Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 135/24.4BEFUN |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 01/23/2025 |
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Relator: | FILIPE CARVALHO DAS NEVES |
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Descritores: | REENVIO PREJUDICIAL SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA |
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Sumário: | Tendo sido suscitada no processo uma questão relativamente à qual em outro processo se haja decidido o reenvio prejudicial para o TJUE, justifica-se que, ao abrigo do disposto nos art.ºs 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, ambos do CPC, seja determinada a suspensão da instância até à admissão desse reenvio ou, se tal suceder, até que seja proferida pronúncia por aquele Tribunal. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO A C… SPA, melhor identificada nos autos, deduziu reclamação judicial, ao abrigo dos art.ºs 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário («CPPT»), contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal 1, de 15/02/2024, que indeferiu o pedido efetuado de reconhecimento da nulidade da citação no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2810202301197681. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por decisão de 21/06/2024, julgou totalmente improcedente a reclamação e, em consequência, manteve o ato reclamado na ordem jurídica. Não concordando com a sentença, a Recorrente, (C… SPA), veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões: «1.º É o presente Recurso apresentado na sequência da Sentença Recorrida proferida pelo TAF do Funchal, referente à Reclamação Judicial da Decisão Reclamada, na qual a AT recusa o reconhecimento da nulidade da Citação endereçada à C... por referência ao PEF que visa a cobrança coerciva da Liquidação de IRC emitida à C…. 2.º Na Reclamação Judicial proposta pela C... ao abrigo do artigo 276.º do CPPT (na origem dos presentes autos), demonstrou a C... a nulidade da Citação, na medida em que: a. Aquela não permite a suspensão do PEF enquanto se discute a exigibilidade da dívida exequenda, violando o art. 190.º, n.º 2 do CPPT, e ferindo grave e irreversivelmente os direitos e garantias de defesa da C... enquanto executada (com oposição judicial ao PEF pendente junto do TAF do Funchal nos proc. 177/24.8BEFUN e 140/24.0BEFUN); b. Também não permite o pagamento em prestações da dívida exequenda, em violação das garantias de defesa da C..., na medida em que impede que esta solva voluntariamente a dívida exequenda de modo parcelado, por forma a que o seu pagamento não afete a viabilidade do desenvolvimento da sua atividade (tanto mais visível quanto foi a C... citada não apenas para o PEF objeto dos presentes autos mas sim para mais três no valor total de € 1.566.720,93, relativos a uma sociedade inativa desde 2019); c. A Citação advém da Liquidação de IRC, a qual foi emitida à N...(sujeito passivo de imposto) e não à C..., que não é executada originária da dívida exequenda (nem poderia sê-lo, na medida em que nem é sujeito passivo de IRC nem desenvolve nem nunca desenvolveu atividade em Portugal), nem é revertida no PEF, em manifesta violação do art. 23.º da LGT, nem contém a Citação qualquer fundamentação quanto à sua responsabilidade pela dívida, a qual acrescenta apenas em sede de Decisão Reclamada, naquilo que é manifestamente fundamentação a posteriori e que como tal deverá ter-se por não escrita; , circunstâncias geradoras de nulidade da Citação, nos termos dos arts. 191.º, n.ºs 1 e 4 e 189.º, n.º 1 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT. 3.º Tendo a C... invocado a nulidade da Citação em primeira instância junto da AT, foi notificada através da Decisão Reclamada da posição da AT a este respeito, a qual a AT expõe o seu entendimento no sentido de: a. o PEF advir da Decisão de recuperação, que impõe ao Estado português a recuperação “imediata” e no prazo de 8 meses dos auxílios ilegalmente concedidos, pelo que salvaguardas previstas na lei nacional como a suspensão do PEF e o pagamento da dívida exequenda em prestações estarem vedados no procedimento em questão; e b. não ter havido reversão da dívida exequenda, expondo pela primeira vez que a responsabilidade imputada à C... pela dívida exequenda deriva unicamente de esta ter sido a sócia única da N…, sociedade dissolvida e liquidada em 2019, nos termos dos arts. 147.º, n.º 2 e 148.º do CSC. 4.º O Tribunal a quo proferiu a Sentença Recorrida no contexto da Reclamação Judicial apresentada pela C..., na qual adere à posição exposta pela AT na Decisão Reclamada, uma vez que: a. defende que perante a Decisão de recuperação proferida pela Comissão Europeia, a qual impõe a recuperação imediata e efetiva dos auxílios de Estado pelo Estado português, não é admissível a aplicação das normas de direito nacional que impliquem quaisquer dilações de prazos no procedimento de cobrança coerciva da dívida; b. admite que inexiste fundamentação da responsabilidade da C... pela dívida exequenda na Citação, não atribuindo qualquer relevância àquele facto, atribuindo relevância a fundamentação a posteriori invocada apenas na Decisão Reclamada; e c. não se pronuncia sobre o suspensivo da Reclamação Judicial (ainda que reconheça que esta deva ter subida imediata, nos termos do art. 278.º do CPPT). 5.º Não se conformando com a Sentença Recorrida, por entender que aquela é nula por omissão de pronúncia e incorrer em erro de julgamento de facto e de direito, vem a C... recorrer da Sentença Recorrida proferida pelo Tribunal a quo, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 282.º do CPPT, o que faz com os seguintes fundamentos: 6.º No que concerne ao thema decidendum, reputa a C... a Citação recebida como nula, por expressa violação do disposto nos artigos 190.º, n.º 2, e 189.º, n.º 1 do CPPT, 191.º do CPC e 22.º da LGT, na medida em que recebeu a Citação para o PEF sem fundamentação da sua responsabilidade pela dívida exequenda e ainda por a Citação vedar a possibilidade de suspensão do PEF enquanto discute a exigibilidade da dívida em sede de oposição à execução pendente, bem como o pagamento da dívida exequenda em prestações, circunstâncias que ferem os seus direitos de defesa de modo irreparável, estando por isso na origem da nulidade da Citação. 7.º Isto é, por um lado, a C... defende que, no contexto do processo de execução fiscal, existem direitos e garantias essenciais dos sujeitos passivos executados que importa salvaguardar e que são o reduto final dos sujeitos passivos que, vendo os seus direitos pecuniários ameaçados através de penhoras, podem utilizar em sua defesa quando existam ilegalidades no procedimento que importem dirimir, como é caso dos presentes autos; por outro lado, a AT e a Sentença Recorrida entendem que o facto de o PEF advir da Decisão de recuperação, proferida pela Comissão Europeia no contexto do direito da UE justifica, per se, a inibição de direitos fundamentais dos executados tributários. 8.º Ora, a Sentença Recorrida adere à posição da AT na Decisão Reclamada por incorrer: a. Em omissão de pronúncia (vício que gera a nulidade da Sentença Recorrida, nos termos do artigo 125.º, n.º1 do CPPT e 140.º do CPTA ), por não se pronunciar acerca dos efeitos suspensivos da Reclamação Judicial que a C... peticionou; e b. Em erros de julgamento de facto e de direito, na medida em que o Tribunal a quo: i. não deu como provados factos essenciais à boa decisão da causa, relacionados com a Liquidação de IRC, a ausência de atividade da C... em Portugal e o facto de não ser sujeito passivo de IRC no país, e o lapso temporal decorrido entre a Decisão e recuperação e a Liquidação de IRC e a Citação; e ainda ii. por fazer uma incorreta interpretação do princípio da primazia do direito da EU sobre o direito nacional (quando não existe qualquer conflito de normas a dirimir, na medida em que é o primeiro que remete para o segundo), gerando erros na decisão relacionados com a nulidade da Citação por não permitir a suspensão do PEF e o pagamento da dívida exequenda em prestações; e iii. por reconhecer que há falta de fundamentação na Citação quanto à responsabilidade da C... pela dívida exequenda, mas disso não retirar quaisquer consequências, na medida em que esta não é a devedora originária da dívida e, sem um processo de reversão da dívida fiscal, não lhe podia ser exigido o seu pagamento (não recebeu qualquer liquidação de IRC que pudesse servir de base ao PEF nem lhe são aplicáveis os artigos 147.º e 148.º do CSC no caso em disputa nos autos, os quais a Sentença Recorrida interpreta também incorretamente), valorando ilegalmente fundamentação a posteriori. 9.º Quanto aos factos relevantes para apreciação do presente Recurso, listam-se (ainda que sem efeito taxativo) os seguintes: a. A N...foi uma sociedade com sede na RAM que ali desenvolveu atividade de transporte marítimo, sujeita ao Regime III da ZFM em sede de IRC e beneficiando de tributação reduzida ao abrigo daquele, nos termos dos arts. 33.º e 36.º do EBF, até à sua dissolução em 9 de julho de 2019, altura em que nomeou como seu represente fiscal o Sr. F…; b. A C... foi sócia única da N..., não tendo tido em nenhum momento atividade em Portugal nem na RAM nem sendo sujeito passivo de IRC em Portugal; c. O Regime III da ZFM, aprovado pela Comissão ao abrigo do art. 108.º, n.º 3 do TFUE e transposto para o ordenamento jurídico nacional pelos arts. 33.º a 36.º do EBF, foi considerado ilegal pela Decisão de Recuperação em 4/12/2020 sempre que os sujeitos passivos que dele beneficiassem não cumprissem requisitos de desenvolvimento regional, tendo a Comissão condenado Portugal à recuperação de tais auxílios no prazo de 8 meses. d. Em 25/07/2023, a N...recebeu na figura do seu representante fiscal a Liquidação de IRC e a respetiva demonstração de acerto de contas, no valor de € 479.677,92, referentes a IRC alegadamente devido em resultado da Decisão de Recuperação por referência ao IRC de 2013. e. Em 22/01/2024, a C... recebeu a Citação para o PEF, na qual constava como executada juntamente com a N..., indicando-se na Citação que aquela respeitava a recuperação de auxílios e que como tal não seria possível pedir a suspensão do PEF nem o pagamento da dívida exequenda em prestações. f. Perante aquelas proibições e a omissão quanto ao fundamento da responsabilidade da C... pela dívida exequenda, invocou esta a nulidade da Citação junto da AT, a qual proferiu em resposta a Decisão Reclamada, em que rejeitou a nulidade da Citação e defendeu que a suspensão do PEF e o pagamento da dívida exequenda em prestações estavam vedados pelo conteúdo da Decisão de recuperação, que impõe a recuperação do auxílio no prazo de 8 meses e com efeitos imediatos e que a responsabilidade da C... se relacionava com a dissolução e liquidação da N..., não tendo existido reversão no PEF. g. Não se conformando com aquela decisão, a C... apresentou Reclamação Judicial ao abrigo do art. 276.º do CPPT, a qual deu origem à Sentença Recorrida de que ora se recorre. 10.º Em primeiro lugar, é a Sentença Recorrida nula por omissão de pronúncia nos termos do artigo 125.º, n.º1 do CPPT e 140.º do CPTA, na medida em que, quanto ao pedido de que a Reclamação Judicial tivesse efeito suspensivo, o Tribunal não se pronunciou, embora tivesse reconhecido - e bem - a subida imediata da Reclamação Judicial, nos termos do artigo 278.º do CPPT. 11.º Contudo, mesmo que o Tribunal a quo não tenha expressamente reconhecido o efeito suspensivo, é jurisprudência consolidada dos nossos tribunais superiores que este é o efeito necessário quando se admite a subida imediata sob pena de inutilidade prática e consequente violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268.º, n.º 4 da CRP. 12.º Inclusivamente, reconhece a jurisprudência que o efeito suspensivo não é só do ato reclamado, mas também do próprio PEF e se deve manter até que haja trânsito em julgado da Reclamação Judicial. 13.º Não o tendo feito, está a Sentença Recorrida ferida de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT e 140.º do CPTA, e, caso não se reconheça a nulidade - o que não se concede e apenas se invoca por cautela de patrocínio, sempre se deverá reconhecer que o Tribunal a quo admitiu tacitamente que a Reclamação Judicial tivesse efeito suspensivo, tal como tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores sempre que se admite a subida imediata da Reclamação Judicial, efeito suspensivo esse que o Tribunal deverá manter. 14.º Em segundo lugar, incorre a Sentença Recorrida em erro de julgamento por errada apreciação da matéria de facto, na medida em que não inclui na lista de factos provados alguns factos que seriam essenciais para a boa decisão do thema decidendum e os quais a C... requer desde já que sejam aditados aos factos provados pela Sentença Recorrida: a. A Liquidação de IRC n.º 2022 8310029100 e a respetiva demonstração de acerto de contas (n.º 2023 00019840898), foram emitidas à N...e notificadas ao seu representante fiscal, o Sr. F…, a 31 de julho de 2023 (dois anos e meio após a Decisão de recuperação), no domicílio fiscal deste último, sito na E…, n.º …, Câmara de Lobos, Madeira (cf. Doc. 4 da PI); b. Nem a Liquidação de IRC nem a demonstração de acerto de contas n.º 2023 00019840898 foram emitidas ou notificadas à C... (cf. Doc. 4 da PI); c. A Citação foi notificada à C... apenas em 22 de janeiro de 2024, mais de três anos após a Decisão de recuperação, sendo que esta nem tem nem nunca teve atividade comercial em Portugal, nem nunca foi sujeito passivo de IRC neste país (cf. Doc. 2 da PI). 15.ºDar aqueles factos como provados é essencial, na medida em que (i) demonstram que a C... não é a devedora originária da dívida exequenda (essencial para demonstrar que a Citação carecia de fundamentação quanto ao fundamento da sua responsabilidade tributária sob pena de nulidade da Citação, conforme sucedeu) e (ii) demonstram que a Liquidação de IRC e a Citação foram emitidas 30 e 36 meses respetivamente após a Decisão de recuperação, quando esta impunha ao Estado português um prazo de recuperação de 8 meses, o qual é invocado pela AT como fundamento para impedir a suspensão do PEF e o pagamento em prestações da dívida exequenda, por já ter sido excedido aquele prazo, ficando demonstrado com os factos que se pretende aditar que o atraso naquela recuperação se ficou a dever única e exclusivamente à AT e ao Estado português e não à C.... 16.º Acresce que os factos cujo aditamento à lista de factos provados se requer estão documentalmente provados pelos Docs. 2 e 4 juntos à Reclamação Judicial (não sendo sequer controvertidos nos presentes autos). 17.º E, em terceiro lugar, padece ainda a Sentença Recorrida em erro de julgamento por errada apreciação da matéria de direito por: a. Incorreta interpretação do princípio do primado do direito da UE, utilizado como fundamento para impedir a suspensão do PEF enquanto é discutida a exigibilidade da dívida e a legalidade dos atos praticados pelo órgão de execução fiscal (art. 276.º do CPPT), na medida em que a Sentença Recorrida entende que aquelas faculdades estavam vedadas por a Decisão de recuperação impor a recuperação de auxílios de forma imediata e efetiva. Por aquele motivo, ainda que o Estado português tenha optado por recuperar os auxílios em questão através do procedimento e processo tributários (Liquidação de IRC e Citação), fê-lo eliminando as disposições nacionais contrárias ao direito da UE, ao abrigo do princípio do primado do direito da UE. Não obstante, ignora a Sentença Recorrida que é o próprio direito da UE que remete para o ordenamento jurídico nacional (cf. art. 16.º, n.º 3 do Regulamento 2015/1589), o qual impõe que a recuperação seja feita “segundo as formalidades do direito nacional do Estado-membro em causa”. Ora, sendo o próprio direito da UE que remete para o direito nacional, não se pode falar da prevalência do direito da UE sobre este último, não havendo qualquer confronto entre aquelas normas que importe dirimir e onde possa aplicar-se o princípio da primazia do direito da UE. Por outro lado, sempre que o legislador português pretendeu estabelecer um regime com menos garantias no âmbito do processo de execução fiscal para aumentar a celeridade processual, efetivamente o fez. A esse respeito veja-se o revogado n.º 11 do artigo 169.º CPPT, que excluía da sua aplicação as dívidas de recursos próprios comunitários para alcançar a celeridade processual exigida pelo Direito da UE. Não existindo disposição equivalente no que concerne às quantias exequendas relacionadas com auxílios de Estado ilegalmente concedidos, não compete à AT substituir-se ao legislador. Nesse sentido, decidiu já o STA em dois acórdãos paradigmáticos relativos a recuperação de auxílios de Estado da ZFM (proferidos nos processos 33/24.1BEFUN e 88/24.9BEFUN), nos quais o STA reconhece que (i) a AT não pode selecionar preceitos da lei nacional a aplicar, decidindo desaplicar os restantes, que (ii) que o processo de execução fiscal é um processo simplificado, não podendo por isso ser ainda mais expurgado de garantias essenciais de que está revestido e que (iii) o facto de, contrariamente aos recursos comunitários (cf. antiga versão do art. 169.º, n.º 11 do CPPT), não estar prevista norma especial para auxílios de Estado que vede a possibilidade de suspensão do processo de execução fiscal, denota claramente que o legislador não pretendeu prever norma especial para o efeito, tendo o STA concluído pela nulidade de citação em causa naqueles autos por vedar o direito de suspensão do PEF e pagamento a prestações, tal como vem peticionado pela C... nos presentes autos (cf. Doc. 1 junto). Acresce que impedir a C... de suspender o PEF - mediante a prestação de garantia ou a sua dispensa, nos termos dos arts. 169.º e 199.º do CPPT e 52.º da LGT -, sempre implicará uma manifesta e grave violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, já que o PEF é um processo de execução simplificado, que sempre deverá ser aplicado juntamente com as suas válvulas de escape/garantias dos executados, como a C.... Naqueles termos, é manifesto que a Sentença Recorrida incorre em erro de julgamento sobre a matéria de direito, na medida em que aprecia esta questão à luz do binómio direito da UE vs direito nacional, perante o qual necessariamente deverá concluir-se que prevalece o direito da UE, ao qual o Estado português se vinculou. Não obstante, sendo o próprio direito da UE que remete para as normas nacionais aplicáveis, não é possível aplicar nos presentes autos o princípio da primazia do direito da UE, por ser justamente este que remete para o direito português, inexistindo qualquer conflito de leis que importe dirimir. Apenas a possibilidade de contestar a exigibilidade da dívida com suspensão do PEF salvaguarda os direitos dos executados, já que permite assegurar o cumprimento da lei, sem estar permanentemente ameaçado de eventuais penhoras, única alternativa restante ao executado, na medida em o pagamento da dívida exequenda faz extinguir o PEF, nos termos do art. 203.º, n.º 7, do CPPT. Por outro lado, possibilidade de pagamento em prestações confere o direito de contribuintes com capacidades económicas limitadas cumprirem as suas obrigações fiscais de forma parcelada, dando expressão ao seu direito de cumprir as suas obrigações, ainda que sem capacidade de as solver de uma só vez. b. Incorreta interpretação do disposto nos artigos 21.º - 23.º da LGT e 191.º do CPC por não retirar consequências da falta de fundamentação quanto à responsabilidade da C... pela dívida exequenda: Não sendo a C... devedora originária da dívida exequenda (não recebeu qualquer liquidação de IRC em seu nome), surge como executada na Citação, pelo que terá necessariamente de existir um ato que tenha servido de base à transmissão da responsabilidade da N...(devedora originária nos termos da Liquidação de IRC) para a C..., a qual nunca foi fundamentada na Citação e que, não o tendo sido, gera a nulidade da Citação, nos termos do art. 191.º, n.ºs 1 e 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT. Considerando que a responsabilidade é como regra subsidiária (cf. arts. 22.º, n.º 4 e 21.º, n.º 2 da LGT) e não consta da Citação (nem é aplicável, conforme a C... demonstra nos presentes autos) qualquer fundamento de responsabilidade solidária da C... pela dívida exequenda, então teria necessariamente de ter existido reversão da dívida exequenda, cujos requisitos não estão cumpridos, o que redunda na nulidade da Citação. Ora, decidiu mal a Sentença Recorrida ao entender que a falta de fundamentação da Citação não causou prejuízos à C... porque esta “sabia perfeitamente” do que se tratava (confundindo os conceitos de legitimidade processual e substantiva que os tribunais têm vindo a distinguir), pois teria a responsabilidade da C... de ser sempre fundamentada na Citação, sob pena de ausência de elementos essenciais da Citação, geradores da sua nulidade, nos termos do art. 191.º, n.ºs 1 e 4 do CPC. A fundamentação é um dever de qualquer ente administrativo (arts. 268.º, n.º 3 da CRP, 152.º, n.º 1, al. b), e 153.º do CPA, aplicável ex vi art. 2.º, n.º 1, al. c), da LGT e 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT), o qual foi incumprido pela AT na Citação. E não retirando a Sentença Recorrida quaisquer consequências da falta de fundamentação da Citação, nomeadamente, declarando a sua nulidade, deverá também este segmento decisório ser revertido por este douto Tribunal por erro sobre os pressupostos de direito, o que desde já se requer. c. Incorreta interpretação do disposto nos art. 147.º e 148.º do CSC por considerar, erradamente, que aqueles artigos seriam aplicáveis à C..., os quais não o são, na medida em que tendo sido a N...uma sociedade de responsabilidade limitada, deve ter-se por absolutamente excecional o regime disposto no art. 147.º, n.º 2 do CSC, o qual cria um regime de responsabilidade ilimitada por dívidas fiscais de sociedades dissolvidas, sendo apenas constitucional na medida em que é um regime opcional, sendo qualquer outra interpretação inconstitucional, por violação dos arts. 61.º, n.º 1; 80.º, al. c); 86.º, n.º1; 62.º, n.º1; 2.º e 17.º da CRP, conforme a jurisprudência vem firmando. Sendo a responsabilidade ilimitada prevista no art. 147.º, n.º 2 do CSC aplicável a dívidas fiscais, sempre deverá entender-se que a incerteza da responsabilidade ilimitada fica temporalmente limitada pelos prazos de prescrição e de caducidade das dívidas tributárias, previstos nos arts. 45.º e 48.º da LGT, tendo a AT justamente exigido a cobrança da dívida fora do prazo de caducidade da dívida exequenda. O disposto no art. 147.º, n.º 2 do CSC é uma norma anti-abuso, prevista para situações em que os sócios de uma sociedade que anteveem dívidas fiscais optam por extingui-la para que não haja lugar à sua cobrança coerciva, o que é claramente inaplicável no caso em apreço, na medida em que a dívida exequenda, resultante da Decisão de Recuperação, era absolutamente inesperada e tendo a dissolução da N...sido decidida muito antes daquela. Pelo que, tendo a Sentença Recorrida aderido à fundamentação desta matéria da Decisão Reclamada, incorre em erro de direito por incorreta interpretação daquelas normas, inaplicáveis à C... no caso dos presentes autos.». * A Recorrida apresentou contra-alegações, não tendo formulado conclusões, pedindo a final:«NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO: I. O PRESENTE RECURSO DEVERÁ SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, CONFIRMANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA. II. ALÉM DISSO, DESDE JÁ SE REQUER A V.ªS EXAS., AO ABRIGO DO MECANISMO DO REENVIO PREJUDICIAL PREVISTO NO ARTIGO 267.º DO TFUE, SOLICITE AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA QUE ESTE SE PRONUNCIE SOBRE A QUESTÃO VERTIDA NO PONTO B) DO PRESENTE ARTICULADO. III. MAIS SE REQUER, DESDE JÁ, A DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA, NOS TERMOS DO ART.º 6.º, N.º 7 DO RCP.». * suspensa até que a questão prejudicial pendente junto do TJUE fique definitivamente resolvida e que a AT seja condenada a abster-se de praticar atos adicionais no processo de execução fiscal objeto dos presentes autos até que a questão prejudicial fique definitivamente resolvida» (cf. fls. 719 a 726 dos autos). * * Com dispensa de vistos atenta a natureza urgente do processo, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal para decisão.* II – DO OBJECTO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n. 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao ter considerado que não se verifica a alegada nulidade da citação. Em sede de contra-alegações, veio a Recorrida, além do mais, requerer o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia («TJUE»), com vista a que seja esclarecida a interpretação de atos das instituições da União Europeia em causa no presente recurso, pedido que importa a título prévio decidir. * III.A - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «1. Pelo Serviço de Finanças do Funchal - 1 foi instaurado contra N... UNIPESSOAL, LDA., o processo de execução fiscal n.º 2810202301197681, por dívida de IRC do exercício de 2013 – recuperação de auxílios, no valor global de € 479 677,92 (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual e citação junta à p.i.); 2. Citada para aquele processo, a aqui Reclamante C... SPA apresentou junto do Serviço de Finanças do Funchal - 1 um pedido de suspensão do processo de execução fiscal com dispensa de prestação de garantia, onde dava nota de que era a única sócia da N... UNIPESSOAL, LDA., tendo optado pela sua dissolução no ano de 2019, e que apresentava tal requerimento ao abrigo do art.º 163.º do Código das Sociedades Comerciais, representando a totalidade do interesse da sociedade dissolvida, com o que concluía pela sua legitimidade em substituição da N... UNIPESSOAL, LDA. (cfr. tal requerimento no processo de execução fiscal em suporte virtual); 3. Da citação não consta qualquer alusão à responsabilidade da Reclamante (cfr. a citação no processo de execução fiscal em suporte virtual); 4. A Reclamante apresentou ainda um outro requerimento a arguir a nulidade da citação, uma vez que a citação emitida lhe vedava, no seu entender, a possibilidade de suspensão do processo de execução fiscal através da prestação de garantia, de um pedido de dispensa de prestação de garantia ou efetuar o pagamento da dívida em prestações, para além de não explicitar o porquê da sua responsabilidade (cfr. Processo de execução fiscal em suporte virtual e citação junta à p.i.); 5. A aqui Reclamante apresentou ainda oposições à execução (cfr. SITAF); 6. Por despacho de 15/02/2024 foi proferida decisão de indeferimento do pedido de reconhecimento de nulidade da citação apresentado pela Reclamante, mais se avançando que a responsabilidade da Reclamante tinha como fundamento o n.º 2 do art.º 147.º e art.º 148.º, preceitos ambos do Código das Sociedades Comerciais (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual e despacho e informação de suporte juntos à p.i.); 7. Notificada do despacho de indeferimento, veio a Reclamante apresentar a presente ação (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual e despacho de indeferimento junto à p.i.)». * A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:«Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.» * «A convicção do Tribunal assentou na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme referenciado em cada alínea do probatório, tudo fundamentado no n.º 2 do art.º 34.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no n.º 1 dos art.ºs 369.º, 370.º e 371.º, todos do Código Civil (documentos produzidos pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira) e no n.º 1 dos art.ºs 373.º, 374.º e 376.º, todos também do Código Civil (documentos particulares).» * III.B De DireitoNo presente recurso jurisdicional importa decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao ter considerado que não se verifica a alegada nulidade da citação para a execução fiscal em referência, tendo julgado improcedente a reclamação apresentada. Dado que a Recorrida requereu nas respetivas contra-alegações o reenvio prejudicial para o TJUE, com vista a que seja esclarecida a interpretação de atos das instituições da União Europeia em causa no presente recurso, importa, antes de mais, decidir esse pedido. Vejamos. Tem este Tribunal conhecimento que o Supremo Tribunal Administrativo («STA») já proferiu diversos acórdãos em que está em causa precisamente esta questão do reenvio prejudicial para o TJUE, relativamente à mesma matéria, e que merecem, naturalmente, a nossa adesão. Assim, seguiremos o entendimento vertido no acórdão do STA proferido no processo n.º 148/24.6BEFUN, e que transcrevemos, na parte aqui relevante: «(…) 3.2.5. Cumpre, então, agora, decidir. E, neste sentido, começamos por sublinhar que é de conhecimento oficial que estão pendentes neste Supremo Tribunal e no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal diversos processos cujos litígios tem por objecto a mesma questão de fundo que ora nos cumpre decidir. Sendo que, conforme informação prestada e documentalmente comprovada neste (e noutros processos), no âmbito do processo n.º 299/24.7BEFUN foi formulado ao TJUE pedido de reenvio prejudicial. O qual, segundo também documento constante dos autos, foi aí recebido, tendo-lhe sido atribuído o n.º C-545/24. Ora, como se disse no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Novembro de 2006, no processo n.º 1216/05 (integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt ), «Tendo sido suscitada no processo uma questão essencial, relativamente à qual em outro processo se haja decidido o reenvio prejudicial para o TJUE, não faz sentido um segundo reenvio em relação a essa questão essencialmente idêntica. 3.2.6. Assim, tendo em consideração a identidade da questão de mérito colocada em todos os processos mencionados e o pedido de reenvio prejudicial formulado, entende-se que é, por ora, e pelo menos até que o TJUE profira despacho de admissão do reenvio prejudicial que lhe foi submetido, de suspender a presente instância, nos termos do preceituado nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.(…)». Pelo que, acolhendo na íntegra e sem reserva a posição sufragada pelo STA, nomeadamente, no acórdão acima transcrito, será de suspender a presente instância, pelo menos, até que o TJUE profira despacho de admissão ou até que julgue o mérito do reenvio prejudicial que lhe foi submetido no âmbito do processo n.º 299/24.7BEFUN. Por último, notamos que a execução fiscal apenas pode ficar suspensa nos termos legalmente consagrados (cf., designadamente, os art.ºs 169.º, 199.º e 278.º, n.ºs 8 e 9 do CPPT e 52.º da Lei Geral Tributária), pelo que, nesse conspecto, e nesta fase, nada cumpre a este Tribunal determinar. * IV- DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em suspender esta instância de recurso, até que esteja decidida pelo TJUE a admissibilidade do reenvio ou julgado de mérito o reenvio prejudicial efetuado no âmbito do processo n.º 299/24.7BEFUN. Notifique as partes e o Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCAS da presente decisão, mais se ordenando ao tribunal a quo que seja dado conhecimento de todas as comunicações que a partir da presente data lhe sejam realizadas pelo TJUE no âmbito do processo n.º 299/24.7BEFUN. Lisboa, 23 de janeiro de 2025 (Filipe Carvalho das Neves) (Isabel Fernandes) (Susana Barreto) |