Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:842/09.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/26/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
PRESUNÇÃO DE VENDA.
FURTO.
Sumário:1. O afastamento dos registos de inventários, para efeitos da presunção de venda, exige por parte da Administração Fiscal, a prova, concludente, da desconformidade entre os inventários físicos e os registos constantes da contabilidade.
2. Tal prova exige a análise detalhada dos sistemas de controlo interno da contribuinte, de forma a apurar, documentar, eventuais falhas, erros e imprecisões, capazes de pôr em causa a credibilidade da contabilidade.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
M………… – C………. & C………. Portugal, S.A veio deduzir impugnação judicial, na sequência do acto de indeferimento tácito que se formou sobre a reclamação graciosa que apresentara contra os actos de liquidações adicionais de IVA, com os n.°s ……..825, …………827, …………..829, …………831, ………….658, ……..660, ……….662, ………….664, ………….666, ……….668, ……….671 e ………….673, no valor total de €496.416,06 e as respectivas liquidações de juros compensatórios n.°s ………..826, ……..659, …………..661, …………..828, ……………..663, ………665, ………….830, …………….667, ………….669, …………….832, ………….672 e …………..674, do ano de 2004, no montante total de €563.061,43, sendo o imposto no valor de € 496.416,06 e € 66,645,37 os juros compensatórios.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença datada de 22/6/2021, e incorporada a fls. 3808 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), julgou a impugnação parcialmente procedente e, em consequência, anula “as liquidações de IVA do exercício de 2004 e respectivos juros compensatórios, na parte que respeita às correcções relativas às quebras de existências no montante de €256.792,24 e às ofertas realizadas pela impugnante, no montante de € 3.065,31, bem como procedente o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, na parte relativa ao IVA anulado, cujo montante terá de ser fixado em sede de execução de sentença” , mantendo no mais os actos de liquidação de IVA.
Desta sentença foi interposto o presente recurso em cuja alegação inserta a fls. 3904 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente, Fazenda Pública., formulou as conclusões seguintes:”
A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou parcialmente procedente a Impugnação deduzida contra a Reclamação Graciosa deduzida sobre as liquidações adicionais de IVA do exercício de 2004 e respetivos juros compensatórios, emitidas pela Administração Fiscal na sequência da competente ação de inspeção.
B) Saber se Fisco impugnou ou não os factos à luz daqueles que foram os lançamentos realizados pelo sujeito passivo exige uma apreciação global da posição das partes.
C) A prova do furto/roubo impede o recurso por parte da AT à presunção do art. 80º do CIVA – pelo que não faz sentido afirmar que a AT não questionou a ocorrência dos furtos, se esta procedeu à correção.
D) A posição dos SIT suporta-se, pois, na circunstância de não ter sido realizada/apresentada a competente participação criminal ao órgão de polícia. Só este elemento oferece uma garantia mínima (certeza jurídica) de que os produtos terão sido furtados o que levaria à aceitação de que os bens não foram transmitidos - ilidindo-se, assim, a presunção do art. 80º do CIVA.
E) Donde, a desadequada invocação da jurisprudência comunitária que dava por provado o furto dos bens. Ali, discutia-se, a iniciativa de tributar, não obstante se dar por provado o furto – por se entender que, apesar de tudo, houve uma transmissão tributável em sede de IVA.
F) E, a evidente contradição insanável entre o facto não provado (furto) e a fundamentação da sentença que, neste particular, suporta-se em jurisprudência comunitária que o dá por provado.
G) No que concerne ao segmento da correção que teve por objeto os produtos furtados – não dando a sentença recorrida, por provado, a ocorrência dos furtos – os pressupostos da correção não padecem do vício de lei. O montante do imposto referente a este segmento mostra-se, pois, devido.
H) Em todo o caso, suportando o Tribunal a quo no erro imputável aos serviços para condenar a AT em indemnização por prestação de garantia indevida dir-se-á que:
I). A sentença recorrida é insuficiente na sua fundamentação, limitando-se abstratamente a condenar a AT em indemnização por garantia indevida sem concretizar em que circunstâncias o erro imputável aos serviços se produziu.
J) Não houve ponderação da conduta de cada uma das partes, imputando-se automaticamente o erro aos serviços –ficando por apurar e apreciar o eventual contributo da Impugnante para a emissão do ato lesivo.
L) A Impugnante exerce o direito de audição afirmando que, à exceção dos pontos 3.1.1.1 e 3.2.3 (que aqui não relevam), apesar de discordar, só se pronunciará posteriormente apresentando os argumentos ou elementos de prova, inviabilizando, sem motivo plausível, uma análise por parte dos SIT que, integral ou parcialmente, fosse ao encontro da sua pretensão
M) Todavia, para efeitos de apreciação do erro imputável aos serviços é manifesto que ao não apresentar os elementos de prova antes da emissão do ato tributário, a Impugnante contribuiu decisivamente (ainda que de forma omissiva) para o apuramento do imposto a pagar resultante da liquidação adicional
N) Estão em causa os seguintes erros de julgamento:
- Erro de apreciação da prova por ter sido impugnado o furto dos produtos sem que este tenha sido provado por forma a ilidir a presunção prevista no art. 80º do CIVA.
- Contradição insanável entre a fixação do probatório (e erro de apreciação jurídica) que não deu por provado o furto dos produtos e a fundamentação de Direito a qual se alicerçou em desadequada jurisprudência que dá por provada essa factualidade.
- Erro de apreciação da prova e de subsunção jurídica no que à apreciação do erro imputável aos serviços diz respeito para efeitos de atribuição de indemnização por prestação de garantia indevida.
O) Mostra-se violado disposto nos arts. 80º do CIVA; 53º da LGT e 171º do CPPT.
P). Não pode a douta sentença manter-se na Ordem Jurídica, impondo-se a sua parcial revogação e substituição por acórdão que reconhecendo o mérito trazido no presente recurso julgue parcialmente procedente a presente Impugnação Judicial, absolvendo, ademais, a AT, da requerida indemnização por prestação de garantia indevida.
Pugna pela procedência do recurso, pela revogação da sentença e por que se julgue improcedente a impugnação.
X
A recorrida, M……….. – C………. & C……. Portugal, S.A., apresentou contra-alegações (requerimento de fls. 3929 e ss. numeração do processo em formato digital – sitaf), expendendo conclusivamente o seguinte: “
A) Tendo em conta o teor das Conclusões do Recurso apresentado, bem como do texto das Alegações de Recurso, é indubitável concluir que a Fazenda Publica restringe o seu desagrado ao segmento da sentença que anulou os atos de liquidação de IVA relativos ao ano de 2004, por referência às «correções relativas às quebras de existências no montante de €256.792,24», mas, unicamente, quanto às quebras registadas com o Código 02 -furto/roubo, cujo valor ascende, apenas a €19.058,77 (cf. cópia de fis. 1 do Anexo 6 do Relatório de Inspeção junto aos Autos, reproduzido no ponto 17 das presente Contra-Alegações).
B) Quanto a esta questão em particular importa, desde já, referir que o recurso da Fazenda Pública indicia uma estratégia puramente dilatória, posto que, como adiante melhor se verá, a posição adotada nas Alegações foi, reiteradamente, rejeitada pelos Tribunais e contraria inclusivamente o entendimento e as instruções posteriormente emanadas por parte da Administração tributária sobre o tema das quebras de existências em empresas que se dedicam à atividade do comercio por grosso e a retalho.
C) Pese embora o artigo 80.° do Código do IVA consubstancie uma presunção iuris tantum, o certo é que a sujeição a IVA em consequência da aplicação de presunções não se compadece com o sistema comum do IVA, harmonizado pela Sexta Diretiva do Conselho (77/388/CEE), de 17 de maio de 1977 (doravante abreviadamente “Sexta Diretiva”) em vigor à data dos factos ora em análise-entretanto revogada e substituída pela Diretiva do Conselho (2006/112/CE), de 28 de novembro de 2006.
D) Neste sentido, parece também perfilar-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), produzida relativamente a uma situação em que um Estado-Membro pretendeu tributar, em sede de IVA, as quebras de existências associadas ao desaparecimento de mercadorias por eventual furto.
E) Assim, o TJUE veio considerar que «o furto de mercadorias não dá lugar, por definição, a qualquer contrapartida financeira a favor da pessoa que foi vítima desse furto. Por conseguinte não pode, enquanto tal, ser considerada uma entrega de bens efectuada «a título oneroso» na acepção do artigo 2.ª da directiva. Em segundo lugar, o furto de mercadorias não é abrangido pelo conceito de «entregas de bens» (Acórdão de 14 de julho de 2005, proferido no processo C-435/03, BRITISH AMERICAN TOBACCO INTERNATIONAL LTD).
F) Desenvolvendo o raciocínio expendido, o TJUE acrescentou, no aresto em referência, que «o princípio da neutralidade fiscal não impõe de modo nenhum a equiparação de um furto de mercadorias a uma entrega de bens e não obsta à análise segundo a qual esse furto não constitui, enquanto tal, uma operação sujeita ao IVA» (o destacado é da RECORRIDA).
G) Ora, contrariamente ao que indica a RECORRIDA, a posição do TJUE é transponível para a situação dos Autos, porquanto ambas as situações redundam na impossibilidade de enquadramento de determinados factos no conceito fiscalmente relevante de transmissão de bens, ou seja, de factos insuscetíveis de subsunção no artigo 3.° do Código do IVA (na redação em vigor à data dos factos), em transposição do artigo 5.° da Sexta Diretiva.
H) Acresce que a presunção prevista no artigo 80.° do Código do IVA configura uma presunção ilidível, i.e., que pode ser afastada mediante a apresentação de contraprova (cfr. artigo 73.° da Lei Geral Tributária que constitui emanação do princípio constitucional da capacidade contributiva), corolário do princípio da igualdade estabelecido no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa.
K) De resto, a interpretação que tem sido dada pela doutrina e pela jurisprudência ao artigo 80.° do Código do IVA (atual artigo 86.°) é no sentido de «nos termos do artigo 80° do CIVA (atual artigo 86°) pode a AT presumir como transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade. Por conseguinte, a presunção de transmissão decorre da verificação do facto de os bens não se encontrarem em locais relacionados com o exercício da actividade. Trata-se nos termos que decorrem do artigo 73° da LGT, de uma presunção ilidível pelo sujeito passivo, ou seja, este pode demonstrar que não foram transmitidos os bens que não se encontrem nos apontados locais» (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 9 de fevereiro de 2017, no âmbito do processo n.°885/07.OBELSB) [sublinhado da RECORRIDA].
J) No mesmo aresto conclui-se, pois, que o artigo 80.° do Código do IVA pressupõe que seja realizada a inventariação dos bens por parte da Administração tributária, para daí se concluir que faltam (fisicamente) bens em face dos registos contabilísticos. De acordo com o referido Tribunal, a presunção do artigo 80.° do Código do IVA nunca pode operar quando «não vem evidenciada qualquer discrepância entre a inventariação física dos bens (que a AT não fez) e os registos contabilísticos que permita à AT concluir que faltam (fisicamente) bens e daí extrapolar para presumir a sua transmissão», pois, o que se verificou naqueles Autos, à semelhança do que sucede na situação ora em apreço, foi que o sujeito passivo procedeu ao registo de perdas nas existências e, dessa forma, espelhou na contabilidade um determinado montante respeitante a bens que, em resultado de quebras ou falhas, não foram transmitidos.
K) Em face do exposto, uma vez que a IMPUGNANTE registou na contabilidade determinado montante a título de quebras, e que resulta do Relatório de Inspeção que a Administração tributária não fez qualquer inventariação física dos bens que lhe permitisse invocar que o stock físico não correspondia ao stock contabilístico da IMPUGNANTE, é evidente que a presunção prevista no artigo 80.° do Código do IVA (atual artigo 86.°) não podia operar, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao anular os atos de liquidação de IVA na parte que a refletem, por erro sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito.
L) Mas ainda que assim não se entenda e que se considere que a presunção do artigo 80.° do Código do IVA poderia inclusivamente operar no caso em que a Administração tributária pura e simplesmente desconsiderar um custo refletido da contabilidade decorrente de quebras nas existências (em particular no que respeita às quebras registadas com o Código 02 — furto/roubo) — o que apenas se admite por dever de patrocínio -, é evidente que da prova documental e testemunhal produzida nos Autos resultava inegavelmente que a referida presunção de transmissão de bens tinha que se considerar como ilidida para todos os efeitos legais.
M) Com efeito, a RECORRIDA adota (e adotava em 2004) o sistema de inventário permanente, tornado obrigatório com o Decreto-Lei n.°44/99, de 12 de fevereiro, com vista a proporcionar informação fidedigna relativamente às quantidades e valores das existências, bem como do custo das mercadorias vendidas e consumidas.
N) A utilização do sistema de inventário permanente permite obter, a cada momento, o stock teórico, o qual é periodicamente confrontado com o stock real, obtido através de contagens físicas, de modo a verificar a correspondência entre os inventários físicos e os registos contabilísticos.
O) Tal como a RECORRIDA demonstrou nos presentes Autos, nas várias lojas que possui, existia (e existe) um procedimento interno uniforme de controlo das quebras e, quando são realizadas as contagens físicas nas lojas ou quanto é detetada uma quebra, é preenchido um documento em que se indica por código, de acordo com o manual de procedimentos internos da MAKRO, a quebra, a quantidade em causa e o motivo da mesma (cf. Relatório de Inspeção junto como DOC. 28 da p.i., DOC. 31 e depoimentos das testemunhas A .................., H................................. e C ..................... , ouvidas na sessão de 27 de março de 2014, com início, respetivamente, às 10h12m20s, 10h27m36s e 10h42m50s).
P) Para os «códigos 1, 2, 3, 4, 5, 6, OS mesmos são apurados através da identificação das situações pelo responsável da secção que procede ao registo das ocorrências num mapa designado por mapa de ajuste de stock que é validado pelo chefe de divisão e director de loja para em seguida ser remetido para sistema informático de modo a actualizar o valor dos stocks da secção. Os bens que são considerados impróprios para venda (lixo) são colocados em contentores especialmente concebidos para o efeito e com a supervisão dos agentes de segurança da loja)» (cf. p. 27 do cit. DQC. 28 da p.i. e testemunho prestados pelas testemunhas acima mencionadas).
Q) Esse documento é assinado, pelo menos, por dois empregados da loja e, em vários casos, por três (cf. DoC. 31 da p.i. e depoimentos das testemunhas acima indicadas prestados na sessão de dia 27 de março de 2014).
P) A ocorrência dos furtos foi também confirmada pelas testemunhas em apreço, que indicaram, ainda, existirem diversos mecanismos de controlo de todas as quebras, confirmando a existência de sistemas de alarme nas lojas, de câmaras de vigilância e de procedimentos diversos tendentes a evitar a existência deste tipo de situações.
S) Assim sendo e em face da prova produzida nos Autos, é evidente que existiam elementos suficientes para que a Administração tributária se abstivesse de proceder à correção das perdas identificadas com o Código 02 — furto/roubo, ao abrigo da presunção prevista no artigo 80.° do Código do IVA.
T) Bem andou, portanto, o Tribunal a quo ao determinar a anulação da referida correção ao considerar que a Administração tributária errou ao aplicar, in casu, a estatuição prevista no preceito legal acima indicado.
U) Importa também dizer que, no âmbito do procedimento de inspeção, a própria Administração tributária estava obrigada a promover as diligências necessárias à descoberta da verdade material, por força do princípio do inquisitório consagrado artigo 58.° da Lei Geral Tributária.
V) Porém, a Administração Tributária não demonstrou ter procedido a qualquer diligência adicional tendente à descoberta da verdade material, tendo-se limitado a analisar os registos contabilísticos da RECORRIDA sem cuidar de verificar concretamente os documentos de suporte de cada uma das quebras e avaliar da sua suficiência para demonstrar a sua existência.
W) Por outro lado, cumpre referir que a exigência de documentos externos e participações policiais (no caso das quebras indicadas como furtos) é manifestamente desproporcional face aos objetivos que se pretendem atingir — que são os de controlo das quebras efetivas — e impraticável na maioria das vezes, como foi atestado pelas testemunhas A …………………, H…………. e C ………….., prestados na sessão de dia 27 de março de 2014, com início, respetivamente, às 10h12m20s, 10h27m36s e 10h42m50s, que salientaram, além do mais, a manifesta impossibilidade prática de realizar a participação policial de centenas de produtos desaparecidos, por ser um processo incomportável, quer para a empresa, quer para a própria Polícia.
X) Por último, importa ter em consideração que a interpretação da Administração tributária acerca do enquadramento tributário das quebras nas existências e das suas consequências em sede de IVA foi alterada em momento posterior ao da emissão dos atos de liquidação objeto destes Autos, tendo os Serviços de Inspeção, em anos subsequentes, deixado de realizar este tipo de correções, quando a situação de facto da RECORRIDA e os seus procedimentos não sofreram qualquer alteração significativa.
Y) Com efeito, na sequência dos diversos pedidos de informação que foram apresentados pela APED - ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE EMPRESAS DE DISTRIBUIÇÃO junto dos Serviços da Administração tributária, a Direção de Serviços do IRC e a Direção de Serviços do IVA vieram divulgar o seguinte entendimento:
2.2. «As quebras de mercadorias nas grandes superfícies de venda a retalho são inerentes à actividade normal das empresas desse sector pelo que se enquadram, em regra no princípio da indispensabilidade previsto no n: 1 do artigo 23.° do CIRC (...).
2.3. A aceitação como custo destas quebras depende da análise das situações concretas em que ocorrem e da demonstração que se situam dentro dos limites razoáveis para o sector de actividade.
2.4. A análise das circunstâncias concretas englobará a verificação da existência de sistemas de controlo implementados (sistemas de rádio anti roubo, CCTV, segurança privada e locais de venda assistida), para assegurar a minimização de furtos, bem como a existência de um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências e de controlo interno.
2.5. Este sistema organizativo de quebras de existências deve englobar não só as quebras identificadas como as quebras não identificadas (furtos de existências). Para as quebras identificadas deve ser elaborado um documento interno donde conste todos os elementos identificativos do produto (descrição, código, quantidade, motivo da quebra e destino do produto), assinado, para além dos intervenientes no processo, pelo responsável da secção e pelo gerente da loja.
Este documento interno deve servir de suporte à regularização do sistema de gestão de stocks, devendo ser emitida por este sistema uma listagem de regularização de stocks que suportará os lançamentos contabilísticos de quebras de existências, Para as quebras não identificadas deve ser elaborado documento de inventário com as diferenças de stock, devendo ser assinado pelos analistas de inventário e pelo gerente de loja. Este documento deverá servir de suporte à regularização do sistema de gestão de stocks bem como deve servir como documento de suporte aos lançamentos contabilísticos de quebras de existências.
2.6. Para a aceitação como custo das quebras não é de exigir participações à polícia por furto contra desconhecidos nem a existência de apólices de seguro uma vez que as quebras não identificadas resultam do exercício normal da actividade, não revestindo uma natureza extraordinária e imprevisível.
2.7. A demonstração que as quebras se situam dentro dos limites razoáveis para o sector de actividade (publicações internacionais e/ou nacionais) assentará numa análise das circunstâncias concretas de cada empresa e não com base numa percentagem previamente definida sobre a facturação.
3. Em sede de IVA
3.1. Aceita-se como elidida a presunção do artigo 86° do CIVA quando os bens considerados perdidos, por razões desconhecidas, preencham os critérios adoptados para efeitos de IRC, através, nomeadamente, de uma análise casuística e circunstancial de cada empresa, dentro dos limites razoáveis para o sector de actividade e desde que seja elaborado um “documento de inventário com as diferenças de stock”». (cf. Ofício n.° 12937, de 22 de junho de 2009, da Direção de Serviços do IRC e o Ofício n.° 30669, de 8 de junho de 2009, da Direção de Serviços do IVA juntos como Docs. 1 e 2 das Alegações finais apresentadas pela IMPUGNANTE nos presentes Autos em 6 de maio de 2014).
Z) Ora, como como resulta da análise do Relatório de Inspeção, da documentação junta aos Autos e foi confirmado por todas as testemunhas, a RECORRIDA cumpria, em 2004, todos os requisitos que vieram posteriormente a ser reconhecidos pela Administração tributária como sendo os adequados para que se considerasse ilidida a presunção de transmissão de bens, prevista, à data, no artigo 80.° do Código do IVA.
AA) Assim sendo, é evidente que a correção realizada pela Administração tributária é ilegal, por não se encontrarem, no caso em apreço, reunidos os pressupostos de que dependia a aplicação do referido preceito legal, devendo, portanto, ser negado provimento ao Recurso e ser mantida a Sentença recorrida.
BB) Por sim, salienta-se que a posição adotada pela Fazenda Pública já foi contrariada pelo Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do Acórdão de 7 de maio de 2020, proferido no âmbito do processo n.° 101/06.1BESNT, no qual se apreciou a legalidade de correções equivalentes, realizadas pela Administração tributária em sede de IRC, mas por referência às quebras registadas pela RECORRIDA em 2001.
CC) E no que em concreto diz respeito às correções efetuadas quanto ao IVA, com referência às quebras registadas em 2001, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra concluiu no Processo n° 1193/05.6BESNT exatamente no mesmo sentido que a Sentença recorrida, estando em causa precisamente a mesma realidade fática dos Autos e idêntica argumentação jurídica.
DD) Dito isto, mal se compreende que a Fazenda Pública insista na sua tese, olvidando as decisões judiciais que apreciaram correções idênticas feitas à RECORRIDA quanto a outros exercícios, contrariando inclusivamente o entendimento e as instruções posteriormente emanadas por parte da Administração tributária sobre este tema em concreto.
EE) No que respeita à indemnização por prestação de garantia, importa ter em conta que resulta da análise do Relatório de Inspeção que, no que se refere às quebras (e em particular às quebras registadas com o Código 02 — furto / roubo), no momento em que praticou os atos de liquidação impugnados, a Administração tributária tinha em seu poder todos os elementos necessários para poder concluir pela não verificação dos pressupostos para aplicação do artigo 80.° do Código do IVA.
FF) De facto, ao contrário do que falsamente indica a Fazenda Pública, a RECORRIDA não contribuiu, nem de forma ativa, nem de forma passiva para o erro de (de facto e de direito) em que incorreu a Administração tributária em matéria de quebras nas existências.
GG) Pelo contrário, tal erro resulta, simplesmente, da circunstância de a Administração tributária ter exigido, como prova da verificação das quebras, a existência de determinados documentos (nomeadamente participações ou queixas-crime quanto aos bens catalogados com o Código 02 — furto /roubo), não tendo aceitado como suficientes os elementos que lhe foram apresentados durante a inspeção e o procedimento que pôde constatar existir aquando da realização dos atos de inspeção externa.
HH) Ora, como bem se assinalou na fundamentação da Sentença recorrida, a Autoridade Tributária «admite que, genericamente, as quebras de existências se encontravam relacionadas com os motivos / códigos apresentados pela impugnante».
II) E acrescentou o Tribunal a quo que «se assim é, e não existindo obrigação legal de proceder a qualquer prévia diligência ou participação junto dos serviços da Administração Fiscal nos moldes por esta avançados, impunha-se, por força do inquisitório consagrado no artigo 58° da LGT, que promovesse qualquer diligência necessária à descoberta da verdade matéria».
JJ) Assim, como concluiu o Tribunal a quo «a Administração Fiscal não poderia, sem mais, desconsiderar os elementos fornecidos pela Impugnante, tanto mais que, admite tratar-se de quebras que são contabilizadas pelas empresas».
KK) Dito isto é evidente que bem fez o Tribunal a quo ao condenar a Administração tributária a pagar uma indemnização à RECORRIDA em virtude da prestação de garantia indevida (na parte correspondente às correções anuladas), posto que as liquidações de IVA foram emitidas por parte da Administração tributária em clara violação dos deveres que sobre si impendiam, violando, por isso, o artigo 80.° do Código do IVA.
LL) Em face do exposto, deve também ser negado provimento ao Recurso, mantendo-se a Sentença recorrida quanto à condenação da Administração tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida.
Pugna pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer do seguinte teor: “(…) Entendemos ser de manter a douta sentença recorrida por, em nosso entender, não incorreu a mesma em qualquer erro de julgamento quer de facto quer de direito (…)”.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:”
1) A Impugnante tem como actividade principal a actividade de “comércio por grosso de outros produtos alimentares” (cfr. doc. de fls. 38 do doc. de fls. 3533 do SITAF);
2) Em 07/02/2005 foi emitida pela H…… España, S.A. e por S ………………………… uma declaração da qual consta que o doce Extra Casa Mateus “Tomate” é um produto isento de glúten e apto para Celíacos (cfr. doc. de fls. 1 e 2 do doc. de fls. 3409 do SITAF);
3) A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva ao abrigo da Ordem de Serviço nºOI200700272 ao exercício de 2004 (cfr. doc. de fls. 38 do doc. de fls. 3533 do SITAF);
4) No âmbito da acção inspectiva identificada no ponto anterior, em 11/04/2008, foi elaborado um relatório inspectivo do qual, com relevo para os presentes autos, consta o seguinte:
“(…)
« Texto no original»
(…)
« Texto no original»

(…)
« Texto no original»
(…)
«Texto no original»
(…)
«Texto no original»

(…)
«Texto no original»
(…)” (cfr. doc. de fls. 24 a 72 do doc. de fls. 3533 do SITAF);
5) Por despacho de 14/04/2008, da Chefe de Divisão O……….., proferido por delegação de competências, foi sancionado o relatório inspectivo identificado no ponto antecedente (cfr. doc. de fls. 24 do doc. de fls. 3533 do SITAF);
6) Em data que não se consegue concretizar mas durante o mês de Maio de 2008 foram efectuadas doze liquidações adicionais de IVA do exercício de 2004 assinadas pelo Subdirector Geral F………………….. em 13/05/2008(cfr. docs. de fls. 49 a 60 do doc. de fls. 3292 do SITAF);
7) Em data que não se consegue concretizar, mas durante o mês de Maio de 2008 e com data limite de pagamento de 31/07/2008, foi efectuada a liquidação de juros compensatório referentes ao período 01/2004, assinada pelo Subdirector Geral F……………… em 13/05/2008, de cuja fundamentação consta o seguinte:
«Texto no original»

(cfr. doc. de fls. 61 do doc. de fls.3292 do SITAF);
8) Em data que não se consegue concretizar, mas com data limite de pagamento de 31/07/2008, foi efectuada a liquidação de juros compensatório referentes ao período 02/2004, assinada pelo Subdirector Geral F……………….. em 13/05/2008, de cuja fundamentação consta o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. doc. de fls. 62 do doc. de fls. 3292 do SITAF);
9) Em data que não se consegue concretizar, mas com data limite de pagamento de 31/07/2008, foi efectuada a liquidação de juros compensatório referentes ao período 03/2004, assinada pelo Subdirector Geral F………….. em 13/05/2008, de cuja fundamentação consta o seguinte:

«Texto no original»


(cfr. doc. de fls. 63 do doc. de fls. 3292 do SITAF);
10) Em data que não se consegue concretizar, mas com data limite de pagamento de 31/07/2008, foi efectuada a liquidação de juros compensatório referentes ao período 04/2004, assinada pelo Subdirector Geral F ……………… em 13/05/2008, de cuja fundamentação consta o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. doc. de fls. 64 do doc. de fls. 3292 do SITAF);
11) Em data que não se consegue concretizar, mas com data limite de pagamento de 31/07/2008, foi efectuada a liquidação de juros compensatório referentes ao período 05/2004, assinada pelo Subdirector Geral F………..……………..em 13/05/2008, de cuja fundamentação consta o seguinte:

«Texto no original»


(cfr. doc. de fls. 65 do doc. de fls. 3292 do SITAF);
12) Em data que não se consegue concretizar, mas com data limite de pagamento de 31/07/2008, foi efectuada a liquidação de juros compensatório referentes ao período 06/2004, assinada pelo Subdirector Geral F……………………..res em 13/05/2008, de cuja fundamentação consta o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. doc. de fls. 66 do doc. de fls. 3292 do SITAF);
13) Em data que não se consegue concretizar, mas com data limite de pagamento de 31/07/2008, foi efectuada a liquidação de juros compensatório referentes ao período 07/2004, assinada pelo Subdirector Geral F …………………….. em 13/05/2008, de cuja fundamentação consta o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. doc. de fls. 67 do doc. de fls. 3292 do SITAF);
14) Em data que não se consegue concretizar, mas com data limite de pagamento de 31/07/2008, foi efectuada a liquidação de juros compensatório referentes ao período 08/2004, assinada pelo Subdirector Geral F ……………………… em 13/05/2008, de cuja fundamentação consta o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. doc. de fls. 68 do doc. de fls. 3292 do SITAF);
15) Em data que não se consegue concretizar, mas com data limite de pagamento de 31/07/2008, foi efectuada a liquidação de juros compensatórios referentes ao período 09/2004, assinada pelo Subdirector Geral F ………………… em 13/05/2008, de cuja fundamentação consta o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. doc. de fls. 69 do doc. de fls. 3292 do SITAF);
16) Em data que não se consegue concretizar, mas com data limite de pagamento de 31/07/2008, foi efectuada a liquidação de juros compensatório referentes ao período 10/2004, assinada pelo Subdirector Geral F …………………….. em 13/05/2008, de cuja fundamentação consta o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. doc. de fls. 70 do doc. de fls. 3292 do SITAF);
17) Em data que não se consegue concretizar, mas com data limite de pagamento de 31/07/2008, foi efectuada a liquidação de juros compensatório referentes ao período 11/2004, assinada pelo Subdirector Geral F .………………….. em 13/05/2008, de cuja fundamentação consta o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. doc. de fls. 71 do doc. de fls. 3292 do SITAF);
18) Em data que não se consegue concretizar, mas com data limite de pagamento de 31/07/2008, foi efectuada a liquidação de juros compensatório referentes ao período 12/2004, assinada pelo Subdirector Geral F ……………………. em 13/05/2008, de cuja fundamentação consta o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. doc. de fls. 72 do doc. de fls. 3292 do SITAF);
19) Em 24/10/2008 a impugnante reclamou graciosamente das liquidações identificadas nos pontos anteriores (cfr. doc. de fls. 4 a 46 do doc. de fls. 3292 do SITAF);
20) Em 28/10/2008 a impugnante apresentou uma garantia bancária com o nº ………… do Banco Es………….........., S.A. para suster o processo de execução fiscal nº ……………...634, no montante de € 721.669,69 (cfr. doc. de fls. 22 do doc. de fls. 3533 do SITAF);”

X
“Não existem outros factos provados com relevância para a decisão da causa.”
X
“MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO //Para a fixação da matéria de facto provada, a convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, nos documentos constantes dos autos e no processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório, bem como no depoimento das testemunhas.”
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
21) A recorrida tem procedimentos de controlo interno das quebras em loja, incluindo videovigilância, os quais descrevem o histórico das quebras, a discriminação do artigo e as circunstâncias concretas da perda– depoimento de A ………………., Supervisor de direcção operações, em 2004; depoimento de H ………….………, Chefe da divisão de qualidade, à data.
22) A recorrida tem procedimentos de controlo interno, videovigilância e registos de inventários, relativos a furtos, através de listagens de controlo físico e informático dos inventários - depoimento de A ………………………., Supervisor de direcção operações, em 2004; depoimento de H ……………., Chefe da divisão das áreas de frescos, à data.
23) A participação à polícia não é comportável, o mesmo é válido em relação ao accionamento de seguro, dado o volume de pequenos furtos - depoimento de A …………………, Supervisor de direcção operações, em 2004; depoimento de H ……………………, Chefe da divisão de qualidade, à data.
24) A recorrida tem reforçado os procedimentos de controlo de detecção das quebras, através de inventários, relatórios e acções de prevenção – depoimento de C ……………………, TOC da recorrida.
25) A falta de participação dos furtos à polícia e a falta de autos de abates estão entre as razões principais das correcções em sede de quebras por furtos – depoimento de J ……………………, inspector tributário, que realizou a acção inspectiva em causa.
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida quanto ao enquadramento jurídico da causa, por referência às «correções relativas às quebras de existências no montante de €256.792,24», mas, unicamente, quanto às quebras registadas com o Código 02 -furto/roubo, cujo valor ascende, apenas a €19.058,77 [conclusões A) a G)].
ii) Erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida quanto ao enquadramento jurídico da causa, por referência à atribuição de indemnização por prestação indevida de garantia [conclusões H) a P)].
A sentença determinou a anulação das liquidações de IVA do exercício de 2004 e respectivos juros compensatórios, na parte que respeita às correcções relativas às quebras de existências no montante de € 256.792,24 e às ofertas realizadas pela impugnante, no montante de € 3.065,31, bem como julgou procedente o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, na parte relativa ao IVA anulado, cujo montante terá de ser fixado em sede de execução de sentença.
2.2.2. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente invoca que a «posição dos SIT se suporta, pois, na circunstância de não ter sido realizada/apresentada a competente participação criminal ao órgão de polícia. Só este elemento oferece uma garantia mínima (certeza jurídica) de que os produtos terão sido furtados o que levaria à aceitação de que os bens não foram transmitidos - ilidindo-se, assim, a presunção do art. 80º do CIVA»; «[sublinha] a evidente contradição insanável entre o facto não provado (furto) e a fundamentação da sentença que, neste particular, suporta-se em jurisprudência comunitária que o dá por provado»; «[n]o que concerne ao segmento da correção que teve por objeto os produtos furtados – não dando a sentença recorrida, por provado, a ocorrência dos furtos – os pressupostos da correção não padecem do vício de lei».
Por seu turno, a este propósito, escreveu-se, em síntese, na sentença sob recurso o seguinte:
«No que respeita a esta correcção a AT fundamenta a sua correcção alegando que não foram apresentados pela impugnante elementos justificativos para as quebras de existências, não foram apresentadas as necessárias participações criminais para os bens objecto de furto, não procedeu à notificação às autoridades competentes da ocorrência de quebras ou lixo, a fim de ser exercido o controle necessário pela AT, nem à elaboração de Autos de Destruição ou inutilização de bens, excepção feita aos bens alimentares cujo código de abate foi quebra/lixo. // (…) // (…) // No caso, dos autos, a Impugnante no âmbito do procedimento forneceu à Administração Fiscal diversos motivos catalogados por códigos, abaixo discriminados: // Código O - Inventário geral // Código 1-: Lixo // Código 2 – Furto/roubo // Código 3 - Stocks negativos // Código 4 - Desdobramento (caixa para unidades) // Código 5 - Erro de etiquetagem (troca de códigos p.m) // Código 6 - Outras correcções // Código 7 - Inventários parciais // Código 8 – Ajuste informático // Código 9 – Vasilhame // A AT admite que, genericamente, as quebras de existências contabilizadas pelas empresas, se encontram relacionadas com os motivos/ códigos apresentados pela impugnante. // Ora, se é assim, e não existindo obrigação legal de proceder a qualquer prévia diligência ou participação junto dos serviços de Administração Fiscal nos moldes por esta avançados, impunha-se, por força do princípio do inquisitório consagrado no art. 58º da LGT, que promovesse qualquer diligência necessária à descoberta verdade. // Ou seja, a Administração Fiscal não poderia sem mais, desconsiderar os elementos fornecidos pela Impugnante, tanto mais que, admite tratar-se de quebras que são contabilizadas pelas empresas. // Assim sendo, procedente teria de ser a presente impugnação no que tange à presente correcção».

Apreciação. A fundamentação da correcção em exame consta do ponto 3.1.1.6.1. do relatório inspectivo. Do mesmo consta o seguinte:
«3.1.1.6.1. Quebras de existências // Foi analisada a tipologia e tratamento contabilístico das existências designadamente a temática relativa aos valores registados como quebras de existências uma vez que os mesmos exercem uma influência significativa nos custos de exploração da empresa.
O sujeito passivo que, para efeitos de gestão, tem o seu negócio dividido entre dois sectores, o sector alimentar e o sector não alimentar, procedeu, durante o exercício em análise, ao registo contabilístico de quebras de existências em contas de custos do exercício, mais concretamente nas contas 6120005 - “Quebra alimentar1' e 6120006 - “Quebra não alimentar1'. // Na primeira rubrica encontra-se contabilizado o valor de € 3.910.126,18 enquanto que na segunda rubrica o valor é de € 540.673,02 perfazendo assim um total de € 4.450.799,20 relevado contabilisticamente como perda de existências do exercício, afectando assim positivamente o custo das mercadorias vendidas. Como justificação para as mesmas, o sujeito passivo classifica-as em diversos motivos, catalogados por códigos, abaixo discriminados:

      Códigos - Motivos
Descrição
    Código 0 - Inventário geral
Diferenças de contagem de stocks apuradas aquando da realização do inventário geral anual
    Código 1 - Lixo
Mercadoria identificada como imprópria para a venda (deteriorada, fora de validade, partida...) colocada em contentores de lixo.
    Código 2 - Furto/roubo
Mercadoria furtada que deixou vestígio (caixa vazias ou packs sem algumas unidades de vendas...)
    Código 3 - Stocks negativos
Resolução manual de stocks negativos (artigos paralelos, troca de artigos, venda de um artigo por outro...)
    Código 4 - Desdobramento - caixa p/ unidades
Transformação de uma unidade de venda em várias ou vice-versa
    Código 5 - Troca de códigos RM (erro de etiquetagem)
Acerto manual de troca de etiquetas ou códigos
    Código 6 - Outras correcções
Outro tipo de correcções manuais não contempladas noutros códigos
    Código 7 - Inventários parciais
Diferenças de contagem de stocks apuradas aquando da realização dos inventários parciais de loja
    Código 8 - Ajuste informático
Acerto informático para igualar o stock da loja ao stock do sistema informático
    Código 9 - Vasilhame
Perdas identificadas de vasilhame

// (…) // Quanto aos motivos enquadráveis no segundo grupo - furto/roubo - deveria a empresa desenvolver os procedimentos lógicos e consequentes a uma situação desta natureza, designadamente participação à polícia e/ou apresentação da participação de sinistro às seguradoras, por de eventos seguráveis se tratar. // Quanto aos motivos enquadráveis no terceiro grupo, procede-se a uma abordagem distinta // (…) // Tendo presente a exposição anterior, e considerando que o sujeito passivo contabilizou quebras no montante de € 1.775.132,52, valor que resulta da soma da totalidade dos montantes inscritos nos códigos 0, 2, 7 e 8 assim como parte dos montantes correspondentes ao sector não alimentar inscritos no código 1, conforme se encontra evidenciado no mapa do anexo n.° 6, sem que tivesse para os motivos referidos apresentado qualquer um dos elementos de prova anteriormente referenciados, o custo em questão não releva para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.° do CIRC, na medida em que não demonstrou o sujeito passivo a indispensabilidade do referido custo para a formação de proveitos sujeitos a imposto».
A questão que se suscita nos autos consiste em saber se a recorrente, confrontada com os registos de inventários da contribuinte, que documentam a existências de perdas e diferenças de inventário, pode invocar o disposto no artigo 80.º do CIVA, para presumir vendas e liquidar o imposto que seria devido pelas mesmas. Concretamente está em causa o segmento da sentença que anulou os atos de liquidação de IVA relativos ao ano de 2004, por referência às «correções relativas às quebras de existências no montante de €256.792,24», mas, apenas, quanto às quebras registadas com o Código 02 -furto/roubo.
Vejamos.
«Sempre que necessário, poderão os funcionários encarregados da fiscalização proceder à inventariação das existências físicas de qualquer estabelecimento. // O inventário a que se refere o número anterior será assinado pelo sujeito passivo, que declarará ser conforme ao total das suas existências, sendo-lhe no entanto permitido acrescentar as observações que entender convenientes. // Do inventário será dada cópia ao sujeito passivo, cuja assinatura será substituída pela de duas testemunhas no caso de recusa» (1). «Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrarem em qualquer desses locais» (2).
Na anotação ao artigo 80.º do CIVA, F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes (3), afirmam que «[o] disposto neste artigo poderá considerar-se como uma consequência directa da inventariação que eventualmente tenha sido efectuada nos termos do artigo anterior, conduzindo à existência de bens não documentados nem registados e que se presume terem sido adquiridos pelo sujeito passivo. Também como resultado dessa inventariação poderá verificar-se a falta de bens face ao registo dos livros. Em ambos os casos o legislador admite, por um lado, uma presunção juris tantum de aquisição daqueles bens e, pelo outro, a transmissão dos bens encontrados em falta, motivando, nesse caso, a liquidação do correspondente imposto. Trata-se de uma liquidação oficiosa efectuada pelos serviços cujo imposto, por motivos mais que evidentes, não é susceptível de ser repercutido. Tratando-se de presunções juris tantum, os interessados poderão ilidi-las fazendo prova de que os bens não foram efectivamente objecto de transmissão». No mesmo sentido, refere Patrícia Noiret da Cunha, em anotação ao preceito citado, que «[d]a realização de inventário pode resultar a existência de bens não documentados nem registados, bem como a ausência de bens que foram escriturados pelos sujeitos passivos. Para fazer face a esta desconformidade entre o conteúdo do inventário e a escrituração do sujeito passivo, o presente artigo prevê a presunção de aquisição, pelo sujeito passivo, dos bens encontrados nalgum dos locais de actividade do sujeito passivo, presumindo-se quanto aos bens que não se encontrem nesse locais, que foram objecto de transmissão pelo sujeito passivo» (4). Cumpre também notar que «[a] presunção não é, rigorosamente, uma prova, mas apenas um processo mental de investigar, por meio de indução ou dedução, uma verdade provável, revelada aproximadamente por determinadas circunstâncias, ou como tal declarada pelo legislador, a expressão «por presunção» não deve ser entendida no sentido vulgar de «por mero palpite», mas sim, no sentido próprio do direito e prática fiscais de «por ajustada ponderação», o que coincide aliás como não podia deixar de ser com a própria noção estabelecida no art.º 349.º do CC, pelo qual, são consideradas presunções as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido» (5).
Como se referiu, a fundamentação da presunção de transmissão imposta pela recorrente consta do 3.1.1.6.1. Quebras de existências, do relatório inspectivo. Verifica-se que os registos de inventários da recorrida não são postos em causa pela inspecção tributária. A mesma não realizou qualquer controlo físico das existências, limitando-se a apontar falhas alegadamente ocorridas na referida inventariação, por parte do sujeito passivo. A presunção alegadamente obtida colide com os elementos coligidos nos autos. Recorde-se que a recorrida tem procedimentos de controlo interno, videovigilância e registos de inventários, relativos a furtos (6); a recorrida aplica procedimentos de controlo interno, videovigilância e registos de inventários, relativos a furtos, através de listagens de controlo físico e informático dos inventários (7). Ou seja, os registos de inventários da impugnante não só documentam e quantificam as perdas detectadas, como discriminam as razões justificativas das mesmas.
Neste contexto, o esforço probatório da recorrente não é suficiente para afastar a presunção de veracidade da contabilidade (artigo 75.º/1, da LGT) e erigir factos probandos capazes de justificar a presunção de transmissão invocada, ou seja, o alargamento da base tributária do imposto. A recorrente não aduziu um único indício que pudesse justificar o afastamento da contabilidade da recorrida, nem avançou qualquer elemento de facto que permita construir a hipótese da ocorrência de transações não documentadas, ou seja, em fuga ao imposto. A falta de participação dos furtos à polícia ou a falta de elementos externos não se oferecem como elementos que, só por si ponham em causa, a ocorrência dos furtos, de pequena dimensão e em larga escala. A análise dos procedimentos de controlo interno da recorrida, a análise e confrontos dos inventários não foi realizada.
A este propósito, cabe referir a jurisprudência assente, segundo a qual,
«O CIVA autoriza que o apuramento do imposto devido se faça através do uso de método presuntivo sempre que se prove a existência de erros, omissões ou falsidades na escrita do contribuinte, que façam perder a sua credibilidade (por ela não reflectir as situações que na realidade se verificaram) e os elementos da escrita não permitam apurar com clareza o imposto - arts. 82º e 84º do CIVA. // Cabe à AF o ónus de provar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso aquele método se tomou a única forma de calcular o imposto a liquidar, externando os elementos que a levaram a concluir pela existência dos pressupostos legais dos quais depende o apuramento do imposto por esse método - art. 81º do CPT. // Uma vez especificados e demonstrados esses pressupostos, passa a competir ao contribuinte o ónus de prova da ilegitimidade do acto, seja por erro nos pressupostos para o uso de métodos indiciários, seja por erro na quantificação da respectiva matéria colectável». (8)
Mais se refere «[o] furto de mercadorias não constitui uma «entrega de bens a título oneroso» na acepção do artigo 2.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, e não pode pois, enquanto tal, ser sujeito ao imposto sobre o valor acrescentado. O facto de mercadorias como as que estão em causa no processo principal estarem sujeitas a um imposto especial sobre o consumo não tem qualquer influência sobre esta análise» (9). A presente orientação jurisprudencial é de aplicar ao caso em apreço, porquanto os registos de inventários, no que respeita a furtos, não logram ser postos em crise pelo relatório inspectivo, dado que não foram aduzidos elementos concretos que permitam ilidir a presunção de veracidade de tais registos.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu no erro que lhe é apontado, pelo que deve ser confirmada, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.3. Quanto ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente contesta a existência de erro imputável aos serviços. Considera que o mesmo não se encontra demonstrado no caso, dado que a contribuinte não logrou esclarecer os factos relevantes no quadro do procedimento inspectivo.
A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida que,
«No caso, verifica-se que parte das liquidações em apreço em relação ao exercício de 2004 devem ser anuladas, por enfermarem do vício de violação de lei. O vício em apreço é imputável a erro dos serviços, dado que se deveu a errada representação da realidade por parte dos mesmos em relação aos pressupostos legais do acto tributário. // Assim sendo, a impugnante terá direito a ser ressarcida da parte da garantia bancária que não deveria de ter prestado em virtude da ilegalidade dos actos de liquidação. // Aos autos não foi junto qualquer documento que prove o valor dos prejuízos emergentes da prestação dessa garantia. // No entanto, essa falta de concretização não contende, em definitivo, com aquele reconhecimento e imporá somente que o apuramento dos mesmos prejuízos seja realizado em momento posterior, ou seja, em execução de sentença».

Apreciação. Determina o preceito do artigo 53.º, n.º 1, da LGT, que «[o] devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida». «O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo» (n.º 2).
Em 28/10/2008 a impugnante apresentou uma garantia bancária com o nº ………..do Banco …………, S.A. para suster o processo de execução fiscal nº ……………….634, no montante de € 721.669,69 (10).
Dos elementos coligidos no probatório e recenseados no ponto anterior, verifica-se que as liquidações adicionais em causa foram emitidas em razão do erro dos serviços da recorrida, quanto à apreciação da matéria de facto relevante e quanto ao enquadramento jurídico da situação em exame, dada a incompreensão dos mesmos sobre o alcance dos ónus da prova que sobre si recaem, tendo em vista a desconsideração dos inventários da recorrida. Em face dos elementos disponíveis à data, era exigível à recorrente a diligência necessária ao completo esclarecimento da situação dos inventários em causa. Pelo que a asserção de que ocorre erro imputável aos serviços, para efeitos da outorga de indemnização pela prestação de garantia indevida, não merece censura.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu no erro que lhe é apontado, pelo que deve ser confirmada, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.


Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta – Ana Cristina Carvalho)

(2 ª. Adjunta - Ângela Cerdeira)

(1) Artigo 79.º do CIVA.
(2) Artigo 80.º do CIVA.
(3) Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, anotado e comentado, Rei dos Livros, Janeiro de 1997, anotação ao artigo 80.º.
(4) Imposto sobre o Valor Acrescentado, anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao regime do IVA nas transacções intracomunitárias, Instituto Superior de Gestão, 2004, anotação ao artigo 80.º
(5) Despacho de 03/07/95, P. A 50195001, DSIVA.
(6) N.º 21 do probatório.
(7) N.º 22 do probatório.
(8) Acórdão do TCAN, de 06-10-2005, 00314/04 - VISEU
(9) do TJUE, de 14/07/2005, de P. C- 435/03.
(10)Nº 20 do probatório.