Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8292/14.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/28/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS;
PRESSUPOSTOS.
Sumário:I. Os juros compensatórios são devidos quando haja atraso na liquidação imputável ao contribuinte.

II. Tendo sido deferida a aceleração das taxas de amortização e, nessa sequência, revogadas as correções efetuadas pela AT, deixando de subsistir a liquidação de IRC no que a essa parte respeita, deixa de existir fundamento para a liquidação de juros compensatórios.
III. Os créditos tributários não são disponíveis, de maneira a que se possa definir o não pagamento de um em contrapartida do pagamento de outro.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 25.07.2014, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por B........, SA (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto o ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente à liquidação de juros compensatórios respeitante a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) n.º 8……., referente ao exercício de 1995.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1°- A douta sentença prolatada pelo Tribunal "a quo" deu total provimento à pretensão da impugnante, tendo como consequência decisória a anulação do acto de liquidação de juros compensatórios.

2°- Com tal entendimento não pode a ora apelante conformar-se, pois em face da prova produzida, designadamente da atrás elencada, sob a alínea E) (com suporte na prova documental), dúvidas não podem restar de que a liquidação impugnada vem na sequência de insistência da A.... - A........, que representava igualmente a impugnante, para deferimento de aceleração das taxas de amortização, apenas teve provimento a título excepcional e com a condição de pagamento dos juros compensatórios devidos;

3°- Ora, aqui chegados importa chamarmos à colação o parecer do Digníssimo Magistrado do Ministério Público, que acompanhamos e cujo teor passamos a citar: "A impugnante vem sindicar o acto de indeferimento, de 31 de Outubro de 2003, do Director de Finanças Adjunto, de pedido de reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1995;

4°- Na sequência de várias exposições feitas pela A......., com vista à revisão do entendimento sancionado pela circular 9/93, que conduziu àquela liquidação assim como das LA de IRC para a generalidade do sector com o mesmo fundamento, o senhor SEAF veio a proferir o despacho de 23 de Março de 1998, exarado na Informação n.º 83/98, da DSIRC, nos termos do qual, a título excepcional, na sequência das amortizações excessivas associadas às viaturas ligeiras de passageiros ou mistas afectas à actividade de locação financeira, apenas deveriam ser liquidados os juros compensatórios (mas não o imposto devido)

5°- Nos termos do estatuído no artigo 80.º, n.º 1 do CIRC (na redacção, então, em vigor), são devidos juros compensatórios, quando «for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido», por facto imputável ao sujeito passivo (artigos 94.º do CPT e, actualmente, artigo 35.º da LGT);

6°- O regime dos juros compensatórios é um específico de indemnização civil da Fazenda Pública pelos danos causados pela falta de cobrança do imposto, originada pelo incumprimento culposo dos deveres acessórios que o IRC impõe;

7°- Parece certo que só pode haver lugar ao pagamento de juros compensatórios se for devido imposto

8° - Conclusão que ressalta do CIRC (artigos 82.º, n.º 5, 84.º,n.º 2, 86.º e 91.º, n.º 1 e 2);

9° - E a verdade é que, no caso em análise, com as correcções às reintegrações, era devido imposto e só a título excepcional é que foi determinado que se liquidassem, apenas, os juros compensatórios;

10° - Que são devidos, pois que a aplicação de aceleração de taxas de amortização, autorizada, a título excepcional, implica, necessariamente, um retardamento da liquidação;

11° - A questão seria diferente se não houvesse lugar a colecta, independentemente das correcções efectuadas às reintegrações, o que não é o caso;

12° - Nestes termos, e salvo melhor opinião, parece-nos que deve ser negado provimento à presente impugnação, mantendo-se o acto sindicado na ordem jurídica.";

13° - Pelo que, a douta sentença, ora colocada em crise, padece de vício de violação de lei, bem como de falta de análise crítica do douto despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado de Assuntos Fiscais, maxime, do carácter excepcional do mesmo, bem como da condição de pagamento dos juros compensatórios à altura devidos;

14° - Acrescendo que, pois foi a pedido da A....... – A….., da qual a impugnante fazia parte, que o SEAF, a título excepcional, deu provimento à pretensão daquele organismo, no sentido de que apenas fossem liquidados juros compensatórios, pelo retardamento da liquidação, tal como requerido foi pela A.......;

15º - Mas mais, o deferimento de tal pretensão deveu-se, não a razões técnicas, mas de ordem financeira, tendo sido apresentados argumentos que conduziriam a situações gravosas, nomeadamente a impossibilidade de cumprirem os critérios de solvabilidade mínimos impostos pelo Banco de Portugal, o que conduziria à sua insolvência;

16° - Ora, como facilmente se constata, o despacho de SEAF teve em conta, a título excepcional, toda a factualidade económica elencada pela A......., e depois de devidamente sopesada, proferido que foi despacho a admitir tal aceleração, mas com a condição de pagamento dos juros compensatórios;

17° - Na verdade, a impugnante quer o melhor de dois mundos, pois por um lado aceita o benefício que o despacho do SEAF lhe acarreta e por outro não aceita a condição imposta por tal benefício;

18° - Acresce que, se a impugnante não concordasse com o vertido no despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, deveria impugnar a liquidação emitida primitivamente, bem como os juros compensatórios a ela indexados, e não remeter-se ao silêncio, pois assim concordou com o seu conteúdo, conformou-se, retirou dividendos dele, pois de outra forma a colecta não seria absorvida pelos prejuízos transitados, pelo que é demonstrador da aceitação das condições plasmadas no redito despacho;

19° - E daí que será, a nosso ver, seriamente abusivo, concluir-se, como se fez na douta sentença ora posta em crise, que não havendo imposto a pagar tão-pouco haverá juros compensatórios, quando, por tudo quanto vem dito, a impugnante consegue o melhor de dois mundos, aderir a um beneficio excepcional e, pasme-se, não estar sujeito à incumbência que daí advém, maxime, pagamento de juros compensatórios devidos

20° - De salientar, que resulta dos autos, e do ponto E) dos Factos Provados, que o SEAF, a título excepcional, e na sequência de várias exposições feitas pela A......., decidiu autorizar a aceleração das taxas de amortização em viaturas ligeiras de passageiros ou mistas afectas a locação financeira, no entanto a douta sentença ora colocada em crise, faz tábua rasa desse regime excepcional, não fazendo uma análise crítica do mesmo, tão-pouco do douto parecer do DMMP, junto aos autos e que subscrevemos supra;

21º - Destarte, por tudo quanto vai dito, a decisão não poderia ser outra senão o indeferimento, com todas as legais consequências”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“1.ª O presente recurso foi interposto pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública contra a sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo Recorrido contra a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa n.º 3085-99/40069.2, proferida através de despacho de 31.10.2003, pelo Diretor de Finanças Adjunto, o Exmo. Senhor J......., relativa à liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 8…….., de 29.10.1998, no valor de € 43.101,72, referente ao exercício de 1995, na parte relativa a juros compensatórios;

2.ª É manifesta a improcedência do presente recurso;

3.ª Com efeito, estando em causa nos presentes autos juros compensatórios incidentes sobre correções anuladas pela administração tributária e não tendo o Impugnante apurado qualquer coleta no exercício em virtude do reporte de prejuízos fiscais dos exercícios anteriores, bem andou a sentença recorrida quando concluiu pela ilegalidade da liquidação de juros compensatórios impugnada;

4.ª De facto, à luz dos preceitos legais aplicáveis à data dos factos - quais sejam, o artigo 35.º da Lei Geral Tributária (LGT), o artigo 83.º do Código de Processo Tributário (CPT) e o artigo 80.º do Código do IRC - e traduzindo-se a liquidação de juros compensatórios numa compensação pelo tempo em que o credor da prestação tributária (Estado) esteve, por força de uma conduta ou omissão culposa do sujeito passivo, privado da utilização do seu capital, a circunstância de o presente ato tributário não ter apurado qualquer coleta leva a concluir que nunca chegou a verificar-se privação de qualquer montante por parte do Tesouro Público;

5.ª Esta conclusão não é prejudicada pelo carácter alegadamente excecional da revogação das correções efetuadas com referência às reintegrações praticadas em viaturas ligeiras de passageiros ou mistas afetas a locação financeira, nem é possível imputar-se qualquer tipo de má-fé ao Impugnante, por não acatar o resultado de um despacho que, afinal, satisfez as pretensões insistentemente formuladas pela entidade representativa do sector em que se insere;

6.ª Desde logo, porque em momento algum se pode fazer depender de uma mera orientação administrativa, com o devido respeito, o direito à liquidação de juros compensatórios, em violação dos pressupostos legalmente previstos para o efeito, pelo que a circunstância de a anulação daquelas correções ter sido subordinada ao pagamento de juros compensatórios não tem força de lei que suporte a emissão da liquidação de juros compensatórios;

7.ª Acresce que, em qualquer circunstância e independentemente das correções efetuadas, nunca seria apurada coleta por força da dedução dos aludidos prejuízos fiscais, pelo que o argumento do Ilustre Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer de que "A questão seria diferente se não houvesse lugar a colecta, independentemente das correções efectuadas às reintegrações, o que não é o caso" não pode proceder;

8.ª Com efeito, o que releva é somente aferir do apuramento de qualquer imposto a pagar com referência a este exercício o que, conforme se demonstrou, também não se verificou, pelo que, não subsistindo qualquer fundamento para a liquidação de juros compensatórios, só pode concluir-se que a sentença recorrida não padece de qualquer vício;

9.ª Razão pela qual, em face do exposto, deve julgar-se improcedente o recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida que julgou procedente a presente impugnação judicial”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de o deferimento de aceleração das taxas de amortização apenas ter tido provimento a título excecional e com a condição de pagamento dos juros compensatórios devidos?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A Impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização, de análise externa, no exercício de 1995 - cf. documentos de fls. 27 dos autos;

B) Na sequência da referida acção inspectiva foram efectuadas, entre outras, correcções relacionadas com reintegrações praticadas em viaturas ligeiras de passageiras ou mistas, afectas à actividade de Locação Financeira, em virtude de a Administração Tributária ter considerado que estes bens se enquadram no tipo de bens previstos na alínea b) do n.º 4 do artigo 9.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12/1, ao abrigo do entendimento decorrente da Circular n.º 9/93, pelo que não poderiam beneficiar do regime de aceleração de taxas de reintegração - cf. fls. 13;

C) Tais correcções resultaram no acréscimo ao lucro tributável no valor de € 549.327,78 alterando o lucro declarado de € 708.087,84, para um lucro tributável corrigido de € 1.257.425,62 - - cf. fls. 26;

D) Das referidas correcções resultou a liquidação n.º 8310004224 de 1/4/1998 no valor de € 618.863,56 - cf. fls. 13;

E) Na sequência de várias exposições feitas pela A.... - A........, com vista à revisão do entendimento sancionado pela Circular 9/93, que conduziu à liquidação identificada na alínea anterior, assim como das liquidações adicionais de IRC para a generalidade do sector com o mesmo fundamento, por despacho de 23 de Março de 1998, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, exarado na Informação n.º 83/98, da D IRC, decidiu que, a título excepcional, na sequência das amortizações excessivas associadas às viaturas ligeiras de passageiros ou mistas afectas à actividade de locação financeira, apenas deveriam ser liquidados os juros compensatórios (mas não o imposto, eventualmente devido) - cf. fls. 25;

F) Tal despacho determinou a revogação das correcções identificadas em B) com base no entendimento de que "Estando em causa um acréscimo de custos num exercício já compensado por um acréscimo de proveitos, noutro, serão apenas devidos juros compensatórios pelo retardamento da liquidação, pelo que as liquidações adicionais de que as empresas em causa foram objecto irão ser corrigidas em conformidade" - cf. fls. 25;

G) Reapreciadas as correcções efectuadas, à luz do despacho referido na alínea anterior, foi corrigido o lucro tributável anteriormente declarado de € 708.087,83, para € 709.278,70, não resultando qualquer colecta em virtude do reporte dos prejuízos transitados do exercício anterior, que assim foram repostos, também em resultado de idênticas correcções efectuados em exercícios anteriores - cf. fls. 73;

H) Em 29/10/1998 foi emitida a liquidação n.º 8…… no valor de € 43.101,71 referente a juros compensatórios - cf. fls. 15;

I) Não se conformando com tal liquidação, em 16/3/1999 a Impugnante deduziu reclamação graciosa - cf. fls. 26;

J) Por despacho de 31/ 10/2003 foi indeferida a reclamação - cf. fls. 57 do PAT vol II e 24 dos autos”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo tributário, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda­-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

K) Por referência ao exercício de 1994, o saldo de prejuízos a reportar era de 1.301.968,96 Eur. (cfr. fls. 77).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que, atento o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), o deferimento de aceleração das taxas de amortização teve provimento a título excecional e com a condição de pagamento dos juros compensatórios devidos.

Por seu turno, o Recorrido entende que não poderiam ser liquidados os juros compensatórios em causa, não só por incidirem sobre correções anuladas, mas também por não ter sido apurada qualquer coleta, em virtude do reporte de prejuízos dos exercícios anteriores.

Vejamos então.

Está em causa a liquidação de juros compensatórios, no valor de 43.101,71 Eur., emitida na sequência do entendimento vertido pelo SEAF, que determinou a revogação das correções atinentes aos valores relativos a reintegrações praticadas em viaturas ligeiras de passageiros e mistas, em regime de locação financeira, feitas em sede de ação inspetiva.

Nos termos do art.º 23.º, n.º 1, do Código do IRC (CIRC – redação à época), “[c]onsideram­-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (…) g) Reintegrações e amortizações”.

Nos art.ºs 27.º e seguintes, do mesmo código, estava previsto o regime das reintegrações e amortizações, objeto de regulamentação no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro.

Assim, nos termos do n.º 1 do art.º 27.º do CIRC, “[s]ão aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando­-se como tais os elementos do ativo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas”.

Nesta mesma linha, dispunha o art.º 1.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, nos termos do qual “… [p]odem ser objeto de reintegração e amortização os elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento”.

Por elementos do ativo imobilizado entendem-se os bens que se destinam a permanecer na empresa de maneira duradoura(1), que esta utiliza para a realização dos seus objetivos, sendo, neste contexto, de atentar na circunstância de o legislador ter dado uma prevalência à utilização económica do bem.

Genericamente, pois, são amortizações fiscalmente relevantes as relativas a elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento.

Em termos de método a adotar para efeitos de cálculo das reintegrações e amortizações, o art.º 28.º do CIRC determinava como regra o método das quotas constantes, sem prejuízo de ser possível optar pelo método das quotas degressivas ou por outros, nos termos e condições ali explanados (cfr. n.ºs 2 e 3 do mencionado art.º 28.º).

Por seu turno, o n.º 4 do mesmo art.º 28.º prescrevia que, em relação a cada um dos elementos do ativo imobilizado, deve sempre ser usado o mesmo método de reintegração e amortização, sem prejuízo, atento o disposto no n.º 5, als. a) e b), da variação de quotas, determinada, desde logo, por um regime mais intensivo de utilização dos bens, ou da consideração como custo de quotas de reintegração ou amortização superiores, devido à superveniência de desvalorizações excecionais provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, aceites pela administração tributária (AT).

A este respeito chamam-se ainda à colação os art.ºs 9.º e 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, relativos, respetivamente, ao regime intensivo de utilização dos elementos patrimoniais e às desvalorizações excecionais de elementos do ativo imobilizado.

Foi atendendo a este contexto que, num primeiro momento, em sede de ação inspetiva, foram feitas correções ao Recorrido, em virtude de a AT ter considerado que os bens em causa, enquadrando-se no âmbito do art.º 9.º, n.º 4, al. b), do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, não poderiam beneficiar do regime de aceleração das taxas de reintegração [cfr. facto B)], de onde resultou emissão de liquidação de IRC relativa ao exercício de 1995 [cfr. facto D)].

Resultou provado, por outro lado, que, na sequência de exposições apresentadas pela A....... – A…….., efetuadas no seguimento da emissão de liquidações na generalidade do setor, liquidações essas motivadas em termos idênticos aos da emitida em nome do Recorrido, foi proferido um despacho, a 23.03.1998, pelo SEAF, do qual resultou o deferimento da pretensão da A......., reputando-se ser tal deferimento feito a título excecional, atendendo, designadamente, a argumentos de natureza financeira. Resulta ainda do mencionado despacho que seriam devidos os juros compensatórios [cfr. facto E)].

Nessa sequência, considerando esta orientação para a globalidade das situações e olhando para o caso concreto ora sob apreciação, foram revogadas as correções em causa [cfr. facto F)], tendo sido corrigido o lucro tributável anteriormente declarado, não tendo sido apurada qualquer coleta, dado o reporte de prejuízos de anos anteriores [cfr. facto G)].

A final, foi emitida a liquidação de juros compensatórios ora em causa.

À data da emissão da liquidação em crise, os juros compensatórios estavam previstos, desde logo, no art.º 83.º do Código de Processo Tributário (CPT) (aprovado pelo DL n.º 154/91, de 23 de abril, que entrou em vigor a 01.07.1991).

Assim, o seu n.º 1 determina que “[e]m caso de atraso na liquidação por motivo imputável ao contribuinte, são devidos juros compensatórios”.

“Os juros compensatórios (…) [t]êm a natureza de uma reparação civil, indemnizando o credor pela perda de disponibilidade de quantia que não foi liquidada oportunamente ou que foi indevidamente reembolsada”(2).

É ainda de chamar à colação o art.º 80.º do CIRC então em vigor, nos termos de cujo n.º 1:

“Sempre que, por facto imputável ao contribuinte, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, a esta acrescerá o juro correspondente à taxa básica de desconto do Banco de Portugal em vigor na data em que se tiver iniciado o retardamento da liquidação, acrescida de cinco pontos percentuais, sem prejuízo da pena cominada ao infrator”.

Na liquidação de juros compensatórios, à época como hoje, têm de estar preenchidos elementos objetivos (ter havido atraso na liquidação de imposto, taxa, número de dias) e um elemento subjetivo (o facto ser imputável ao sujeito passivo, a título de dolo ou negligência(3)).

Decorre, desde logo, deste contexto normativo que há uma ligação intrínseca entre a liquidação imposto e a de juros compensatórios, sendo que esta não pode existir sem aquela – sendo, aliás, desde logo por referência ao retardamento da liquidação de imposto que é aferido o elemento subjetivo a que nos referimos.

Não existindo correções num determinado exercício com impacto em termos de imposto, por consequência não estão preenchidos os pressupostos imanentes à liquidação de juros compensatórios.

Ora, foi justamente o que ocorreu in casu.

Com efeito, independentemente de os fundamentos inerentes ao despacho do SEAF serem de natureza técnica ou financeira, este despacho surge como orientação administrativa, proferido na sequência de diversos requerimentos apresentados pela associação do setor, no sentido de serem admitidas as reintegrações praticadas. Por outro lado, independentemente de tal deferimento ter ocorrido a “título excecional”, ele existiu e as correções efetuadas ao Recorrido foram, em consequência, revogadas.

Refira-se: não se trata de qualquer regime excecional, ao contrário do referido pela Recorrente, mas sim da admissibilidade de uma aceleração de reintegrações, legalmente prevista, como já se explanou supra, ainda que tenha sido adjetivada de excecional.

Desaparecendo da ordem jurídica essas correções e, por via (também) disso, não se tendo apurada qualquer coleta, deixou de subsistir fundamento para as liquidações de juros compensatórios, que dependiam intrinsecamente de tais correções. Veja-se, de todo o modo, que os prejuízos reportados do ano anterior seriam suficientes até para absorver o lucro tributável inicialmente corrigido [cfr. factos C) e K)], o que redundaria sempre em inexistência de coleta.

Não se acompanha o entendimento da Recorrente, no sentido de ter havido uma condição de pagamento de juros compensatórios – o que afasta o alegado comportamento abusivo.

Com efeito, desde logo, há que considerar que os créditos tributários não são disponíveis, de maneira a que se possa definir o não pagamento de um em contrapartida do pagamento de outro.

Tal decorria, à época, desde logo, do princípio da legalidade, que enforma o direito tributário, previsto quer na lei fundamental quer no art.º 17.º, al. a), do CPT(4).

Como referido por Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão(5), “[o] princípio da legalidade e os restantes princípios em que este se decompõe, tornam ilegais todos os actos da Administração Fiscal, incluindo os actos praticados por membros do Governo, que concedem perdão de impostos e respectivos juros, ou de coimas, moratórias no seu pagamento (…), que não sejam suportados por norma que os preveja, a qual não é susceptível de aplicação analógica para integrar casos omissos”.

Portanto, não é aceitável a interpretação de que o deferimento da amortização acelerada foi efetuado mediante condição – aliás, nem tal resulta do despacho em causa, resultando sim que entendeu o SEAF que, não obstante se admitir a amortização acelerada, se considerava serem ainda assim devidos os juros compensatórios, nunca tal tendo sido configurado como condição.

Ou seja, do que resulta do despacho do SEAF, como já mencionado, é a sedimentação de uma orientação administrativa, fundada em dois vetores: o primeiro, o do deferimento de aceleração das taxas a título excecional; o segundo, o do pagamento dos juros compensatórios.

Assim, ao contrário do que parece referir a Recorrente, não houve aqui qualquer acordo entre o Recorrido e o SEAF, em que tenha sido de alguma forma imposta uma condição.

Logo, a orientação administrativa vertida no despacho em causa não vincula o sujeito passivo, podendo o mesmo contra ela se insurgir, designadamente se tal orientação evidenciar um entendimento contra legem.

Ora, se desapareceram da ordem jurídica as correções que motivaram a anterior liquidação de imposto, desapareceu da ordem jurídica o fundamento para a emissão dos juros compensatórios respetivos – pelo que carece que fundamento legal a orientação do SEAF no sentido de serem de manter as liquidações de juros compensatórios.

O argumento de que a aceleração das taxas de amortização implica um retardamento da liquidação, no sentido de ter impacto em outros exercícios, não é, pois, aqui pertinente. Independentemente do impacto que o deferimento da aceleração das taxas de amortização tenha nos exercícios seguintes, sublinhamos que tal não consubstancia fundamento para a liquidação dos juros compensatórios, atento o enquadramento legal a que já nos referimos.

Tendo sido deferida tal aceleração, ainda que haja um “retardamento” da liquidação [o que não se alcança de que forma ocorrerá, pois, quando muito, como referido no despacho do SEAF, implica sim um aumento das mais-valias dos exercícios seguintes], não há aqui qualquer imputabilidade ao Recorrido.

Carece ainda de qualquer pertinência o alegado em torno de o Recorrido dever ter impugnado a liquidação emitida primitivamente, evidenciando acordo com o respetivo conteúdo. Essa liquidação, na sequência da orientação administrativa vertida no despacho do SEAF, deixou de existir na ordem jurídica, na parte sob escrutínio, tendo desaparecido igualmente da ordem jurídica os seus fundamentos nessa parte. A liquidação que foi emitida depois desta revogação das correções foi a ora em apreciação, com os fundamentos a que já nos referimos, sendo perfeitamente impugnável, porque lesiva dos direitos do Recorrido, e sendo relevante, sim, a fundamentação resultante da aplicação do entendimento vertido no despacho do SEAF a que nos temos vindo a referir.

Como tal, reiteramos, tendo sido autorizadas as acelerações das reintegrações, tendo sido revogadas as correções inerentes à não admissibilidade, num primeiro momento, desses valores, não subsiste fundamento que permita a emissão de liquidação de juros compensatórios, pois que não houve retardamento de imposto relativo ao exercício de 1995. Ademais, foram reportados prejuízos suscetíveis de absorver todo o lucro tributável (mesmo que as correções não tivessem sido revogadas), o que sempre implicaria inexistência de coleta.

Assim, carece de razão a Recorrente.

Vencida a Recorrente seria a mesma responsável pelas custas do recurso. No entanto, há que ter em conta que, nos processos instaurados até 01.01.2004 (como é o caso), a FP se encontrava isenta do pagamento de custas, atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 28 de novembro de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1). Cfr. Rui Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 103.

(2).Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 283
(3).V. Jorge Lopes de Sousa, «Juros nas relações tributárias», Problemas fundamentais do Direito tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pp. 147 e 148.

(4).A indisponibilidade do crédito tributário veio a estar consagrada de forma expressa no art.º 30.º da Lei Geral Tributária.
(5).Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, 3.ª Ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 60.