Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1416/09.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/16/2023
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
REVERSÃO
CULPA
Sumário:I - Nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT é sobre o gerente contra quem reverteu a execução fiscal que recai o ónus de alegar e demonstrar que não foi por culpa sua que não foi efectuado o pagamento das dívidas exequendas.

II - Para cumprir tal ónus probatório impõe-se-lhes a prova de que a sua conduta foi diligente, que foram tomadas todas as diligências ao seu alcance no sentido de que, no período a que respeitam as dívidas ou no período legal de pagamento ou entrega dos tributos, providenciaram pelo pagamento das dívidas tributárias objecto de reversão.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, as Juízas que compõem a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a oposição deduzida por J. M. V. e J. C. B., com os sinais nos autos, na qualidade de responsável subsidiário da sociedade L. S., Lda, NIPC 501…., no âmbito do processo de execução fiscal n.º ……538 e apensos, instaurados no Serviço de Finanças de Cascais 2, para cobrança da quantia exequenda no montante total de € 460 983,95, e acrescido relativo a dívidas de IVA, IRC, IRS (Retenções na Fonte) e coimas, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

« I. O presente recurso reage contra a douta decisão que julgou procedente a Oposição Judicial deduzida por J. M. V. e J. C. B., no processo supra identificado, e que relativamente a eles julgou extinto o processo de execução fiscal nº …..538 e aps instaurado contra a sociedade devedora originária “L. – S., Lda, para cobrança de dívida exequenda referente a IRS (Retenções na fonte) de 2005 e 2006; IRC de 2003 a 2005, IVA de 2002 a 2005 e coimas, por entender que estes lograram provar que não foi por sua culpa que o património da sociedade se tornou insuficiente para satisfação do crédito tributário.

II. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto a que chegou a douta sentença recorrida quando se convence julgando por provado que não foi por culpa dos ora Oponentes que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação do crédito fiscal, incorrendo em erro de julgamento, em virtude, por um lado, da residual prova realizada nos autos cujo ónus recaía sobre os Oponentes, por outro lado, da má apreciação dos elementos carreados documentais e testemunhal, mas, sobretudo da má apreciação jurídica dos factos que à luz da experiência comum suportaram a sua decisão, designadamente, da falta de culpa dos Oponentes.

III. Resulta da factualidade assente que a dívida exequenda, no valor de € 460.983,95, refere-se essencialmente a dívidas de IVA (de 2002 a 2006), IRC e IRS (retenções na fonte) de 2003 a 2006.
IV. Cuidava-se, pois, ao tribunal a quo determinar se os mesmos lograram ilidir a presunção de culpa que decorre da alínea b), do referido art. 24º da LGT, mediante o cumprimento do ónus que sobre os mesmos recai de provar que não foi pela sua atuação, dolosa ou negligente (irreleva neste particular a sua intensidade), que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação do crédito fiscal.
V. Em termos documentais, foram estes os elementos carreados para os autos:
- 1 cópia do balancete do razão e do balancete de contabilidade geral, ambos referentes a 2002
- 1 cópia de contrato de factoring reportado a 1998
- 3 certidões de execuções comuns
- Ofício do solicitador de execução, com data de 13.01.2006, em sede do processo de execução comum n.º 7962/03.4TBCSC, que correu termos no 3.º Juízo Competência Cível – Execução Comum, do Tribunal de Família e de Menores e da Comarca de Cascais, interposto pela sociedade M. V. S.A/D. Y C., S.A, tendo como valor de execução € 695.045,50.
VI. Relativamente ao período 2003/2006 não foi levado ao probatório um único elemento documental a partir do qual fosse dada a possibilidade ao tribunal a quo de fazer uma apreciação crítica sobre aquele que foi a conduta da gerência por parte dos Oponentes na defesa dos interesses da devedora originária à luz do padrão da culpa que lhes é imputável nem sobre a situação económica da devedora originária.
VII. Não foi apresentada a contabilidade fidedigna pelos Oponentes devidamente suportada nos documentos que a acompanham, que, aliás, em termos de boa prática exige pelo menos três exercícios, permitindo retirar um filme sobre aquela que foi a gestão dos seus corpos diretivos ou sobre os motivos que atentaram na saúde financeira da sociedade.
VIII. Os balancetes apresentados (que só residualmente se têm por contemporâneos da gerência onde a dívida tributária se produziu pois que se referem apenas a 2002), por si só e sem documentos de suporte, nada provam e o que dizem, como iremos ver, deixam no ar interrogações que no âmbito da persuasão indiciam a culpa dos Oponentes.
IX. Não se alcança da prova como foi possível dar-se por provado que os Oponentes encetaram todas as diligências (ou sequer aquelas) que entenderam possíveis para regularizar a situação da sociedade.
X. Sem os extratos das contas 11 (caixa) e 12 – (bancos) pelo menos dos exercícios de 2002 a 2006 não é possível fazer um juízo que conclua pela falta de liquidez da devedora originária.
XI. O tribunal a quo dá por provada a existência de suprimentos feitos pelos sócios sem a documentação de suporte dessas inscrições contabilísticas e sem a contabilidade dos exercícios da dívida, pois que quem nos garante que em 2003 ou 2004 ou 2005 ou 2006 a sociedade não devolveu o montante registado a título de suprimentos em 2002 aos sócios em detrimento do pagamento à Administração Fiscal?
XII. A sociedade em Dezembro de 2002 e não obstante a alegada dificuldade de tesouraria ou os atrasos nos pagamentos dos municípios, tinha reservas acumuladas no montante de € 16.589,87. Só tem reservas quem tem lucros, pelo que, tendo em conta que a quantia exequenda referente à dívida de IVA de 2002 e 2003, o que impediu a gerência de pagar ainda que não integralmente?
XIII. Não foi junta qualquer tipo de prova, documental que fosse, revelando séria intenção em promover a cobrança das quantias devidas à sociedade, como sejam, interpelações aos clientes por correio registo no sentido de pagar os créditos havidos sobre estes e não foi junta qualquer tipo de prova, documental que fosse, que permitisse revelar uma intenção séria em angariar novos clientes.
XIV. A apresentação de 3 inexpressivas ações judiciais de cobrança de créditos num universo de 345 clientes registados no balancete não nos dão nenhuma ideia de que tudo foi feito em termos de comportamento no sentido de reaver os créditos junto da clientela.
XV. Perante o facto provado G que (processo no 3º Juízo Competência Cível, processo nº 7962/03.4TBCSC que correu termos uma ação de execução interposta pela sociedade M. V., S.A./D. & C., S.A. com um valor de execução na ordem de quase € 700.000,00, enquanto cliente, contra a devedora originária os ora Oponentes, enquanto legais representantes desta última, durante todo este período e perante o valor em causa tinham de ponderar a hipótese de levar a sociedade à insolvência protegendo-a dos credores.
XVI. Se o crédito era muitíssimo mais elevado que a dívida tributária porque não foi negociado um novo contrato de factoring no período da dívida? Não há evidência demonstrada desse facto.
XVII. Os conhecimentos que a testemunha afirma ter dos factos, se é que é possível afirmar que os tem diretamente face ao modo e ao lugar em que desempenhou funções, está balizado entre 2002 e 2004. A partir de 2005, 2006 (período da dívida de IRC) e seguintes não tem sequer contacto com a devedora originária
XVIII. A testemunha afirma que houve um período, em ou a partir de 2003, em que se limitou eventualmente a assinar a escrita para efeitos de responsabilidade técnica (nem isso referiu) mas sem que a tenha elaborado ou executado a contabilidade da empresa. Se efetivamente não a elaborou obviamente não estava por dentro da sua realidade da devedora originária pois que essa tarefa cabia ao sócio, como afirmou.
XIX. Se a acordada divisão da clientela tem por objetivo precisamente permitir que cada um dos TOCs acompanhe os clientes que lhe foram destinados é absurdo depois responder que isso não o impedia de acompanhar. Se afirma que tinha um gabinete de contabilidade e se não decorre do seu depoimento que trabalhasse nas instalações da sociedade temos de concluir que - não tem conhecimento direto da sua actividade, do seu dia-a-dia, da atuação concreta e circunstanciada dos seus gerentes.
XX. A falta de predisposição dos Oponentes em termos de comportamento processual para virem juntar prova cabal é confirmada pela última tentativa dada pelo tribunal nesse particular – não aproveitada.
XXI. Ainda que a culpa seja um elemento subjetivo da responsabilidade, ao douto tribunal a quo o que se exige é que decidida objetivamente em função da prova realizada.
XXII. Conclui-se ainda que os elementos probatórios são em termos documentais parcos e insípidos, e se o único testemunho provém desde logo de alguém cuja razão de ciência o impede de conhecer diretamente factos pois que não presta serviço nas instalações da sociedade, se se intitula em 2003 um TOC de direito (ou seja sem acompanhamento da cliente), se em 2005 já nem exercia funções nessa qualidade, se reconhece que os factos foram-lhe transmitidos pelos gerentes, se não concretiza nem circunstancia factos no seu relato, se tem dúvidas e usa o tempo decorrido para afirmar que não se recorda dos mesmos - então temos de concluir que mais do que a falta de objetividade e credibilidade, o que há é completa ausência de conhecimento dos factos.
XXIII. Sendo transversal a tudo quanto vamos afirmar infra, que não foi apresentada a contabilidade da devedora originária relativamente aos períodos que vão de 2002 a 2006, que o balancete referente a 2002 não veio acompanhada dos devidos elementos de suporte por forma a perceber em que medida os alegados suprimentos constituíram um ato de regulariza a situação patrimonial da devedora originária, que em momento algum foi alegado sequer provado pelos Oponentes toda uma conduta pro ativa no sentido de tudo fazer para regularizar a situação da sociedade; que a mera apresentação de 3 ações de execução sobre devedores referente a dívidas inclusivamente anteriores ao período em causa não transmite num universo generoso da clientela (345) e de tantos outros atos de gestão que se exigia tivessem sido tomados e que não foram (interpelações, iniciativa no sentido de levar a sociedade à insolvência) não exprime toda uma conduta de defesa do interesse societário; que fica por esclarecer o motivo pelo qual existindo reservas as mesmas não foram utilizadas para pagar o crédito da Fazenda Pública, que o depoimento de 1 testemunha prestado sem a necessária razão de ciência, sem conhecimento direto dos factos e sem credibilidade, e, que o comportamento processual dos Oponentes ao longo da presente contenda sem se mostrou adverso a tomar a iniciativa de fazer prova de que não foi pela sua atuação que a sociedade deixou de ter património para pagar a dívida tributária.
XXIV. Toda a motivação de facto expendida na sentença recorrida não tem aderência aos elementos produzidos nos autos.
XXV. Se o Tribunal afirma na sentença que: “Pelos Oponentes foi provado que encetaram todas as diligências que entenderam possíveis para regularizar a situação da sociedade (…)” então a conclusão que se retira é que a sua convicção assentou num juízo também ele assente no que os Oponentes acham ou entendem ser possível ou não fazer pela sociedade, o que significa que não recorreu ao Padrão do Homem Médio violando desde logo a jurisprudência já aqui citada assente e na doutrina indicada no § 94º destas motivações.
XXVI. Não podia a sentença recorrida infirmar a ideia de que os mesmos tudo fizeram para regularizar a situação patrimonial da sociedade, o que significa desde logo que manifestamente os Oponentes não lograram driblar a presunção de culpa que sobre eles recai neste particular, nos termos do art. 24º, nº 1, alínea b), do CPPT, até porque (tratando-se de responsabilidade subjetiva) não logrou fazer um juízo diferenciado sobre a conduta de cada um dos Oponentes ficando-se sem alcançar o que cada um fez enquanto gerentes assumidos da devedora originária na defesa do interesse societário que permitisse pagar a dívida tributária.
XXVII. Dir-se-á ainda que cumpre - Corrigir o lapso relativamente ao montante indicado no probatório G, perante aquele que decorre do doc. 5 da p.i.
- Afastada a prova testemunhal pelas razões já aduzidas e revelando a cópia do balancete geral que, afinal, os clientes não eram exclusivamente município e entidades públicas – suprimir o facto dado por provado em C).
- Perante o insipiente depoimento prestado pela testemunha, inexistindo uma divisão lógica sequer do que cada um dos Oponentes fez ou não naquelas funções, decorrendo do balancete geral que a conta referente ao factoring se mostra saldada, e que o que há é um contrato datado de 1998 não é possível a partir destas evidências retirar-se a conclusão de que os sócios gerentes tentaram aumentar a liquidez da empresa mediante suprimentos e contratos de factoring - suprimir o facto dado por provado em D).
XXVIII. Incorreu a douta sentença recorrida nos seguintes erros de julgamento:
- ter dado por provado os factos B); C); e D) suportados, por um lado, num depoimento sem virtude probatória face ao que afirmámos no § 84º e sem prova documental bastante, por outro, que permita apurar a conduta e apreciar a responsabilidade dos seus assumidos gerentes.
- ter dado por provados factos assentes em parcos e dispersos elementos documentais assente em prova testemunhal inapta do ponto de vista probatório - colidindo com a jurisprudência vazada do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul proferida em 29-05-2007, no processo 1462/06 e que se impõe respeitar.
- Manifesta contradição na motivação de facto pois que julga erroneamente credível e convincente um depoimento sobre o qual se desconhece as razões de ciência e que não ousa concretizar factos circunstanciados, datas e valores relativamente a uma questão que contendendo com a culpa presumida exige a enunciação e prova de elementos concretos
- Finalmente, incorreta apreciação jurídica sobre o padrão a que recorreu para aferir do juízo de censura que se presume, e, que reduzido á enunciação da inexpressiva apresentação de 3 ações judiciais, dado por provado em E), ainda assim, não permite que se infirme a ideia de uma conduta que lograsse ilidir a presunção de culpa legalmente prevista imputada a cada um dos seus gerentes.
XXIX. Apontados os mencionados erros de julgamento decorrentes da má valoração da prova; dos factos dados por assentes enunciados supra perante a ausência da prova produzida nos autos e de incorreta apreciação jurídica do padrão que determina o juízo de culpa, mostram-se violadas as seguintes disposições legais - art. 24º, nº 1, alínea b), do CPPT (por não ter si produzida prova que lograsse ilidir a presunção de culpa) e art. 74º, nº 1, da LGT e 352º do CC.
Pelo que, ressalvando-se sempre o devido respeito, a douta sentença recorrida não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo os vícios apontados julgue parcialmente procedente a presente Oposição Judicial (caindo na parte das coimas) V/Exas porém, melhor ponderando, não deixarão de fazer a justiça que o caso exige.»


*




Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a recorrida contra-alegou rematando as suas alegações formulando as seguintes conclusões:


«1. Resulta da matéria de facto provada, que na base das dificuldades financeiras da sociedade devedora originária estão os longos atrasos no pagamento das facturas que as clientes daquela – Autarquias Locais e Juntas de Freguesia.


2. A devedora originária, através do Recorrido lutava, ano após ano, para pagar as dívidas já vencidas, imputando assim os valores que iam sendo recebidos, a pouco e pouco, ao pagamento das dívidas – nomeadamente fiscais e de segurança social – de períodos anteriores, relativamente às quais não tinha sido possível à devedora originária pagar em tempo, por falta de liquidez decorrente da não cobrança da maior parte das facturas.


3. As dificuldades financeiras da devedora originária coincidiram com o aumento gradual dos períodos de mora por parte das autarquias locais, os quais no ano de 2002 assumiam já proporções insuportáveis para aquela.


4. Sendo que muitos dos valores em causa nunca chegaram a ser recebidos pela devedora originária, o que demonstra que alguns dos créditos sobre as suas clientes persistem ainda nos dias de hoje no activo daquela sociedade.


5. Não pode ser desconsiderado – para efeitos de valoração do elemento subjectivo (Culpa) dos ora Oponentes - todos os esforços efectuados pelos mesmos para o cumprimento das dívidas fiscais da devedora originária enquanto o circunstancialismo imposto pela crescente mora dos clientes da sociedade arguida ia “sufocando” a capacidade financeira desta.


6. Tendo em conta as referidas dificuldades de subsistência financeira da devedora originária – devida aos recorrentes atrasos de pagamento das facturas vencidas por parte das autarquias locais - desde sempre os ora Oponentes, na qualidade de gerentes da devedora originária aderiram a diversos Planos de regularização de dívidas junto da Administração Fiscal, nomeadamente, a título de exemplo, o «Plano Mateus».


7. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o Recorrente alegou e provou factos concretos de onde se pode inferir que a insuficiência patrimonial da empresa


se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas.


8. O Recorrido provou que encetou todas as diligências que entendeu possíveis para regularizar a situação da sociedade, quer através de recurso a mecanismos de aumento de liquidez, mediante suprimentos e contratos de factoring, quer quanto a diligências de cobrança do alto valor de créditos junto de clientes, na sua maioria entidades públicas, através de contactos pessoas e até mesmo de acções judiciais.


9. O Recorrido demonstrou, ainda, que os seus principais clientes eram entidades públicas, na sua maioria municípios, que pagavam muito tarde, com prazos de pagamento muito dilatados, factor que condicionava fortemente a tesouraria da empresa.


10. O Recorrido alegou e demonstrou que não há qualquer nexo de causalidade entre o incumprimento verificado, a insuficiência da devedora originária e a sua actuação, antes pelo contrário, que face a esse comportamento dos seus clientes, entidades públicas (repete-se Autarquias Locais e Juntas de Freguesia), que colocaram em risco a sua actividade e sobre o qual detinha um crédito muitíssimo mais elevado que o valor em dívida, recorreram a Tribunal no sentido de o recuperar, o que, em diversos casos não foi possível alcançar.


11. O Recorrente provou, não obstante as dificuldades de provar um facto negativo, que não foi por acção ou omissão do cumprimento dos seus deveres funcionais, tal como plasmados no artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, que a devedora originária ficou numa situação de insuficiência patrimonial.


12. Nada mais era possível exigir ao Recorrente que colocou todos os seus esforços, e afectou todo o património social e património pessoal (!) no sentido de tentar fazer face às contingências fiscais.


13. O Recorrente demonstrou ter feito TODAS as diligências que estavam ao seu alcance para regularizar a situação tributária da devedora originária, tendo afectado inclusive o seu património pessoal à regularização das dívidas da devedora originária.


14. Presumem-se verdadeiras e de boa-fé os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sendo que o Recorrente sempre actuou pró-activamente com a AT no sentido de regularizar a situação tributária da devedora originária, conforme demonstram as inúmeras tentativas do Recorrido de ceder os créditos que a devedora originária detinha sobre autoridades públicas a favor da AT.


15. É manifestamente ofensivo e atentatório da boa-fé processual, a tentativa que a AT faz no sentido de colocar em causa a fidedignidade e presunção de boa-fé da contabilidade da devedora originária.


16. A douta sentença recorrida, ao ter julgado a acção procedente, fez uma correcta análise da prova produzida e aplicou correctamente o Direito aos factos provados.


Termos em que, e nos mais que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirmada a douta sentença recorrida



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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

II – Delimitação do objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença, na parte recorrida efectuou errada apreciação dos factos e se incorreu em erro de julgamento de direito ao ter julgado a oposição procedente por se mostrar provado que não foi por sua culpa dos oponentes que o património da sociedade se tornou insuficiente para satisfação do crédito tributário.



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III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1 – Fundamentação de facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) A 07.10.1998 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, a constituição da sociedade “L. S., LDA.”, nipc 501…. tendo como gerente, entre outros – facto não controvertido, cf. despacho de reversão.

B) Nos anos de 2002 e seguinte a sociedade devedora originária apresentava no balancete no seu ativo valores elevados de créditos sobre clientes, com saldo a 31.12.2002 de € 1.042.646,40 – cf. doc. 2 junto com a p.i., corroborado pela testemunha ouvida pelo tribunal.

C) Os clientes identificados no ponto anterior eram, quase exclusivamente, municípios e entidades públicas – cf. doc. 2 junto com a p.i., corroborado pela testemunha ouvida pelo tribunal.

D) Os sócios gerentes da devedora originária tentaram aumentar a liquidez da empresa mediante suprimentos e contratos de factoring – cf. cópia do balancete de contabilidade geral (doc. 3 junto à p.i.), e cópia de contrato de factoring (doc. 7 junto com a p.i.) corroborado pela testemunha ouvida pelo tribunal.

E) Pela sociedade devedora originária foram interpostas ações judiciais com vista à execução de quantias em dívida pelos clientes – cf. fls. 180 a 189 dos autos.

F) Ao longo dos anos de 2005 e 2006 foram efetuadas diligências pela AT no sentido de penhorar créditos que a sociedade devedora originária detinha junto de Municípios, tendo o valor penhorado sido aplicado em diversos processos de execução fiscal, que não o dos presentes autos – cf. informação prestada pelo órgão de execução fiscal a fls. 226vv e 227 dos autos.

G) Com data de 13.01.2006, em sede do processo n.º 7962/03.4TBCSC, que correu termos no 3.º Juízo Competência Cível – Execução Comum, do Tribunal de Família e de Menores e da Comarca de Cascais, foi por solicitador de execução remetida citação dirigida à Autoridade Tributária e Aduaneira, para que reclamasse créditos em processo de execução comum interposta pela sociedade M. V. S.A/D. Y C., S.A, pelo valor de € 406.432,88 – cf. doc. 5 junto com a p.i..

H) Em sede do processo de execução identificado no ponto anterior foi possível recuperar créditos no valor de € 284.198,57, referentes a clientes de diversas Camaras Municipais – cf. certidão a fls. 239 a 247 dos autos.

I) A 18.07.2004 foi instaurado contra a sociedade “L. S., LDA.”, nipc 501…., o processo de execução fiscal n.º ….538 para cobrança de dívida de IVA de 12.2003 no valor de € 11.092,30, ao qual foram apensados outros processos de execução fiscal instaurados para cobrança de dívidas de IVA 2002 a 2005, retenções na fonte de IRS de 2005 e 2006, IRC de 2003 a 2005 e Coimas, perfazendo, todos, a quantia exequenda de € 460.983,95, conforme descrição das dívidas anexa ao despacho de reversão, constante de fls. 243/244 do PEF apenso, que aqui se dá por reproduzida – cf. capa e certidões de dívidas constantes do PEF e relação das dívidas constante de fls. 243/244 do PEF.

J) Através dos ofícios do Serviço de Finanças de Cascais 2, de 11.03.2009, foram os Oponentes notificados para o exercício de audição prévia, em sede de preparação do processo de execução fiscal n.º ….538 e apensos para reversão – cf. cópia dos ofícios a fls. 186 e 200 do PEF em apenso.

K) A 02.04.2009 foi o Oponente J. C. B. citado, por reversão, em sede do processo de execução fiscal identificado em I), pelo valor de € 460.983,95, e acrescido, constando do mesmo a seguinte menção: “[f]undamentação da reversão: Pelos factos constantes no n.º 2 do art.º 153.º do CPPT, art.º 23.º e 24.º da LGT, certidões de divida e certidão da CRC” – cf. cópia do ofício e aviso de receção assinado constante de fls. 242 a 252 do PEF em apenso.

L) A 06.04.2009 foi o Oponente J. M. V. citado, por reversão, em sede do processo de execução fiscal identificado em I), pelo valor de € 460.983,95, e acrescido, constando do mesmo a seguinte menção: “[f]undamentação da reversão: Pelos factos constantes no n.º 2 do art.º 153.º do CPPT, art.º 23.º e 24.º da LGT, certidões de divida e certidão da CRC” – cf. cópia do ofício e aviso de receção assinado constante de fls. 245 do PEF apenso.

M) A 04.05.2009 foi pelos Oponente remetida via postal a petição inicial que deu origem à presente oposição – cf. fls. 89 dos autos.»

Mais se fez constar na sentença recorrida o seguinte: «Não resultam dos autos factos com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe julgar como não provados.»

Quanto à motivação fez-se menção de que « Os factos dados como provados resultam dos documentos constantes dos autos e do PEF apenso, conforme referido em cada uma das alíneas, os quais não foram impugnados pelas partes, e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade e ainda do depoimento da testemunha A. P. M., técnico oficial de contas da sociedade devedora originária à data dos factos, que prestou depoimento convincente e credível, demonstrando ter conhecimento direto dos factos relativamente aos quais depôs, identificados nas alíneas do probatório.»

III. 2 – Apreciação do recurso


Evidenciando-se que os seguintes pontos do probatório não reflectem com exactidão os meios de prova produzida nos autos em que se fundamentou o Tribunal a quo na selecção dos factos provados, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, procede-se à sua alteração nos seguintes termos:

A) A 07.10.1998 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, a constituição da sociedade “L. S., LDA.”, nipc 501…. tendo como gerentes, entre outros, os oponentes – fato não controvertido, cf. Informação emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Cascais a fls. 284 a 291 do PEF apenso aos presentes autos.

B) A sociedade devedora originária apresentava a 31/12/2002 no balancete no seu ativo valores elevados de créditos sobre clientes, com saldo a 31.12.2002 de € 1.042.646,40 – cf. doc. 2 e 3 junto com a p.i., em particular a fls. 34 dos autos corroborado pela testemunha ouvida pelo tribunal.

C) Os clientes identificados no antecedente ponto B) eram, na sua maioria, autarquias locais e entidades públicas - cf. doc. 3 junto com a p.i., corroborado pela testemunha ouvida pelo tribunal.

D) Por referência à data de 31/12/2002, os sócios da devedora originária prestaram suprimentos à sociedade no montante de € 67 187,69, sendo o montante de € 20 367,52 prestado por J. M. V. e € 29 443,98 por J. C. B. e celebraram contrato de factoring, em 09/11/1998 - cf. Cópia do balancete de contabilidade geral a fls. 44 e cópia de contrato de factoring (doc. 7 junto com a p.i. a fls. 56) corroborado pela testemunha ouvida pelo tribunal.

E) Pela devedora originária foram interpostas três acções executivas com vista à recuperação de créditos no período de 2003 a 2005 visando a recuperação de créditos nos montantes respectivos de € 12 199,95, € 631,99 e € 45 942,78 – cf. certidões judiciais a fls. 180, 183 e 186 dos autos.

G) A 21/02/2006, no âmbito do processo de execução comum n.º 7962/03.4TBCSC interposto pela sociedade M. V. S.A/D. Y C., S.A, contra a sociedade L. S.. Lda, para cobrança da quantia de € 695 045,50, que correu termos no 3.º Juízo Competência Cível – Execução Comum, do Tribunal de Família e de Menores e da Comarca de Cascais, o solicitador de execução informou aqueles autos que foi remetida e recebida em 22/01/2006 citação dirigida à Autoridade Tributária e Aduaneira, para que reclamasse créditos e informando da penhora de créditos que teve lugar nessa execução, no valor de € 406.432,88 nenhuns créditos foram reclamados - cf. cópia certificada a fls. 188 a 197 dos autos.

H) No âmbito do processo de execução comum identificado no anterior ponto G) foram penhorados e recuperados créditos da executada (L. S., Lda.) no valor de € 406 432,88 – cf. Certidão de fls. 239 a 241 dos autos.


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Não se provou que no período entre 2003 e 2006 os oponentes tivessem renovado, ou celebrado novo contrato de factoring.

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No corpo das alegações a Fazenda Pública impugna a matéria de facto provada por considerar que se encontra incorrectamente julgada. Atendendo à modificação oficiosamente operada à matéria de facto, considera-se prejudicada a apreciação desta questão.

Estabilizada a matéria de facto vejamos o recurso que nos vem dirigido pela Fazenda Pública.

A recorrente não se conforma com a sentença recorrida que julgou a acção procedente.

No essencial, a recorrente dirige a sua crítica ao decidido em 1ª instância alegando que relativamente ao período a que respeitam as dívidas exequendas e a que estiveram a pagamento, nenhuma prova foi feita nem levado ao probatório um único elemento de prova a partir do qual o Tribunal a quo pudesse fazer uma apreciação crítica sobre aquela que foi a conduta da gerência de modo a concluir, como concluiu, que foi feita prova da ausência de culpa nas situações de insuficiência de bens da devedora originária devedora

Em concreto, alega que se impunha conclusão diversa, na medida em que não foi feita prova sobre a conduta da gerência levada a cabo pelos Oponentes na defesa dos interesses da devedora originária, à luz do padrão da culpa que lhes é imputável, nem sobre a situação económica da devedora originária.

Na parte que foi objecto do presente recurso – quanto ao julgamento relativo à falta de culpa na insuficiência de bens da devedora originária para satisfação do crédito tributário –, depois de efectuar o enquadramento legal sobre a responsabilidade subsidiária, concluiu-se na sentença que os oponentes lograram efectuar a prova da ausência de culpa na referida insuficiência.

Vejamos qual o discurso fundamentador da sentença que conduziu ao julgamento que vem posto em causa pela recorrente:

«Pelos Oponentes foi provado que encetaram todas as diligências que entenderam possíveis para regularizar a situação da sociedade, quer através de recurso a mecanismos de aumento de liquidez, mediante suprimentos e contratos de factoring, Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra quer quanto a diligências de cobrança do alto valor de créditos junto de clientes, na sua maioria entidades públicas, através de contactos pessoas e até mesmo de ações judiciais [cf. alíneas C), D), E) dos factos assentes].

Pelos Oponentes foi igualmente demonstrado que os seus principais clientes eram entidades públicas, na sua maioria municípios, que pagavam muito tarde, com prazos de pagamento muito dilatados, fator que condicionava fortemente a tesouraria da empresa.

Ou seja, os Oponentes alegaram e demonstraram que não há qualquer nexo de causalidade entre o incumprimento verificado, a insuficiência da devedora originária e a sua atuação, antes pelo contrário, que face a esse comportamento dos seus clientes, entidades públicas, que colocaram em risco a sua atividade e sobre o qual detinha um crédito muitíssimo mais elevado que o valor em dívida, recorreram a Tribunal no sentido de o recuperar, o que, em diversos casos não foi possível alcançar.

Aqui chegados, importa concluir que os Oponentes lograram provar que não foi por ação ou omissão do cumprimento dos seus deveres funcionais, tal como plasmados no artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, que a devedora originária ficou numa situação de insuficiência patrimonial, razão pela qual deverá a presente oposição ser julgada procedente, por provada a argumentação invocada pelos Oponentes quanto à sua ilegitimidade enquanto responsáveis subsidiários, nos termos do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.»

Vejamos então.

Resulta da factualidade assente que a dívida exequenda, no valor de € 460.983,95, refere-se essencialmente a dívidas de IVA relativas ao período de 2002 a 2006, IRC e IRS (retenções na fonte) relativos de 2003 a 2006.

Alega a recorrente que, em termos documentais, os elementos que foram carreados para os autos não se referem ao período aqui em causa, e assim sendo não permitem extrapolar para o período relevante aqui em causa as ilações que deles extraiu o Tribunal.

São estes os documentos juntos aos autos:

- 1 cópia do balancete do razão e do balancete de contabilidade geral, ambos referentes a 2002;

- 1 cópia de contrato de factoring reportado a 1998;

- 3 certidões de execuções comuns;

- Ofício do solicitador de execução, com data de 13/01/2006, no âmbito do processo de execução comum n.º 7962/03.4TBCSC, que correu termos no 3.º Juízo Competência Cível – Execução Comum, do Tribunal de Família e de Menores e da Comarca de Cascais, para execução do valor de € 695 045,50, interposto pela sociedade M. V. S.A/D. Y C., S.A, contra a sociedade executada originária nos presentes autos sob recurso.

Compaginando o corpo das alegações com as conclusões, alega a Recorrente que do balancete do razão e do balancete de contabilidade geral, ambos referentes a 2002, sem os documentos de suporte nada provam. Sem os extratos das contas 11 (caixa) e 12 (bancos), pelo menos dos exercícios de 2002 a 2006, não é possível fazer um juízo que permita concluir pela falta de liquidez da devedora originária.

O mesmo sucedendo com os suprimentos sem suporte documental a que acresce a falta de garantia de que a partir de 2002 os mesmos pudessem ter sido devolvidos pela sociedade.

Questiona ainda a recorrente por que razão não foi negociado novo contrato de factoring para o período aqui em causa. Mais, atendendo ao universo de 345 clientes registados no balancete, apenas se comprova a existência de 3 acções judicias de cobrança.

Do exposto, podemos concluir que, efectivamente, os factos trazidos aos autos não foram adequadamente valorados na sentença recorrida, pois dos documentos em causa não é possível extrair a prova da ausência de culpa na falta de pagamento das dívidas tributárias porquanto as diligências comprovadas nos autos, atento o universo de clientes, não são de molde a afastar a culpa. Não se sabe que diligências foram promovidas no sentido de obter a cobrança dos créditos da sociedade. Nem que diligências foram efectuadas no sentido de efectuar o pagamento das dívidas tributárias.

Acresce dizer que os documentos, bem como os factos que se extraíram dos mesmos, por se reportarem a momento temporalmente anterior ao que aqui importava comprovar (1998 e 2002), não permitem extrapolar para o período que aqui releva (de 2002 a 2006, incluindo o período legal de pagamento ou entrega dos tributos), de modo a se poder afirmar o afastamento da culpa dos oponentes na falta de pagamento ou entrega dos impostos e que a situação é imputável unicamente a atrasos reiterados nos pagamentos por parte de entidades públicas, principais, mas não exclusivos, clientes da sociedade devedora originária como se fez na sentença recorrida.

Assim sendo, não podia o Tribunal dar como provado que os oponentes encetaram todas as diligências que entenderam possíveis para regularizar a situação da sociedade, quer através do recurso a mecanismos de aumento de liquidez, mediante suprimentos e contratos de factoring no período que relevava para a apreciação concreta da ausência de culpa, porquanto o contrato de factoring foi celebrado em 1998. Não podendo afirmar-se que foi uma actuação de resposta à situação financeira da sociedade à data das dívidas (2003 e 2006); e fica por explicar por que não foi possível recorrer ao factoring como modo de converter em liquidez, no todo ou em parte, os créditos no valor de €1.042.646,40 reflectidos no balancete do razão reportado à data de 31/12/2002 (cf. ponto B) do probatório).

Como decidiu este Tribunal no Acórdão proferido no processo n.º 1415/09.4BESNT, datado de 3/12/2020, em que estavam em causa as mesmas partes, a mesma factualidade e sentenças em tudo idênticas «(…) não foram adequadamente valorados na sentença recorrida, não são de molde a poder afirmar-se o afastamento da culpa dos oponentes na falta de pagamento ou entrega dos impostos e que a situação é imputável unicamente a atrasos reiterados nos pagamentos por parte de entidades públicas, que eram os principais, mas não exclusivos, clientes da sociedade devedora originária.

Até porque correspondendo o atraso nos pagamentos por parte de entidade públicas a uma situação reiterada e sendo esses os seus principais clientes, caberia aos gerentes da sociedade devedora originária acautelar e assegurar o equilíbrio da tesouraria, de modo a prevenir o incumprimento de dívidas ao Fisco e a fornecedores e prestadores, não se sabendo o que de concreto e decisivo fizeram os oponentes a esse respeito, para mais se tratando (o atraso nos pagamentos dos clientes públicos) de uma situação calculável, não fortuita ou inesperada, logo susceptível de ser perspectivada e adequadamente gerida.

Ou seja, os factos constantes do probatório não são suficientes para se poder afirmar que os oponentes lograram ilidir a presunção legal de culpa na falta de pagamento das dívidas que sobre si impende, mediante prova positiva e concludente, sendo que resultando dos factos uma situação de dúvida decide-se contra a parte onerada com a prova, no caso os revertidos oponentes

Tal como ali se concluiu, importa aqui concluir que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na valoração da prova pelo que, não podia julgar verificada a ilegitimidade substantiva dos oponentes para os termos da execução.

Considerando que o recurso é interposto apenas relativamente ao segmento da sentença que julgou provada a ausência de culpa na falta de pagamento verifica-se o trânsito em julgado das demais questões pelo que, nada mais há a apreciar.

Assim, importa julgar o recurso procedente.


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A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Ficando os oponentes vencidos na ação, sobre eles impende este ónus (cf. n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).


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IV – CONCLUSÕES

I - Nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT é sobre o gerente contra quem reverteu a execução fiscal que recai o ónus de alegar e demonstrar que não foi por culpa sua que não foi efectuado o pagamento das dívidas exequendas.

II - Para cumprir tal ónus probatório impõe-se-lhes a prova de que a sua conduta foi diligente, que foram tomadas todas as diligências ao seu alcance no sentido de que, no período a que respeitam as dívidas ou no período legal de pagamento ou entrega dos tributos, providenciaram pelo pagamento das dívidas tributárias objecto de reversão.


V – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição improcedente.


Custas pelos oponentes.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2023.


Ana Cristina Carvalho - Relatora

Hélia Gameiro – 1ª Adjunta

Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta