Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:119/11.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/23/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:INSOLVÊNCIA
PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
DESPACHO DE REVERSÃO
Sumário:I - A sustação dos processos de execução fiscal que se verifica na sequência da declaração de insolvência da devedora originária não impede a reversão das dívidas tributárias contra o responsável subsidiário, caso se verifiquem os respetivos pressupostos legais.
II – Nestes casos, impõe-se, contudo, que a AT respeite os limites da excussão prévia, impostos pelos n.ºs 2 e 3 do art.º 23.º da LGT
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio apresentar recurso da sentença proferida em 18.05.2015 pelo Tribunal Tributário («TT») de Lisboa, que julgou procedente a oposição apresentada por J…, melhor identificado nos autos, ao processo de execução fiscal («PEF») n.º 3247200601182056, contra si revertido, instaurado originariamente contra a sociedade D… – E… Lda., para cobrança coerciva de dívida provenientes de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas («IRC»), referente ao exercício de 2005, no montante global de € 56.852,51.
Nas suas alegações, a Recorrente formula as seguintes conclusões:


«















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Não há registo de contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento do recurso.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao ter concluído pela ilegalidade do despacho de reversão por a execução não ter ficado sustada nos termos do n.º 1 do art.º 180.º do CPPT.

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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A. Em 22/11/2006 foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 2 o processo executivo n.º 3247200601182056 contra a sociedade D… Lda., para cobrança de dívidas de IRC de 2005 no montante de € 56.852,71 - cfr. consta dos respectivos autos de execução aqui em anexo.
B. Em 25/11/2009 foi proferido despacho de projecto de reversão contra J… (Oponente), relativamente a dívidas provenientes de IRC no montante de € 56.852,71 – cfr. consta dos autos de execução aqui em anexo.
C. Do teor deste despacho foi elaborada pelo respectivo serviço de Finanças de Lisboa 2, carta registada dirigida ao Oponente – cfr. consta dos autos de execução aqui em anexo.
D. Em 12/11/2010 foi proferido despacho de reversão contra o Oponente – cfr. consta dos autos de execução aqui em anexo.
E. O Oponente tomou conhecimento de teor deste despacho por carta registada com aviso de receção que assinou em 19/11/2010 - cfr. consta dos autos de execução aqui em anexo.
F. Por sentença proferida em 11/10/2006, pelo Tribunal do Comércio de Lisboa 1.º Juízo (Processo n.º 871/06.7TYLSB) a sociedade devedora originária – D… Lda., - foi declarada insolvente – cfr. fls. 26 a 32 dos autos.
G. A sentença supra transitou em julgado em 22/11/2006 – cfr. fls. 25 dos autos
H. A sentença supra enunciada avocou, expressamente no seu segmento decisório (ponto 15), todos os processos de execução fiscal pendentes contra a requerente a fim de serem apensados àquele e referiu que com aquela (sentença), ficou vedada a possibilidade de instauração ou de
prosseguimento de qualquer acção executiva que atinja o património da falida – cfr. fls. 26 a 32 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida».
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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Dos autos não resulta provado:
Ø Que o Oponente tenha tido conhecimento do tero do projecto de despacho de reversão e bem assim que a carta a que se refere o ponto C., do probatório lhe tenha sido enviada e/ou por ele recebida.
Ø A data em que se verificou extinto o processo de Insolvência a que se referem os pontos F. a H., do probatório.

Não se provaram outros factos que, em face das possíveis soluções de direito, importe registar como não provados.»

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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal alicerçou-se na prova documental junta, em concreto no teor dos documentos indicados em cada uma das alíneas supra.».
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III.B De Direito

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, segundo considera, padecer de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, concretamente em relação ao âmbito do art.º 180.º, n.º1 do CPPT. Vem a Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 3247200601182056, defendendo, em suma, que o disposto no art.º 180.º do CPPT e a declaração de insolvência da executada originária não impedem que o órgão de execução fiscal opere a reversão da execução fiscal contra o ora Recorrido, desde que verificados os respetivos pressupostos legais.

Considera, de igual forma, o EMMP junto deste Tribunal que as conclusões recursivas devem ser julgadas procedentes e, em consequência, deve ser revogada a sentença recorrida.

Vejamos, então.

Adiantamos, desde já, que a razão está do lado da Recorrente. Vejamos porquê.

Dispunha o art.º 180.º do CPPT, na redação aplicável, sob a epígrafe «Efeito do processo de recuperação da empresa e de falência na execução fiscal» o seguinte:

«1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da ação de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.
2 - O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respetivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.
3 - Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos.
4 - Os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos no prazo de 8 dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de falência.
5 - Se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.
6 - O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da ação.».

Também o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas («CIRE») no art.º 88.º (na redação aqui aplicável) estipulava o seguinte:

«1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do n.º 2 do artigo 85.º, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente».

Resulta, pois claro, que as acima transcritas normas legais visam, numa dupla dimensão, a proteção do executado insolvente e, bem assim, a proteção dos credores que forem ao processo de insolvência reclamar os seus créditos de modo a poderem vir a ser pagos pelo produto da venda dos bens da massa insolvente, nas condições legalmente estabelecidas.



Pelo que o legislador determinou que, logo que declarada a insolvência (o caso que aqui interessa) os processos de execução não prossigam, devendo ser remetidos ao processo de insolvência (cf. art.º 180.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT).

Por seu turno, à data da prolação da sentença de insolvência e da prolação do despacho de reversão (11/10/2006 e 12/11/2010 – cf. pontos F. e D do probatório), ainda não se encontrava em vigor o disposto no art.º 23.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária («LGT») que veio esclarecer que o dever de reversão previsto no n .º 3 deste artigo (caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adoção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei) é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no n.º 2 do artigo 181.º do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal, sem prejuízo da adoção das medidas cautelares aplicáveis.

Ora, é sabido que, para além do teor verbal da lei, o intérprete tem de socorrer-se de outros meios disponíveis na hermenêutica, como o elemento lógico e racional ou teleológico, que parte do pressuposto de que uma norma tem uma função a cumprir, impondo-se surpreender o seu sentido em correlação com o escopo visado pela lei e impondo-se a conjugação da norma com outras normas que regulam a mesma matéria, de modo a formar um todo tendente a um sentido, ou até a sua conjugação com a totalidade da ordem jurídica, visto que esta constitui um sistema coerente e lógico (interpretação que sendo contextual e intertextual, se designa de sistemática). Razão por que o art.º 9.º do Código Civil, assim como o art.º 11.º da LGT, estabelecem que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, ainda que não possa ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Assim, cremos que, apesar de à data da prolação do despacho de reversão este n.º7 do art.º 23.º da LGT ainda não se encontrar em vigor, a verdade é que este já era o regime que deveria ser observado em sede de reversão, nos casos de insolvência da executada originária, tendo em conta o disposto nos números 2 e 3 desta norma, assim como o regime que dimana dos art.ºs 153.º e 180.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT. Com efeito, uma vez verificada a insuficiência dos bens da executada originária e ainda sem que tenham sido penhorados e vendidos todos os bens que lhe restem, a AT deve avançar obrigatoriamente para a reversão, dado que já sabe que o seu património não vai ser suficiente para pagamento dos créditos exequendos.

E tal despacho de reversão deve ser proferido mesmo que o quantum da responsabilidade do devedor subsidiário não esteja completamente determinado e que os autos de execução devam aguardar, quanto a si, que ocorra a completa excussão dos bens do executado e devedor originário, verificados que estejam, naturalmente, os restantes requisitos legalmente previstos para que possa ocorrer a reversão (neste sentido, vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/02/2013, proc. n.º 01011/12, e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29/06/2017, proc. n.º 191/06.7BEBRG, disponíveis em www.dgsi.pt).

Donde, o despacho de reversão sub judice não é ilegal por afrontar o disposto no art.º 180.º, n.º1 do CPPT, tal como se entendeu na sentença recorrida, uma vez que encontra acolhimento na mecânica de funcionamento do instituto da reversão. A leitura conjugada dos acima indicados preceitos legais, permite, portanto, salvaguardar a posição do devedor subsidiário, no sentido de dever ser excutido previamente o património do devedor principal, bem como o direito de crédito da AT, ou o seu remanescente não pago pelo produto da venda dos bens do devedor principal, que será oportunamente exercido sobre o mesmo devedor subsidiário (irrelevando, assim, neste momento, saber se o devedor subsidiário detém ou não bens que possam vir a satisfazer a dívida exequenda).


Porquanto, estando provado, nos presentes autos, que o despacho de reversão foi proferido na sequência do conhecimento de que havia sido declarada a insolvência da devedora originária, não há dúvida que enferma da ilegalidade que lhe foi assacada pela Recorrente, sem prejuízo de dever aguardar-se pela excussão dos bens da insolvente.

Em consequência, procedem as conclusões recursivas formuladas pela Recorrente, o que de seguida se decidirá.

Por último, este Tribunal não irá conhecer, em substituição ao Tribunal recorrido, as questões que ficaram prejudicadas pela solução dada ao litígio na sentença sub judice, nos termos do disposto no art.º 665.º, n.º2 do CPC, uma vez que considera que não se verificam os respetivos requisitos legais.
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IV - DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em:

(i) conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida; e,

(ii) ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo para que aí sejam conhecidas as restantes questões cuja apreciação foi pedida pelo Oponente.

Custas pelo Recorrido.

Registe e notifique.


Lisboa, 23 de janeiro de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)
(Isabel Fernandes)
(Lurdes Toscano)