Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:97/17.4BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/11/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - A omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.

II - A doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras integra a nulidade decorrente de omissão de pronúncia, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

III – Perante a nulidade parcial do acórdão, em face da omissão de pronúncia quanto a duas questões inteiramente autónomas, impõe-se que se declare a nulidade parcial do mesmo, ordenando-se a remessa dos autos ao CAAD para apreciação das questões relativamente às quais a pronúncia foi omitida.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A sociedade “C………….. SGPS, SA”, apresentou pedido de pronúncia arbitral ao CAAD, peticionando a declaração de ilegalidade da liquidação de IRC, juros compensatórios e juros de mora n.º ………………487, relativa ao exercício de 2012, da qual resultou o apuramento de um montante a pagar de €161.463,03.

O CAAD, por acórdão, julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral.

Nas suas alegações, a Impugnante, “C…………… SGPS, SA”, formulou as conclusões seguintes:

«1. Vem a presente Impugnação interposta do douto Acórdão Arbitral proferido no Processo Arbitral nº …./2016-T, no segmento em que aquele Acórdão julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

2. Esta Impugnação de decisão arbitral fundamenta-se em omissão de pronúncia (artigo 28º nº 1 c) in fine do RJAT).

3. Nos termos dos artigos 8º nº 1do CC, 152º nº 1e 608º nº 2 do CPC, ex vi do artigo 29º nº 1 e) do RJAT, o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (proibição do non liquet ).

Posto isto, e desde logo,

4. O douto Acórdão Arbitral aqui impugnado padece do vício de omissão de pronúncia quanto ao acréscimo de Euro 342.463,70 (ao resultado fiscal de 2012 do Grupo C...........), relativo a encargos financeiros com financiamentos alegadamente não indispensáveis (artigo 23º nº 1 do CIRC).

5. Com efeito, quanto a esta correcção, a Impugnante, como resulta do pedido de pronúncia arbitral, suscitou, entre outras, as seguintes questões, de facto e de Direito:

5.1 Que a AT incorreu em erro nos pressupostos de facto ao afirmar que os encargos financeiros suportados pela Impugnante "associados ao financiamento obtido no ano de 2012 ascendem a Euro 1.360.308,35" - pois estão indevidamente incluídos naquele valor encargos fiscais, designadamente Imposto de Selo, e encargos com serviços bancários, contabilizados nas contas 68 (impostos indirectos) e 62 (FSE - Fornecimentos e Serviços Externos - Serviços Bancários), respectivamente, e não na conta 69 (juros suportados), para além de "comissões", "juros de leasing automóvel" e "juros compensatórios e de mora", também eles não relacionados com operações financeiras bancárias (cfr., designadamente, pontos 88 a 91e 94 a 96 do pedido de pronúncia arbitra);

5.2 Que a AT, no cômputo daquele valor de Euro 1.360.308,35 - decisivo na quantificação da correcção em apreço, como se deduz do relatório inspectivo - incorreu, consequentemente, em erro de cálculo e quantificação, também ele determinante da anulação da correção em causa (artigos 99º a) e 100º nº 1do CPPT) (cfr. 97 e 98 do pedido de pronúncia arbitral);

5.3 Que, no cômputo daquele valor de Euro 1.360.308,35, a AT desconsiderou a contabilidade da Impugnante, incorrendo, por isso, em vício de violação dos artigos 75º nº 1 da LGT, 17º do CIRC e 104º nº 2 da CRP (cfr. 93 do pedido de pronúncia arbitral);

5.4 Que a correcção operada pela AT aos encargos financeiros contabilizados pela Impugnante assenta numa fórmula matemática de cálculo inventada pela AT, sem qualquer base ou fundamento legal, em violação do princípio da legalidade (artigos 8º e 55º da LGT, 1652 nº 1i) e 2662 n2 2 da CRP, e 32 do CPA) (cfr. 104 a 111e 142 a 145 do pedido de pronúncia arbitral);

5.5 Que essa fórmula matemática de cálculo assenta em "saldos médios de financiamento alheio anual", "taxas do custo efectivo do financiamento alheio" e "saldos médios de financiamento anual não remunerado às sociedades participadas", conduzindo à presunção, pela AT, de uma taxa média de custo de financiamento alheio de 5,81%, decisiva na corrrecção em apreço, como resulta do relatório inspectivo (cfr. 104 a 111 e 142 a 145 do pedido de pronúncia arbitral);

5.6 Que essa fórmula, por isso, é um método de avaliação indirecta da matéria colectável (cfr. artigo 83º nº 2 da LGT), não previsto na lei, e que apenas era legalmente admissível a título subsidiário, em situações excepcionais, de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, o que, segundo a própria AT, não foi o caso - como impunham os princípios fundamentais da tributação segundo o lucro real e da presunção de veracidade das declarações e contabilidade do contribuinte (artigos 104º nº 2 da CRP e 75º nº 1, 85º nº 1e 87º a 90º da LGT) (cfr. 142 a 145 do pedido de pronúncia arbitral);

5.7 Que a aplicação de tais métodos indirectos obrigava a AT a respeitar os respectivos procedimentos legais especiais consignados nos artigos 91º a 94º da LGT, o que não foi o caso (cfr. 142 a 145 do pedido de pronúncia arbitral);

5.8 Que essa fórmula matemática de cálculo da correcção, traduzida numa avaliação indirecta da matéria colectável, violou o princípio da tributação do rendimento real em sede de IRC (artigos 104º nº 2 da CRP e 17º do CIRC) (cfr. 112 a 115 do pedido de pronúncia arbitral).

5.9 Que esse método de avaliação indirecta da matéria colectável, tendo por base "valores médios", é errado e incoerente nas suas premissas e metodologia de cálculo (cfr. 116 a 125 do pedido de pronúncia arbitral);

5.10 Que esse método de avaliação indirecta não permite apurar qual o valor específico, dentro do total dos encargos financeiros suportados pela Impugnante em 2012, que especificadamente se destinaria à concessão de prestações suplementares ou suprimentos não remunerados às sociedades participadas (cfr. 84, 126 e 127 do pedido de pronúncia arbitral);

5.11 Que desse método de avaliação indirecta resulta que a AT está a presumir que os suprimentos não remunerados e as prestações suplementares efectuadas às sociedades participadas deveriam ser remuneradas a uma taxa média de 5,81% - ou seja, que a Impugnante deveria ter tido proveitos financeiros (juros obtidos) de Euro 342.463,70 nesses suprimentos e prestações suplementares (cfr. 128 e 129 do pedido de pronúncia arbitral);

5.12 Dito de outro modo, que da aplicação desse método de avaliação indirecta, pela AT, não resulta que o "total de gastos de financiamento afectos aos empréstimos às participadas não remuneradas" foi de Euro 342.463,70 - ou seja, aquele método matemático de avaliação indirecta não permite a conclusão que dele extraiu a AT (cfr. 130 a 132 do pedido de pronúncia arbitral);

5.13 Que a AT, por conseguinte, ao invés de cortar custos financeiros, ao abrigo do artigo 23º nº 1 do CIRC, deveria outrossim ter acrescido proveitos, aplicando os regimes legais dos preços de transferência (artigo 63º do CIRC) e efetuando o ajustamento correspectivo nas sociedades participadas - ou então aplicado a cláusula geral anti-abuso, prevista no artigo 38º nº 2 da LGT, o que obrigava a AT a seguir o procedimento especial de aplicação de normas anti-abuso, consignado no artigo 63º do CPPT (cfr. 133 a 139 do pedido de pronúncia arbitral);

5.14 Que a AT incorre em erro nos pressupostos de facto na avaliação indirecta que faz da matéria colectável, pois na fórmula de quantificação da correcção que usou omitiu indevidamente que a Impugnante também fez empréstimos remunerados às sociedades participadas, cobrando-lhes os correspondentes juros - pelo que a AT omitiu erradamente que os financiamentos remunerados obtidos poderão ter servido para realizar estes empréstimos remunerados concedidos (cfr. 147 a 149 do pedido de pronúncia arbitral);

5.15 Que a correcção em apreço violou os princípios legais da coerência, objectividade, imparcialidade e igualdade (artigos 55º da LGT, 266º nº 2 da CRP, 6º e 9º do CPA} - dado que a mesma equipa inspectiva da AT, em inspecção ao exercício de 2013, e sem qualquer razão objectiva, não teve em conta as mesmas prestações suplementares, nas mesmíssimas circunstâncias, ao contrário do sucedido em 2012 (cfr. 158 e 159 do pedido de pronúncia arbitral);

5.16 Que a AT incorreu em errado enquadramento jurídico, contabilístico e fiscal das prestações suplementares e suprimentos não remunerados efectuados pela Impugnante a favor das suas participadas (cfr. 25 a 40, 46, 59, 60 e 85 a 87 do pedido de pronúncia arbitral).

6. Ora, analisado o douto Acórdão Arbitral em apreço, constata-se que o mesmo não se pronunciou sobre estas questões de facto e de Direito suscitadas pela Impugnante a propósito da concreta correcção aqui em apreço.

7. E a pronúncia de mérito sobre essas questões de facto e de Direito não estava prejudicada pela solução dada às demais questões.

8. Pelo que o douto Acórdão Arbitral aqui impugnado, neste segmento, padece de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigos 28º nº 1 c) in fine do RJAT, 125º nº 1do CPPT, 608º nº 2 e 615º nº 1d) e nº 2 do CPC, estes por remissão do artigo 29º nº 1 a) e e) do RJAT).

Acresce que,

9. O douto Acórdão Arbitral aqui impugnado padece igualmente de vício de omissão de pronúncia quanto aos juros compensatórios.

10. Com efeito, conforme resulta do pedido de pronúncia arbitral, a Impugnante suscitou as seguintes questões de Direito quanto aos juros compensatórios (cfr. pontos 732 a 744 do pedido de pronúncia arbitral):

10.1 Os juros compensatórios, analisados autonomamente, não seriam devidos in totum, pois padecem, de per si, de vício de violação de lei (artigos 94º do CIRC e 35º da LGT);

10.2 Com efeito, AT não invocou qualquer nexo de causalidade adequada entre o comportamento do contribuinte e o alegado retardamento da liquidação, muito menos a censurabilidade de tal comportamento, a título de dolo ou negligência - aliás inexistente in casu.

11. Ora, analisado o douto Acórdão Arbitral em apreço, constata-se que o mesmo não se pronunciou sobre estas questões de Direito suscitadas pela Impugnante a propósito dos juros compensatórios.

12. E a pronúncia de mérito sobre essas questões de Direito não estava prejudicada pela solução dada às demais questões.

13. Pelo que o douto Acórdão Arbitral aqui impugnado, também neste segmento, padece de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigos 28º nº 1c) in fine do RJAT, 125º n.º 1 do CPPT, 608º nº 2 e 615º nº 1 d) e nº 2 do CPC, estes por remissão do artigo 29º nº 1 a) e e) do RJAT).

Por outro lado,

14. O douto Acórdão Arbitral aqui impugnado padece igualmente de vício de omissão de pronúncia quanto aos juros de mora.

15. Com efeito, conforme resulta do pedido de pronúncia arbitral, a Impugnante suscitou as seguintes questões de facto e de Direito quanto aos juros de mora (cfr. pontos 748 a 752 do pedido de pronúncia arbitral):

15.1 Os juros de mora, analisados autonomamente, não seriam devidos in totum, pois padecem, de per si, de vício de violação de lei (artigos 109º do CIRC e 44º da LGT);

15.2 Com efeito, a AT não evidenciou nem houve qualquer atraso no pagamento do imposto por parte da Impugnante - pago dentro do prazo legal;

15.3 E os juros de mora, como decorre daqueles preceitos legais, apenas são devidos em caso de atraso no pagamento de imposto - e não em casos de atraso na liquidação do imposto, para cujo efeito estão legalmente previstos, outrossim, os juros compensatórios.

16. Ora, analisado o douto Acórdão Arbitral em apreço, constata-se que o mesmo não se pronunciou sobre estas questões de facto e de Direito suscitadas pela Impugnante a propósito dos juros de mora.

17. E a pronúncia de mérito sobre essas questões de facto e de Direito não estava prejudicada pela solução dada às demais questões.

18. Pelo que o douto Acórdão Arbitral aqui impugnado, também neste segmento, padece de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigos 28º nº 1 c) in fine do RJAT, 125º nº 1 do CPPT, 608º nº 2 e 615º nº 1 d) e nº 2 do CPC, estes por remissão do artigo 29º nº 1 a) e e) do RJAT).

Finalmente,

19. O douto Acórdão Arbitral aqui impugnado padece igualmente de vício de omissão de pronúncia no segmento em que aquela decisão apreciou a correcção/redução dos PEC's, dedutíveis à colecta do Grupo no exercício de 2012.

20. Da liquidação em crise resulta que os PEC's foram corrigidos/reduzidos para apenas Euro 18.597,78, em óbvio prejuízo do contribuinte.

21. Como é sabido, a correcção/redução dos PEC's, enquanto correcção à colecta de imposto - pois está em causa uma dedução à colecta -, nada tem a ver com as correcções à matéria colectável.

22. Ora, conforme resulta do pedido de pronúncia arbitral, a Impugnante suscitou as seguintes questões de facto e de Direito quanto a esta redução dos PEC's, dedutíveis à colecta (cfr. pontos 720 a 723 do pedido de pronúncia arbitral):

22.1 O Grupo (de que era dominante a Impugnante} tinha um saldo total de PEC's de Euro 31.350,19 susceptíveis de dedução à colecta (do Grupo} no exercício de 2012;

22.2 Por conseguinte, a correcção em apreço padece de erro de cálculo e apuramento (cfr. artigo 99º a) do CPPT) e de vício de violação dos artigos 90º nº 2 c) e 93º nº 1 do CIRC.

23. Ora, analisado o douto Acórdão Arbitral em apreço, o mesmo limitou-se a dizer que esta redução/correcção dos PEC's resulta "dos elementos declarativos das várias sociedades que compõem o Grupo C........... no ano de 2012 e das próprias correções realizadas pelos Serviços de Inspeção Tributária".

24. Ou seja, o Acórdão Arbitral aqui impugnado não fez qualquer apreciação de mérito relativamente às questões de facto e de Direito acima elencadas em 22.1 e 22.2.

25. E a pronúncia de mérito sobre essas questões jurídicas não estava prejudicada pela solução dada às demais questões.

26. Pelo que o douto Acórdão Arbitral aqui impugnado, também neste segmento, padece de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigos 28º nº 1 c) in fine do RJAT, 125º nº 1 do CPPT, 608º nº 2 e 615º nº 1 d) e nº 2 do CPC, estes por remissão do artigo 29º nº 1 a) e e) do RJAT).

Sendo certo que,

27. Como se retira do acima elencado, estão em causa questões de facto e de Direito submetidas pela Impugnante à apreciação do Tribunal Arbitral e que não foram objecto de pronúncia ou decisão de mérito por parte do douto Acórdão Arbitral aqui impugnado.

28. Não se tratam de meros argumentos.

Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento à presente Impugnação e declarando a nulidade do douto Acórdão Arbitral em apreço, no segmento em que este julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral, V.Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA.»


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A Impugnada, FAZENDA PÚBLICA, apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«I. O objecto da presente impugnação é a decisão arbitral proferida no processo que correu termos no CAAD com o n.º …./2016-T, que julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e determinou a legalidade e a manutenção na ordem jurídica da liquidação, na parte em que se encontra influenciada pela correcção aos encargos financeiros suportados com financiamentos a sociedades participadas.
II. A Impugnante invoca o vício de omissão de pronúncia, ao abrigo do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, mas o Acórdão arbitral impugnado não padece de tal vício.
III. A questão que a Impugnante submeteu à apreciação do Tribunal arbitral (cfr. página 7 do pedido arbitral) prende-se com o «Acréscimo de Euro 342.463,70, relativo a encargos financeiros com financiamentos alegadamente não indispensáveis (artigo 23º nº 1 do CIRC)».
IV. E essa questão foi devidamente formulada e apreciada pelo Tribunal arbitral (cfr. páginas 16 a 23 do Acórdão impugnado) o qual fundamentou cabalmente, de facto e de direito, a sua decisão de considerar que os encargos financeiros não estavam directamente relacionados com a actividade própria da Requerente arbitral;
V. Respondendo o Tribunal à questão que lhe foi submetida pela Requerente arbitral, no sentido de que não podia ser aceite a peticionada dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC (cfr. páginas 23 do Acórdão impugnado).
VI. Sendo que, à luz da jurisprudência dos Tribunais superiores, designadamente da que resulta dos Acórdãos supra transcritos, não estava o Tribunal arbitral vinculado à apreciação de todos argumentos (e não questões, como pretende fazer crer a Impugnante), invocados pela Requerente arbitral no seu prolixo pedido de pronúncia arbitral.
VII. Por outro lado, apelando, ainda, à jurisprudência citada, é forçoso concluir que o Acórdão arbitral conheceu da questão respeitante aos juros compensatórios e aos juros de mora, porquanto, como refere a ora Impugnante nos artigos 735 e 736 do pedido arbitral «a legalidade da liquidação de JC pressupõe a legalidade da liquidação do imposto (IRC) com base no qual foram calculados e liquidados os JC, e do qual estes são acessórios. (...) Ora, como a liquidação de IRC padece das sobreditas ilegalidades, a liquidação de JC, consequentemente, deve ser igualmente anulada.»;
VIII. Referindo, igualmente, nos artigos 746 e 747 «A legalidade da liquidação de JM pressupõe a legalidade da liquidação do imposto (IRC) com base no qual foram calculados e liquidados os JM, e do qual estes são acessórios. (...) Ora, como a liquidação de IRC padece das sobreditas ilegalidades, a liquidação de JM, consequentemente, deve ser igualmente anulada.».
IX. Assim, a decisão sobre os juros decorre da apreciação da legalidade da correcção subjacente à parte da liquidação que o Tribunal considerou legal, pelo que do Acórdão arbitral resulta, pelo menos implicitamente, que o conhecimento dessa questão ficou prejudicado em face da decisão de manutenção da correcção sindicada na ordem jurídica.
X. Ora, do teor da alegações da presente impugnação, extrai-se a conclusão de que a Impugnante pretende, no fundo, uma apreciação do mérito da decisão arbitral, como resulta claríssimo dos pontos 6.1 a 6.16 das alegações, bem como dos pontos 10.1, 10.2, 15.1, 15.2 e 15.3 das conclusões, nos quais reitera alguns dos argumentos aduzidos em sede de pedido arbitral.
XI. Não obstante, a reapreciação de um alegado erro de julgamento não foi consagrada pelo legislador para a jurisdição arbitral, na qual impera a regra geral da irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais.
XII. No que respeita à correcção/redução dos PEC's invocou a ora Impugnante, no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, o vício de falta de fundamentação, por violação dos artigos 77.º n.º 1 e 2 da LGT, 268.º n.º 3 da CRP e artigo 153.º n.º 2 do CPA, bem como o erro nas operações de cálculo e apuramento efectuadas pela Inspecção Tributária.
XIII. Sendo que, o Acórdão arbitral emite pronúncia expressa sobre a falta de fundamentação e sobre o erro de quantificação (cfr. ponto VI., alínea A), páginas 12 a 16), referindo-se, no mesmo ponto, a todas as correcções relativamente às quais foram suscitados tais vícios, entre elas a correcção aos PEC's, pelo que também quanto a este segmento da decisão não ocorre a invocada omissão de pronúncia.
XIV. Face ao exposto, deve ser julgada improcedente a presente impugnação por não se verificarem os pressupostos legais contidos no artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT para a anulação da decisão arbitral.
Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser negado provimento à Impugnação, por manifestamente infundada, mantendo-se a Decisão Arbitral na ordem jurídica, assim se fazendo a costumada Justiça.»

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal foi notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), não tendo oferecido parecer aos autos.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

O acórdão impugnado considerou provados os seguintes factos:

«A) A Requerente exerce a actividade de gestão de participações sociais detidas em diversas sociedades portuguesas e estrangeiras (sedeadas em Espanha, França, África do Sul, Malta e Holanda), todas operando no setor das energias renováveis: hídrica, eólica, fotovoltaica, biomassa, cogeração e termosolar (cfr. Pág. 4 do Relatório de Inspeção Tributária);

B) A partir de 01/01//2012, a Requerente passou a ser tributada pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades (RETGS), previsto no artigo 69º do Código do IRC, sendo a sociedade dominante do grupo;

C) A Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, em sede de IRC, em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI201500052, o qual teve início em 23/06/2015 e conclusão em 03/1112015 (cfr. Pág. 3 do Relatório de Inspeção Tributária) e no âmbito do qual foram promovidas correções em sede de IVA e de IRC;

D) As correções efetuadas em sede de IRC ascenderam ao montante global de € 564.395,48, decompostas como se segue:

• Encargos financeiros não dedutíveis nos termos do nº. 1 do artigo 23º do CIRC, referentes a empréstimos a participadas, no montante de € 342.463,70;

• Encargos financeiros não dedutíveis nos termos do nº 2 do artigo 32º do EBF, relacionados com participações sociais, no montante de € 183.768,54;

• Encargos não dedutíveis nos termos do nº. 1 do artigo 23º e do n.º 2 do artigo 46º do CIRC, inerentes à alienação de partes de capital, no montante de € 38.163,24.

E) Após a concretização das correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, no aludido montante de € 564.395,48, da soma algébrica dos resultados das entidades que integram o Grupo de que a Requerente é a sociedade dominante, para efeitos de IRC, passou a apurar-se um lucro tributável de € 1.077.437,60, ao invés dos € 513.042,12 declarados pelo Grupo;

F) O montante da correção referido em D) foi apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária do seguinte modo:

«Texto no original»





G) A Requerente inscreveu, no campo 303, do Quadro 9, da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do Grupo, a título de prejuízos fiscais dedutíveis, o montante de € 50.418,22, respeitando € 40,30 à sociedade “Central …………………………., Lda” (contribuinte n.º ………………), € 22.883,42 à sociedade “C ………………………., Lda” (contribuinte n.º ……………..) e € 27.494,49 à sociedade “C ……………….. Unipessoal, Lda” (contribuinte n.º …………..);

H) Os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que os prejuízos fiscais declarados pela Requerente, no exercício de 2012, cumpriam com os requisitos de dedutibilidade definidos na alínea a), do n.º 1, do artigo 71.º do CIRC, tendo deduzido ao Lucro Tributável apurado em função das correções efetuadas (de € 1.077.437,60) o montante desses prejuízos fiscais;

I) No que se refere aos encargos financeiros referentes a empréstimos concedidos pela Requerente às suas participadas, foram os mesmos corrigidos pelos Serviços de Inspeção Tributária de acordo com o seguinte procedimento (Cfr. Relatório de Inspecção Tributária):

• Cálculo do saldo médio de financiamento alheio anual da Requerente (junto da Banca, PAP e Arco e das participadas);

• Apuramento dos gastos com financiamento suportados pela Requerente nos períodos em análise;

• Determinação da taxa do custo efetivo de financiamento alheio da Requerente;

• Cálculo do saldo médio de financiamento anual não remunerado às sociedades participadas;

• Aplicação da taxa de custo efetivo do capital alheio ao valor do financiamento efetuado às referidas sociedades;

• Desconsideração como gasto fiscal do valor assim determinado;

J) Em face das correções referidas, foi desconsiderado pelos Serviços de Inspeção Tributária um total de Gastos Financeiros de € 342.463,70, quando haviam sido declarados pela Requerente, na sua Declaração Modelo 22 de IRC, Gastos no montante de € 1.360.308,35;

K) Os Fluxos de Caixa das Atividades Operacionais em 2012 da Requerente apresentaram um saldo positivo de € 2.056.097,22, conforme se constata do Quadro 04-C da Declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2012, abaixo reproduzido:

«Texto no original»

L) Os Fluxos de Caixa das Atividades de Investimento apresentaram um saldo excedentário de € 364.454,34, enquanto que os Fluxos de Caixa das Atividades de Financiamento apresentaram um saldo negativo de € 1.995.433,41 (Cfr. Quadro 04-C da Declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2012);

M) Relativamente aos gastos financeiros considerados para efeitos de cálculo dos encargos financeiros afetos a participações sociais, os Serviços de Inspeção Tributária, baseados na doutrina emanada da Circular 7/2004, relevou os gastos financeiros declarados pela Requerente deduzidos dos que considerou deverem ser desconsiderados para efeitos fiscais, por se encontrarem associados a empréstimos concedidos às suas participadas sem qualquer remuneração (os quais ascenderam ao montante de € 1.017.844,65);

N) Em face do entendimento exposto em M), os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que, dos aludidos € 1.017.844,65, € 334.481,79 não seriam fiscalmente dedutíveis em virtude de se considerarem afetos a participações sociais;

O) Atendendo a que a Requerente havia acrescido a este título o montante de € 150.713,25, foi acrescido pelos Serviços de Inspeção Tributária o montante global de € 183.768,54, com referência a encargos financeiros afetos a participações sociais (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária);

P) Os Serviços de Inspeção Tributária não aceitaram como gasto fiscal do exercício de 2012 o montante de € 38.163,24, referente a encargos contabilizados pela Requerente com comissões pagas à sociedade sul-africana V……………. Limited, associadas à alienação da participada R…………., sociedade também sedeada na África do Sul, no montante de € 30.450,00 (registados na conta # 62213) e a serviços jurídicos prestados na África do Sul pela sociedade “Norton Rose”, no montante de € 7.713,24;

Q) A Requerente concede empréstimos às suas participadas, sob a forma de suprimentos ou de prestações suplementares, sem debitar quaisquer juros ou encargos, durante um período variável, que poderá ir até 10 anos (cfr. depoimentos das testemunhas da Requerente e pedido arbitral);

R) A Requerente desconsiderou 40% de parte dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais;

S) O acréscimo a que a Requerente procedeu, no montante de € 150.713,25, não resultou de qualquer estudo dos financiamentos obtidos ou da aferição se terão ou não sido destinados à aquisição de partes de capital, não estando relacionado com o cumprimento do disposto no artigo 23º nº. 1 do CIRC ou no artigo 32º nº. 2 do EBF;

T) Na sequência da ação inspetiva acima referida, foi emitida a Liquidação Adicional de IRC nº ……………………487, de 22.02.2016, com referência ao exercício de 2012, bem como, a respetiva Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios e Demonstração de Acerto de Contas n.º ………………….188, da qual resultou um montante de imposto a pagar de € 161.463,03, com data limite de pagamento voluntário em 11.05.2016;

U) A Requerente procedeu à apresentação de duas garantias, para efeitos da suspensão do processo de execução instaurado para cobrança da dívida de IRC em crise, quais sejam, as fianças prestadas pelas sociedades “Arco …………… SGPS, S.A.” e “P ………………………….., SGPS, S.A.”, a favor da Requerente, naquele processo (Cf. cópias que foram juntas como Doc. n.º 26 com o pedido arbitral).

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão final.

IV. Motivação da Decisão

Antes de mais, importa referir que os Tribunais, aqui se incluindo os Tribunais Arbitrais, não têm que apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, tal como se constata a título exemplificativo do Acórdão do Pleno da 2ª Secção do STA, de 07/06/1995, proferido no recurso nº 5239.

De facto, as questões invocadas pelas partes não se confundem com os argumentos, as razões ou as motivações produzidas. Questões, nomeadamente para efeito do disposto no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil, são apenas as de fundo e que integram a matéria decisória, isto é, as que se relacionem com o pedido, a causa de pedir e as exceções (vide neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/11/2005, proferido no recurso n.º 05S2137 ou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25/09/2012, proferido no recurso n.º 05073/11).

Ora, a Requerente invocou, ao longo da sua extensa p.i., inúmeros argumentos que não implicam necessariamente uma pronúncia expressa por parte do Tribunal, apesar de terem sido relevados para a decisão final.»



*



- De Direito

Tal como resulta das conclusões da alegação da presente impugnação de decisão arbitral, a questão a decidir é a de saber se o acórdão arbitral padece de nulidade por omissão de pronúncia, omissão esta que, do ponto de vista da Impugnante, se verificou relativamente a quatro questões distintas, a saber:

-“O douto Acórdão Arbitral aqui impugnado padece do vício de omissão de pronúncia quanto ao acréscimo de Euro 342.463,70 (ao resultado fiscal de 2012 do Grupo C…………..), relativo a encargos financeiros com financiamentos alegadamente não indispensáveis (artigo 23º nº 1 do CIRC)”;

- “O douto Acórdão Arbitral aqui impugnado padece igualmente de vício de omissão de pronúncia quanto aos juros compensatórios”;

- “O douto Acórdão Arbitral aqui impugnado padece igualmente de vício de omissão de pronúncia quanto aos juros de mora”;

- O douto Acórdão Arbitral aqui impugnado padece igualmente de vício de omissão de pronúncia no segmento em que aquela decisão apreciou a correcção/redução dos PEC's, dedutíveis à colecta do Grupo no exercício de 2012”.

Vejamos, começando pelo seguinte enquadramento sobre a impugnação das decisões arbitrais, recuperando o que se deixou dito no acórdão desta secção proferido em 18/04/18, no processo nº nº121/17.0BCLSB.

“O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al.b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:

1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

2-Oposição dos fundamentos com a decisão;

3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPCivil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)”.

Feito este enquadramento, avancemos.

Nos termos do preceituado no artigo 615º, nº.1, al. d), do Código Processo Civil (CPC), é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão advém de uma omissão (1º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º segmento da norma).

Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608º, nº.2, do CPC, o qual consiste, por um lado, no dever de o juiz resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).

Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de petitionem brevis, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).

No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra coisa são os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra.

Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).

No processo judicial tributário, o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125, nº1, do CPPT.

A nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.

Com isto dito, entremos na análise do caso concreto, começando pela omissão de pronúncia primeiramente apontada.

Quanto à questão do acréscimo de € 342.463,70 (ao resultado fiscal de 2012 do Grupo C……………., relativo a encargos financeiros com financiamentos alegadamente não indispensáveis, artigo 23º nº 1 do CIRC):

Defende a Impugnante que o acórdão contestado padece de vício de omissão de pronúncia quanto à correção em causa uma vez que foram suscitadas questões, de facto e de direito, que não foram apreciadas. Em concreto: que a AT incorreu em erro nos pressupostos de facto ao afirmar que os encargos financeiros suportados pela Impugnante “associados ao financiamento obtido no ano de 2012 ascendem a Euro 1.360.308,35” - pois estão indevidamente incluídos naquele valor encargos fiscais e encargos com serviços bancários, contabilizados nas contas 68 e 62, respetivamente, e não na conta 69, para além de "comissões", "juros de leasing automóvel" e "juros compensatórios e de mora", também eles não relacionados com operações financeiras bancárias; que a AT, no cômputo daquele valor de € 1.360.308,35, incorreu em erro de cálculo e quantificação, também ele determinante da anulação da correção em causa (artigos 99º a) e 100º nº 1do CPPT); que, no cômputo daquele valor de € 1.360.308,35, a AT desconsiderou a contabilidade da Impugnante, incorrendo, por isso, em vício de violação dos artigos 75º nº 1 da LGT, 17º do CIRC e 104º nº 2 da CRP; que a correção operada pela AT aos encargos financeiros contabilizados pela Impugnante assenta numa fórmula matemática de cálculo inventada pela AT, sem qualquer base ou fundamento legal, em violação do princípio da legalidade; que essa fórmula de cálculo assenta em "saldos médios de financiamento alheio anual", "taxas do custo efetivo do financiamento alheio" e "saldos médios de financiamento anual não remunerado às sociedades participadas", conduzindo à presunção, pela AT, de uma taxa média de custo de financiamento alheio de 5,81%, decisiva na correção em apreço; que essa fórmula, por isso, é um método de avaliação indireta da matéria coletável; que a aplicação de tais métodos indiretos obrigava a AT a respeitar os respetivos procedimentos legais especiais consignados nos artigos 91º a 94º da LGT, o que não foi o caso; que essa fórmula matemática de cálculo da correção, traduzida numa avaliação indireta da matéria coletável, violou o princípio da tributação do rendimento real em sede de IRC (artigos 104º nº 2 da CRP e 17º do CIRC); que esse método de avaliação indireta da matéria coletável, tendo por base "valores médios", é errado e incoerente nas suas premissas e metodologia de cálculo; que esse método de avaliação indireta não permite apurar qual o valor específico, dentro do total dos encargos financeiros suportados pela Impugnante em 2012, que especificadamente se destinaria à concessão de prestações suplementares ou suprimentos não remunerados às sociedades participadas; que desse método de avaliação indireta resulta que a AT está a presumir que os suprimentos não remunerados e as prestações suplementares efetuadas às sociedades participadas deveriam ser remuneradas a uma taxa média de 5,81%; que a AT, por conseguinte, ao invés de cortar custos financeiros, ao abrigo do artigo 23º nº 1 do CIRC, deveria outrossim ter acrescido proveitos, aplicando os regimes legais dos preços de transferência (artigo 63º do CIRC) e efetuando o ajustamento correspetivo nas sociedades participadas - ou então aplicado a cláusula geral anti-abuso, prevista no artigo 38º nº 2 da LGT, o que obrigava a AT a seguir o procedimento especial de aplicação de normas anti-abuso, consignado no artigo 63º do CPPT; que a AT incorre em erro nos pressupostos de facto na avaliação indireta que faz da matéria coletável, pois na fórmula de quantificação da correção que usou omitiu indevidamente que a Impugnante também fez empréstimos remunerados às sociedades participadas, cobrando-lhes os correspondentes juros; que a correção em apreço violou os princípios legais da coerência, objetividade, imparcialidade e igualdade; que a AT incorreu em errado enquadramento jurídico, contabilístico e fiscal das prestações suplementares e suprimentos não remunerados efetuados pela Impugnante a favor das suas participadas.

Segundo a Impugnante, o acórdão impugnado não se pronunciou sobre estas questões suscitadas, sendo que o conhecimento das mesmas não se mostrava prejudicado pela solução dada às demais questões. Assim sendo, perante tal omissão de pronúncia, o acórdão é nulo.

Diferentemente entende a Fazenda Pública, aqui Impugnada, para quem a questão submetida ao Tribunal – o acréscimo de € 342.463,70, relativo a encargos financeiros com financiamentos alegadamente não indispensáveis (artigo 23º nº 1 do CIRC) – foi devidamente formulada e apreciada pelo Tribunal arbitral, o qual fundamentou cabalmente, de facto e de direito, a sua decisão de considerar que os encargos financeiros não estavam diretamente relacionados com a atividade própria da Requerente, corroborando a sua não dedutibilidade fiscal, nos termos do artigo 23.º do CIRC.

Acrescenta a Impugnada que o Tribunal arbitral não está vinculado à apreciação de todos argumentos (e não questões, como pretende fazer crer a Impugnante), invocados pela Requerente arbitral no seu prolixo pedido de pronúncia arbitral.

Exposta a posição de ambas as partes, vejamos o que se nos oferece dizer.

O Tribunal, ao longo das páginas 16 a 23 do acórdão, explicou, com recurso à lei que considerou aplicável, à jurisprudência pertinente ao caso e fazendo o necessário enquadramento factual da situação em análise, a razão pela qual “os encargos financeiros em causa não estão diretamente relacionados com a atividade própria da Requerente, não podendo ser aceite a sua dedutibilidade na esfera desta última, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC, pelo que andou bem a Autoridade Tributária ao corrigir os respetivos montantes”.

Importa ter presente que essa era a questão central, já que, em sede inspetiva, foi com base no artigo 23º do CIRC que a AT corrigiu os gastos financeiros incorridos pela ora Impugnante com suprimentos e prestações suplementares efetuadas às suas participadas, sem que fossem debitados quaisquer juros ou encargos.

Temos, pois, que a questão que se colocava foi efetivamente analisada e decidida, independentemente de ter sido, ou não, escalpelizado todo o vasto argumentário invocado pela Requerente, em concreto o que respeita ao suposto uso de avaliação indireta, quando o que estava em causa – repete-se – era saber da dedutibilidade fiscal de encargos financeiros por os mesmos não estarem relacionados com a atividade própria da Requerente (ou seja, uma correção técnica).

Para mais, o Tribunal não deixou de dizer que “Idêntica conclusão terá que ser tirada no caso vertente, sendo também certo que, por força do facto de o eventual retorno com os suprimentos só ocorrer alguns anos após a injeção de capital, no imediato, nem sequer ficou demonstrada a indispensabilidade de tais encargos com a atividade da Requerente.

De resto, se os empréstimos concedidos pela Requerente fossem remunerados, a questão da contabilização provavelmente não se colocaria, pois não existiriam dúvidas quanto à sua imputação na esfera das sociedades participadas.

Por fim, o Tribunal considera ainda que ficaram algumas questões por esclarecer, por parte da Requerente.

Do depoimento da testemunha M ……………………….., responsável pela contabilidade da Requerente desde o ano 1995, decorre não ser possível estabelecer uma conexão direta entre os financiamentos obtidos pela Requerente e os financiamentos concedidos, tal como a própria Requerente asseverou, pelo que não se pode afirmar perentoriamente que os primeiros não se destinaram a suportar os segundos, sobretudo quando alguns dos elementos contabilísticos apresentados pela Requerente parecem atestar o contrário. Nomeadamente, o Mapa de Fluxos de Caixa referente aos movimentos financeiros de 2012, que espelha, por exemplo, que os Fluxos de Caixa das Atividades de Financiamento são deficitários em cerca de € 1.995.433,41, ou seja, que a Requerente concedeu um valor de financiamento largamente superior ao que recebeu”.

A desconsideração de linhas de argumentação aduzidas pela Impugnante por parte da decisão arbitral não configura vício de omissão de pronúncia sobre questão de que cumpre conhecer. É que “as questões que o tribunal deve apreciar e decidir são apenas aquelas que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir, do pedido ou das excepções, não se confundindo com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pela parte (e, portanto, quanto a estas últimas, o tribunal não só não tem o dever de se pronunciar, como nenhuma consequência daí advirá se o não fizer, nomeadamente não configurando tal uma situação de omissão de pronúncia)” - Helena Cabrita, A sentença Cível, Almedina, 2019, p. 235.

Face a todo o exposto, e tendo em consideração que a nulidade do acórdão, com fundamento na omissão de pronúncia, apenas tem lugar quando uma questão que devia ser conhecida não teve qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras, resulta inequívoco que, in casu, pelos motivos expostos não se verifica a arguida nulidade.

De resto, o que sobressai da leitura da impugnação arbitral em apreciação é que a Requerente, sob a invocação de nulidade por omissão de pronúncia, aponta um erro de erro de julgamento ao decidido, assente numa desconformidade com o sentido jurídico adotado na decisão impugnada. Contudo, essa é questão que assenta no mérito da decisão e o conhecimento do mérito do decidido pelo Tribunal Arbitral escapa por completo aos poderes de cognição deste TCA.

Do exposto se infere que a alegada omissão de pronúncia sobre questão de que cumpre conhecer não se comprova nos autos.

Improcedem, assim, as conclusões que vimos de analisar, decaindo o pedido arbitral nesta parte e mantendo-se, nesta medida, o acórdão impugnado.

Quanto à questão dos juros compensatórios:

Defende a Impugnante que o acórdão contestado padece de vício de omissão de pronúncia quanto aos juros compensatórios, porquanto foram suscitadas questões de facto e de direito quanto aos juros em causa que não foram analisadas, as quais determinariam a ilegalidade dos mesmos.

Segundo a Requerente, aqui Impugnante, a ilegalidade dos juros compensatórios decorreria da circunstância de lhes faltar o pressuposto atinente ao nexo de causalidade entre o comportamento do contribuinte e o retardamento da liquidação, à censurabilidade do comportamento da C..........., seja a título de dolo ou negligência. Aliás, de acordo com o requerimento inicial do pedido arbitral, a necessária censurabilidade da conduta do contribuinte é de afastar in casu já que o que existiu foi “uma mera discordância de interpretações legais entre a AT e o contribuinte”

Portanto, para a Requerente os juros compensatórios em causa violam o disposto nos artigos 94º do CIRC e 35º da LGT.

A Impugnada, Fazenda Pública, discorda deste entendimento quanto à omissão de pronúncia, defendendo, em síntese, que “o Acórdão arbitral conheceu da questão respeitante aos juros compensatórios (…), porquanto, como refere a ora Impugnante nos artigos 735 e 736 do pedido arbitral «a legalidade da liquidação de JC pressupõe a legalidade da liquidação do imposto (IRC) com base no qual foram calculados e liquidados os JC, e do qual estes são acessórios. (...) Ora, como a liquidação de IRC padece das sobreditas ilegalidades, a liquidação de JC, consequentemente, deve ser igualmente anulada”. Mais acrescenta a Fazenda Pública que “a decisão sobre os juros decorre da apreciação da legalidade da correcção subjacente à parte da liquidação que o Tribunal considerou legal, pelo que do Acórdão arbitral resulta, pelo menos implicitamente, que o conhecimento dessa questão ficou prejudicado em face da decisão de manutenção da correcção sindicada na ordem jurídica”.

Quanto a esta omissão, entendemos que a razão está com a Impugnante, uma vez que, lido o teor integral da fundamentação do acórdão, não se encontra qualquer referência à liquidação dos juros compensatórios oportunamente contestada (sem prejuízo de uma breve referência no segmento decisório), sendo certo que, contrariamente ao que defende a Impugnada, não é possível retirar do acórdão um juízo implícito de legalidade dos juros fundado no pressuposto de que se o imposto é legal, então os juros também o são. Para mais, sublinhe-se, o contribuinte vinha defendendo que, no caso concreto, inexistia censurabilidade do seu comportamento, quer a título de dolo, quer de negligência, sustentando que se verificava – isso sim – uma mera divergência de interpretações legais entre a AT e a C............

Refira-se que, a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação (a título de dolo ou negligência) e, nessa medida, pode, em tese, ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte atuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, considerando, dessa forma, que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária ou a erro desculpável do contribuinte.

Nestes termos, e sem necessidade de nos alongarmos mais, há que concluir, quanto à questão ora em análise, relativa à (i)legalidade dos juros compensatórios, que o acórdão impugnado omitiu a devida pronúncia, o que gera a correspondente nulidade (parcial) do acórdão e a necessidade de apreciar a questão cujo conhecimento foi omitido e não se mostrava prejudicado.

Quanto à questão dos juros de mora:

Defende a Impugnante que o acórdão impugnado padece de vício de omissão de pronúncia quanto aos juros de mora, porquanto foram suscitadas questões de facto e de direito que não foram analisadas e que determinariam a ilegalidade dos mesmos.

Desde logo, segundo a Requerente, aqui Impugnante, “A AT não evidenciou nem houve qualquer atraso no pagamento do imposto por parte da Impugnante - pago dentro do prazo legal”, atraso esse que é pressuposto dos juros em causa. Para mais, quanto muito, poder-se-ia falar de atraso na liquidação do imposto (que não no pagamento, já que este foi pago no prazo legal) e, nesse caso, seriam devidos juros compensatórios.

Portanto, para a Requerente os juros de mora em causa violam o disposto nos artigos 109º do CIRC e 44º da LGT.

A Impugnada, Fazenda Pública, discorda deste entendimento, defendendo, em síntese, que o acórdão arbitral conheceu da questão respeitante aos juros de mora, porquanto, como refere a ora Impugnante “nos artigos 746 e 747 «A legalidade da liquidação de JM pressupõe a legalidade da liquidação do imposto (IRC) com base no qual foram calculados e liquidados os JM, e do qual estes são acessórios. (...) Ora, como a liquidação de IRC padece das sobreditas ilegalidades, a liquidação de JM, consequentemente, deve ser igualmente anulada.». Assim, para a Fazenda Pública, “a decisão sobre os juros decorre da apreciação da legalidade da correcção subjacente à parte da liquidação que o Tribunal considerou legal, pelo que do Acórdão arbitral resulta, pelo menos implicitamente, que o conhecimento dessa questão ficou prejudicado em face da decisão de manutenção da correcção sindicada na ordem jurídica”.

Quanto a esta omissão, entendemos que a razão está com a Impugnante, uma vez que, lido o teor integral do acórdão, não se encontra qualquer referência à liquidação de juros de mora oportunamente contestada, sendo certo que, contrariamente ao que defende a Impugnada, não é possível retirar do mesmo um juízo implícito de legalidade dos juros fundado no pressuposto de que se o imposto é legal, então os juros também o são, não se aceitando igualmente – como a Impugnada também adianta – que “o conhecimento dessa questão ficou prejudicado em face da decisão de manutenção da correcção sindicada na ordem jurídica”.

Note-se que, desde o requerimento inicial, a C........... SGPS sustentava não haver qualquer atraso no pagamento do imposto, o que se mostra um pressuposto dos juros de mora. Por outro lado, a Requerente sustentava, ainda, que, no limite, se poderia equacionar a liquidação de juros compensatórios (pressupondo um atraso na liquidação do imposto) mas não de mora. Ora, como bem se percebe, a natureza dos juros em causa não é indiferente, sabido que o regime dos juros de mora é bastante mais gravoso que o dos juros compensatórios.

Nestes termos, e sem necessidade de nos alongarmos mais, há que concluir que quanto à questão ora em análise, relativa à (i)legalidade dos juros de mora, o acórdão impugnado omitiu a devida pronúncia, o que gera a correspondente nulidade (parcial) do acórdão e a necessidade de apreciar a questão cujo conhecimento foi omitido e não se mostrava prejudicado.


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- Quanto questão da correção/redução dos PEC's, dedutíveis à coleta do Grupo no exercício de 2012:

Defende a Impugnante que o acórdão impugnado padece de vício de omissão de pronúncia quanto à correção/redução dos PEC's, dedutíveis à coleta do Grupo no exercício de 2012, pois, conforme resulta do pedido de pronúncia arbitral, a Impugnante evidenciou que “O Grupo (de que era dominante a Impugnante) tinha um saldo total de PEC's de Euro 31.350,19 susceptíveis de dedução à colecta (do Grupo) no exercício de 2012” e, como tal, “a correcção em apreço padece de erro de cálculo e apuramento (cfr. artigo 99º a) do CPPT) e de vício de violação dos artigos 90º nº 2 c) e 93º nº 1 do CIRC”.

Para a Impugnante, limitando-se o acórdão em análise a dizer que esta redução/correção dos PEC's resulta “dos elementos declarativos das várias sociedades que compõem o Grupo C........... no ano de 2012 e das próprias correções realizadas pelos Serviços de Inspeção Tributária”, não procedeu o mesmo a qualquer apreciação de mérito relativamente à questão alegada.

A Impugnada, Fazenda Pública, discorda deste entendimento, defendendo, em síntese, que a ora Impugnante invocou, “no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, o vício de falta de fundamentação, por violação dos artigos 77.º n.º 1 e 2 da LGT, 268.º n.º 3 da CRP e artigo 153.º n.º 2 do CPA, bem como o erro nas operações de cálculo e apuramento efectuadas pela Inspecção Tributária (…), sendo que, o Acórdão arbitral emite pronúncia expressa sobre a falta de fundamentação e sobre o erro de quantificação (cfr. ponto VI., alínea A), páginas 12 a 16), referindo-se, no mesmo ponto, a todas as correcções relativamente às quais foram suscitados tais vícios, entre elas a correcção aos PEC's, pelo que também quanto a este segmento da decisão não ocorre a invocada omissão de pronúncia”.

Vejamos o que se nos oferece dizer sobre esta questão, desde já se adiantando que falece a razão à Impugnante.

Analisando os vícios invocados com respeito à correção em causa, temos que no acórdão se escreveu o seguinte:

“(…) O mesmo sucedendo, refira-se, quanto às demais correções efetuadas pela AT, na medida em que é por demais evidente que as mesmas decorrem diretamente das correções efetuadas ao IRC do exercício de 2012 e que se encontram plasmadas no respetivo Relatório de Inspeção Tributária validamente notificado à Requerente. Sem sequer ser necessário presumi-lo.

Idêntico entendimento aplica-se às correções da derrama e dos Pagamentos Especiais por Conta, neste exercício de 2012, pois o ato de liquidação emitido resulta, também nessa parte, dos elementos declarativos das várias sociedades que compõem o Grupo C........... no ano de 2012 e das próprias correções realizadas pelos Serviços de Inspeção Tributária.

Por fim, quanto à questão da dúvida sobre a quantificação do facto tributário, nos termos do disposto no artigo 100º, nº 1, do CPPT, considera-se que, por tudo o que foi acima dito, tal vício também não poderá proceder.

Mas acrescente-se que nesta matéria sempre consideraríamos, tal como fez o Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão de 15.02.2012, proferido no processo n.º 00881/08.0BEBRG, que a dúvida que implica a anulação do ato de liquidação não pode considerar-se fundada se assentar “na ausência ou inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante. (…) O impugnante não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação do facto tributário. Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível concluir-se ser fundada aquela dúvida”.

A verdade é que a Requerente não carreou para os autos qualquer elemento probatório suscetível de gerar a dúvida quanto aos cálculos efetuados pela AT, nomeadamente, porquanto estes últimos são facilmente explicados, como se constatou.

Assim, improcedem os vícios invocados, relativos a falta de fundamentação e dúvida sobre a quantificação dos fatos tributários”.

Temos, assim, que, embora sem uma fundamentação exaustiva, o acórdão deu resposta aos vícios apontados à correção em causa, seja na vertente da alegada falta de fundamentação, seja no que respeita ao invocado erro na quantificação. Por conseguinte, a questão que a Impugnante queria ver analisada foi, efetivamente, apreciada.

O que sucede é que a ora Impugnante discorda dos termos em que tal apreciação (e decisão) foi feita e, nessa medida, pretende a sua alteração. Tal pretensão, contudo, pelas razões já acima expostas, não pode acolher-se por extravasar, em muito, o âmbito da impugnação da decisão arbitral, pois a interpretação e aplicação do direito que foi feita na decisão arbitral, escapa, de todo, aos poderes cassatórios legalmente atribuídos a este Tribunal.

Nesta parte, improcedem as conclusões que vimos de analisar.


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Numa síntese daquilo que ficou dito, face a todo o decidido, a impugnação ora em apreciação só em parte procede, significando isto que apenas quanto aos juros compensatórios e aos juros de mora se aceita que o acórdão arbitral tenha efetivamente omitido a pronúncia que lhe competia, devendo nessa parte ser declarada a nulidade correspondente e ordenada a remessa dos autos ao CAAD para os termos que subsequentemente se impõem. No mais, mantém-se inalterado o acórdão.

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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em julgar parcialmente procedente a presente impugnação da decisão arbitral, declarando-se a nulidade parcial do acórdão impugnado, em concreto nos segmentos respeitantes aos juros compensatórios e de mora, ordenando-se a remessa dos autos ao CAAD para apreciação das questões relativamente às quais a pronúncia foi omitida.

Custas por ambas nas partes, na proporção do respetivo decaimento.

Registe e notifique.

Lisboa, 11/01/23


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Lurdes Toscano