Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:307/09.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/07/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:CONVOLAÇÃO DE RECLAMAÇÃO GRACIOSA EM REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:Tendo a contribuinte deduzido reclamação graciosa contra o acto tributário, à qual foi junto atestado médico, certificando a sua incapacidade, no exercício em causa, é dever da AT convolar a reclamação graciosa em procedimento de revisão do acto tributário e corrigir o mesmo de forma a atender à relevância fiscal do atestado médico referido.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
C …………………… deduziu impugnação judicial contra a decisão que negou provimento ao recurso hierárquico que interpôs do indeferimento do pedido de revisão graciosa dos actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), dos anos de 2002, 2003 e 2004, no montante total de €5.437,27, peticionando que se proceda às “ necessárias correções às liquidações” tendo em conta a incapacidade de que é portador desde outubro de 2002, o marido da impugnante.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra por sentença proferida em 10/2/2014 (incorporada a fls. 105 e ss.-sitaf), julgou a presente impugnação improcedente.
Dessa sentença recorreu a Impugnante para o Tribunal Central Administrativo Sul, tendo apresentando na sua alegação, (inserta a fls.138 e ss. - sitaf), o seguinte quadro conclusivo:
I. Constitui objecto do presente recurso a sentença prolatada em 10.02.2014, a qual julgou não conhecer do mérito da pretensão da Impugnante na correcção das liquidações de IRS respeitantes aos anos de 2002 a 2004, por ter entendido intempestivo o meio gracioso antes apresentado, resultando assim caducado o direito da presente acção.
II. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, a Recorrente entende que a sentença recorrida enferma do vício de omissão de pronúncia.
III. A Sentença restringiu completamente a sua cognição à interpretação do artigo 70°, n.°4, do CPPT, concluindo pela intempestividade da reclamação graciosa apresentada pela Impugnante.
IV. Em primeiro lugar, a Sentença descura em absoluto o objeto da presente impugnação judicial, o qual se materializa, tal como expressamente mencionado nos artigos 1.° e 2.° da petição inicial, em dois actos distintos:
(i) O despacho de 13.11.2007 proferido em sede de recurso hierárquico que recaiu sobre o indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRS dos anos de 2002,2003 e 2004, e
(ii) Os actos de liquidação stricto sensu subjacentes.
V. Sendo que se mostra hoje jurisprudencialmente incontrovertido que o objecto da impugnação judicial é não apenas o acto tributário (liquidação do imposto, mas também o acto decisório (recurso hierárquico, reclamação graciosa, pedido de revisão oficiosa) que apreciou a contestação da liquidação do imposto, nele se incorporando, donde a sua ilegalidade é igualmente objecto de apreciação jurisdicional.
Acresce ainda que,
VI. Não apenas o objecto da presente impugnação se cinge também à legalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, como, e tal facto não pode ser ultrapassado ou ignorado, foi a própria Autoridade Tributária que convolou (e bem) a reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa,
VII. E fê-lo obrigatória e necessariamente, em estrito cumprimento da lei (cfr. artigo 52° do CPPT), estando-lhe vedado o exercício de poder em sentido contrário.
VIII. Ora, posto isto, ou a Sentença julga da tempestividade e dos fundamentos do pedido de revisão oficiosa em ordem a almejar-se a anulação das liquidações, porque não devidas.
IX. Ou caso entendesse que não era possível a convolação, então devia ter expressamente rejeitado tal decisão praticada pela Autoridade Tributária, mas tal circunstância é-lhe proibida pois que não veio escrutinada (donde sempre ocorreria excesso de pronúncia.
X. Mas não pode é, em qualquer dos casos, exonerar-se da apreciação da (única) questão que lhe foi submetida (e não outra) - i.e., da legalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado em 20.11.2006, por referência aos actos de liquidação de IRS dos anos de 2002, 2003 e 2004.
XI. Da mesma forma queda impercetível como pode a Autoridade Tributária indeferir o próprio pedido de revisão oficiosa, não com base nos fundamentos privativos daquele meio gracioso, mas antes alicerçando-se na falta do pressuposto de tempestividade do meio processual abandonado - a reclamação graciosa prevista no artigo 70.° do CPPT.
XII. Incorreu em omissão de pronúncia a Sentença recorrida, atento que o seu objeto de análise e apreciação consistia na legalidade do pedido de revisão oficiosa formulado, e sobre este pedido nada disse (quer quanto à tempestividade, quer quanto aos fundamentos, quer ainda quanto à bondade do recurso ao artigo 78.° da LGT para abalar a legalidade das liquidações com desconsideração do artigo 16.°. n.° 4. do Estatuto dos Benefícios Fiscais - EBF).
XIII. Antes concentrando toda a sua exegese na interpretação do artigo 70.°, n.°4, do CPPT e na análise do regime da reclamação graciosa, meio processual de apreciação da legalidade das liquidações que não estava manifestamente em causa nos autos, logo, subtraído à sua pronúncia.
XIV. Destarte, deve a Sentença ora sob escrutínio ser declarada nula por omissão de pronúncia, devendo nessa conformidade os autos baixar à primeira instância, para que seja apreciada a legalidade das liquidações à luz do apontado regime da revisão oficiosa.
XV. Conforme se vem de alegar, a Sentença recorrida abdicou em absoluto da análise da única questão que vinha submetida à sua apreciação: da possibilidade da revisão oficiosa das liquidações de IRS respeitantes aos anos de 2002 a 2004.
XVI. Como se antecipou, esta convolação é de carácter obrigatório e decorre diretamente da lei (cfr. artigo 52° do CPPT), pelo que estava totalmente vedado ao tribunal sindicar, quer a oportunidade temporal, quer os fundamentos do meio gracioso já preterido pelo órgão decidente, e aqui não submetido a juízo pela Impugnante.
XVII. E sobre a imperatividade da convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa a nossa jurisprudência tem-se manifestado de forma impressiva e concludente, inclusivamente para situações em tudo idênticas à factualidade dos autos, designadamente quando o atestado médico certificador da incapacidade é obtido para lá do prazo de dedução da reclamação.
XVIII. Em todos estes casos, e desde que o pedido do sujeito passivo seja formulado dentro do prazo de revisão oficiosa do tributo, entende a doutrina e jurisprudência que é legítimo o recurso a este meio gracioso.
XIX. Pelo que nunca podia a Sentença recorrida ter apreciado a tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa de acordo e em consonância com os critérios definidos no artigo 70.°, n.°4, do CPPT, em flagrante violação do artigo 78.° da LGT.
XX. Por outro lado, é bom não olvidar que (i) o direito aos benefícios fiscais reporta-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, (ii) o atestado médico de incapacidade tem efeito constitutivo do direito à exclusão tributária (cfr. artigo 16.°. n.° 4, do EBF, na redacção aplicável aos autos.
XXI. (iii) revestindo ainda o benefício fiscal uma medida excepcional cuja teleologia normativa se superioriza aos fins próprios da tributação.
XXII. Admitindo estes considerandos (os quais se mostram indubitáveis), e por respeito aos princípios do inquisitório, da verdade material, da legalidade e da justiça (cfr. artigos 55.° e 58.° da LGT), devem as liquidações impugnadas ser objecto de correcção, face à exclusão tributária de que é beneficiário o agregado familiar da Impugnante, segundo o regime da revisão oficiosa.
XXIII. Com efeito, o benefício fiscal do portador de deficiência, e note-se que a incapacidade do marido da Impugnante é de 91%, é de tal forma relevante para a ordem jurídica que determina a exclusão de tributação para o sujeito passivo (cfr. artigo 16.° do EBF), o que apenas pode ser interpretado como sendo uma opção impositiva do legislador que prefere, nestas situações, eliminar toda e qualquer tributação para certas categorias de rendimentos.
XXIV. Nesta conformidade, tributar-se o portador de deficiência (comprovadamente titulada pelo certificado, embora obtido em tempo posterior, mas dentro do prazo legal de revisão oficiosa), sempre se mostra de uma injustiça grave e notória, e um atentado aos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, patrimónios genéticos da Constituição Fiscal material.
XXV. O reconhecimento da situação pessoal do sujeito passivo (para mais o IRS é um imposto de base pessoal, naquela que é a sua característica mais marcante) opera, in casu, a substituição de um regime normal de tributação por um regime de exclusão,
XXVI. Pelo que é indefensável arguir-se que tal desconsideração (do benefício fiscal, e o mesmo é dizer-se, da situação pessoalíssima do sujeito passivo) não comporta uma injustiça notória e grave (para efeitos do recurso legal à revisão oficiosa do tributo).
XXVII. E reitera-se, o certificado de incapacidade tem efeito constitutivo e não meramente declarativo sobre a situação pessoal do sujeito passivo no âmbito da relação jus-tributária.
XXVIII. Por outro lado ainda, convém, na senda dos doutos ensinamentos da doutrina, recordar que o pedido de revisão oficiosa não pode ser visto ou interpretado como um meio verdadeiramente excecional do contencioso tributário, e que apenas em casos muito taxativos pode intervir para reformar o acto tributário.
XXIX. Na verdade não colhe o propalado argumento da inalterabilidade ou estabilidade do acto tributário, dado que o prazo de revisão oficiosa é simétrico do prazo de caducidade do direito de liquidação (regra geral), pelo que durante aquele período não se pode, com legitimidade, invocar uma definitividade da relação material tributária.
XXX. Com efeito, se é lícito à Autoridade Tributária reformar acto de liquidação anterior, em homenagem do princípio da legalidade fiscal, também o será para o sujeito passivo, quando dentro do mesmo prazo logra demonstrar que o acto tributário padece de violação de lei, daí resultando uma injustiça.
XXXI. Já que o princípio da legalidade não pode deixar de ser encarado sob esta dupla perspectiva, quer do lado do credor tributário, quer do lado do devedor.
XXXII. A revisão oficiosa é pois um recurso e expediente usável pelo sujeito passivo, desde que os princípios da legalidade e da justiça se mostrem ofendidos, e não uma tutela mais abstracta que concreta, mais excepcional e rara que empregável, mais law in books que law in action.
XXXIII. Tal como afirma veementemente a melhor doutrina, “o meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo aos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação”).
XXXIV. É pois a natureza peculiar do Direito Tributário e o carácter fortemente ablativo do acto de liquidação por excelência, que explicam uma menor efectividade do princípio da estabilidade e segurança das relações jurídico-tributárias, pelo menos no decurso do maior prazo de revisão (igual ao da caducidade como antes mencionado), num equilíbrio dinâmico que o legislador expressamente pretendeu.
XXXV. Ora, e se tal vale (inclusivamente) para os casos de autoliquidação, por maioria de razão vale para os casos em que a liquidação é feita pela Autoridade Tributária, como é o caso sub iudicio (IRS), ainda que baseada na declaração do sujeito passivo à data.
XXXVI. Por outro lado ainda, é inequívoco que a interpretação constitucional mais conforme do artigo 268.°, n.°4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), obriga a que o artigo 78.° da LGT seja interpretado como pressupondo sempre a recorribilidade judicial do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a despeito de este ser desencadeado oficiosamente ou a pedido do sujeito passivo, dentro ou fora dos prazos dos outros meios de recurso.
XXXVII. Admitir que não se trata de uma injustiça ostensiva ou violadora das regras da boa-fé e da legalidade tributária, só pode mesmo compreender-se no plano retórico, e da mera dialética processual, porque muito honestamente a diferença de tributação decorrente da assimetria da consideração ou não consideração do benefício fiscal é total,
XXXVIII. Ou seja, é a diferença entre a existência de tributação daqueles rendimentos ou a sua exclusão por força do artigo 16.° do EBF.
XXXIX. Nem outra solução podia ser imposta face à prevalência dos princípios do inquisitório e da verdade material (cfr. artigo 58.° da LGT),
XL. E não se olvide nunca, sobretudo face ao princípio da justiça (cfr. artigo 55.° e 78.° da LGT), que não é uma proclamação abstracta, mas uma normatividade directamente aplicável e vinculativa.
XLI. Em conclusão, devia a Sentença recorrida ter apreciado a legalidade da correcção das liquidações de IRS à luz do regime da revisão oficiosa, assim cuidando do mérito da presente impugnação.
XLII. Tanto mais que, conforme ilustrativamente defendido pela jurisprudência, o pedido de revisão oficiosa tão pouco sai prejudicado por não ter havido prévia dedução de reclamação graciosa, sendo que quando esta foi apresentada, procedeu-se, conforme a lei prescreve, à sua obrigatória e oficiosa convolação.
XLIII. Constitui assim entendimento firme da Recorrente que estão verificados todos os pressupostos processuais de que depende a apreciação do mérito da anulação das liquidações de IRS dos anos de 2002, 2003 e 2004, com fundamento na consideração do benefício fiscal consignado no artigo 16.° do EBF, dado que o documento constitutivo daquele direito foi oportunamente junto com a apresentação do meio processual tornado idóneo e correcto.
XLIV. Finalmente, constata-se ainda que a apresentação da reclamação convolada em pedido de revisão oficiosa, ocorrida em 20.11.2006, cumpre o prazo de quatro anos previsto no artigo 78.°, n.°1, da LGT, tal como cumpre o prazo previsto no artigo 78.°, n.° 4 daquele dispositivo legal (dentro dos três anos posteriores ao do acto tributário).
XLV. Caso ainda assim não se entendesse, o que apenas se concebe à cautela de patrocínio, deve reiterar-se que não assiste igualmente razão à Sentença recorrida quando julga intempestiva a apresentação da reclamação graciosa ao abrigo do disposto no artigo 70.°, n.° 4, do CPPT, dado que é manifesta a superveniência do documento.
XLVI. Tal como alegado antes, apenas nessa data foi possível à Impugnante obter, quer o certificado de incapacidade multiuso, quer o perfeito conhecimento do grau de incapacidade do marido, e bem assim, da sua relevância tributária, para efeitos de fazer valer o direito correspectivo ao benefício fiscal.
XLVII. O facto (único) que admite a obtenção do benefício fiscal e justifica a consideração em IRS foi atestado pela entidade competente,
XLVIII. Pelo que apenas a partir do momento em que a avaliação médica é realizada pode o direito ao benefício fiscal ser exercido, e conhecida a própria existência do mesmo e contornos, até porque se a incapacidade fosse inferior a certa percentagem já não havia lugar à concessão de qualquer vantagem tributária.
XLIX. É pois manifesto que também por aqui Sentença laborou em erro de julgamento ao negligenciar que o conhecimento pelo sujeito passivo da incapacidade relevante para efeitos fiscais apenas nasce com a respectiva declaração médica, e não em momento anterior, pois até lá não existe qualquer certeza desse estado de saúde tributariamente reconhecível.
L. Face ao exposto resulta evidente que (i) a Sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia, pelo que deve ser declarada a nulidade daquela, dado não ter apreciado a legalidade das liquidações de IRS à luz do regime do artigo 78.° da LGT, tendo antes cuidado (exclusivamente) da aplicação do artigo 70.°, n.°4, do CPPT para concluir da intempestividade do meio processual e sequente caducidade do direito de acção (questão subtraída à sua apreciação).
LI. Concluindo-se da aplicação do regime legal da revisão oficiosa, mister é inferir da tempestividade do meio, e apreciada a questão de mérito, concluir-se pela anulação das liquidações que, em violação do princípio da legalidade e justiça tributárias, desconsideraram o benefício fiscal invocado, dado que estão reunidos todos os seus materiais requisitos.
LII. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas em tese se concebe, sempre havia lugar à apreciação do mérito da presente impugnação porquanto a prévia reclamação foi apresentada dentro do prazo determinado no artigo 70.°, n.°4, do CPPT, face à superveniência do documento e à falta de consciência do direito na esfera da Impugnante antes de emitido aquele documento constitutivo do benefício fiscal, e que apenas com aquele emerge na ordem jurídica.
Pugna pela revogação da sentença recorrida e pela sua substituição por decisão que julgue procedente a impugnação, com a consequente anulação das liquidações de IRS e 2002, 2003 e 2004.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:”
A). A impugnante, casada com A ………………., apresentou as declarações de rendimento relativas aos anos de 2002, 2003 e 2004, em 11.02.2004, 28.04.2005 e 20.04.2005, respectivamente [cf. fls. 21 dos autos, não controvertido].
B). Em nenhuma das declarações indicadas em A), foi indicado qualquer grau de incapacidade relativamente a qualquer um dos sujeitos passivos [cf. fls. 21 dos autos, não controvertido].
C). Na sequência das declarações apresentadas pela impugnante e identificadas em A), foram emitidas as liquidações de IRS n.ºs ………495, ……………238 e …………..236, para os anos de 2002 a 2004, respectivamente, no valor total de €5.437,27 [cf. fls. 21 dos autos e não controvertido].
D). A 02.10.2006, foi emitido pela Sub-região de Saúde de Lisboa um documento com a epígrafe “atestado médico de incapacidade multiuso”, onde consta, nomeadamente, que A …………….. “(…) apresenta deficiências, conforme quadro seguinte, que de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro lhe conferem uma incapacidade global de 91% (noventa e um por cento) desde Outubro de 2002 (…). [cf. cópia do atestado médico de incapacidade a fls. 27 dos autos].
E). A 20.11.2006, a impugnante apresentou reclamações graciosas contras as liquidações identificadas em C), posteriormente convoladas em pedidos de revisão do acto tributário [cf. fls. 21 dos autos].
F). Por despacho de 28.05.2007, do Director de Finanças Adjunto de Lisboa, foi indeferido o pedido de revisão das liquidações identificadas em C) [cf. fls. 21 dos autos].
G). A 21.06.2007 a impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão identificada no ponto anterior [cf. fls. 21 dos autos].
H). Por despacho de 13.11.2007, da Directora de Serviços de IRS foi o recurso hierárquico referido em G) indeferido [cf. fls. 17 a 19 dos autos].
I). Pelo ofício n.º 097096, de 15.12.2008, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi dado a conhecer à impugnante o teor do despacho identificado no ponto anterior [cf. fls. 16 dos autos].
J) . A 17.03.2009 foi interposta a presente impugnação judicial [cf. fls. 3 dos autos].”
X
“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.”
X
“Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.”
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
K) Em 07/12/2006, o atestado referido na alínea D) foi entregue ao interessado – doc. constante do p.a.
M) Da informação de suporte ao despacho referido na alínea H), consta, designadamente, o seguinte:
«Veio a contribuinte C ………………….., NIF ……………..
interpor recurso hierárquico do despacho de indeferimento proferido pelo Director de Finanças Adjunto de Lisboa que recaiu sobre o pedido de revisão das liquidações de IRS dos anos de 2002, 2003 e 2004, deduzido com fundamento em atestado médico de incapacidade multiuso passado em 02/10/2006, com efeitos a partir de Outubro de 2002. // Em cumprimento do disposto na alínea b) do n° 1 do artigo 60° da Lei Geral Tributária, foi notificado para se pronunciar sobre o teor do projecto de decisão de indeferimento do pedido. // Dentro do prazo fixado pela Administração Tributária a contribuinte, através do seu mandatário (que junta procuração para o efeito), exerceu o seu direito, manifestando discordância quanto ao projecto de decisão, alegando que: (…) // (…) // No caso concreto, a Recorrente não traz aos autos qualquer elemento susceptível de alterar o enquadramento que a Administração Tributária faz dos factos, limitando-se a reiterar que, quanto ao meio processual, agiu em consonância com as informações prestadas pela AT, e, no que toca ao reconhecimento tardio da incapacidade, não traz aos autos qualquer elemento de prova que permita concluir com alguma segurança que tenha desenvolvido todas as diligências ao seu alcance para obter 0 documento que atesta a sua incapacidade na data em que se verificaram os respectivos pressupostos, ou seja, em Outubro de 2002. // Ora, ficou sobejamente justificado no projecto de decisão, não seria viável “reabrir” as Reclamações Graciosas anteriormente apresentadas, como pretende a Recorrente, já que tal procedimento (intentado ao abrigo do disposto no n° 4 do art. 70° da LGT) só procederia, se tivesse sido provada a impossibilidade de obter o documento comprovativo da incapacidade do contribuinte em data anterior, o que não se verificou. // Pelo exposto, e na ausência de novos factos susceptíveis de alterar o sentido do projecto de decisão sobre o qual a Recorrente se pronunciou no âmbito do exercício do direito de audição prévia, propõe-se que se decida conforme projecto de decisão constante da informação n° 1390/07 de 20/08/2007» - doc. constante do p.a.

2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa em que terá incorrido a sentença recorrida.
A sentença julgou a impugnação improcedente, por considerar que a reclamação graciosa não foi deduzida em tempo e por entender que a alegação de que a emissão do atestado de incapacidade em causa é um facto superveniente, para efeitos do disposto no artigo 70.º/4, do CPPT, não se mostra comprovada.
As questões suscitadas pelo presente apelo consistem em saber se o pedido de reclamação do acto tributário, de 20/11/2006, deve ser admitido, ainda que convolado em pedido de revisão do acto tributário (artigo 78.º da LGT), ao invés do decidido pelos despachos impugnados e se, na eventualidade da decisão ser positiva, se o pedido de revisão do acto tributário deve ser julgado procedente, com a consequente anulação das liquidações de IRS identificadas na alínea C), do probatório.
2.2.2. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, porquanto sustenta que o meio de impugnação graciosa dos actos tributários deve ser convolado em pedido de revisão do acto tributário e as liquidações de IRS sindicadas devem ser anuladas, por violação do disposto no artigo 16.º do EBF (“Deficientes” (1)).
Apreciação. O entendimento sufragado pela sentença sob escrutínio não se pode manter, porquanto desconsidera o dever de convolação oficiosa da AT no procedimento adequado à apreciação da pretensão da reclamante (artigo 52.º do CPPT), o qual no caso corresponde ao procedimento de revisão do acto tributário contestado (artigo 78.º da LGT).
A este propósito, constitui jurisprudência assente a seguinte:
i) «O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei». // «A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 (anterior n.º 6) do art. 78.º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer» (2).
ii) «Não questionando a Administração fiscal que no caso se encontravam preenchidos os requisitos legais para a concessão do benefício fiscal devido a um contribuinte portador de deficiência, não estava legitimada a negar a respetiva pretensão apenas porque o mesmo não enquadrou o seu pedido de revisão oficiosa no regime formalmente adequado, suscitando a questão no âmbito da previsão do n.º 4 do art. 78.º da LGT, quando deveria tê-lo feito a coberto do disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 da mesma norma. // Por força do disposto no art. 52.º do CPPT, a Administração fiscal está obrigada à convolação oficiosa do procedimento na forma correta, suprindo eventuais erros do contribuinte nesta matéria, pelo que a circunstância de o aqui Recorrente ter requerido a revisão do ato com fundamento no disposto no n.º 4 do art. 78.º da LGT não a dispensava de apreciar a questão suscitada com fundamento no disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do mesmo preceito» (3).
No caso em exame, do probatório resulta o seguinte:
i) A impugnante, casada com A ………………., apresentou as declarações de rendimento relativas aos anos de 2002, 2003 e 2004, em 11.02.2004, 28.04.2005 e 20.04.2005, respectivamente (alínea A).
ii) Em nenhuma das declarações indicadas em A), foi indicado qualquer grau de incapacidade relativamente a qualquer um dos sujeitos passivos (Alínea B).
iii) A 02.10.2006, foi emitido pela Sub-região de Saúde de Lisboa um documento com a epígrafe “atestado médico de incapacidade multiuso”, onde consta, nomeadamente, que A ………………. “(…) apresenta deficiências, conforme quadro seguinte, que de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro lhe conferem uma incapacidade global de 91% (noventa e um por cento) desde Outubro de 2002 (…) – (alínea D).
iv) A 20.11.2006, a impugnante apresentou reclamações graciosas contras as liquidações identificadas em C), posteriormente convoladas em pedidos de revisão do acto tributário (alínea E).
Em face da factualidade descrita, verifica-se que a impugnante/recorrente deduziu requerimento de reclamação graciosa, tendo por objecto a anulação das liquidações de IRS de 2002, 2003 e 2004, com base na desconsideração do benefício fiscal previsto no preceito do artigo 16.º do EBF.
Ao abrigo do disposto no artigo 78.º/1 e 2, da LGT e tendo em conta o preceito do artigo 52.º do CPPT (“Erro na forma de procedimento”), cabe à AT convolar o requerimento em apreço em pedido de revisão dos actos tributários sob escrutínio, considerando que o mesmo se mostra em tempo, até porque o erro da desconsideração do benefício fiscal em causa é imputável aos serviços. O erro em causa foi comunicado através das reclamações graciosas mencionadas no probatório, sendo o mesmo relevante na medida em que afecta o apuramento do imposto a liquidar pelo contribuinte nos exercícios em referência. Pelo que o dever de rever o acto tributário questionado, tendo em conta o enquadramento fáctico relevante devia ter sido observado pela recorrida, o que não sucedeu.
Através da presente petição de impugnação e do presente apelo, a recorrente pretende obter a apreciação do mérito da sua pretensão anulatória, com a consequente a anulação das liquidações de IRS de 2002, 2003 e 2004, por as mesmas terem desconsiderado o benefício fiscal do artigo 16.º do EBF, aplicável ao caso da recorrente, facto em relação ao qual não existe dissídio entre as partes.
Em face do exposto, uma vez que a violação do regime do artigo 16.º do EBF se mostra documentada nos autos, sendo o benefício fiscal devido, nos exercícios em causa, atendendo ao atestado médico, referido em D), do probatório, impõe-se julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação das liquidações de IRS de 2002, 2003 e 2004 (identificadas na alínea C), do probatório).
Termos em que se procederá no dispositivo.
Fica prejudicado o conhecimento das demais conclusões de recurso.
Termos em que provê ao presente apelo.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação das liquidações de IRS de 2002, 2003 e 2004.

Custas pela recorrida, sem prejuízo da dispensa da taxa de justiça inicial, dado não ter contra-alegado nesta instância.
Registe.
Notifique.



(Jorge Cortês - Relator)


(1ª. Adjunta- Ângela Cerdeira)


(2ª. Adjunta – Maria da Luz Cardoso)


(1) Versão vigente à data.
(2) Acórdão do TCAS, de 21/05/2015, P. 07787/14
(3) Acórdão do TCAN, de 13/04/2023, P. 03041/19.9BEPRT