatório Inspetivo. Para legitimar a aludida correção, a AT convoca a seguinte fundamentação: Ø A 25 de julho de 2006, através de escritura notarial, o contribuinte compra por 748.197,00€, a fração imobiliária n.º .., designada pelas letras “…” do prédio urbano denominado “Aldeamento Turístico Monte da …”, sito na Quinta do L..., freguesia de Almancil, concelho de Loulé, destinado à habitação, e declarando que o imóvel adquirido se destina a revenda; Ø O imóvel foi vendido por escritura notarial a 07 de dezembro de 2007; Ø Em 2006, o extrato da conta ... Quinta do L..., que reflete os custos de aquisição do referido imóvel, incorpora o documento n.º 5 10067, que respeita ao recibo n.º 50/01 de 02 de agosto de 2001 emitido por M…, NIF …. com a descrição “Dez por cento do valor de venda da moradia isolada n.° …, conforme estipulado na alínea a) do n.º 1 da cláusula segunda do contrato de promessa de compra e venda” no valor de 94.272,80€; Ø Para a determinação do lucro tributável, este custo, ocorre aquando da venda do referido imóvel, i.e., em 7 de dezembro de 2007. Concluindo, assim, que o custo suportado com essa comissão, é imputável ao exercício de 2001, data em que a mesma foi paga, e em conformidade com o princípio de especialização dos exercícios regulado no artigo 18.º do CIRC, razão pela qual, ajuizou ser de desconsiderar o custo fiscal no valor 94.272,80€, por não se subsumir no artigo 23.º do CIRC. Apreciando. De relevar, desde logo, que a AT incorre num erro de raciocínio, na medida em que o princípio da especialização dos exercícios não obedece a um critério financeiro, mas sim económico, ou seja, não aloca o gasto à data do pagamento ou recebimento. Com efeito, de acordo com o aludido princípio consignado no artigo 18.º do CIRC “os proveitos e custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício que digam respeito”, sendo que “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas” (cfr. artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 do CIRC). Sendo certo que, para os efeitos deste preceito legal, o exercício corresponde ao ano fiscal, o qual, por seu turno, coincide com o ano civil (8). Conforme refere Rui Duarte Morais, em sede de IRC, “[h]á, (…), que dividir a vida da empresa em períodos, A cada um desses períodos deverão ser imputados determinados ganhos e perdas (incluindo variações patrimoniais), dos quais decorrerá o cálculo do lucro desse exercício. (…) A imputação de um proveito ou custo a certo exercício obedece a um critério económico (e não a um critério financeiro), ou seja, as operações nele efectuadas afectam o respectivo resultado, independentemente do recebimento ou pagamento do respectivo preço ou outra contrapartida. Contabilizam-se créditos e débitos e não pagamentos e recebimentos” (9). Por outro lado, e conforme sustentado pelo Tribunal a quo, mediante reporte ao recorte probatório dos autos –contraditado, tão-só, pela Recorrente mediante referência conclusiva e remissiva para o relatório inspetivo- a qualificação que foi empreendida pela AT não tem correlação com a factualidade em apreço. Regressemos, então, ao probatório. Da factualidade assente resulta que a 25 de janeiro de 2001 foi celebrado entre a sociedade “M… SA”, na qualidade de promitente vendedora, e a Impugnante, ora Recorrida, na qualidade de promitente compradora, um “Contrato-Promessa de Compra e Venda”, que teve por objeto uma moradia isolada do tipo V4 N com piscina privativa, com o n.º …, sito na Quinta do L..., Almancil, resultando, desde logo, da cláusula segunda e relativamente ao preço do imóvel e forma de pagamento que o preço total ascenderia a Esc.150.000.000$00, e como princípio de pagamento, seria pago, nessa data, o montante de Esc. 18.900.000$00. Nessa conformidade, e em resultado do estipulado pagamento, foi emitido à Impugnante, em 02 de agosto de 2001, o recibo n.º 50/01, no valor de € 94.272,80, com o seguinte descritivo “Dez por cento do valor da venda da moradia isolada n.º …, conforme estipulado na alínea a) do n.º 1 da cláusula segunda do contrato de promessa de compra e venda”. Mais resultando assente que, o aludido imóvel, foi adquirido por escritura pública celebrada em 25 de julho de 2006, pelo preço de €748.197,00, para revenda, o qual foi revendido a 07 de dezembro de 2007, pelo preço de € 1.400.000,00. Ora, face ao supra expendido e conforme ajuizado pelo Tribunal a quo, a realidade fática supra expendida em nada permite inferir que o aludido valor assuma a natureza de comissão, por um lado, face ao teor do contrato que o sustenta e legitima, e por outro lado, face ao seu emitente, porquanto dizem-nos, desde logo, as regras da experiência que as comissões são pagas não pelo promitente adquirente, mas sim pelo promitente vendedor, e, regra geral, apenas com a conclusão do negócio. In casu, resulta do probatório que a aludida quantia mais não representa que o princípio de pagamento do preço, vulgo sinal, pago pelo futuro adquirente, logo contrariamente ao propugnado pela AT, inexiste qualquer custo que deve ser contabilizado no ano de 2001. Com efeito, nessa data existiu, tão-só, uma saída de fluxo financeiro, respeitante a um adiantamento por conta de compras, com o direito, de resto, a ser ressarcido caso a compra fosse, por qualquer motivo, gorada. Aduza-se, em abono da verdade, que tratando-se de uma mercadoria o seu custo só é refletido e relevado contabilisticamente aquando da sua venda e não antes, logo nenhuma irregularidade pode ser assacada à conduta da Recorrida, na medida em que 2007, com a alienação do imóvel, reconheceu o respetivo proveito na classe 7, logo, só nessa data é que o princípio de pagamento realizado em 2001, influencia as contas de custo. Com efeito, há o reconhecimento do proveito, e como contrapartida da conta 32-Mercadorias, influencia-se a conta 61-Custo das Mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas, na qual se regista a contrapartida das saídas das existências por venda ou integração no processo produtivo. Sem embargo do exposto, sempre se dirá que o entendimento da AT não poderia, de resto, lograr mérito, atento o princípio da justiça, e isto porque não sendo controvertido a efetividade do custo, sempre a aludida correção deveria ser objeto de anulação por contender com o princípio da justiça, não podendo prevalecer o evidenciado pela AT no seu Relatório Inspetivo e neste concreto particular, ou seja, de que não é possível “dar cumprimento ao Ofício circulado nº 14/93 de 23 de Novembro da DSIRC, se verifica a sua intempestividade, por já ter decorrido o prazo previsto nos termos do artigo 78º da LGT”, justamente porque não sendo possível realizar-se a correção simétrica sempre teria a AT de abster-se de realizar a mesma. Assim, face a todo o exposto, e sem necessidade de outras considerações a aludida correção padece, efetivamente, de ilegalidade pelo que a decisão recorrida que assim o ajuizou não merece qualquer censura, devendo, por isso e também neste segmento, ser confirmada. No concernente aos juros indemnizatórios, cumpre apenas relevar que não logra provimento o aduzido em Z) e AA), não se afigurando, neste particular, qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, na medida em que padecendo, como visto, as aludidas correções de vícios de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, verifica-se, efetivamente, erro imputável aos serviços, subsumindo-se, assim, a realidade fática no normativo 43.º da LGT. E por assim ser, mantem-se o decidido pelo Tribunal a quo, no sentido de que “a reconstituição da situação hipotética atual passa, no caso, pela restituição à impugnante da quantia paga em excesso a título de IRC (considerando que procedeu ao pagamento integral dos valores liquidados adicionalmente no âmbito dos processos de execução fiscal instaurados para o efeito), restituição essa que deve, tal como peticionado, ser acompanhada de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento – 26.04.2010 [cf. al. T) dos factos provados] – até à emissão da respetiva nota de crédito, à taxa legal, nos termos do art.º 43.º, n.º 4 da LGT.” *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e confirmar a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Registe. Notifique. Lisboa, 26 de maio de 2022 (Patrícia Manuel Pires) (Cristina Flora) (Luísa Soares)
(2)In Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 2951/09, datado de 07.05.2020. (3)in Apontamentos ao IRC, Almedina 2007, pág. 80. (4) TOMÁS TAVARES, «Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos», C.T.F. n.º 396, página 135 (5)Neste sentido, vide, designadamente, os Acórdão do STA, proferidos nos processos 0627/16, 1236/05, datados de 28.06.2017 e de 29.03.2006, respetivamente. (6) In Acórdão do STA, proferido no processo nº 0627/16, de 28.06.2017. (7) Neste particular, vide Aresto do STA, proferido em Plenário, no âmbito do processo nº 01402/17, de 27.06.2018, e demais jurisprudência nele citada. (8) Vide, designadamente, o Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0291/08, de 25.06.2008. (9) Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 64 |