Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:24839/25.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/11/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REJEIÇÃO LIMINAR
DESPEJO
Sumário:I - Quando o recorrente não imputa qualquer nulidade à sentença ou concretiza qualquer erro desta, invocando razões de facto e de direito aptas a pôr em causa o julgamento efetuado pelo Tribunal recorrido, nessa parte a sentença transita em julgado e o recurso carece de objeto, o que determina que não se conheça do mesmo (Ac. deste TCA Sul de 15.5.2025, proferido no processo 319/23.2BESNT);
II - No âmbito de uma providência cautelar, à luz do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, são questões a decidir o preenchimento dos pressupostos de adoção das medidas cautelares, correspondentes ao fumus boni iuris, ao periculum in mora e à ponderação de interesses;
III - Não se realizam diligências probatórias quando o juiz considera existir fundamento para rejeição liminar;
IV - O disposto no n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, e artigo 13.º, n.º 4 da Lei de Bases da Habitação, não confere ao ocupante sem título de habitação social o direito a exigir a disponibilidade de uma habitação;
V - O artigo 65.º da CRP “não é directamente aplicável ou exequível; ou seja, é necessária uma actuação do legislador para concretizar tal direito, pelo que o seu cumprimento só pode ser exigido nas condições e nos termos definidos na lei” (Ac. do STA, de 13.04.2023, proferido no processo sob o n.º 47/22.6BELLE).
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

I… (Requerente/Recorrente ou A.) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente providência cautelar, contra a Câmara Municipal de Lisboa (doravante R./Entidade Requerida/Recorrido/ER ou ML) e a Gebalis – Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa, E.M., S.A. (doravante R./Entidade Requerida/Recorrida/ER ou Gebalis), peticionando que a providência seja “admitida com decretamento provisório, com base no carácter de urgência e sem audição prévia da entidade Requerida com atribuição de efeito imediato ao pedido de suspensão da eficácia do despacho a ser junto pelas Requeridas que impos o despejo deste agregado a qualquer momento e que apenas foi notificado verbalmente no início de Abril de 2025 numa visita de 2 agentes da PSPS, 4 polícias municipais, 2 funcionários da Gebalis, por indicação das Requeridas; nos termos do disposto nos artigos 128º e 131º do CPTA, julgada procedente por provada e por via dela ser notificada a Câmara Municipal de Lisboa e a Gebalis para se absterem, sob pena de incorrer no crime de desobediência, de por qualquer forma criar obstáculos, impedir o normal uso do locado da Requerente, o companheiro e os dois filhos com 6 e 4 anos tal como Doc. 1 já junto da casa sita na Rua A… n.º …, 1…-3… Lisboa para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva), condenando-se as Requeridas em custas e condigna Procuradoria”.

Por sentença proferida em 8.5.2025, o referido Tribunal rejeitou liminarmente a providência cautelar por entender ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada e manifesta a ausência dos pressupostos processuais da ação principal.

Inconformada, a A./Requerente/Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:


“1ª
A Recorrente, mãe solteira e grávida de 30 semanas, tal como Doc que se junta, e os dois filhos com 6 e 4 anos de idade como Doc. 1 que se juntam, habitam na sua atual habitação desde o início de 2019, tal como comprovativos que se juntam como Doc. 2, por terem sido obrigados pelos antigos sogros a abandonar a habitação, tinham como A Requerente, mãe solteira e os dois filhos com 6 e 4 anos de idade, deparou-se com este imóvel devoluto há mais de 10 anos, e com a porta aberta e encontrou assim uma solução para salvaguardar a vida da sua família!
2.ª
Este agregado familiar com efetiva carências financeiras, sociais e habitacionais deu logo conhecimento, no dia que foi despejada e no dia que aqui entrou, da sua situação às Recorridas. Mais o filho mais novo padece de diversas doenças físicas tal como Doc. 3 que se junta.
Para evitar que a Recorrente, mãe solteira e grávida, e os dois filhos com 6 e 4 anos de idade durmam ao relento estes continuam aqui a residir na esperança que possa pagar uma renda, estando disposta a liquidar todas as rendas em atraso desde a data que aqui iniciaram a residir!
4.ª
A Recorrente tem visto com grande medo as vagas de despejo que têm vindo a decorrer no seu bairro e no bairro de familiares e procura assim pagar uma renda e garantir que não venha dormir ao relento tal como muitos outros casos. Para mais, a Recorrente indagou as Recorridas sobre o destino das suas candidaturas ao longo dos últimos anos tendo esta respondido que tinha azar que não foi atribuída qualquer habitação apesar de vários vizinhos da Recorrente que estão mesma situação foram realojados e para mais encontraram-se milhares de fogos devolutos! Como era o caso da atual habitação que se encontrava devoluta!
5.ª
De fato as Recorridas não deram cumprimento, com base nas deliberações 855/A/CM/2022 e 855/CM/2022, deveriam as Recorridas ter regularizado a situação habitacional deste agregado com efetiva carência habitacional e financeira premente. O que nunca fizeram nem nunca notificaram!
6.ª
No início de Abril de 2025, sem que nada o fizesse prever, pois aguardava uma nova reunião para regularizar a situação, a Recorrente foi informada que, 2 Agentes da PSP, 4 Policias Municipais, 2 funcionários da GEBALIS, por ordens das Recorridas, sem qualquer notificação, ordem judicial ou o mínimo suporte em papel ameaçaram a Recorrente que iria passar a dormir ao Relento a qualquer momento com os filhos menores! De forma meramente verbal e sem ter sido entregue qualquer suporte em papel com a motivação da mesma decisão, sendo o despejo iminente, o ato a suspender que se Requer desde já que seja junto pelas Recorridas, pois, nesta data, nada foi entregue nada à Recorrente; Para mais não foi indicada nem efetivamente encaminhada qualquer alternativa habitacional para este agregado com efetiva carência habitacional, social e financeira pelo que as Recorridas são legalmente obrigados.
7.ª
A decisão de despejo da Recorrente grávida e com filhos menores, não foi precedida de qualquer Audiência prévia para que esta possa apresentar a sua versão dos factos!
8.ª
A decisão de despejo não foi notificada em suporte duradouro, ie papel, apenas tendo sido notificada verbalmente, tendo a Recorrente impossibilitada de entender as razões de facto e direito para a mesma, grávida, passe a dormir ao relento. Pois que esta ato administrativo carece de absoluta fundamentação!
9.ª
De fato a ordem de despejo da Recorridas, coloca a Recorrente numa verdadeira situação de carência habitacional pois que a Recorrida, com o ato suspendendo, encontram-se a violar o disposto no 28°, n.° 6 da Lei 81/2014, na redação da Lei 32/2016, 13.°da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de bases da habitação), e artigos 3.° e 4.°do Decreto- Lei n.° 89/2021, de 3/11), pois que, perante o despejo não foi existiu um reencaminhamento efetivo do Recorrente para uma outra alternativa habitacional.
10.ª
Para mais, a Recorrente para chegar a esta conclusão o tribunal de 1.ª instância decidiu, sem produzir a prova testemunhal arrolada, bem como das declarações de parte que iram ser requeridas pela Recorrida e explicariam toda esta situação. Baseando-se assim em premissas erradas para chegarem a esta conclusão!
11.ª
Não estamos perante uma ocupação nem uma situação abusiva e muito menos ilegal pois que apenas pretende que as entidades requeridas cumpram as exigências impostas pela lei aquando do despejo, o que pretendia fazer valer na presente ação.
12.ª
Continua a Recorrente aguardar que lhe seja satisfeito o pedido de inclusão no agregado familiar independentemente de ter pago as rendas ao longo das últimas décadas!
13.ª
Ainda hoje não compreende a razão da discriminação da Recorrida a qual só pode basear-se na falta de rendimento quando se encontra desempregada. De facto, a habitação social é para entregar e maioritariamente para manter em quem dela careça.
14.ª
Se passarem a residir ao relento os perigos e riscos agravam-se todos os dias!
15.ª
Desde há vários anos atras que o Recorrente tem feito tudo para que junto da Recorrida lhe fosse regularizada e em momento algum foi notificada para que preste as informações necessárias á regularização com base nas deliberações 855/A/CM/2022 e 855/CM/2022.
16.ª
Temendo pela dignidade e integridade da sua família, temem pelo eminente despejo tal como outros exemplos da sua família e amigos que foram despejados, foi o seu agregado familiar a terem de pernoitar ao relento, sem proceder aos tramites impostos por lei do reencaminhamento para outras entidades competentes.
17.ª
A Recorrente nada aufere, não tendo qualquer atividade remunerada, não tendo possibilidades económicas que lhes permitam arrendar uma casa.
18.ª
Se a Recorrida não se dignar incluir a Recorrente nesta ficha, a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afetada.
19.ª
Nos termos do disposto no art° 65°n° 1 da CRP todos têm direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
20.ª
Se a Recorrida não se dignar fixar o valor da renda ao Recorrente, dentro dos parâmetros legais a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afetada, nomeadamente a vida e o bem-estar dos filhos do Recorrente!
21.ª
O Tribunal não se pronunciou quanto à ilegalidade do despejo pois que baseou-se em fatos distintas da realidade, pois que de fato o Recorrente não ter qualquer alternativa habitacional e ter dois filhos bebés, devendo este ter-se pronunciado sobre a mesma!
22ª
Tal disposição tem como sujeito passivo o Estado e naturalmente que incumbindo-lhe competências quer para gerir um parque habitacional perfeitamente delimitado. Logo, a notificação da Recorrida no que respeita à omissão culposa da regularização da situação não só era oportuna como perfeitamente ilegal ao abrigo da CRP.
23.ª
Foi indevidamente julgado no Tribunal de 1.ª instância que que não se encontra verificado o requisito do fumus boni iuris, conforme estabelecido no artigo 120.°, n.° 1 do CPTA.
24.ª
O Recorrente sustenta que, ao não indicar qualquer alternativa habitacional, o Recorrido se encontra a violar o disposto no artigo 28.°, n.° 6, da Lei n.° 81/2014, de 19.12, bem como o artigo 13.°, n.° 4 da Lei de Bases de Habitação.
25.ª
De acordo com a primeira daquelas disposições, aplicável ex vi artigo supracitado artigo 35.°, n.° 4, da mesma Lei n.° 81/2014, “Os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”.
26.ª
Já o segundo comando legal elencado, por sua vez, preceitua que “O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento, nos termos definidos na lei, sem prejuízo do número seguinte ”, sendo que “Em caso de ocupação ilegal de habitações públicas, o despejo obedece a regras procedimentais estabelecidas por lei”.
27.ª
Isto visto, quanto a esta matéria, o acórdão do TCA Sul de 20-10-2022, proc. 1012/22.9BELSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt, procedeu à análise do bloco normativo aplicável (em situação com identidade factual à dos presentes autos), com grande profundidade e amplitude, pelo que se segue de perto o aresto aludido (no tocante à análise normativa).
28.ª
Ora, a Recorrente enquadra-se nesta concreta classificação, na medida em que mesma não detém qualquer outra habitação, a que título for (proprietária, arrendatária, comodatária ou outro), ou seja, não tem alternativa habitacional e, além disso, está em claro risco de doença, por força de decisão que determinou a desocupação do imóvel.
29ª
Assim, a Recorrida não poderia ordenar a desocupação sem mais, pois teria de encaminhar, previamente, o Recorrente (rectius, o seu agregado familiar) para uma solução habitacional, ainda que transitória, não sendo admissível a ordem de desocupação tout court.
30.ª
A Recorrente tem o direito a ser encaminhado para (outra) solução habitacional, sendo incumbência do Recorrido salvaguardar que a Recorrente e o seu agregado são acomodados em habitação condigna (ainda que temporariamente, reiterasse), e isso não foi feito pela Recorrida, uma vez que o ato que ordena a desocupação não alude, em qualquer segmento, a eventual encaminhamento do Recorrente para uma solução habitacional.
31.ª
Nos termos do artigo 28. ° da Lei n.° 6 da Lei 81/2014, “os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais ”. Igualmente, nos termos do disposto no artigo 13.°da Lei 83/2019 (Lei de Bases da Habitação), se constata que as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento.
32.ª
Até porque, relativamente ao despejo de agregados com carência habitacional, dispõe o n.° 4 do artigo 4.° do DL n.° 89/2021, de 3/11, que o município deve encaminhar ou assegurar a implementação de uma solução de alojamento temporário destas famílias, em articulação com o Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I. P.), e o IHRU, I. P., no âmbito das respetivas competências, o que, como vimos, não foi feito no caso dos autos.
33.ª
Assim sendo, o vício de violação de lei imputado ao ato que levou ao despejo do Recorrente e do seu agregado, num juízo perfunctório, afigura-se que procede em sede de ação principal por vício de violação de lei (violação do disposto nos artigos 28°, n.° 6 na redação da Lei 32/2016, 13.° da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de bases da habitação), e artigos 3.° e 4.° do Decreto-Lei n.° 89/2021, de 3/11).
34ª
Assim, numa análise perfunctória, própria do processo cautelar, pode concluir-se que esta causa de invalidade imputada ao ato será, muito provavelmente, julgada procedente, o que só por si determinará a anulação do ato impugnado podendo, pois, afirmar-se, sem necessidade de mais indagações e de análise das outras causas de invalidade suscitadas contra o ato, que é muito provável que a ação principal venha a ser julgada procedente.
35.ª
Mostra-se, assim, preenchido o requisito do fumus boni iuris necessário ao decretamento de uma providência cautelar - é provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.
36ª
Ora, interpretando a causa de pedir que sustenta o pedido, verifica-se que o pedido em causa se reporta ao decretamento provisório da providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão de desocupação do imóvel retro aludido.
37ª
A tutela provisória prevista no art. 131° do CPTA destina-se a assegurar o efeito útil do processo cautelar e a evitar que, perante a verificação de uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado durante a pendência do processo cautelar, este se mostre infrutífero e incapaz de assegurar a tutela que lhe é própria, qual seja a de evitar a infrutuosidade do processo principal do qual depende.
38a
O decretamento provisório da providência, nos termos do art. 131° do CPTA, pressupõe que se mostre verificado, através da alegação feita no requerimento inicial, um periculum in mora qualificado, que deve revestir características de irreparabilidade absoluta, de forma a justificar esta tutela provisória. Como é do agravamento, todos os dias do estado de saúde dos seus filhos mais o risco de lhe serem retirados os menores pela CPCJ.
39.ª
Neste caso, estando em causa a alegada desocupação do imóvel onde o Recorrente reside e a inexistência de alternativa habitacional, por falta de meios económicos, ao que acresce a alegada debilidade de alguns dos membros do agregado familiar visado, é manifesto que se mostra preenchida a previsão do art. 131°/1 do CPTA, pois que a execução da ordem de despejo, ao determinar que o Recorrente e o seu agregado fiquem desalojados, é passível de gerar prejuízos irreparáveis para os mesmos, ainda que venha a proceder o pedido cautelar, ainda mais, sendo concedido prazo exíguo para o efeito que inviabiliza qualquer solução de procura de alternativa habitacional.
40ª
É quanto basta para que se determine o decretamento provisório da providência cautelar requerida.
41ª
O Recorrente nada aufere, não tendo qualquer atividade remunerada, não tendo possibilidades económicas que lhes permitam arrendar uma casa.

Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a douta sentença recorrida que em nada julga e conhece das concretas questões colocadas, pois que as frequentes situações de falta de habitação têm sempre na origem falta de recursos situação reconhecida pelas recorridas no preambulo das deliberações 855/A/CM/2022 e 855/CM/2022; incompreensão dos jovens sobre os critérios de atribuição tudo perante a passividade do Município de Lisboa e GEBALIS que não consegue atribuir uma habitação condigna a quem dela carece e insiste em fazer tábua rasa da previsão legal na fundamentação da decisão, realização de audiência prévia, averiguação das condições socio económicas do agregado familiar e encaminhamento prévio do agregado para soluções alternativas habitacionais. Condenando-se a Recorrida em custas e condigna Procuradoria.
Como É de JUSTIÇA!”

O Tribunal a quo admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificados os Recorridos para os termos da causa e do recurso, apenas a Gebalis apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos,
“1. A Recorrente nas suas conclusões não impugna a douta sentença já que, não lhe imputa nulidades ou erro de julgamento.
2. Há, pois, uma falta de objecto e, uma manifesta desnecessidade e impossibilidade de julgar o presente Recurso, por falta de matéria para decidir, sendo o mesmo inútil.
3. A Recorrente muito embora tenha escrito a expressão "conclusões", tal não confere a esse exercício o carácter de conclusões.
4. Com efeito, a Recorrente após esta expressão/terminologia, continua a repetir o já alegado. 
5. Como refere o Acórdão do STJ atrás citado "não se pode estabelecer uma fronteira que marca a elaboração de verdadeiras conclusões
6. Há falta absoluta de conclusões, pelo que, não havendo lugar ao aperfeiçoamento, deve o Recurso ser rejeitado.
7. A Entidade Recorrida adere à argumentação da sentença de indeferimento pois, face à ocupação ilegal do fogo municipal, é evidente a improcedência da pretensão da Recorrente.
8. Nem o artigo 65° da CRP, nem o artigo 28° n°: 6 da Lei n°: 81/2014, versão actualizada, confere à Recorrente o direito de exigir a atribuição do fogo ocupado.
9. É manifesto que, na esfera jurídica da Recorrente não existe direito à atribuição de uma habitação social.
10. Sendo assim, é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada, daí a rejeição liminar do requerimento cauteiar inicial.
Termos em que, deverá o presente Recurso ser julgado improcedente e, em consequência manter-se a Sentença recorrida.”

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer, no qual pugnou pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
À luz do exposto, em face das conclusões do recurso e considerando o disposto no art.º 5.º, n.º 3 do CPC, cumpre a este Tribunal apreciar se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, erro de julgamento de facto (por défice instrutório) e erro de julgamento de direito.
Como questão prévia haverá que apreciar se o recurso deve ser rejeitado por incumprimento do ónus de formular conclusões e falta de objeto do recurso.

3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida não foram fixados factos.

3.2. Constatando-se a insuficiência do probatório para se conhecer do objeto do recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 662 do CPC ex vi art. 140.º, n.º 3 do CPTA, dá-se como indiciariamente provada a seguinte factualidade:

1. Em 29.3.2019 a Requerente foi notificada pessoalmente, pela Polícia Municipal de Lisboa, para desocupar imediatamente o fogo municipal sito na Rua A…, n.º …, Lisboa. – doc. 2 junto ao requerimento inicial.
2. A Requerente não instaurou, até à presente data, a ação visando a impugnação do ato de despejo. – por consulta ao SITAF.

4. Fundamentação de direito

4.1. Da junção de documentos com as alegações de recurso

A Recorrente juntou às suas alegações um documento.
Como resulta do n.º 1 do artigo 651.º do CPC “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.” 
Prevendo-se no art.º 425.º do CPC que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”. 
A respeito destes normativos sumariou-se no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.11.2014, proc. 628/13.9TBGRD.C1 que, 
«I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II – Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
III – Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
IV – Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
V – Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.
VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.»”
Resulta do exposto que a junção de documento em sede de recurso só pode admitir-se a título excecional, quando a sua apresentação não tiver sido possível até àquele momento (cfr. artigo 425.º do CPC) ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, devendo aquele que pretende a junção, para o efeito, alegar e provar a verificação das referidas condições.
Ora, lidas as alegações de recurso verifica-se que a Recorrente se limita a juntar o documento, sem, em momento algum, justificar porque a sua apresentação não foi possível em momento anterior ou porque se tornou necessária. Daí que não se admite a referida junção.

4.2. Do incumprimento dos ónus de formular conclusões e da falta de objeto do recurso

A Recorrida defende que nas conclusões de recurso a Recorrente se limita a suscitar os mesmos factos e questões de direito, não imputando à sentença qualquer vício ou erro de julgamento daí resultando a falta de objeto e impossibilidade/inutilidade de julgar o recurso. Aduz que as conclusões se limitam a repetir a motivação, o que se traduz na falta de conclusões, devendo haver lugar à rejeição do recurso nos termos do artigo 145.º, n.º 2 al. b) do CPTA.
Devendo o requerimento de recurso conter a alegação do recorrente, enunciando os vícios imputados à decisão e formulando conclusões, onde deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade (artigos 144.º, n.º 2 do CPTA e 637.º, n.º 2 do CPC ex vi art.º 140.º, n.º 3 do CPTA), exige-se que o recorrente cumpra os ónus estruturais de alegação e de formulação de conclusões (artigos 144.º, n.º 2 do CPTA, 637.º, n.º 2 e 639.º do CPC ex vi art.º 140.º, n.º 3 do CPTA).
Sabido que a “[a] motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objeto procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões”, “[q]uanto ao conteúdo mínimo que deve ser respeitado, a lei apenas contém solução expressa quanto ao segmento das conclusões” (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, 7.ª edição, Almedina, p. 182). “Em qualquer caso, cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objeto do recurso” (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, 7.ª edição, Almedina, p. 182).
Refira-se, como dá nota Rui Pinto (Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL Editora, Lisboa 2020, p. 293), que “[d]entro das alegações, há uma função lógica que apenas cabe às conclusões: individualizar o objeto do recurso, ao indicar o(s) fundamento(s) específico(s) da recorribilidade (cf. artigo 637º nº 2) e, sendo o caso, o segmento decisório concretamente impugnado (cf. artigo 635º nº 4)”.
Prevendo-se que, quando o recurso verse sobre matéria de direito, as conclusões devem sintetizar (n.º 2 do artigo 639.º do CPC), além da arguição de nulidades da sentença (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, 7.ª edição, Almedina, p. 183),
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
Importa, contudo, notar que apenas uma falta absoluta de alegações – “consiste na ausência efetiva de afirmações com uma funcionalidade demonstrativa” (Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL Editora, Lisboa 2020, p. 294) – ou de conclusões – “consiste na ausência de afirmações consequentes daquelas mesmas” (Rui Pinto, ob. cit., p. 294) -, pode ser cominada com a rejeição do recurso.
“Já qualquer outro vício menor das alegações ou conclusões – deficientes, obscuras ou complexas – configura uma falta relativa devendo o relator convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las por força do disposto no artigo 639º nº 3” (Rui Pinto, ob. cit., p. 295). “As conclusões são deficientes designadamente quando não retratem todas as questões sugeridas pela motivação (insuficiência), quando revelem incompatibilidade com o teor da motivação (contradição), quando nesta não encontrem apoio, surgindo desgarradas (excessivas), quando não correspondam a proposições logicamente adequadas às premissas (incongruentes) ou quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas à matéria de facto e questões de direito (confusas)” (António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 184).
Prevendo-se o despacho de convite ao aperfeiçoamento quanto às alegações, mais concretamente no que respeita às conclusões, a sua prolação “fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorreções, em conjugação com a efectiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais” (António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 188).
Acrescente-se que “os recursos não podem assentar numa alegação genérica de reapreciação da situação jurídica controvertida, antes servindo para corrigir erros que devem ser concretizados pelo recorrente, a quem cabe invocar razões de facto e de direito aptas a pôr em causa o julgamento efectuado pelo Tribunal recorrido” (Ac. deste TCA Sul de 15.5.2025, proferido no processo 319/23.2BESNT, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/a6bff07e6f06eedd80258c9000574310?OpenDocument). Com efeito, é porque «os recursos servem para colmatar eventuais erros que o recorrente tem o ónus de concretizar e que constituirão “o fundamento específico da recorribilidade” e, ainda, indicar os fundamentos “por que pede a alteração ou anulação da decisão”» (Ac. do STJ de 13.9.2022, proc. 773/19.7T8CBR.C1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cd34b978ce15443e802588bc00501a65?OpenDocument). Daí que cumpra ao recorrente, por reporte ao que alegou, indicar nas conclusões, de forma sintética, os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão (art.º 639.º, nº 1, do CPC), podendo o recorrente, também nelas, restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso (art.º 635.º, n.º 4, do CPC).
Quando o recorrente não imputa qualquer nulidade à sentença ou concretiza qualquer erro desta, invocando razões de facto e de direito aptas a pôr em causa o julgamento efetuado pelo Tribunal recorrido, nessa parte a sentença transita em julgado e o recurso carece de objeto, o que determina que não se conheça do mesmo (Ac. deste TCA Sul de 15.5.2025, proferido no processo 319/23.2BESNT, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/a6bff07e6f06eedd80258c9000574310?OpenDocument, citando o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.05.2013, proferido no processo n.º 0508/13, e de 01.10.2014, proferido no processo n.º 0838/14, in www.dgsi.pt).
Isto posto, pese embora se evidencie uma articulação fáctica e jurídica confusa e, bem assim, desfasamento face à concreta decisão recorrida e aos fundamentos da mesma – fruto de um exercício de “copy paste” de outras alegações de recurso já apresentadas perante este Tribunal - o certo é que não se pode afirmar que as conclusões de recurso se resumam a uma reprodução ou repetição das alegações, antes envolvendo a síntese do que foi alegado.
De facto, nas alegações de recurso, de forma mais desenvolvida a Recorrente esclarece os motivos pelos quais entende estarem preenchido os pressupostos para a adoção da medida cautelar, designadamente por referência aos vícios que entende consubstanciar o fumus boni iuris, aí, além do mais, apontando à sentença, na dimensão fáctica e jurídica, erro quanto ao juízo que fez de improcedência. E, nas conclusões, de forma mais concisa, mas em termos que se revelam suficientes, enuncia as razões pelas quais, tal como advinha das suas alegações, discorda de juízos que terão sido realizadas pelo Tribunal a quo.
Embora se admitam desordenadas e, como se deu nota, revelando que a Recorrente não considera (pelo menos não integralmente) os concretos fundamentos veiculados na sentença para a decisão de rejeição liminar que tomou, o certo é que a Recorrente formula conclusões e estas revelam-se suficientes, em moldes que afastam a rejeição do recurso.
Acrescente-se que, embora em alguns pontos de forma incipiente, ao longo dessas conclusões deteta-se a imputação de erros de julgamento à sentença recorrida, seja no que respeita à matéria de facto – vg. as conclusões 10.ª e 13.ª a 14.ª -, seja quanto à fundamentação de direito – vg. conclusões 21.ª, 23.ª, 33.ª. O que, por si só, é suficiente para que se verifique que o recurso contém objeto, havendo que apreciar as questões suscitadas pela Recorrente e que no ponto 2 deste Acórdão se delimitaram.
Daí que não se acompanhe o alegado pela Recorrida quanto à falta de conclusões e à falta de objeto do recurso.

4.3. Da nulidade da sentença

A Recorrente sustenta que o Tribunal não se pronunciou sobre a ilegalidade do despejo, decorrente de não dispor de alternativa habitacional e ter dois filhos bebés. Não obstante a falta de enquadramento jurídico, está em causa a imputação à sentença de nulidade por omissão de pronúncia.
As nulidades da sentença são vícios da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença e encontram-se previstas no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, no qual se prescreve que é nula a sentença se, além do mais, o juiz conhecer questões que não devia ou deixe de conhecer questões que tinha de conhecer [al. d)].
A nulidade da sentença a que se refere a al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC verifica-se quando ocorre o incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito nos artigos 95.º, n.º 1 e 3 do CPTA e 608, n.º 2 do CPC, e que se traduz em decidir todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como é jurisprudência pacífica, a causa de pedir, ou melhor, as questões a decidir, não se confundem com as razões ou argumentos de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. Pelo que apenas integra a nulidade prevista no citado normativo, a omissão de conhecimento das “questões”, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
No âmbito de uma providência cautelar, à luz do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, são questões a decidir, porque integrantes da causa de pedir, o preenchimento dos pressupostos de adoção das medidas cautelares, correspondentes ao fumus boni iuris, ao periculum in mora e à ponderação de interesses.
Assim, “contrariamente ao que sucede na ação principal, as causas de pedir, no processo cautelar de suspensão da eficácia de um ato administrativo, definem-se por referência aos requisitos estabelecidos no artigo 120.º do CPTA para a concessão da providência requerida, pelo que o juiz da causa não tem uma obrigação de conhecimento especificado de todos os fundamentos que conduzem à verificação daqueles vícios, tanto mais que a sua apreciação em sede cautelar é apenas perfunctória”, assim “[n]o processo cautelar de suspensão da eficácia de um ato administrativo, as causas de pedir definem-se por referência aos requisitos estabelecidos no artigo 120.º do CPTA para a concessão da providência requerida, pelo que, na apreciação do fumus boni iuris, o juiz da causa não incorre em nulidade – mas apenas em eventual erro de direito – se não conhecer especificadamente de todos os vícios imputados ao ato”. (Ac. do Pleno da Seção de Contencioso Administrativo do STA, de 19.1.2023, proferido no processo 060/22.3BALSB, consultável em https://www.dgsi.pt/JSTA.NSF/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/28bc5a9419426fef80258948003d7539?OpenDocument&ExpandSection=1).
Acrescente-se que, em sede liminar, constituem fundamentos de rejeição liminar do requerimento cautelar (artigo 116.º, n.º 2 do CPTA),
“a) A falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito;
b) A manifesta ilegitimidade do requerente;
c) A manifesta ilegitimidade da entidade requerida;
d) A manifesta falta de fundamento da pretensão formulada;
e) A manifesta desnecessidade da tutela cautelar;
f) A manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal.”
No requerimento cautelar a Requerente, com vista a fundar o preenchimento do requisito do fumus boni iuris, sustentou, em suma, que o ato é ilegal porquanto ao abrigo do disposto no artigo 65.º, n.º 1 da CRP tem direito a uma habitação, a Requerida não detém competência para proceder ao despejo por tal caber aos tribunais administrativos, incumprimento da obrigação de encaminhamento para alternativa habitacional, falta de fundamentação, preterição de audiência prévia. E mais alegou encontrarem-se verificados os pressupostos do periculum in mora e da ponderação de interesses.
E, na sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou ser manifesta a ausência dos pressupostos processuais da ação principal e a falta de fundamento da pretensão por entender que, por um lado, sendo a ação principal de natureza impugnatória a mesma deveria ter sido instaurada no prazo previsto no artigo 58.º, n.º 1 al. b) do CPTA, o que não sucedeu, e, por outro, quanto ao pedido de reconhecimento de direito, não se verificar o fumus boni iuris uma vez que não pode obter através de uma ação de reconhecimento do direito o efeito que pretende porquanto o artigo 65.º da CRP não lhe confere o direito de exigir que a entidade demandada lhe atribua a casa que ocupou ou outra e que tal direito também “não se pode filiar diretamente no artigo 28.º, n.º 6, do NRAAPH, uma vez que lida em conjugação com o artigo 14.º do mesmo diploma, a norma remete para decisões da requerida que comportam espaços de valoração próprios”.
Ou seja, o Tribunal expressamente pronunciou-se sobre o que consubstanciavam as questões a decidir, concretamente apreciou a verificação de causas de rejeição liminar, aferindo do preenchimento dos pressupostos processuais relativos à ação principal e ao mérito desta no que respeita ao fumus boni iuris, não incorrendo a tal respeito em omissão de pronúncia.
E o certo é que apreciou a questão do (in)cumprimento da obrigação de encaminhamento fundada no artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 81/2014, o que sucede é que considerou que (ainda que tal sucedesse) de tal normativo não pode retirar a Recorrente o direito a permanecer no locado, em termos tais que a ação principal seria manifestamente improcedente.
Daí que não padece a sentença de nulidade por omissão de pronúncia.

4.4. Do défice instrutório

Sustenta a Recorrente que o Tribunal para alcançar a sua conclusão decidiu sem produzir a prova testemunhal arrolada bem como das declarações de parte que iram ser requeridas e que explicariam toda a situação, daí resultando ter decidido com base em premissas erradas.
Em primeiro lugar importa dar conta que a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, o qual, sob pena de rejeição total ou parcial do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, impõe ao Recorrente o ónus de especificar: 
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados (cfr. art. 640.º, n.º 1, al. a), do CPC); 
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cfr. art. 640.º, n.º 1, al. c), do CPC).
Em segundo lugar, dá-se nota que a omissão de diligências de prova por ser suscetível de afetar o julgamento da matéria de facto, acarreta a anulação da sentença por défice instrutório (entre outros os Acs. deste TCA Sul de 7.1.2021, proferido no processo 235/20.0BEBJA, de 6.1.2023, proferido no processo 80/16.7BELRA, de 4.4.2024, proferido no processo 548/18.7BESNT).
A respeito da produção de prova em sede cautelar artigo 118.º do CPTA no seu n.º 1 determina que, “[j]untas as oposições ou decorrido o respetivo prazo”, a produção de prova tem lugar quando o juiz a considere necessária, devendo ler-se este dispositivo em conjugação com os seus n.ºs 3 e 5.
Assim, cumprindo ao julgador, no âmbito das providências cautelares, ponderar se a produção de prova é ou não necessária para o apuramento da matéria de facto pertinente, há que ter em conta que, por um lado, a prova é sumária [art.º 114.º, n.º 2 al. g) do CPTA], feita com base perfunctória e indiciária, e, por outro, que incidindo a prova sobre factos concretos, ela excluirá conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.
Evidencia-se, desde logo, o incumprimento pela Recorrente dos ónus impugnatórios que sobre si recaem nos termos do artigo 640.º, n.º 1 do CPC, omitindo a indicação da factualidade que, tendo sido por si alegada, carecia de prova e a decisão que sobre a mesma deveria ser proferida, o que, per si, é determinante da rejeição da impugnação da matéria de facto.
Essa asserção é tão ademais evidente que, lidas as alegações e conclusões, se verifica que a Recorrente nem sequer concretiza qual foi a conclusão a que o Tribunal chegou, que não poderia ter alcançado sem realizar a prova requerida pela Recorrente, nunca revelando quais os factos que alegou e sobre os quais se mostrava necessária a produção de prova.
Sem prejuízo, cumpre importa esclarecer que a decisão recorrida é de indeferimento liminar da providência cautelar, o que significa que, tendo o Tribunal a quo considerado ser manifesta in casu a falta de fundamento da pretensão formulada e a ausência dos pressupostos processuais da ação principal, o processo cautelar findou na sua fase liminar. Ou seja, não houve lugar à citação da requerida – por esta só ocorrer quando, “[n]ão havendo fundamento para rejeição”, o requerimento seja admitido (artigo 117.º, n.º 1 do CPTA) – e, consequentemente, à dedução de oposição ou termo do respetivo prazo.
Ora, só há lugar à produção de prova “[j]untas as oposições ou decorrido o respetivo prazo” (artigo 118.º, n.º 1 do CPTA), o que depende, pois, da admissão liminar do requerimento de adoção de medidas cautelares. Daí que não se realizam diligências probatórias quando o juiz considera existir fundamento para rejeição liminar, exatamente por esta pressupor assumir-se à evidência que o processo que não reúne as condições mínimas de viabilidade.
Daí que a circunstância de não terem sido realizadas as diligências de prova requeridas pela Recorrente não fulmina a decisão de erro de julgamento de facto, designadamente na sua dimensão de défice instrutório. Pois que não há lugar à produção de prova em fase liminar.
O que poderia(á) suceder é que, padecendo a decisão recorrida de erro de julgamento de direito, por não se mostrarem verificados os fundamentos para a rejeição liminar, devendo antes ser liminarmente admitida, após a junção da oposição pela entidade requerida (ou decorrido o respetivo prazo) se viesse/venha a entender ser necessário produzir prova nos termos do referido artigo 118.º do CPTA. Contudo, tal necessidade apenas poderia(á), disso sendo caso, vir a ser aferida no momento próprio e na dependência da decisão quanto ao erro de julgamento de direito apontado à decisão de rejeição liminar.
Em face do exposto, não padece a sentença do erro de julgamento de facto, ou défice instrutório, que lhe é apontado.


4.5. Do erro de julgamento de direito quanto à decisão de rejeição liminar

A Recorrente insurge-se quanto à sentença sustentando, em suma, que numa análise perfunctória se apresenta provável a procedência da ação porquanto a Recorrida violou o artigo 28.º, n.º 6, da Lei n.º 81/2014, de 19.12, bem como o artigo 13.º, n.º 4 da Lei de Bases de Habitação, ao não ter cumprido com o prévio encaminhamento para soluções legais de acesso à habitação ou prestação de apoios habitacionais, quando o agregado familiar apresenta efetivas carências financeiras, sociais e habitacionais. Aduz que a decisão de despejo não foi precedida de audiência prévia, padecendo de falta de fundamentação. Advoga encontrar-se a aguardar o pedido de inclusão no agregado familiar e que tem feito tudo junto da Recorrida para que lhe fosse regularizada a situação. Reclama que, nos termos do artigo 65.º, n.º 1 da CRP, tem direito a exigir do Estado uma habitação. Advoga, ainda, mostrar-se preenchida a previsão do artigo 131.º n.º 1 do CPTA para que se determine o decretamento provisório da providência cautelar.
Em primeiro lugar, no que respeita à alegação da Recorrente, em sede de conclusões de recurso, de que estaria a aguardar que seja satisfeito o pedido de inclusão no agregado familiar, crê-se que para o efeito de beneficiar do direito a novo arrendamento nos termos do artigo 14.º do Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Município de Lisboa, verifica-se que a mesma não foi suscitada no âmbito do requerimento cautelar e, como tal, não foi tratada na decisão recorrida. Não se tratando de matéria de conhecimento oficioso, surgindo, por isso, como questão nova, não cabe a este Tribunal proceder à sua apreciação pois que o recurso se destina a impugnar as decisões da sentença (Ac. do STA de 12.11.2019, proferido no processo 17085/15.8T8 LSB.L1.S2, disponível em https://www.dgsi.pt/JSTJ.NSF/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f04eac5f3e44f320802584be003dfefe?OpenDocument).
Em segundo lugar, importa evidenciar que a decisão recorrida foi de rejeição liminar do requerimento cautelar ao abrigo do disposto nas alíneas d) e e) do artigo 116.º, n.º 2 do CPTA. Assim, porque no requerimento cautelar a Recorrente aduziu que a presente providência cautelar era instaurada previamente a ação onde peticionaria a anulação do ato determinante do despejo e “supletivamente, ser declarada a existência do direito da A. a celebrar um contrato de arrendamento de habitação social com as Rés, com recurso aos valores da renda que resultam da Lei, condenando-se consequentemente a Ré a abster-se de por qualquer forma o gozo do locado até que tenha lugar a efectiva celebração do contrato de arrendamento”, entendeu o Tribunal a quo que (i) quanto ao pedido anulatório a formular na ação principal, esta, não foi instaurada no prazo previsto no artigo 58.º, n.º 1 al. b) do CPTA e, como tal, se verifica a exceção de intempestividade o que configura manifesta a ausência dos pressupostos processuais da ação principal e (ii) quanto ao pedido supletivo, de reconhecimento do direito da Recorrente a celebrar contrato de arrendamento e condenação da Requerida a abster-se de perturbar o gozo do locado, é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada dado que a Recorrente não poderá obter através de uma ação de reconhecimento do direito o efeito que pretende aduzindo-se que o artigo 65.º da CRP não lhe confere o direito de exigir que a entidade demandada lhe atribua a casa que ocupou ou outra e que tal direito também “não se pode filiar diretamente no artigo 28.º, n.º 6, do NRAAPH, uma vez que lida em conjugação com o artigo 14.º do mesmo diploma, a norma remete para decisões da requerida que comportam espaços de valoração próprios”.
Ora, constata-se que quanto ao entendimento do Tribunal a quo de rejeição liminar por manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal concernente à verificação da exceção dilatória nominada de intempestividade da ação principal quanto ao pedido impugnatório formulado, a Recorrente nada diz. Isto é, limita-se a insistir na probabilidade de procedência da ação principal com fundamento na verificação dos vícios que imputou ao ato de despejo sem considerar que a causa de rejeição liminar foi, na realidade, a circunstância de se entender que, não tendo instaurado a ação principal na qual peticionasse a anulação do ato de despejo, esta era já intempestiva quanto ao pedido impugnatório formulado.
Não dissentindo de tal entendimento a Recorrente conformou-se com o mesmo, tendo, portanto, nessa parte a decisão recorrida transitado em julgado. Consequentemente, não cabe a este Tribunal ad quem, sob pena de excesso de pronúncia, apreciar questão – qual seja o erro de julgamento quanto à manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal no que respeita à sua (in)tempestividade – que, por não suscitada pela parte (in casu, não só nas conclusões, mas também nas alegações), se encontra fora do objeto do recurso.
Mas o mesmo não sucede quanto à decisão proferida pelo Tribunal a quo de julgar ser manifesta falta de fundamento da ação principal quanto pedido subsidiário, relativamente à qual, não obstante se revelar que se confunde a impropriedade do meio processual – quando na sentença se refere que a ação de reconhecimento de direito não é adequada a obter o efeito que a Recorrente pretende -, com a inexistência do direito na esfera da Recorrente por as normas por esta convocadas não lhe atribuírem um direito ao arrendamento –, apreciou a probabilidade de procedência da ação principal, isto é, o preenchimento do requisito do fumus boni iuris.
Juízo esse, de não verificação do fumus boni iuris, com o qual a Recorrente não se conforma.
Ora, no que respeita à invocada falta de audiência prévia ao ato de despejo ou de falta de fundamentação desse ato, estamos perante invalidades imputadas ao ato (administrativo) de despejo e que (apenas) contendem com a validade deste, de tal forma que, em face da intempestividade da ação no que respeita à pretensão impugnatória, tais vícios não seriam objeto de apreciação na ação principal. Não foram suscitadas para fundar o direito à celebração de um contrato de arrendamento entre a Recorrente e a Recorrida e, de resto, estando em causa a preterição de formalidades no âmbito do procedimento administrativo conducente à decisão de despejo, ainda que verificadas daí não adviria não emergiria na esfera da Recorrente o reclamado direito ao arrendamento do fogo municipal, mostrando-se inócuas à apreciação da pretensão supletiva formulada.
Quanto à alegada violação do disposto no artigo 28.º, n.º 6, da Lei n.º 81/2014, de 19.12, bem como o artigo 13.º, n.º 4 da Lei de Bases de Habitação, correspondente à obrigação de encaminhamento para soluções legais de acesso à habitação ou prestação de apoios habitacionais, importa considerar que se prevê no artigo 13.º, n.º 4 da Lei de Bases da Habitação (Lei n.º 83/2019, de 3 de setembro) que “o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento, nos termos definidos na lei, sem prejuízo do número seguinte”. Estabelecendo-se no n.º 5 que “[e]m caso de ocupação ilegal de habitações públicas, o despejo obedece a regras procedimentais estabelecidas por lei”.
E regendo o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, que regula o regime do arrendamento apoiado para habitação, o despejo, aí se estipula que “os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”. Resultando dos n.ºs 3 e 4 do artigo 35.º deste diploma que, no caso das ocupações sem título, em que não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, há lugar a despejo aplicando-se o disposto no n.º 6 daquele artigo 28.º.
Ora, quanto ao incumprimento da obrigação de reencaminhamento prevista no artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 81/2024, a jurisprudência é unânime na consideração de que
«[a] obrigação de «encaminhamento» é, pois, uma consequência, e não um pressuposto legal do despejo.
Acresce, aliás, que o cumprimento da obrigação legal em questão não é, sequer, uma consequência necessária e automática do despejo, dado que apenas beneficiam do «encaminhamento» previsto na lei «os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional», o que supõe uma avaliação casuística da sua necessidade, o que, no caso dos autos, não se encontra sequer demonstrada.
13. Sempre se dirá, a benefício da certeza do direito, que ainda que os Recorrido beneficiassem do «encaminhamento» previsto no número 6 do artigo 28.º, a efetivação do respetivo despejo não estaria legalmente dependente da existência de uma alternativa concreta para a resolução do seu problema habitacional.
Aquela disposição legal não lhes confere o direito a exigir a disponibilidade de uma habitação determinada, dado que a mesma apenas estabelece uma obrigação de meios, mas não de resultado.
É nesse sentido que se tem de interpretar a expressão «encaminhamento», que literalmente significa uma simples orientação, e não permite a leitura garantística que dela fez o tribunal a quo.
Tem, por isso, razão o Recorrente, que nessa matéria é acompanhado pelo Ministério Público, quando alega que o cumprimento daquela obrigação se consubstancia, essencialmente, através da prestação de informações sobre as «soluções legais de acesso à habitação» e os «apoios habitacionais» existentes, mas não da realização de diligências concretas para obtenção de uma nova habitação.» (Ac. do STA, de 02/05/2024, prolatado no processo sob o n.º 02681/17.7BEPRRT, consultável em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2bf8758333087f1080258b1c004a4bf9?OpenDocument).
Assim, além de “o incumprimento da obrigação de encaminhamento prevista no n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, não afecta[r] a legalidade do acto de despejo, na medida em que este acto é um pressuposto da obrigação de encaminhamento, sendo anterior à mesma” (Ac. deste TCA Sul de 15.5.2025, proferido no processo 2608/24.4BELSB), como entendeu o Tribunal a quo, o disposto naqueles n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, e artigo 13.º, n.º 4 da Lei de Bases da Habitação, não confere o direito a exigir a disponibilidade de uma habitação.
Com efeito, estes normativos não suportam o reclamado direito da Recorrente a celebrar com a Recorrida um contrato de arrendamento, nem tão pouco – realçando-se que é a própria Recorrente a admitir que ocupou o imóvel sem dispor de título legal para tal (artigos 1.º a 5.º do requerimento inicial), tratando-se, portanto, de uma ocupação sem título nos termos do artigo 35.º, n.º 1 da Lei n.º 81/2014 -, “se consente que da leitura de tal comando legal resulte uma qualquer propensão para deixar perpetuar ou dar cobertura, de modo ilimitado, a uma ocupação irregular de um fogo social” (Ac. deste TCA Sul de 14.11.2024, proferido no processo 2013724.8BELSB, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/fb6539569b8e7e9d80258bd6004e5029?OpenDocument).
Do mesmo modo anuímos ao juízo que o Tribunal a quo faz quanto à manifesta inexistência do direito ao arrendamento do fogo municipal fundado no direito à habitação previsto no artigo 65.º da CRP.
Com efeito, a tal respeito, a jurisprudência é (também) unânime na consideração que “o invocado direito à habitação com base no artigo 65.º da CRP não serve para fundamentar os pedidos cautelares, nem, de igual maneira, as pretensões materiais a expressar pelo ora Recorrente na acção principal, porquanto, o referido comando constitucional tem a natureza de norma programática, carecendo a sua execução da intermediação que é conferida pela lei ordinária (infraconstitucional), designadamente, no que toca à definição de critérios e regras de acesso à habitação pública em condições de igualdade e em concurso com outros cidadãos igualmente carecidos de um fogo social.” e que “do artigo 65.º da CRP não se extrai a interpretação que o mesmo consinta aos cidadãos carecidos de habitação a prática de actos de ocupação abusiva de casas municipais, ainda que momentaneamente devolutas, sem que exista para tal apropriação um qualquer título válido (um contrato ou um acto administrativo autorizador ou atributivo da habitação), mesmo que a tal panorama tenha conduzido a carência económica do ocupante (…), pois, nas palavras do mencionado acórdão, “pelo facto de a carência económica do agregado familiar do recorrente ser notória, tal circunstância não é apta a, de modo automático, conferir-lhe o direito a usar uma habitação social.” (Ac. deste TCA Sul de 14.11.2024, proferido no processo 2013/24.8BELSB, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/fb6539569b8e7e9d80258bd6004e5029?OpenDocument).
Tal como se afirmou no acórdão do STA de 13.04.2023, proferido no processo sob o n.º 47/22.6BELLE (consultável em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4ab4a71eafaa96f18025899500513619?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1), o artigo 65.º da CRP “não é directamente aplicável ou exequível; ou seja, é necessária uma actuação do legislador para concretizar tal direito, pelo que o seu cumprimento só pode ser exigido nas condições e nos termos definidos na lei”, decorrendo do artigo 7.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, que “a atribuição de uma habitação em regime de arrendamento apoiado efetua-se mediante um dos seguintes procedimentos:
a) Concurso por classificação;
b) Concurso por sorteio;
c) Concurso por inscrição.”
Não vindo sequer alegado pela Recorrente que lhe tenha sido atribuída a habitação social que ocupa sem título, ou qualquer outra, naturalmente que se revela à evidência que não lhe assiste um direito a celebrar um contrato de arrendamento de habitação social com as Rés.
E considerando que a Recorrente não impugnou atempadamente o ato administrativo que lhe determinou o despejo da habitação sita na Rua A… n.º …, 1…-3… Lisboa, naturalmente que nada obsta a que a Administração proceda à concretização da desocupação (coerciva) daquela, não existindo fundamento para a condenação da Recorrida a abster-se de se opor ao gozo do locado pela Recorrente.
Face ao exposto, entende este Tribunal que é manifesta a falta de preenchimento do requisito de adoção da providência cautelar correspondente ao fumus boni iuris, ou seja, é evidente a falta de fundamento da pretensão [art.º 116.º, n.º 2 al. d) do CPTA].
Em termos, pois, que se impõe concluir pelo acerto na rejeição liminar do requerimento cautelar, não padecendo a decisão recorrida do erro de julgamento que lhe é imputado.

5. Da condenação em custas

Vencida, é a Recorrente condenada nas custas do presente recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e, em consequência,
a. Não admitir a junção de documento ao recurso;
b. Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida;
c. Condenar a Recorrente nas custas do presente recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Mara de Magalhães Silveira
Ana Cristina Lameira (em substituição)
Marcelo da Silva Mendonça