Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1162/17.3BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 04/04/2024 |
Relator: | RUI ANTÓNIO DOS SANTOS FERREIRA |
Descritores: | IVA VOUCHERS |
Sumário: | I– A emissão e venda de vouchers, vales ou coupons constitui uma atividade comercial, onerosa, sujeita a IVA. II- Os vales são unifuncionais ou multifuncionais consoante, na data da sua emissão e venda, o serviço associado e a taxa de imposto são conhecidos ou não. III– Uma empresa que gere um website onde anuncia a venda de bens e serviços a entregar ou prestar por Comerciante mediante a apresentação de vales ou vouchers emitidos na altura da compra/venda online, aquando do pagamento do “preço do voucher”, que é também o preço do bem ou serviço, presta aos Comerciantes serviços de marketing e de recebimento dos pré-pagamentos, deduzindo ao preço recebido do clientes o valor de uma comissão (sobre o preço de venda) e de uma percentagem para compensação dos custos de funcionamento do website e entregando aos Comerciantes apenas a diferença daí resultante, mas a emissão/venda dos vouchers e o recebimento do respetivo preço pago pelo cliente constitui o recebimento de um adiantamento do preço da operação comercial subjacente, sujeito imediatamente à liquidação de IVA sobre a totalidade do montante recebido [artigos 8 e 29º, nº 1, al. b), do CIVA]; IV– Seja nas situações de vales unifuncionais seja nas de vales multifuncionais, cabe à entidade emissora e vendedora dos vouchers, enquanto prestadora onerosa de serviços em causa, anunciar discriminadamente o preço base e o respetivo IVA e proceder à liquidação e entrega, no prazo legal, do imposto devido sobre o preço cobrado ao cliente que adquiriu os vales, como se o website tivesse comprado ao Comerciante e este funcionasse como um armazém que apenas faz a entrega física ao cliente mediante a troca com o voucher. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Indicações Eventuais: | Subsecção tributária Comum |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | l – RELATÓRIO G.... – SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., doravante “Recorrente”, veio interpor recurso jurisdicional contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos períodos de janeiro de 2013 a dezembro de 2015 e correspondentes juros compensatórios, no total de € 2.719.025,63. A sentença do TT Lisboa, proferida em 2/10/2023, julgou totalmente improcedente a impugnação judicial, com as demais consequências legais. Nas suas alegações, a Recorrente formulou as conclusões seguintes (após convite para apresentação sintetizada das mesmas): «1.ª O Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA dos períodos decorridos entre janeiro de 2013 e dezembro de 2015 e correspondentes liquidações de juros compensatórios; 2.ª No entender do Tribunal a quo a relação entre a Recorrente e os subscritores do website (..........) configura uma prestação de serviços, na aceção do artigo 4.º do Código do IVA; 3.ª No entanto e salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto por errada apreciação da prova produzida e por insuficiência da matéria de facto; 4.ª O Tribunal recorrido não podia ter dado como provados, nos termos em que o fez, os factos 5., 6., 7., 8., 10 e 11. (cf. pp. 4 e 5 da sentença recorrida); 5.ª Tal factualidade foi controvertida pela Recorrente e, para além disso, tais factos não são coincidentes com os esclarecimentos prestados pela testemunha J.... cujo depoimento foi considerado “claro e conciso” (cf. p. 12 a sentença recorrida); 6.ª A testemunha explicou detalhadamente o modelo de negócio da Recorrente e asseverou que esta não vende os bens, nem presta os serviços que divulga no website (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 3, segundo 35; minuto 6, segundo 35; minuto 11, segundo 10), sendo esta afirmação coincidente com as cláusulas 1.1 e 2.1 do Modelo 34 Padrão dos Termos e Condições Gerais do Contrato de C............ (cf. doc. n.º 1 da p.i.) e com as cláusulas 1.5 e 6. das Condições de Venda de Cupões da G....; 7.ª A testemunha afirmou que os subscritores do website (Clientes do C............) não são clientes da Recorrente e que os únicos clientes da Recorrente são os C............ (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 3, segundo 48), pelo que não podia o Tribunal a quo ter dado como provados os factos 5. e 6.; 8.ª Em consequência, não estando em causa aquisições de bens e serviços, não podia o Tribunal a quo ter dado como provado o facto 7.; 9.ª Também no que respeita ao facto 8. o Tribunal a quo incorreu em erro, uma vez que, como explicitou a testemunha (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 6, segundo 30; minuto 11, segundo 10), o subscritor do website (C............) efetua um depósito de uma quantia junto da Recorrente e recebe em troca um voucher, que lhe permite ir junto do C............ (e apenas junto deste) adquirir os bens ou serviços (e não apenas usufruir); 10.ª Relativamente aos factos 10. e 11. o Tribunal a quo faz referência ao valor “pago pelo cliente” (cf. p. 5 da sentença recorrida) ao Recorrente, sendo que, como esclareceu a testemunha, está em causa um depósito, ou seja, uma troca de meios de pagamento (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha, minuto 6, segundo 30, minuto 11, segundo 10); 11.ª Assim, conclui-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao dar como provados os factos 5., 6., 7., 8., 10. e 11. do probatório da sentença recorrida, os quais não podem deixar de ser eliminados do probatório da sentença; 12.ª Sem prejuízo do exposto, acresce que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto decorrente da insuficiência da matéria de facto; 13.ª No entender da Recorrente, tendo presente a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, o Tribunal a quo deveria ter dado como provados, porquanto são essenciais para a decisão da causa, os seguintes factos: 1. A Impugnante presta serviços de marketing e publicidade a C............ através do website http://www.G.....pt/ (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 3, segundo 35; minuto 22, segundo 20); 2. A Impugnante divulga no website ofertas (de C............) para a aquisição de bens e de serviços (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 3, segundo 35); 3. O C............ que pretenda recorrer aos serviços de publicidade e marketing da Impugnante, i.e., que pretenda divulgar as ofertas (os bens e/ou serviços) que comercializa no website da Impugnante, celebra com esta um contrato que define os termos e as condições da parceria a estabelecer, conforme Modelo Padrão dos Termos e Condições Gerais do Contrato de C............ (cf. doc. n.º 1 da p.i.); 4. Nos termos daquele contrato a Impugnante deve: a. Conceber e publicitar anúncios para vouchers que são emitidos pelo C............; b. Publicitar os anúncios durante um ou mais períodos e até um número máximo de vouchers (cf. cláusula 1.1 do doc. n.º 1 da p.i.); 5. Por seu turno, nos termos daquele contrato, recaem sobre o C............ as seguintes obrigações contratuais: a. Ser o único responsável pelo fornecimento ao Cliente do bem ou serviço correspondente ao voucher emitido; b. Não limitar a entrega do bem ou a prestação do serviço ao Cliente, nem limitar os serviços de apoio ao cliente, de assistência pós-venda, nem a política de devoluções; c. Exonerar a Impugnante de qualquer responsabilidade perante eventuais reclamações pelo Cliente relativamente aos bens e serviços a que correspondam os vouchers emitidos; d. Não conceder a terceiros, não titulares de vouchers, quaisquer descontos sobre 36 os produtos e ou serviços que estejam a ser publicitados pela Impugnante na vigência do contrato; e. Aplicar o desconto ao preço de venda do bem ou serviço durante, pelo menos, 30 dias anteriores à data de entrada em vigor dos Termos e Condições Gerais do Contrato de C............ (cf. cláusula 1.1 e 2.1 do doc. n.º 1 da p.i.); 6. Pelos serviços de publicidade e marketing a Impugnante cobra uma comissão ao C............ (cf. doc. n.º 1 e suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 19, segundo 20); 7. No âmbito dos serviços de marketing e publicidade, a Impugnante disponibiliza no website vouchers que permitem a aquisição de bens e serviços pelos subscritores do website (Clientes do C............) junto dos C............ (cf. cláusula 1.1 do doc. n.º 1 da p.i. e suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 3, segundo 35); 8. A publicidade dos produtos e serviços comercializados pelo C............ chega ao (potencial) Cliente por duas vias: (i) através da consulta do website www.G.....pt; (ii) através de newsletters remetidas para o endereço de e-mail dos subscritores do website (cf. cláusula 1.1 do doc. n.º 1 da p.i.); 9. Este tipo de serviços de marketing e publicidade, i.e. através de uma plataforma online e entrega de vouchers (mediante depósito de uma quantia), alcança um maior número de pessoas, por comparação com os meios publicitários tradicionais (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 4, segundo 00); 10. O subscritor do website que pretenda obter um bem ou um serviço divulgado no website da Impugnante, deposita junto da Impugnante a quantia pecuniária e recebe um voucher (cf. cláusula 4.1 do doc. n.º 1 da p.i., cláusula 2.2 do doc. n.º 2 da p.i. e suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 6, segundo 30; minuto 11, segundo 10); 11. Esta operação é realizada exclusivamente online através do website da Impugnante (cf. doc. n.º 2 da p.i.); 12. Esta operação consiste numa mera troca de meios de pagamento (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 11, segundo 11 e cláusula 1.3 do doc. n.º 2 da p.i.); 13. O voucher é entregue pela Impugnante ao subscritor do website (C............) em nome e por conta do C............ (cf. doc. n.º 1 da p.i. e suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 22, segundo 20); 14. No momento em que é feito o depósito pelo subscritor do website (C............) e entregue o voucher pela Impugnante, não há qualquer interação entre subscritor do website e o C............ (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 5, segundo 43); 15. Nesse momento não é adquirido qualquer bem ou serviço pelo subscritor do website (C............), mas é apenas entregue um voucher – meio de pagamento – (cf. doc. n.º 2 da p.i. e suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 6, segundo 35; minuto 11, segundo 11 e ); 16. A relação contratual entre a Impugnante e o subscritor do website (C............) encontra-se definida nas Condições de Venda de Cupões da G.... (cf. doc. n.º 2 da p.i.), das quais se destacam as seguintes regras: a. Cada voucher apenas poderá ser utilizado uma vez; b. O voucher deverá ser utilizado junto do C............, e não junto da Impugnante; c. O (potencial) C............ deverá observar as instruções de utilização associadas ao voucher concretamente emitido quando o utilizar junto do C............; d. O (potencial) C............ deverá utilizar o voucher dentro do respetivo período de validade; e. O voucher é exclusivamente para utilização pessoal e não comercial, sem prejuízo de poder ser oferecido a um terceiro; 17. Não recai sobre a Impugnante qualquer responsabilidade pelas situações em que o C............ não disponibiliza, de forma adequada, o bem ou o serviço referente ao voucher obtido pelo subscritor do website (C............), pelo que quaisquer reclamações e/ou medidas tendentes ao ressarcimento de eventuais danos (patrimoniais e não patrimoniais) sofridos, deverão ser tomadas contra o C............ (cf. cláusula 1.2 do doc. n.º 1 da p.i e cláusulas 1.5 e 6 do doc. n.º 2 da p.i.); 18. Na posse do voucher o subscritor do website (C............) deverá solicitar junto do C............ a entrega do bem ou do serviço a que aquele respeita, concretizando, o subscritor do website (C............) entrega o voucher – meio de pagamento – ao C............ e em troca recebe o bem ou o serviço, sendo neste momento que efetivamente se concretiza a aquisição do bem ou do serviço divulgado no website da Impugnante (cf. cláusulas 1.5 e 3.3 do doc. n.º 2 da p.i. e suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 6, segundo 35; minuto 26, segundo 20); 19. O C............ não disponibiliza os bens ou serviços à Impugnante (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 25, segundo 15); 20. Quando o subscritor do website (C............) usa/regata o voucher e adquire o bem ou o serviço, o C............ informa a Impugnante, remetendo-lhe o voucher e solicitando-lhe a entrega da quantia pecuniária que foi depositada pelo subscritor do website (C............) (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 19, segundo 10); 21. De acordo com o contrato (cf. doc. n.º 1 da p.i.), a entrega ao C............ da quantia devida depende do cumprimento cumulativo dos seguintes pressupostos: a. O voucher ser utilizado pelo Cliente dentro do período de validade; b. O C............ ter efetivamente entregue o bem ou prestado o serviço; c. O C............ ter apresentado o voucher à Impugnante no prazo de 30 dias a contar da sua utilização; d. O Cliente não ter solicitado o cancelamento do voucher e a devolução da quantia depositada. 22. De seguida, a Impugnante entrega ao C............ a quantia depositada pelo subscritor do website (C............), deduzida da comissão devida pelos serviços de publicidade, serviços estes que se traduziram na angariação do C............ (cf. cláusula 4.1 do doc. n.º 1 da p.i. e suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 19, segundo 20); 23. Neste momento, a Impugnante emite a fatura pelos serviços de publicidade e marketing, i.e., pelo valor da comissão e procede à liquidação do IVA à taxa legal (cf. cláusulas 4.1 e 4.º 3 do doc. n.º 1 da p.i. e suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 19, segundo 40); 24. Esta fatura respeita apenas aos serviços de publicidade e respetiva comissão (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 20, segundo 55; minuto 21; segundo 55); 25. Os vouchers têm essencialmente duas finalidades: a. permitem controlar a eficácia dos serviços de publicidade e marketing prestados pela Impugnante aos C............, uma vez que a comissão apenas é devida se a publicidade for bem-sucedida, i.e., se o C............ adquirir o voucher e o usar/resgatar para a aquisição do bem ou serviço publicitado no website da Impugnante (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 29, segundo 30); b. permitem a remuneração das partes (Impugnante e C............), já que, numa segunda fase, é mediante a entrega deste pelo C............ à Impugnante, que o C............ recebe o valor depositado pelo C............ (deduzido da referida comissão); 26. Os vouchers têm um período de validade definido pelas Partes - Impugnante e C............ - em função do tipo de bem ou serviço, da época do ano (por exemplo, estações do ano, carnaval, Páscoa ou Natal, etc.) e até do valor do mesmo do bem ou serviço (cf. clausula 1.1 do doc. n.º 1 da p.i.); 27. Na prática, estão previstos quatro modelos de períodos de validade dos vouchers, a saber: a. Fixo, em que os vouchers perdem a sua validade caso não sejam apresentados junto do C............ até uma determinada data (por exemplo, 31 de dezembro); b. Relativo ao Período de Apresentação, em que a validade do voucher é determinada aquando da publicitação do bem ou serviço e termina numa data concreta (por exemplo, o bem ou serviço é publicitado em 1 de março e tem uma validade de três meses, pelo que o Cliente que solicitar a emissão do voucher em 27 de abril terá de o utilizar até ao dia 1 de junho); c. Relativo à compra, em que nos casos em que a contagem do período de validade (por exemplo definida em três meses) inicia-se apenas após a troca do dinheiro pelo voucher; e d. Escalonado, em que, independentemente do período de validade ser fixo ou relativo, o término do prazo é adiado por um prazo acordado (por exemplo, foi estabelecido o dia 31 de dezembro como a data final de utilização do voucher, mas o prazo é diferido para o dia 31 do mês seguinte) (cf. clausula 1.1 do doc. n.º 1 da p.i.); 28. A Impugnante não vende os bens, nem realiza os serviços divulgados no website (cf. cláusulas 1.3 e 3.3 do doc. n.º 2 da p.i e suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 11, segundo 10); 29. O Cliente que efetua o depósito e recebe o voucher tem conhecimento de que a aquisição dos bens é feita, única e exclusivamente, junto do C............ e que, de igual modo, os serviços são também, única e exclusivamente, realizados por este (cf. cláusulas 1.3 e 3.3 do doc. n.º 2 da p.i. e suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 8, segundo 00); 30. O subscritor do website (C............), entenda-se o Cliente final que adquire o bem ou serviço, não é o cliente da Impugnante (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 3, segundo 48); 31. Os clientes da Impugnante são os C............, pois é a estes que a Impugnante presta serviços de publicidade e marketing (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 3, segundo 48); 32. Os serviços de inspeção tributária liquidaram IVA sobre a totalidade dos vouchers transacionados através do website da Impugnante (cf. doc. n.º 3 da p.i. e suporte áudio do depoimento da testemunha J.... minuto 44, segundo 05); 33. Expurgado o IVA que incidiu sobre os valores reembolsados aos subscritores do website (Clientes do C............), bem como, o IVA que incidiu sobre os vouchers não utilizados e, ainda, o IVA que incidiu sobre as comissões pagas pelos C............, os serviços de inspeção tributária deveriam ter apurado imposto em falta no valor total de € 1.413.227,28 e que se detalha no quadro infra:
* A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações* Foram os autos com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência. São as seguintes as questões a decidir: a) Verifica-se erro de julgamento da matéria de facto por errada apreciação da prova produzida e por insuficiência da matéria de facto (conclusões 3ª e seguintes)? b) Verifica-se a violação do princípio da separação de poderes, previsto no artigo 111.º da CRP, uma vez que, a sentença recorrida manteve os atos tributários sub judice, mas com fundamentação distinta da que consta do relatório de inspeção (conclusões 16ª e seguintes)? c) Verifica-se erro de julgamento de direito, por errada valoração da prova produzida, pressupondo erradamente que a Recorrente vende vouchers aos subscritores do website (..........), em vez de considerar que a Recorrente não vende bens nem presta serviços aos subscritores do website e que apenas presta serviços de publicidade e marketing a C............, os quais são os seus únicos clientes (conclusões 20º e seguintes)? * 2 – FUNDAMENTAÇÃO2.A.- De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «1. A Impugnante foi constituída em 7/6/2010, como integrante do grupo multinacional designado “G....” (facto não controvertido, assente por acordo, cf. Relatório de Inspeção Tributária junto, em anexo à petição inicial, como documento n.º 3, a fls. 86 a 140 do SITAF, em diante “RIT”). 2. Em 23/6/2010, a Impugnante iniciou atividade para efeitos fiscais, sob o código CAE (Classificação Portuguesa das Atividades Económicas) de agências de publicidade n.º ……….. e tendo por objeto social criar, explorar e desenvolver serviços digitais para o marketing de cupões e vouchers relacionados com campanhas publicitárias de bens e serviços com benefícios de preço devido a relações de grupo (facto não controvertido, assente por acordo, cf. RIT). 3. As prestações de serviços e as vendas de bens descritas no ponto anterior deste “probatório” são prestadas por sociedades terceiras, designadas parceiros (cf. documento n.º 1, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se reproduz integralmente). 4. A Impugnante desenvolve campanhas de marketing e publicidade para as sociedades terceiras descritas no ponto anterior deste “probatório” (cf. documento n.º 1, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se reproduz integralmente e depoimento da testemunha J....). 5. Os clientes da Impugnante adquirem as prestações de serviços ou os bens descritos no ponto 2 deste “probatório” através do seu sítio da internet, efetuando o pagamento do valor (facto não controvertido, assente por acordo, cf. RIT; cf. depoimento da testemunha J....). 6. A Impugnante emite aos clientes um vale designado voucher pelas aquisições descritas no ponto anterior deste “probatório”, dele constando as prestações de serviços ou os bens adquiridos (facto não controvertido, assente por acordo cf. RIT; depoimento da testemunha J....). 7. A Impugnante não emite faturas pelas aquisições descritas no ponto 5 deste “probatório” (facto não controvertido, assente por acordo cf. RIT; cf. depoimento da testemunha J....). 8. Os clientes da Impugnante têm de apresentar às sociedades terceiras prestadoras dos serviços, o vale descrito no ponto 6 que antecede, para usufruir das prestações de serviços ou dos bens adquiridos (facto não controvertido, assente por acordo cf. RIT; cf. depoimento da testemunha J....). 9. As sociedades terceiras prestadoras de serviços, comunicam à Impugnante que o cliente apresentou o vale descrito ponto 6 deste mesmo “probatório” (facto não controvertido, assente por acordo cf. RIT; cf. depoimento da testemunha J....). 10. Após a comunicação descrita no ponto que antecede, a Impugnante efetua a transferência do valor monetário pago pelo cliente para a sociedade terceira, deduzido do valor correspondente à prestação do serviço de publicidade descrito no ponto 4 que antecede, pela Impugnante (facto não controvertido, assente por acordo, cf. RIT; cfr. depoimento da testemunha J....). 11. Caso o vale descrito no ponto 6 deste “probatório” não seja apresentado, no prazo estabelecido, à sociedade terceira, a Impugnante retém o valor pago pelo cliente, caso este não solicite o reembolso do mesmo ou a sua troca por outro vale (facto não controvertido, assente por acordo, cf. RIT; cf. depoimento da testemunha J....). 12. A Impugnante foi objeto de um procedimento de inspeção interno, de âmbito parcial, efetuado pelos serviços da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo das Ordens de Serviço n.º ……………. e n.º …………….., ambas datadas de 26/1/2026, e da Ordem de Serviço n.º ……………, datada de 27/1/2016, aos exercícios financeiros findos em 31/12/2013, 31/12/2014 e 31/12/2015, respetivamente (cf. RIT). 13. Em 12/12/2016, os serviços da Direção de Finanças de Lisboa elaboraram, em nome da Impugnante, o RIT referente à inspeção aos exercícios financeiros de 2013, 2014 e 2015, constando do mesmo, além do mais, o seguinte (cf. RIT): (…) 14. Em 5/1/2017, a AT emitiu, em nome da Impugnante, as seguintes liquidações (cfr. documento n.º 4, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): i. Relativamente ao ano de 2013: (….) 15. Em 25/1/2016, a Impugnante encerrou atividade em Portugal (facto não controvertido, assente por acordo, cf. RIT). 16. Em 12/3/2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) emitiu, em nome da Impugnante, citação pessoal no âmbito dos processos de execução fiscal n.º ……………… e apensos, instaurados pelo não pagamento voluntário dos montantes liquidados referidos na alínea 14 deste “probatório” (cfr. documento n.º 7, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). 17. Em 26/4/2017, a Impugnante remeteu, mediante carta registada com aviso de receção, requerimento de suspensão dos processos de execução fiscal identificados no ponto anterior deste “probatório”, mediante prestação de garantia bancária (cfr. documento n.º 8, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).» * 2.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: «Não se provaram outros factos com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.». * 2.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “No que respeita aos factos provados, a convicção do Tribunal baseou-se no alegado pelas partes, nos articulados e na análise crítica dos documentos não impugnados, incluindo os anexos do Relatório Inspetivo junto aos autos pela Fazenda Pública, conforme indicado em cada uma das alíneas dos factos dados como provados. Foi considerado o depoimento da testemunha J.... que desempenhou funções de consultoria fiscal junto da Impugnante, foi responsável pela área de impostos indiretos daquela sociedade entre os anos de 2012 e 2019 e acompanhou a ação inspetiva levada a cabo pela AT em 2016. A testemunha prestou um depoimento claro e conciso, cujos factos considerados provados com o seu depoimento foram passíveis de confirmação com os restantes elementos documentais juntos aos autos.» * 3. De DireitoAntes do mais, importa ordenar as questões a decidir neste recurso jurisdicional, sabido que são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Ora, compulsadas as conclusões da alegação do recurso, temos por seguro que, atento do disposto nos artigos 608º e 663º, nº 2, do CPC, este Tribunal foi chamado a decidir as questões suscitadas pela seguinte ordem: A. DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO POR ERRADA APRECIAÇÃO DA PROVA PRODUZIDA E POR INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO Está em causa a questão de saber se a factualidade provada omitiu a indicação de matéria de facto relevante e que esteja fundada em prova bastante e, ou, se relevou factos que não deveriam ter sido dados como provados. A Recorrente defende que a sentença recorrida não podia ter dado como provados, nos termos em que o fez, os factos 5., 6., 7., 8., 10. e 11. porque os mesmos foram contraditados na petição inicial e pelo depoimento da testemunha inquirida e que o Tribunal julgou credível, e, além disso, omite outros factos relevantes; pelo que propõe um novo elenco dos factos provados, e não a mera desconsideração dos factos 5., 6., 7., 8., 10. e 11 (conclusões 3ª e seguintes). Ora, este Tribunal crê firmemente que a factualidade proposta pela Recorrente é, no essencial, absolutamente idêntica à que foi fixada na sentença recorrida, isto é, que esta divulga bens e serviços de C............ e que emite e vende vouchers que dão direito à entrega dos bens divulgados no website “G....”, recebendo em contrapartida “comissões” sobre as vendas e percentagem para despesas. A Recorrente limita-se a apresentar um rol de factos organizado e redigido de maneira diferente, mais explicativo, mas com sentido totalmente idêntico ao que resulta da sentença. No fundo, a Recorrente só discorda da interpretação e dos efeitos que se retiram de tal factualidade: - para a Recorrente, tal factualidade não permite concluir que existe prestação de serviços ou venda de bens aos clientes que acedem ao website gerido por ela (“G....”), mas apenas que existe uma prestação de serviços de publicidade diretamente proporcionada aos C............ parceiros desse website; - diversamente, para a AT e para o Tribunal recorrido, não está em causa exclusivamente uma prestação de serviços (de disponibilização de um website para publicitação dos produtos vendidos pelos ditos C............), mas uma verdadeira ação preparatória da venda, que consiste na venda ou entrega de cupões ou vouchers, recebimento do valor do preço dos bens que o cliente do website “G....” pretende adquirir e subsequente procedimento comercial acordado nos contratos celebrados entre a Recorrentes e os seus parceiros C............, designados “contratos de C............”. Pelo exposto, o Tribunal considera que não se justifica proceder à requerida alteração da factualidade fixada na sentença recorrida, considerando-se para todos os efeitos que a mesma tem o mesmo sentido e extensão propostos pela Recorrente. * B. – DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES, PREVISTO NO ARTIGO 111.º DA CRPEstá em causa a alegada violação do disposto no artigo 111º da CRP, uma vez que a Recorrente considera que, para decidir como decidiu, a sentença recorrida usou fundamentação distinta da usada pela AT no Relatório de inspeção. A Recorrente sustenta que os serviços de inspeção tributária fundamentam os atos tributários sub judice no disposto nos artigos 3.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, do Código do IVA, consoante o voucher se refira a uma (alegada) transmissão de bens ou uma prestação de serviços e que o Tribunal a quo considerou que, independentemente de o voucher se reportar a um bem ou a um serviço, está sempre em causa uma prestação de serviços pela Recorrente, na aceção do artigo 4.º, n.º 1, do Código do IVA, razão pela qual decidiu manter os atos tributários sub judice, pelo que ao decidir pela manutenção desses atos tributários com fundamentação diferente, o Tribunal incorreu em violação do princípio da separação de poderes (cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01.06.2011, no processo n.º 058/11), pelo que se impõe a revogação da sentença recorrida (conclusões 16ª e seguintes). De facto, resulta do Relatório de inspeção que a agora Recorrente pediu informação vinculativa, que obteve despacho concordante em 10/11/2010, na qual se pretendia saber qual a qualificação jurídico-tributária da operação realizada através do website “G....”, ou seja, da emissão de cupões ou vouchers, quanto ao âmbito da sujeição, momento de tributação e exigibilidade do imposto, e a AT concluiu o seguinte: “a) Se à data de emissão/venda do cupão o serviço associado e a taxa de imposto forem conhecidos é considerada uma prestação de serviços nos termos do n.º 1 do artigo 4.º, abrangida pela incidência objectiva, de acordo com o n.º 1 do artigo 1.º e, por consequência, o imposto é exigível neste momento, conforme previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º todos do CIVA; b) Se à data de emissão/venda do cupão o bem associado e a taxa de imposto forem conhecidos configura uma transmissão de bens na acepção do n.º 1 do artigo 3.º, sujeita a imposto ao abrigo do n.º 1 do artigo 1.º e, por consequência, operação tributada à taxa normal contida na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º, todos do CIVA; c) Se à data de emissão/venda do cupão o bem/serviço e a taxa de imposto não são conhecidos a exigibilidade do imposto transfere-se, respectivamente, para o momento em que os bens são postos à disposição do adquirente ou da realização dos serviços associados, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º do CIVA: c1) A taxa de imposto aplicável é a correspondente ao bem/serviço associados, a qual será conhecida quando a Requerente receber a factura da empresa que prestou o serviço, bem como a devolução do respectivo cupão; c2) O imposto é devido e torna-se exigível, nesta fase da operação, sendo responsabilidade da Requerente proceder à sua liquidação e, consequente, entrega nos cofres do Estado; d) A não reclamação do cupão no prazo de validade configura uma operação fora do campo de incidência do IVA e, por consequência, não é devido nem exigível imposto; e) A comissão cobrada ao "parceiro" é uma prestação de serviços na acepção do n.º 1 do artigo 4.º, dado o carácter residual deste conceito e, por consequência, uma operação sujeita a imposto e dele não isenta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º, tributada à taxa normal estabelecida na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º, todos do CIVA.” De acordo com o Relatório de inspeção, a AT praticou os atos impugnados com tais pressupostos legais. A Recorrente impugnou alegando que as operações de venda dos vales efetuadas durante aos anos de 2013, 2014 e 2015 não se encontram sujeitas a tributação em sede de IVA, já que não consubstanciam qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, nos termos do disposto nos artigos 1.º, 3.º e 4.º do Código do IVA (pág. 34-35 da sentença recorrida). A Sentença recorrida considerou que as normas do IVA devem ser interpretadas no sentido que consta da “Diretiva IVA” ou “Sexta Diretiva”, ou seja, no sentido do Direito da União Europeia e da interpretação que dele faz o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Por isso, a sentença recorrida socorreu-se (não importa agora se “mal” ou “bem”) do Acórdão do TJUE de 29/7/2010, proferido no processo C-40/09, caso Astra Zeneca UK, e concluiu que a venda dos vales, cupões ou vouchers aos consumidores finais “deve ser considerada uma atividade económica sujeita a IVA, porquanto se trata de uma verdadeira prestação de serviços”, dado que aquele Tribunal decidiu que “26. (…) na medida em que os referidos vales não transferem imediatamente o poder de dispor de um bem, o seu fornecimento constitui, para efeitos do IVA, não uma «entrega de um bem», na acepção do artigo 5.º, n.º 1, da Sexta Directiva, mas uma «prestação de serviços», na acepção do artigo 6.º, n.º 1, desta directiva, uma vez que, por força desta última disposição, qualquer operação que não constitua uma entrega de um bem na acepção do artigo 5.º é considerada uma prestação de serviços. (…)”, acrescentando a dita sentença que, “Em linha com a jurisprudência vinda de citar, a venda daqueles vales traduz-se assim na prestação de um serviço, como tal deve estar sujeita a tributação em sede de IVA (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea c) e 24.º, n.º 1 da Diretiva IVA; artigos 1.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1 do CIVA).” A sentença recorrida continuou: “Refira-se que este entendimento foi adotado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido, em 9/6/2022, no âmbito do processo n.º 1969/16.9BELRS (disponível em www.dgsi.pt), pelo qual foi negado provimento ao recurso interposto pela impugnante (recorrente), no que se refere, entre outras, a questão em tudo idêntica à que nos ocupa nos presentes autos. Tratava-se ali também de apurar da qualificação da emissão e venda de vouchers pela Impugnante, atividade que aquele Tribunal descreveu como constituindo uma prestação de serviços, onerosa, sujeita a IVA. Esclarece-se neste aresto que “Seja nas situações de vales unifuncionais, seja nas situações de vales multifuncionais, cabe à impugnante, enquanto prestadora onerosa dos serviços em causa, emitir factura em contrapartida do valor cobrado ao cliente que adquiriu os vales ou garantir a emissão da mesma. Existem também obrigações de emissão de facturas relacionadas com os serviços prestados aos parceiros da impugnante e reciprocamente”. Nesta linha, deve também concluir-se, no caso dos autos, que a Impugnante levou a cabo uma atividade onerosa de prestação de serviços (i.e., venda de vales unifuncionais e multifuncionais, consoante, na data da sua emissão e venda, o serviço associado e a taxa de imposto são conhecidos ou não) entre os anos de 2013 e 2015 e como tal estava obrigada a liquidar o IVA aplicável àquelas operações, a emitir as faturas respetivas e a entregar ao Estado o montante de imposto respetivo (cfr. artigo 27.º do CIVA).” Portanto, a sentença recorrida não altera a fundamentação formal que consta do Relatório, na medida em que não altera a materialidade apurada nem o sentido da valoração legal atribuída e mantém o entendimento de que existe sujeição a IVA, fazendo, para isso, a subsunção dos factos às normas legais que, com base na jurisprudência firmada que refere, considera serem aplicáveis. Este Tribunal considera que tal atitude não configura o vício de violação do principio da separação dos poderes dos órgãos de soberania ínsito nos artigos 2º e 111º da CRP, antes se limita a aceitar a aplicação do principio processual “iura novit curia”, ínsito no artigo 5º, nº 3, do CPC, segundo o qual o juiz não se sujeita às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Ou seja, independentemente das opiniões das partes, a sentença recorrida considera que a venda dos vouchers nas condições descritas nos autos constitui uma operação sujeita a IVA (dado que consubstancia o conceito de “prestação de serviços”, na aceção do CIVA). Assim, não se verifica o vício imputado pela Recorrente. * C) DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITOA Recorrente considera que, por errada valoração da prova produzida, a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, dado que pressupõe erradamente que a Recorrente vende vouchers aos subscritores do website (..........), em vez de considerar que a Recorrente não vende bens nem presta serviços aos subscritores do website e que apenas presta serviços de publicidade e marketing a C............, os quais são os seus únicos clientes (conclusões 20º e seguintes) Analisando o contrato de C............ junto aos autos (doc. 1 anexo à p.i.), não há dúvida de que o negócio da Recorrente se traduz na emissão e entrega de vales ou vouchers aos clientes que acedem ao seu website “G....”, através do qual ela publicita a venda de bens e serviços pelos C............ com os quais celebra “contratos de C............” que os obriga a tocar os vales ou vouchers pelos bens ou serviços anunciados no dito website. Em contrapartida dessa entrega de vouchers aos clientes do website estes têm de pagar à Recorrente o preço do voucher. Entende-se que “vale” (“voucher” ou “cupão”) de compra/venda é um instrumento em que existe a obrigação de o aceitar como meio de pagamento ou parte do pagamento de uma entrega de bens ou prestação de serviços e em que os bens a entregar ou os serviços a prestar ou a identidade dos potenciais fornecedores ou prestadores estão indicados no próprio instrumento ou em documentação relacionada, incluindo os termos e condições de utilização de tal instrumento. Existem dois tipos desses vales ou vouchers: i. O “vale de finalidade única” (simples ou unifuncional), em que em que o lugar da entrega dos bens ou prestação dos serviços a que o vale diz respeito e o IVA devido sobre esses bens ou serviços são conhecidos no momento da emissão do vale; ou seja, permite ao seu detentor receber um determinado produto ou serviço de um fornecedor e em que a taxa de imposto e o local de fornecimento/realização estão identificados ii. O “vale de finalidade múltipla” (multifuncional) é todo o vale que não seja de “finalidade única”. Portanto, é o vale que permite ao seu detentor receber bens ou serviços no valor do voucher/cupão mas nem os bens ou serviços nem o local de fornecimento se encontram identificados. Com a alteração efetuada pela Diretiva (UE) 2016/1065 DO CONSELHO, de 27 de junho de 2016, que que altera a Diretiva 2006/112/CE, no que respeita ao tratamento dos vales, ficou claro que: “(6) A fim de identificar claramente o que é um vale para efeitos de IVA e distinguir os vales dos instrumentos de pagamento, é necessário definir o conceito de vale, que pode assumir forma física ou eletrónica, reconhecendo as suas principais características, em especial a natureza dos direitos que o vale confere e a obrigação de o aceitar como contraprestação pela entrega de bens ou prestação de serviços. (7) O tratamento em sede de IVA das operações associadas a vales depende das características específicas do vale. É, por conseguinte, necessário distinguir os vários tipos de vales e estabelecer essas distinções em legislação da União. (8) Caso o tratamento em sede de IVA relativo à entrega de bens ou prestação de serviços subjacente possa ser determinado com segurança logo no momento da emissão de um vale de finalidade única, o IVA deverá ser exigido em cada cessão, inclusive no momento da emissão do vale de finalidade única. A entrega material dos bens ou a prestação efetiva dos serviços em troca de um vale de finalidade única não deverá ser considerada uma operação independente. Relativamente aos vales de finalidade múltipla, é necessário clarificar que o IVA deverá ser exigido no momento da entrega dos bens ou da prestação dos serviços a que o vale diz respeito. Neste contexto, as eventuais cessões anteriores de vales de finalidade múltipla não deverão estar sujeitas a IVA. (9) Relativamente aos vales de finalidade única suscetíveis de ser tributados no momento da cessão, inclusive no momento da emissão do vale de finalidade única, por um sujeito passivo que atue em nome próprio, considera-se que cada cessão, inclusive no momento da emissão desse vale, constitui a entrega dos bens ou prestação dos serviços a que o vale de finalidade única diz respeito. Esse sujeito passivo terá nesse caso de declarar o IVA sobre a contraprestação recebida pelo vale de finalidade única nos termos do artigo 73.o da Diretiva 2006/112/CE. Se, por outro lado, os vales de finalidade única forem emitidos ou distribuídos por um sujeito passivo que atue em nome de outra pessoa, esse sujeito passivo não será considerado participante na entrega ou prestação subjacente. (10) Só os serviços intermediários ou as prestações de serviços separadas, tais como serviços de distribuição ou de promoção, estarão sujeitos a IVA. Por conseguinte, caso um sujeito passivo que não atue em nome próprio receba uma contraprestação separada no momento da cessão de um vale, essa contraprestação deverá ser tributável nos termos do regime normal do IVA. (11) No caso de vales de finalidade múltipla, a fim de garantir a exatidão do montante do IVA pago a respeito desses vales em que o IVA sobre a entrega de bens ou prestação de serviços subjacente só é exigido no momento do resgate, sem prejuízo do disposto no artigo 73.º da Diretiva 2006/112/CE, o fornecedor de bens ou o prestador de serviços deverá declarar o IVA com base na contraprestação paga em troca do vale de finalidade múltipla. Na ausência de tal informação, o valor tributável deverá ser igual ao valor monetário indicado no próprio vale de finalidade múltipla ou em documentação relacionada, deduzido o montante do IVA relativo aos bens entregues ou aos serviços prestados. Caso um vale de finalidade múltipla seja usado parcialmente para pagamento da entrega de bens ou prestação de serviços, o valor tributável deverá ser igual à parte correspondente da contraprestação ou do valor monetário, deduzido o montante do IVA relativo aos bens entregues ou aos serviços prestados. (12) A presente diretiva não visa as situações em que um vale de finalidade múltipla não é resgatado pelo consumidor final durante o seu período de validade e o vendedor mantém a contraprestação recebida por esse vale.” Porém, a mesma Diretiva esclarece que: “(15) As disposições relativas ao tratamento dos vales em sede de IVA deverão ser exclusivamente aplicáveis aos vales emitidos depois de 31 de dezembro de 2018 e não prejudicam a validade da legislação e interpretação anteriormente adotadas pelos Estados-Membros.” Portanto, no caso dos autos – em que se discute o IVA de vouchers emitidos em 2013, 2014 e 2015 - releva a interpretação efetuada pela AT, designadamente nas instruções e informações vinculativas que emite, pelos tribunais nacionais e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). No Relatório de inspeção a AT considerou que a agora Recorrente não agiu em conformidade com a informação vinculativa nº 1321, dado que apenas liquidou IVA referente às comissões cobradas aos parceiros/C............ cobradas pela venda on-line de vouchers efetuada através do website “G....”. Segundo a AT, a agora Recorrente deveria ter liquidado e entregue o IVA referente ao preço dos bens ou serviços adquiridos pelos clientes do website através dos vouchers que vendeu on-line, fazendo imediatamente nos casos de vouchers unifuncionais ou de finalidade única, ou deferindo essa obrigação para o momento da apresentação do voucher ao C............ e respetiva entrega dos bens ou prestação do serviço adquiridos por esse meio, nos casos de vouchers multifuncionais ou de finalidade múltipla. Nesse pressuposto, a AT Apurou o valor global das vendas (€ 5.372.001,12 em 2013, € 4.740.425,31 em 2014 e € 5.019.570,65 em 2015), considerou o IVA pago sobre as comissões recebidas e, por diferença, apurou o imposto em falta sobre o preço dos vouchers (€ 886.257,94 em 2013, € 752.782,05 em 2014 e € 848.816,64 em 2015). A sentença recorrida considerou que “Tem razão a AT quando sustenta que no caso dos vales unifuncionais (aqueles em que, na data da sua emissão e venda, o serviço associado e a taxa de imposto são conhecidos) a exigibilidade do imposto verifica-se no momento da sua emissão e venda (cfr. artigo 8.º, n.º 1 do CIVA), sendo que, no caso dos vales multifuncionais (aqueles em que na data da sua emissão e venda, o serviço associado e a taxa de imposto não são ainda conhecidos) tal exigibilidade é diferida para o momento em que os bens são postos à disposição do aquirente dos vales ou para o momento da realização da prestação do serviço.”. A Recorrente considera que, na altura da emissão/venda de vouchers aos clientes do website, não há lugar a tributação sobre os bens ou serviços vendidos pelos C............, antes se está perante uma mera troca de meios de pagamento, que não determina, por si só, a entrega de bens ou a prestação de serviços pretendidos pelo cliente, nem por parte da Recorrente nem por parte do C............. Pelo que não há sujeição a IVA sobre tal operação, a qual, no fundo estará fora do conceito de operação comercial e do âmbito de aplicação das regras de incidência do imposto. Para efeitos de IVA, considera-se operação comercial qualquer ato ou contrato de que derive a obrigação de entrega de bens ou de prestação de serviços. No caso, os vouchers emitidos pela Recorrente e entregues aos clientes do website criam a obrigação de o C............ entregar bens ou prestar serviços pretendidos pelo cliente, nos termos do contrato celebrado entre a Recorrente e os C............; ou seja: traduz-se, a final, na venda ou numa prestação de serviços, sujeita a tributação, nos termos do CIVA. Além disso, antes desse efeito, a emissão e entrega dos vouchers em nome de outrem, mediante a contrapartida do pagamento do preço do voucher, a Recorrente age no âmbito de uma relação de intermediação entre o cliente e o C............, na qual “vende” imediatamente e em nome de outro o direito a bens e serviços determinados nos vouchers unifuncionais, embora a entrega material ocorra com algum diferimento no momento em que o voucher seja apresentado ao “C............” que detém os bens em armazém ou que presta os serviços contratados. No caso dos vouchers multifuncionais, a AT entendia que haveria sujeição apenas no momento da apresentação do voucher ao C............. Tal “operação” de venda de vouchers não constitui uma mera “troca de meios de pagamento”, recebendo dinheiro em troca de um vale de compras; mais importante que isso, a emissão e entrega do vale ou voucher traduz-se numa vinculação negocial do cliente ao C............ associado ao website da Recorrente e obriga o C............ a entregar o bem ou serviço pretendido pelo cliente titular do voucher assumindo toda a responsabilidade perante o cliente pelos eventuais defeitos da sua prestação. Ou seja, a operação de emissão e entrega do voucher em contrapartida do pagamento do preço traduz-se num pagamento antecipado ou pré-pagamento do bem ou serviço pretendido, cuja colocação à disposição do cliente será feita pelo C............. Sendo certo que a Recorrente entrega o preço recebido do cliente, só faz a entrega de parte do respetivo montante, dado que ao preço recebido deduz a comissão e percentagem fixada para despesas administrativas, entregando apenas a quantia remanescente. Ou seja, a operação de emissão e entrega dos vouchers traduz-se numa operação onerosa, praticada no âmbito de uma relação contratual profissional. Portanto, tal operação de emissão e entrega dos vouchers aos clientes do website é, também uma operação comercial, no sentido de que que abrange qualquer tipo de produção ou comércio de bens e de prestação de serviços. Porém, coloca-se a questão de saber se será uma operação autónoma ou se será uma operação acessória de uma operação principal. De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), para efeitos de IVA, cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente. Todavia, quando uma operação compreende vários elementos, coloca‑se a questão de saber se se deve considerar que é constituída por uma prestação única ou por várias prestações distintas e independentes, que importa apreciar separadamente para efeitos de IVA (v., neste sentido, Acórdão de 27 de setembro de 2012, Field Fisher Waterhouse, C‑392/11, EU:C:2012:597, n.ºs 14 e 15 e jurisprudência referida). Assim, primeiro, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. Cumpre considerar que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria caráter artificial (Acórdão de 4 de março de 2021, Frenetikexito, C‑581/19, EU:C:2021:167, n.° 38 e jurisprudência referida). Para determinar se o sujeito passivo efetua várias prestações principais distintas ou uma prestação única, há que identificar os elementos característicos da operação em causa, da perspetiva do consumidor médio. O conjunto de indícios a que se recorre para este objetivo inclui diferentes elementos, os primeiros, de ordem intelectual e de importância decisiva, destinados a demonstrar a indissociabilidade ou não dos elementos da operação em causa e o seu objetivo económico, único ou não; os segundos, de ordem material e sem importância decisiva, que eventualmente vêm em apoio da análise dos primeiros elementos, como a acessibilidade separada ou conjunta das prestações em causa ou a existência de uma faturação única ou distinta (Acórdão de 4 de março de 2021, Frenetikexito, C‑581/19, EU:C:2021:167, n.° 39 e jurisprudência referida). Segundo, uma operação económica constitui uma prestação única quando um ou mais elementos devem ser considerados prestação principal, ao passo que, outros elementos devem ser considerados uma prestação ou prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal (Acórdão de 4 de março de 2021, Frenetikexito, C‑581/19, EU:C:2021:167, n.º 40 e jurisprudência referida). Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o primeiro critério a tomar em consideração a este respeito é a inexistência de finalidade autónoma da prestação do ponto de vista do consumidor médio. Assim, uma prestação deve ser considerada acessória de uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesma, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador (Acórdão de 4 de março de 2021, Frenetikexito, C‑581/19, EU:C:2021:167, n.º 41 e jurisprudência referida). O segundo critério, que constitui, na realidade, um indício do primeiro, tem que ver com a tomada em consideração do valor respetivo de cada uma das prestações que compõem a operação económica, uma revelando‑se mínima, ou mesmo marginal, relativamente à outra (Acórdão de 4 de março de 2021, Frenetikexito, C‑581/19, EU:C:2021:167, n.º 42 e jurisprudência referida).() No caso em apreço, resulta dos elementos trazidos aos autos que a emissão e entrega dos vales ou vouchers faz parte integrante da estratégia comercial da Recorrente e dos C............ parceiros do website G..... Além disso, segundo a Recorrente, a disponibilização no Website de anúncios e marketing favorável aos C............ associados traduz-se no aumento considerável da visibilidade dos produtos anunciados e, consequentemente, nas respetivas vendas e prestações de serviços. Assim, conclui-se que existe uma ligação clara entre a publicitação efetuada no website, a emissão e entrega de vouchers e o volume de negócios dos C............ beneficiários dessa publicidade. Por isso, do ponto de vista do negócio dos C............ e seus clientes, afigura-se que, num caso como os dos autos, a emissão dos vouchers, por contrapartida do preço dos bens e serviços a entregar/efetuar pelos C............, se integra no negócio final de venda/entrega de bens ou de prestação de serviços, a tributar, conforme os casos, nos termos do CIVA, como um todo, e não como operações autónomas. Porém, o ponto de vista relevante para os autos é o do negócio entre a Recorrente e os C............ associados, até porque a própria Recorrente afirma que apenas presta serviços de publicidade e marketing a C............, os quais são os seus únicos clientes. Ora, desse ponto de vista, é incontroverso que existem operações económicas que se traduzem na antecipação do pagamento dos bens pretendidos pelo cliente final, a fornecer pelos C............ associados aos titulares dos vouchers no ato de exibição e entrega desses documentos comprovativos do pagamento. Dessa perspetiva, tem de se concluir que a Recorrente não faz entrega imediata de bens, mas atua como agente vendedor, suportando alguns custos de funcionamento ou manutenção do website e sendo remunerada especificamente por essa função: para isso recebe a “comissão” e a percentagem para despesas. Assim, sob tal perspetiva, o Tribunal considera que a emissão e entrega de vales de compra ou vouchers constitui uma operação comercial onerosa, autónoma da prestação de serviços de publicidade e marketing. Em idêntico sentido decidiu, mudando o que que há que mudar, o acórdão de 9/6/2022, proferido por este Tribunal Central Administrativo do Sul no âmbito do processo nº 1969/16.9BELRS, no qual se afirmou, além do mais, que: “A este propósito, mesmo antes da Directiva (EU) 2016/1065, do Conselho, de 27/06/2016, que altera a Directiva 2006/112/CE [Directiva IVA], no que respeita ao tratamento dos vales (“vouchers”), são pontos firmes os seguintes: a) «O tratamento em sede de IVA das operações associadas a vales depende das características específicas do vale. É, por conseguinte, necessário distinguir os vários tipos de vales e estabelecer essas distinções em legislação da União».(4- §7 do preâmbulo da Directiva (EU) 2016/1065) b) «Em conformidade com os termos da transacção que consiste na compra inicial do vale, este, pela sua natureza, mais não constitui do que um documento que incorpora a obrigação assumida [pelo emitente] de aceitar esse vale, em vez de dinheiro, pelo seu valor nominal (…) (5 - Acórdão do TJUE, de 24.10.1996, P. C-288-94). c) Uma vez que está em causa nos autos, o pagamento antecipado, pelo consumidor final, do bem ou serviço a receber, em momento posterior, fornecido por parceiro da impugnante, é de notar que: «No que se refere especificamente ao sinal (…). d) «(…) resulta do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Diretiva que são as entregas de bens e as prestações de serviços que são sujeitas a IVA, e não os pagamentos efetuados em contrapartida destas (…). Todavia, por força do artigo 10.º, n.º 2, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, em caso de pagamentos por conta, o IVA pode tornar-se exigível mesmo que a entrega ou a prestação ainda não tenham sido efetuadas, na condição de todos os elementos pertinentes do facto gerador, ou seja, da futura entrega ou da futura prestação, serem já conhecidos (…)». (7 - §26 do Acórdão do TJUE, proferido, em 03.05.2012, no P. C-520/10.) e) «(…) segundo jurisprudência assente, uma prestação de serviços só é efetuada «a título oneroso», na aceção do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Diretiva, e, por conseguinte, só é tributável se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica no âmbito da qual são realizadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário. A existência de uma ligação direta entre o serviço prestado e o contravalor recebido é, portanto, necessária (…)» (8 - §27 do Acórdão do TJUE, proferido, em 03.05.2012, no P. C-520/10). f) «(…) quando um empregado pretenda utilizar esses vales, basta-lhe entregar estes últimos, que incluem o IVA, ao C............ ou ao prestador de serviços em causa, para receber, em troca, os bens ou os serviços da sua escolha, entendendo-se que o preço desses bens ou desses serviços, incluído o IVA, foi pago por esse empregado no momento em que optou por receber os vales de compra em causa, mediante renúncia a uma parte da sua remuneração, e que só no momento da utilização desses vales pelo referido empregado é que esse C............ ou esse prestador de serviços pagará ao fisco o IVA relativo aos referidos bens ou serviços» (9 - §33 do Acórdão do TJUE, proferido, em 29.07.2010, no P. C-40/09). g) «Nestas condições, a operação em causa no processo principal constitui uma prestação de serviços efectuada a título oneroso, na acepção do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Directiva» (10 - §34 do Acórdão do TJUE, proferido, em 29.07.2010, no P. C-40/09). h) «Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que o fornecimento de um vale de compra por uma sociedade, que adquiriu esse vale a um preço que inclui o IVA, aos seus empregados, mediante renúncia, por estes, a uma parte da sua remuneração em numerário, constitui uma prestação de serviços efectuada a título oneroso, na acepção dessa disposição» (11 - §35 do Acórdão do TJUE, proferido, em 29.07.2010, no P. C-40/09). i) «Se à data de emissão/venda do cupão o serviço associado e a taxa de imposto forem conhecidos é considerada uma prestação de serviços nos termos do n.º 1 do artigo 4.º, abrangida pela incidência objectiva, de acordo com o n.º 1 do artigo 1.º e, por consequência, o imposto é exigível neste momento, conforme previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º todos do CIVA; j) Se à data de emissão/venda do cupão o bem associado e a taxa de imposto forem conhecidos configura uma transmissão de bens na acepção do n.º 1 do artigo 3.º, sujeita a imposto ao abrigo do n.º 1 do artigo 1.º e, por consequência, operação tributada à taxa normal contida na alínea do n.º 1 do artigo 18.º, todos do CIVA; k) Se à data de emissão/venda do cupão o bem/serviço e a taxa de imposto não são conhecidos a exigibilidade do imposto transfere-se, respectivamente, para o momento em que os bens são postos à disposição do adquirente ou da realização dos serviços associados, nos termos das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 7.º do CIVA: c1) A taxa de imposto aplicável é a correspondente ao bem/serviço associados, a qual será conhecida quando a Requerente receber a factura da empresa que prestou o serviço, bem como a devolução do respectivo cupão; c2) O imposto é devido e torna-se exigível, nesta fase da operação, sendo responsabilidade da Requerente proceder à sua liquidação e, consequente, entrega nos cofres do Estado» (12 - Informação vinculativa n.º 1321, despacho do Subdirector-Geral do IVA de 10.11.2010) l) «A não reclamação do cupão no prazo de validade configura uma operação fora do campo de incidência do IVA e, por consequência, não é devido nem exigível imposto; m) A comissão cobrada ao "parceiro" é uma prestação de serviços na acepção do n.º 1 do artigo 4.º, dado o carácter residual deste conceito e, por consequência, uma operação sujeita a imposto e dele não isenta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º, tributada à taxa normal estabelecida na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º, todos do CIVA» (13 - Informação vinculativa n.º 1321, despacho do Subdirector-Geral do IVA de 10.11.2010). n) «Os vouchers que titulam o direito a um serviço definido à partida e cuja taxa de IVA seja determinável, constituem para todos os efeitos vouchers unifuncionais, sendo considerados, para efeitos de IVA, como pagamentos antecipados. o) Quando se verifique que os serviços e a respetiva taxa de imposto são, à data da emissão do voucher, desconhecidos, a exigibilidade do imposto transfere-se para o momento da realização dos serviços associados, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do CIVA. p) Na fatura a emitir, pela requerente, deverá constar, a menção "Liquidação do imposto a cargo do prestador do serviço na data do resgate do cheque experiência/caixa-prenda", devendo estes serem devidamente identificados. q) No momento da realização dos serviços objeto do cheque-experiência ou caixa-prenda, o imposto é devido e torna-se exigível, constituindo-se, os prestadores de serviços responsáveis pelo rebate do voucher, na qualidade de sujeitos passivos do imposto, procedendo à emissão de fatura ao consumidor, nos temos da alínea b) do n.º 1 do art.º 29º do CIVA e liquidando IVA à taxa a que o serviço prestado corresponda, devendo, ainda, nos termos gerais do CIVA, proceder à entrega do imposto nos cofres do Estado. r) A comissão auferida pela intermediação, negociada com os parceiros, configura uma prestação de serviços sujeita a imposto e dele não isenta, tributada à taxa normal estabelecida na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, sendo o imposto devido quando da redenção do voucher, e exigível nos termos do artigo 8° do CIVA» (14 - Informação vinculativa n.º 6637, despacho do Subdirector-Geral do IVA, de 12.06.2014). Dos elementos coligidos nos autos resulta o seguinte (15): «O voucher é um mero instrumento emitido pela Requerente que permite ao cliente comprovar a aquisição dos bens/serviços e exigir o fornecimento/prestação dos mesmos aos parceiros (fornecedores) da “..... .....”. // Constata-se, na prática, que os parceiros constituem os fornecedores da "..... .....”. Este tipo de negócio não difere muito do negócio da venda de produtos efetuada pela "..... ....." no seu site, em que os parceiros são nesse caso indicados como fornecedores dos bens, denominando a sociedade o ganho obtido como “margem", enquanto no negócio dos vouchers denomina os ganhos como “honorários" ou serviços de publicidade. Reafirma-se o que se disse no relatório no que respeita ao facto da “..... ..... " desenvolver toda a sua atividade em nome próprio e não em nome nem por conta dos parceiros porque; É a “..... ....." que contrata os parceiros. É a " ..... ..... " que envia os e-mails para os clientes. É a “..... ..... " que vende e emite os vouchers aos clientes que podem ser trocados por bens e serviços. É a " ..... ..... " que recebe a totalidade do valor da venda dos vouchers aos clientes. A “..... ..... " só paga aos parceiros após a prestação dos serviços ao cliente, se os serviços não forem prestados não paga qualquer valor. Se os vouchers não forem utilizados a "..... ....." fica com a totalidade do dinheiro, não entregando qualquer valor aos parceiros. Se atuasse em nome e por conta dos parceiros os montantes recebidos não seriam seus, caso não houvesse prestação dos serviços. Conclui-se que a "..... ....." tem a obrigação de emitir as faturas e de liquidar o respetivo IVA aos clientes pela comercialização/prestação dos bens/serviços a que os vouchers respeitam não sendo essa obrigação passível de transmissão de forma contratual para os parceiros. Os parceiros têm sim de emitir as faturas dos bens/serviços fornecidos à “..... ....." pelos bens/serviços que esta comercializou no seu site e cujo pagamento se encontra comprovado através dos vouchers. Quanto ao argumento utilizado pela “..... ....." de que o modelo de emissão de faturas para o negócio dos vouchers indicado pela AT no relatório resultava, na prática, nos mesmos montantes de IVA a cobrar pelo Estado, comparativamente com o que é praticado pela “..... .....", o mesmo não colhe, senão vejamos. A “..... ....." pretende, por via contratual, que seja o parceiro a emitir a fatura ao cliente final. No entanto, se o parceiro não emitir a fatura ao cliente final (situações frequentemente constatadas) verifica-se que o IVA resultante da venda de bens ou de prestações de serviços tituladas pelos vouchers (como comprovativo de pagamento) não vai dar entrada nos cofres do Estado, ficando os cofres públicos lesados pelas deduções do IVA entretanto o corridas quando os parceiros adquiriram os bens ou serviços que posteriormente transmitiram à “..... ....." para serem vendidos através dos vouchers. A obrigação que a “..... ....." tem de emitir a fatura ao cliente, e de liquidar o respetivo IVA pelos bens e serviços comercializados através dos vouchers, não pode ser transmitida contratualmente aos parceiros. Não é inócua a adoção do modelo de faturação indicado pela AT no relatório quando comparado com o modelo praticado pelo Sujeito Passivo, uma vez que não emitindo o parceiro a fatura ao cliente (conforme a “..... ....." indica nos contratos) não vai ocorrer a entrada do IVA devido nos cofres do Estado. O modelo de negócio dos vouchers configura, pois, uma venda de bens ou prestação de serviços, enquadrada nos termos dos artigos 3.º e 4.º do CIVA. Pelo recebimento do valor do voucher a sociedade tem a obrigação de liquidar o IVA, nos termos da al. c) do art.º 8.º do CIVA». Por outras palavras, a venda de vouchers consubstancia uma prestação de serviços sujeita a IVA, implicando a emissão dos mesmos [a existência de] relações recíprocas de prestação de serviços entre a entidade emitente e os parceiros fornecedores de bens ou serviços adquiridos pelo consumidor final através do resgate do título.” Ou seja: conforme sustenta a AT, nos termos do disposto nos artigos 7º e 8º do CIVA, a Recorrente estava obrigada a liquidar IVA sobre o valor global de cada voucher e a entregar ao Estado o respetivo imposto, com as nuances acima referidas, por ser essa a interpretação administrativa e jurisprudencial vigente na altura dos factos, tal como foi devidamente informada pela AT através da informação vinculativa acima referida. Pelo que o Tribunal julga não verificado o vício agora sob análise. * 4 - DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Registe e Notifique. Lisboa, em 4 de abril de 2024 _______________________ (Rui A.S. Ferreira _ Relator) _______________________ (Jorge Cortês – 1º Adjunto) _______________________ (Teresa Costa Alemão – 2º Adjunto) |