Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 7995/14.5BCLSB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 12/13/2019 |
Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
Descritores: | IRC/AMORTIZAÇÕES TRESPASSES NATUREZA JURÍDICA LICENÇA ADMINISTRATIVA PREJUÍZOS FISCAIS |
Sumário: | I-O trespasse é definido como a transmissão da propriedade de um estabelecimento por negócio inter vivos, o qual integra todos os bens corpóreos e incorpóreos que formem o conjunto unitário finalisticamente determinado à realização de um fim concreto, ou seja, à atividade a que se destina a exploração do estabelecimento.
II-Inexiste trespasse se do teor do contrato não resulta a transferência de um estabelecimento mas tão-só o direito de exploração do serviço de telecomunicações móveis e parte de um ativo imobilizado intangível e corpóreo. III-Não sendo a aquisição do acervo patrimonial afeto à exploração de serviço móvel terrestre, per se, apto à prossecução dessa atividade, tendo a licença administrativa sido emitida em data ulterior à outorga do contrato e revestindo a mesma condição sine qua non para o exercício da atividade em causa, então, o negócio jurídico é insuscetível de qualificação como trespasse inexistindo, assim, qualquer violação do normativo 115.º do RAU. IV-A mera transmissão pro tempore não forma um trespasse. No trespasse estamos perante a transmissão definitiva da posição de arrendatário, porquanto a transmissão é definitiva e opera automaticamente uma extinção da relação jurídica entre o senhorio e o primitivo arrendatário, titular do estabelecimento, logo a celebração de um contrato de cedência de posição contratual e ulterior outorga de um contrato de arrendamento com opção de compra não configura, igualmente, um trespasse. V- Se os contratos que subjazem às amortizações sindicadas não podem ser qualificados como trespasses, e não tendo a AT colocado em causa a efetividade do custo, o âmbito e abrangência dos elementos do ativo imobilizado incorpóreo, o seu deperecimento e período de vigência temporal, limitando-se a fundamentar a correção na constatação, meramente formal, da contabilização enquanto amortizações de trespasses e da inerente necessidade de reconhecimento prévio de deperecimento por parte Direção Geral das Contribuições e Impostos, em conformidade com o consignado no artigo 17.º, nº3, alínea a), do DR 2/90, então a dedutibilidade fiscal dos custos não pode estar dependente de um pressuposto que apenas é condição sine qua non para as situações de trespasse comercial. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO
I-RELATÓRIO O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (IRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, do presente processo interposto pela “T......-T......., SA” que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) , respeitantes aos exercícios de 1993, 1994 e 1995 e respetivos juros compensatórios, no valor global de €623.316,73, com a consequente anulação das liquidações e respetiva condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios. *** A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: I - Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalvado melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal "ad quo" julgou procedente o pedido formulado pela impugnante, lavrando em erro no que concerne à apreciação da matéria de facto, na apreciação dos documentos constantes dos autos, nomeadamente no que respeita ao contratos em se que se baseou a contabilização dos encargos bem identificados pela impugnante como "amortizações com trespasses" nos exercícios de 1993, 1994 e 1 995. ll - Esses documentos, os contratos se devidamente tomados em conta e deles extraídos todos os elementos essenciais, os índices do tipo como a causa, o fim, o objecto, a contrapartida, a configuração, o sentido e as qualidades das partes, conduziriam a uma qualificação e decisão diferente da adoptada pelo Tribunal que considera estar em causa um acordo de cessão de posição contratual num contrato de arrendamento com opção de compra. lll - Assim, os factos dados como provados, assentam numa análise crítica deficiente, particularmente visível no segmento que condena a Fazenda Pública, com o fundamento de que as amortizações com trespasses dos exercícios de 1993, 1994 e 1995 não se encontravam dependentes de autorização prévia da AT conforme era imposto pelo n.º 3 do art.º 17.ª do DR 2/90, de 12101, por não possuírem essa mesma natureza. IV - No presente caso, deveria ao invés decidir-se que não têm aplicação as normas respeitantes aos prejuízos reportáveis, devendo ser os mesmos amputados do rendimento colectável. V - Neste conspecto, também os fundamentos de direito adoptados pelo aresto, face aos factos, não podem ser acolhidos. Vl - Assim e desde logo quanto à inclusão na noção de estabelecimento comercial do licenciamento de exercício da actividade. Vll - Tem sido entendimento da doutrina que "o trespasse é definível como transmissão da propriedade de um estabelecimento por negócio entre vivos"; ao invés a licença é intransmissível e consiste num acto puramente permissivo e unilateral. Vlll - Acresce que a Fazenda Pública, ab initio, actuou com estrita observância do princípio da legalidade e apenas com base nos elementos declarados na contabilidade da impugnante, procedendo a correcções meramente técnicas de acordo com os elementos fornecidos. lX - Na situação em análise, a Fazenda Pública viu preterido o dever de colaboração entre os particulares e a Administração, dever que deve fluir nos dois sentidos. X - Assim, consideram-se ainda violadas as normas ínsitas no decreto-lei n.o 321-B/90, de 15 de outubro- RAU (Regime do Arrendamento Urbano), em particular preteridas as relativas ao arrendamento para o comércio e indústria (art.º 110.o do RAU) - nomeadamente o art.º 115.º trespasse do estabelecimento comercial e, indevidamente aplicadas as do arrendamento para o exercício de profissões liberais (art.º 121.º e 122.º do RAU) através da figura da cessão de posição contratual num contrato de arrendamento com opção de compra. Xl - Ora, salvo melhor opinião, todas estas normas deveriam ter sido interpretadas no sentido de que os contratos em causa titulam trespasses. Xll - Por outro lado e no que concerne ao licenciamento, sublinhe-se que não confere qualquer aptidão funcional ao estabelecimento, trata-se sim de um acto permissivo para o exercício de determinada actividade que se encontra noutras condições vedada. Xlll - Pelo que, salvo o muito devido respeito, o douto Tribunal "ad quo", não esteou a sua fundamentação de facto e de direito de acordo com a solução adoptada pelo legislador e, nessa medida deve ser afastada da ordem jurídica. Porém, V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.” *** A Recorrida não apresentou contra-alegações. *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II- FUNDAMENTAÇÃO II. 1- Dos FACTOS PROVADOS Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a presente decisão: 1. Em 09/07/91 é registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, o contrato de sociedade da impugnante, cujo objeto social inicial se destinava “à exploração do serviço móvel terrestre e acessoriamente, quando tal se revele conveniente e for deliberado em assembleia geral, a exploração de outros serviços de telecomunicações complementares ou de valor acrescentado” - cfr. fls. 204 a 214 dos presentes autos; 2. Mais tarde, em 06/09/1999, é registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, alteração parcial do contrato de sociedade passando o objeto social da impugnante a "prestação de serviços de telecomunicações, designadamente, o serviço de telecomunicações móveis, o serviço telefónico fixo, o estabelecimento, gestão e exploração de redes e infraestruturas de telecomunicações, a prestação de serviços de audiotexto e de serviços na área de informática, conteúdos e multimédia, podendo ainda proceder à exploração, gestão, representação e comercialização de produtos e equipamentos relacionados com aquelas atividades" - cfr. fls. 204 a 214 dos presentes autos; 3. Em 23/12/1991, a impugnante celebra com os CTT-Correios e Telecomunicações de Portugal, EP, "Contrato Para Transferência do Património Integrante da Universalidade De Facto Afeta à Prestação de Serviço Móvel Terrestre" - cfr. fls. 152 a 189 dos presentes autos; 4. De acordo com o contrato enunciado no ponto anterior (art. 1.º do contrato) o seu objeto consiste em transferir para a titularidade da impugnante, um conjunto de bens, de direitos e de deveres que se integram no património dos "CTT-Correios e Telecomunicações de Portugal, EP", cuja composição é genericamente a seguinte: a) Infraestruturas de telecomunicações, que compreende o equipamento das estações base, o equipamento do centro de comutação, o equipamento de supervisão, equipamento de medida e o equipamento de reserva; b) os direitos de propriedade intelectual e industrial que se revelem afetos ou necessários à exploração do serviço móvel terrestre e às Infraestruturas de telecomunicações a ele inerentes; c) a carteira de clientes; d) os direitos de uso e fruição de espaços e os direitos de propriedade de bens imóveis onde se encontram instaladas as Infraestruturas de telecomunicações; e) os direitos de obrigações relativos a bens destinados à exploração do serviço móvel terrestre, na banda de 450 Mhz ou, na de 900 Mhz, cuja transmissão para a TMN deve ser encarada na perspectiva da cessão da posição contratual dos CTT e dos TLP, nos respetivos contratos de fornecimento - cfr. fls. 152 a 189 dos presentes autos; 5. No art. 4.º do contrato referido supra, estipula-se que a propriedade dos bens móveis a que alude o art. 1.º al. a), transfere-se com a assinatura do presente contrato, sendo o seu preço total de Esc. 3.255.036.000$00 - cfr. fls. 154 dos presentes autos; 6. No art. 5.º do contrato referido supra, estipula-se que a propriedade dos bens imóveis a que alude o n° 1 al. d), transferir-se-á com a realização das respetivas escrituras públicas, pelos preços constantes do anexo II, cujo quantitativo total é de Esc. 233.371.000$00 e, pelos preços relativos aos trabalhos em curso que serão faturados depois de concluídos e cujo quantitativo global se estima em Esc. 99.558.000$00 (não está incluído no valor atribuído ao presente contrato - cfr. fls. 154 dos presentes autos; 7. Do art. 6.º do contrato referido supra, sobressai que dos direitos de uso e fruição de espaços [art. 1.º, al. d)], a) oportuna celebração de contratos de locação quanto aos bens propriedade dos CTT; b) cessão das posição contratual do primeiro outorgante nos contratos de locação em que o uso e fruição é a este título; c) cessão da posição contratual no contrato promessa existente entre o primeiro outorgante e os terceiros, nos contratos em que o uso e fruição é a este título e, ou em alternativa, escrituras públicas a realizar mais tarde entre a TMN e o primeiro outorgante e entre a TMN e terceiros - cfr. fls. 155 dos presentes autos; 8. Resulta do estipulado no art. 7.º do mesmo contrato que, a transferência dos direitos referidos no art. 1.º, al. e) realizar-se-á através da cessão da posição contratual dos CTT e dos TLP, nos respetivos contratos de fornecimento - cfr. fls. 155 dos presentes autos; 9. Do património a transferir para a, ora impugnante, e constante do Anexo I ao contrato referido nos pontos anteriores, consta o seguinte a ser transferido: Equipamento de Rádio, de Ar Condicionado, Sistemas de Energia, Infraestruturas para Colocação de Contentor com Sistema de Energia das Estações Base de vários pontos do país, bem como Equipamento do Centro de Comulação, Equipamento de Supervisão, Equipamento de Medida, Reservas, Formação e Manuais existentes em vários pontos do país - cfr. fls. 164 a 167 dos presentes autos; 10. Do património a transferir para a, ora impugnante, e constante do Anexo II, a que se referem o art. 1.º al. d) e art. 5.º do contrato referido nos pontos anteriores, consta relação de bens imóveis propriedade dos CTT existentes em vários pontos do país - cfr. fls. 168 a 184 dos presentes autos; 11. Do património a transferir para a impugnante, constante do art. 4.º do Anexo II, constam bens imóveis da propriedade de "Terceiros" de que os CTT detém direitos de uso e fruição, a que se referem o art. 1.º, al. d) e art.6° al. b) do contrato referido nos pontos anteriores, que serão, em princípio, transmitidos à TMN mediante a cessão da posição contratual dos CTT, no contrato existente entre essa empresa e o terceiro - cfr. fls. 185 dos presentes autos; 12. Foram, ainda, celebrados dois adicionais ao contrato de fornecimento, o primeiro relacionado com o equipamento para o estabelecimento de um serviço móvel digital, entre os "Correios e Telecomunicações de Portugal, EP", a impugnante e a "S......, AG" e a "S......, SA.", sendo que a primeira transmite a sua posição contratual à impugnante, com o assentimento dos terceiros outorgantes. O segundo adicional ao contrato é relativo ao fornecimento, instalação e ensaios dos equipamentos necessários ao estabelecimento e ampliação de um serviço móvel terrestre, entre os "Correios e Telecomunicações de Portugal, EP", os "T……, SA.", a "S......, AG" e a impugnante, através do qual os primeiros dois contratantes transmitem à impugnante as respetivas posições contratuais, no referido contrato, sendo que a "S......, AG", dá o seu assentimento à transmissão da posição contratual, reconhecendo à impugnante a qualidade de entidade adjudicante no referido contrato - cfr. fls. 186 a 192 dos presentes autos; 13. Em 1992, o Instituto das Comunicações de Portugal (ICP) atribui à impugnante, uma licença para a Prestação do Serviço de Telecomunicações Complementar Móvel - Serviço Móvel Terrestre, (STM) no território nacional, a Licença ICP-011/TCM, atribuída em 16/03/1992- cfr. fls. 225 a 249 dos presentes autos; 14. Em 21/04/1994, a "S…..- S….., SA." e a impugnante, celebram contrato de arrendamento com opção de compra com a duração máxima de sete anos, em virtude da cessão da posição contratual, oportunamente celebrada coma "T….- S…." e a impugnante, no valor de Esc. 350.000.000$00 - cfr. fls. 69 a 79 e 85 a 92 dos presentes autos; 15. Nos termos acordados no contrato de arrendamento referido no ponto anterior, a "S....- S...., SA." dá o seu acordo e consentimento à transferência do contrato então em vigor, para o presente contrato, através do qual é estabelecido o arrendamento à impugnante da totalidade do prédio urbano, composto de cave, rés-do-chão, sobreloja, Io andar, 2o andar, 3o andar, 4º andar, 5º andar, 6º andar, 7º andar e 8º andar, sito na A……., n°……, freguesia do C……., inscrito na matriz sob o artigo seiscentos e quarenta e cinco - cfr. fls. 69 a 79 e 85 a 92 dos presentes autos; 16. Em 1998, a Direção de Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária, efetua à impugnante, ação de inspeção no âmbito do IRC/93/94/95, tendo corrigido e diminuído os resultados negativos desses exercícios conforme quadro infra (enunciam-se apenas os valores da rúbrica impugnada):
17. Em resultado das correções e porque alguns dos custos foram considerados como de natureza confidencial, houve lugar a liquidações adicionais, conforme se enunciam:
18. Dos fundamentos das correções, na parte que vem impugnada, a AT acresceu a rúbrica correspondente a "Amortizações de Trespasses" apresentando como fundamentação " (...) não foi apresentado comprovativo do reconhecimento por parte da D.G.C.I. do deperecimento efetivo, conforme estabelecido no n° 3 do art. 17° do DR 2/90, de 12/01, pelo que não são aceites como custo fiscal nos termos da alínea a) do n° 1 do art. 32° do CIRC cfr. fls. 36 a 68 dos presentes autos; 19. Tendo em conta a correção efetuada, enunciada no ponto anterior, traduziu-se nos respetivos exercícios, nos seguintes valores:
20. Em 01/06/1966, é deduzida reclamação graciosa das liquidações adicionais respeitantes aos exercícios de 1993,1994 e 1995, sem que tenha sido proferida qualquer decisão sobre o pedido - cfr. processo gracioso em apenso aos autos; 21. Em 30/11/1998, a impugnante entrega p.i. que consubstancia a presente impugnação judicial - cfr. fls. 2 e seguintes dos autos. *** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte: “Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.” *** A sentença recorrida motivou a matéria de facto da seguinte forma: “A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra.” *** Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade: “22. A 05 de julho de 1995, a T......-T......., SA, apresentou requerimento endereçado à DGCI-Direção Distrital de Finanças de Lisboa-DivisãoIV, subordinada ao assunto: “Pedido de esclarecimento IRC 1992, V/ refª 4……., equipa 30”, da qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte: “ Os valores registados contabilisticamente como “Trespasses” têm as seguintes origens: a) Transferência dos ex TLP e ex CTT para a TMN do negócio da prestação do serviço móvel terrestre, verificada em 1991 no valor de 131.641 .Esc. Este valor tem como referência a aquisição da carteira de clientes e de todo o Know-how relativo à exploração da rede analógica. Tratando-se de um negócio (exploração da rede analógica) cuja vida útil então se estimava num máximo de 10 anos, o valor em causa foi reconhecido como activo fixo sujeito a deperecimento, registado na conta “434-Trespasses” e amortizado de acordo com a vida útil estimada. Saliente-se que a evolução tecnológica entretanto verificada aponta no sentido de a exploração do negócio da rede analógica vir a ter uma vida útil inferior aos 10 anos então estimados. Não sendo a licença concedida passível de transmissão a terceiros logo não podendo a TMN trespassar tais activos incorpóreos, admite-se que a classificação contabilista poderia recair noutra subconta do Imobilizado Incorpóreo o que conduziria a um tratamento similar em termos de amortizações. b) Aquisição de posição, verificada em 1991 em contrato de arrendamento com opção de compra com a duração máxima de 7 anos: no valor de 350.000 mEsc. Este valor tem como referência a aquisição de posição num contrato com uma vida máxima de 7 anos, o qual não era susceptível de alienação a terceiros. Como tal, foi reconhecido como activo fixo sujeito a deperecimento, registado na conta “434” Trespasses e amortizado de acordo com a vida útil fixada. De salientar que, em consequência da evolução da actividade da empresa entretanto verificada, a vida útil veio a revelar-se inferior aos 7 anos inicialmente previstos, uma vez que a mesma terminou em 1995, com a mudança de instalações ( e de sede social) já operada.” (cfr. fls. 81 e 82 dos autos); 23. Em 31 de julho de 1995, foi celebrado escrito denominado “Acordo” entre a S.... e a T......-T......., SA, no qual ambas põem termo ao arrendamento com efeitos a partir de 17 de fevereiro de 1995, “em virtude do grande crescimento da T....”, comprometendo-se a pagar a quantia de Esc. 65.200.000$00 respeitantes a rendas vencidas e não pagas do imóvel e estacionamento (cfr. doc. fls. 90 e 91 dos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido); *** III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação de IRC dos exercícios de 1993, 1994 e 1995, por entender, atenta a natureza jurídica dos contratos, dedutíveis os valores de amortizações de Esc. 63.144.072$00 para o exercício de 1993, Esc. 63.144.072$00 para o exercício de 1994 e Esc. 209.059.072$00 para o exercício de 1995. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento, competindo, para o efeito, analisar se os negócios jurídicos em causa integram ou não a figura jurídica do trespasse, e nessa medida, se a dedutibilidade fiscal dos encargos classificados como “amortizações com trespasses” se encontra dependente de reconhecimento prévio da Administração Tributária. Apreciando. A Recorrente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, visto que valorou erroneamente os contratos celebrados desconsiderando os seus elementos essenciais, mormente, o fim, o objeto, a contrapartida, a configuração, o sentido e as qualidades das partes, os quais, interpretados no seu conjunto, conduziriam a uma qualificação e decisão diferente. Mais sustenta que os factos dados como provados, assentam numa análise crítica deficiente, particularmente visível no segmento que condena a Fazenda Pública, com o fundamento de que as amortizações com trespasses dos exercícios de 1993, 1994 e 1995 não se encontravam dependentes de autorização prévia da Administração Tributária conforme era imposto pelo n.º 3 do art.º 17.º do DR 2/90, de 12/01, sendo que, in casu, deveria, tão-só, decidir-se que não têm aplicação as normas respeitantes aos prejuízos reportáveis, devendo ser os mesmos amputados do rendimento coletável. Em termos de qualificação jurídica entende que o trespasse é definível como transmissão da propriedade de um estabelecimento por negócio entre vivos, como in casu, constituindo a licença um ato puramente permissivo e unilateral, sem conferir aptidão funcional. Ademais, sustenta que a Inspeção Tributária atuou com estrita observância do princípio da legalidade, sendo que, in casu, foi preterido o dever de colaboração entre os particulares e a Administração. Vejamos, então. In casu, e conforme resulta do relatório de Inspeção Tributária as correções técnicas assentaram, tão-só, na circunstância de que as amortizações de trespasses não são aceites como custo fiscal, visto que “não foi apresentado comprovativo do reconhecimento por parte do D.G.C.I. do deperecimento efectivo, conforme o estabelecido no nº3 do artº 17º do DR 2/90, de 12/1”. A Recorrida, na sua petição inicial, assumindo a errónea contabilização enquanto “amortizações de trespasses” releva que os contratos que subjazem a tais amortizações não podem ser qualificados como tais. Sustenta, desde logo, que, in casu, as empresas cedentes CTT e TLP não transferiram para a Recorrida qualquer estabelecimento comercial que continue a funcionar, apenas o direito de explorar o serviço de telecomunicações móveis e somente algum imobilizado intangível e corpóreo. O mesmo sucedendo com o contrato de cessão de posição contratual o qual, com o próprio nome o indicia, não pode ser passível de qualificação jurídica como trespasse. O Tribunal a quo fundou a procedência da ação com base no seguinte discurso jurídico no seguinte: “Dos contratos celebrados com os CTT- Correios e Telecomunicações de Portugal, EP, não pode afirmar-se que existe uma reunião de bens com um fim empresarial, pois o conjunto de bens materiais e imateriais, transmitido, só por si, não configura um conjunto que possibilite o exercício da atividade prosseguida pela T...., ora impugnante. Com efeito, sobressai dos autos que a impugnante apenas com base neste contrato, não passou a deter uma unidade económica, apta ao desenvolvimento autónomo da atividade comercial de telecomunicações. Determinante é o pedido de licenciamento da atividade a desenvolver, pois antes da concessão da licença de funcionamento, não há uma individualidade e unidade autónoma que permita o exercício da atividade (…) O desenvolvimento da atividade económica potenciada pelos contratos de cedência de bens corpóreos e incorpóreos, celebrados com os CTT, TLP, apenas permitiu a transferência de direitos de propriedade industrial, bem como a cessão de posições contratuais. Mais aduz que “para a prossecução do "negócio" a impugnante celebrou, ainda, com a "S....- S...., SA." contrato de arrendamento com opção de compra com a duração máxima de sete anos, em virtude da cessão da posição contratual, oportunamente celebrada com a "T.....-S......" e a impugnante.” Concretizando, assim, que “[a] “S....- S...., SA." dá o seu acordo e consentimento à transferência do contrato então em vigor, para o presente contrato, através do qual é conferido o arrendamento à impugnante da totalidade do prédio urbano, composto de cave, rés-do-chão, sobreloja, Io andar, 2º andar, 3º andar, 4º andar, 5º andar, 6º andar, 7º andar e 8º andar, sito na Avenida D……, n°……, freguesia do….., inscrito na matriz sob o artigo seiscentos e quarenta e cinco. Remata, in fine, que “tal, não pode configurar a figura jurídica de "trespasse", pois tal como decorre da materialidade do negócio, verifica-se apenas a transmissão de um espaço vazio sem qualquer apetência de, só por si, consubstanciar a transferência de um estabelecimento comercial.” Para depois concluir que “[s]ó com as operações e negócios celebrados no seu conjunto, bem como a obtenção do devido licenciamento da atividade a prosseguir (Licença ICP-011/TCM de 16/03/1992) a impugnante ficou capacitada com um conjunto unitário e organizado de bens, ou seja, com uma universalidade apta ao exercício de determinada atividade económica.” Vejamos, então. Comecemos por tecer algumas considerações quanto ao trespasse por forma a aquilatar se as realidades contratuais são suscetíveis de serem qualificadas como tal. Importa, desde já, relevar que a lei não recorta o conceito, a definição de trespasse, sendo, no entanto, inúmeros os preceitos que lhe fazem alusão, sem, no entanto, se entrever uma disciplina legal aplicável em bloco, de modo sistemático e completo, a esta realidade jurídica, ainda que se possa aludir a um tronco comum às várias formas em que a figura se concretiza. Nessa medida, tem-se entendido, que de cada uma das disposições que se lhe referem, deve extrair-se o sentido do termo, visto que só dessa forma se definem e determinam as exatas e as específicas consequências visadas(1). À data da outorga dos contratos em apreço, e por virtude do disposto no artigo 12.º, nº 1, do Código Civil, a figura assumia grande relevo no artigo 115.º, nº1 do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro – RAU, sob a epígrafe de “Trespasse do estabelecimento comercial ou industrial” segundo o qual: “1-É permitida a transmissão por ato entre vivos da posição do arrendatário, sem dependência da autorização do senhorio, no caso de trespasse do estabelecimento comercial ou industrial.” Preceituando, por seu turno, o seu nº2 e enquanto delimitação negativa que: “2 - Não há trespasse: a) Quando a transmissão não seja acompanhada de transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integrem o estabelecimento; b) Quando, transmitido o gozo do prédio, passe a exercer-se nele outro ramo de comércio ou indústria ou quando, de um modo geral, lhe seja dado outro destino. Consignando-se, outrossim, quanto à sua forma que: “3 - O trespasse deve ser celebrado por escritura pública.” Cotejando o aludido normativo, a configuração jurídica do trespasse é, assim, conferida como sendo uma das exceções à regra geral da intransmissibilidade do direito de arrendatário, aliás, em consonância, com o atual artigo 1112.º do Código Civil. Fazendo-se, por seu turno, uma delimitação negativa de trespasse sempre que a transmissão não seja acompanhada de transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integrem o estabelecimento. Elucida Jorge Manuel Coutinho de Abreu(2) numa ponderação de diversos preceitos legais que convocam o termo trespasse, embora não o definam (artigo 152.º, 2, alínea d), do CSC, 115.º e 116.º do RAU, 100.º, nºs 1 e 2 e 145.º e 20.º, nº2 do DL 411/91, de 17 de outubro), que se podem retirar as seguintes conclusões: ¾ O objeto do trespasse é um estabelecimento; Sumariando, depois, que a definição do trespasse como transmissão da propriedade de um estabelecimento por negócio entre vivos, traduz um conceito ”[s]uficientemente elástico e preciso para representar o trespasse como conjunto de figuras negociais diversas-conjunto de composição variável, consoante a teleologia das diferentes normas.(3)” Mais esclarecendo quanto ao âmbito de entrega que, não obstante as partes gozarem de liberdade para excluírem da transmissão alguns elementos do estabelecimento, “tal exclusão não pode abranger os bens necessários ou essenciais para identificar ou exprimir a empresa objecto do negócio. Desrespeitando-se o âmbito mínimo (necessário ou essencial) de entrega (constituído, portanto, pelos elementos necessários e suficientes para a transmissão de um concreto estabelecimento), impossibilitado fica o trespasse.” Concretiza, ainda neste âmbito, que “fazem parte do âmbito natural de entrega os elementos que se transmitem naturalmente com o estabelecimento trespassado, isto é, os meios transmitidos ex silentio, independentemente de estipulação ad hoc.” Exemplificando, para o efeito, “[p]or força de lei (supletiva), incluem-se no âmbito natural o nome e insígnia de estabelecimento, o logótipo, as marcas. O CPI anterior (de 1995) era claro quanto à transmissão (em principio) natural de todos estes sinais distintivos –arts 29.º, nº5, 211.º, 1.” Com efeito, “[é] frequente que um estabelecimento comercial, pela própria complexidade orgânica, e pela multiplicidade de funções que reúne, contenha dentro de si uma parte autónoma ou autonomizável capaz de emergir do seu todo. Se essa parte que integra o estabelecimento comercial-mas dele potencialmente destacável-conseguir adquirir uma imagem própria, dentro da organização que o estabelecimento oferece, então essa parte pode ser objecto de negociação. É o que Orlando de Carvalho designa por fenómeno de cissiparidade ou da reprodução(4).” Dir-se-á, portanto, que integram o estabelecimento todos os bens corpóreos e incorpóreos que formem o conjunto unitário finalisticamente determinado à realização de um fim concreto, ou seja, à atividade a que se destina a exploração do estabelecimento(5). Pese embora a letra da lei se refira ao estabelecimento ainda que sem o caracterizar expressamente (designadamente nos artigos 316.º, 317.º, alínea a), 495.º, nº 2,1559.º, 1560.º, nº 1, alínea a), 1682.º-A, nº 1, alínea b), 1938º, nº 1, alínea f), 1940º, nº 4 e 1962º, nº 1, do Código Civil, 862º-A do CPC e 111º, 115º e 116º do RAU) “a noção mais concreta do conceito de estabelecimento decorre do artigo 862º-A do Código de Processo Civil, que se reporta à respectiva penhora, donde resulta que ele é susceptível de integrar bens e direitos de crédito e de outra natureza. Dir-se-á que o estabelecimento comercial ou industrial é a estrutura material e jurídica integrante, em regra, de uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas – coisas móveis e ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento - organizados com vista à realização do respectivo fim. A referida estrutura varia, como é natural, em função de circunstâncias diversas, desde logo em razão dos diversos ramos de actividade que operem. Por outro lado, o conjunto dos elementos de determinado estabelecimento comercial ou industrial, incluindo o humano, é variável ao longo do tempo, consoante a vontade do respectivo titular, segundo os seus interesses, em regra condicionados, além do mais, pela evolução da tendência de mercado, pelas necessidades de reestruturação, de especialização ou de economia de meios(6).” Daí que se consigne no citado normativo 115.º, nº2 do RAU que não há trespasse, se a transmissão não for “acompanhada da transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento”. Vistos os considerandos de direito que relevam para o caso dos autos, façamos a competente transposição fática. Ab initio, cumpre sublinhar que a Recorrente não impugna a matéria de facto o que entende é que o Tribunal a quo não interpretou, adequadamente, os elementos base dos contratos subjacentes e nessa medida concluiu desacertadamente quanto à natureza e qualificação jurídica dos mesmos. Porém, como veremos, assim não o entendemos. Expliquemos, então, as razões atinentes ao acerto e manutenção do julgado anulatório. Da factualidade assente resulta que: Em 23 de dezembro de 1991, a Recorrida celebrou com os CTT-Correios e com Telecomunicações de Portugal, EP, contrato que denominou "Contrato Para Transferência do Património Integrante da Universalidade de Facto Afeta à Prestação de Serviço Móvel Terrestre", o qual tinha como objeto transferir para a titularidade da Recorrida, um conjunto de bens, de direitos e de deveres que se integram no património dos "CTT-Correios e Telecomunicações de Portugal, EP", para a prestação do Serviço Móvel Terrestre, dele se destacando, na parte que para os autos releva: Ø Os direitos de propriedade intelectual e industrial que se revelem afetos ou necessários à exploração do serviço móvel terrestre e às infraestruturas de telecomunicações a ele inerentes; Ø A carteira de clientes; Ø Os direitos de uso e fruição de espaços e os direitos de propriedade de bens imóveis onde se encontram instaladas as Infraestruturas de telecomunicações; Ø Os direitos de obrigações relativos a bens destinados à exploração do serviço móvel terrestre. Clausulando-se, quanto aos direitos de uso e fruição de espaços, a oportuna celebração de contratos de locação quanto aos bens propriedade dos CTT; a cessão das posição contratual do CTT nos contratos de locação em que o uso e fruição é a este título, a cessão da posição contratual no contrato promessa existente entre os CTT e os terceiros, nos contratos em que o uso e fruição é a este título e, ou em alternativa, escrituras públicas a realizar mais tarde entre a T.... e o CTT e entre a T.... e terceiros. Resultando, outrossim, que a transferência dos direitos e obrigações relativos a bens destinados à exploração do Serviço Móvel Terrestre realizar-se-ia através da cessão da posição contratual dos CTT e dos TLP, nos respetivos contratos de fornecimento. Dimanando, in fine, que o Instituto das Comunicações de Portugal (ICP) atribuiu em 16 de março de 1992, à Recorrida, uma licença para a Prestação do Serviço de Telecomunicações Complementar Móvel - Serviço Móvel Terrestre, no território nacional. Ora, face ao exposto, e no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, entende-se que o contrato supra aludido não pode ser entendido e qualificado como um trespasse, desde logo, porque atentando nas suas cláusulas e respetivos anexos não se aquilata que o mesmo tenha integrado uma universalidade de facto apta, per se, a constituir uma atividade comercial independente. Com efeito, do seu teor não resulta a transferência de um estabelecimento mas tão-só o direito de exploração do serviço de telecomunicações móveis e parte de um ativo imobilizado intangível e corpóreo. De relevar, neste particular, e como evidencia a Recorrida que a mesma não lhe sucedeu, desde logo, nos seus nomes, marcas e insígnias, e bem assim no direito de ocupar os locais a partir dos quais era exercida a atividade dos CTT e TLP, não constando qualquer enumeração de transferência de pessoal a elas afeto. De salientar, outrossim, que atentando na factualidade assente, mormente, no clausulado do contrato que vimos analisando dimana inequívoco que a transferência dos ativos negociados não ocorreu, no seu conjunto, no momento da outorga do contrato, ou seja, foi sendo protelada no tempo, mediante outorga de ulteriores contratos o que contraria, igualmente, a própria natureza jurídica do trespasse e a transferência imediata da universalidade de facto que abrange o estabelecimento e legitima a prossecução da atividade comercial. De relevar, neste âmbito, que a letra do citado artigo 115.º, nº2 do RAU preceitua expressamente que não há trespasse se a transmissão “não for acompanhada de transferência, em conjunto” do acervo patrimonial apto à funcionalidade e desenvolvimento da atividade. Note-se que, “se não for efectivamente realizada uma transmissão, “em conjunto”, dos elementos que integram o “estabelecimento comercial ou industrial” ligado a um prédio arrendado, faltará o pressuposto essencial (…) e não poderá, portanto, considerar-se configurado um trespasse. A tutela legal do trespasse tem sido tradicionalmente justificada pelo objectivo de política económica de, com a circulação de tal universalidade, se aproveitar o trabalho incorporado na sua constituição e o valor económico que representará, ao serviço de outro empresário nele interessado, em vez de a deixar estiolar, pelas dificuldades opostas à sua transmissão, nas mãos de quem já não tenha interesse nela ou já não poderá aproveitá-la eficazmente”(7). (destaque e sublinhado nosso). A Recorrida não interveio, assim, em qualquer ato de trespasse, tendo, tão-só, recebido, por transferência onerosa, o direito de operar o serviço de telecomunicações móveis terrestres, através da rede até, então, existente rede analógica, cuja exploração iniciou ex novo. Com efeito, a Recorrida adquiriu, efetivamente, aos CTT e TLP um acervo patrimonial que as mesmas tinham afeto à exploração de serviço móvel terrestre, porém o mesmo, per se, não era apto à prossecução da atividade de serviço móvel terrestre. E tanto assim o é que a licença só ulteriormente foi emitida à Recorrida, a qual em ordem ao consignado no artigo 4.º, nº1 do Decreto-Lei 346/90, de 3 de novembro, revestia condição sine qua non para o exercício da atividade em causa. Dir-se-á, portanto, que sendo o estabelecimento comercial ou industrial uma organização estável e autónoma de um conjunto de elementos que permitem, per se, o desempenho de uma atividade daquela natureza, então, ter-se-á de admitir que nessa universalidade se integra a licença administrativa para funcionamento, elemento essencial da sua estrutura orgânica e funcional, pois que sem ela, não é legalmente admissível a laboração. Neste particular, vide, Aresto do Tribunal da Relação do Porto(8), o qual, no contexto da responsabilidade por culpa “in contrahendo” pela realização de um trespasse nulo em função da impossibilidade legal do seu objeto, concretamente, inexistência de licença, esclarece que “Sem as licenças em causa, o estabelecimento, cujo aproveitamento económico depende da sua abertura ao público, isto é, só serve ou só realiza a sua finalidade nessa circunstância, não pode funcionar, torna-se imprestável (não afastando esta conclusão a sua abertura ilegal e, portanto, com sujeição ao encerramento compulsivo).” De chamar à colação, outrossim, o sumariado no Aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, processo nº 221/09.0 TBCDN.C1, de 17 de abril de 2012, segundo o qual: “I –O estabelecimento comercial é um conjunto de coisas, corpóreas e incorpóreas, devidamente organizado para a prática do comércio. O estabelecimento comercial compreende, portanto, elementos da mais variada natureza que, em comum, têm apenas o facto se encontrarem interligados para a prática do comércio. II- No tocante ao activo o estabelecimento compreende coisas corpóreas e incorpóreas: No que toca a coisas corpóreas ficam abarcados os direitos relativos, por exemplo, a móveis – mercadorias, matéria primas, maquinaria, mobília, instrumentos de trabalho – portanto, todas as coisas que, estando no comércio, sejam pelo comerciante afectas a esse exercício. No tocante a coisas incorpóreas pode-se distinguir, por exemplo, o direito ao uso exclusivo da insígnia, do nome do estabelecimento, das marcas, patentes de invenção e os direitos a prestações provenientes de posições contratuais – contratos de trabalho, contratos com fornecedores, contratos de distribuição, de publicidade, de concessão comercial, de agência, de franquia e mesmo contratos relativos a bens vitais (v.g. água, electricidade, gás, telefone) e, bem assim, os direitos provenientes de licenças concedidas pela administração.” (destaque e sublinhado nosso). E por assim ser não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha interpretado erradamente o aludido contrato, não se afigurando, face a todo exposto e contrariamente ao defendido pela Recorrente que, da interpretação conjugada de todos os seus elementos essenciais o mesmo possa ser qualificado como um trespasse, inexistindo, assim, qualquer violação pelo Tribunal a quo do normativo 115.º do RAU. Atentemos, ora, no contrato de cessão de posição contratual. A 30 de dezembro de 1991, foi celebrado escrito denominado de “contrato de cessão de posições contratuais”, entre a sociedade “S....-S….., SA”, a S…… S….., SA, e a ora Recorrida T...., da qual resulta enquanto considerandos que: ¾ A S.... na qualidade de legítima proprietária do prédio urbano situado na Rua T….., nº…., prometeu arrendar à T…. S….., SA, a quem depois deu de arrendamento, assim como prometeu vender o prédio, promessa essa sujeita a opção de compra; ¾ A T…. S….., SA pretende ceder as posições contratuais à T..... Dimanando, outrossim, do artigo 1.º do aludido contrato que a Recorrida aceita a cessão pagando a retribuição global de Esc.350.000.000$00, comprometendo-se a T…… a ter o imóvel inteiramente devoluto a dele fazer a entrega até 31 de janeiro de 1992. Mais resultando assente que, em 21 de abril de 1994, foi celebrado escrito denominado de “Arrendamento com opção de compra” entre a S....-S….., SA e a ora Recorrida, por pretenderem fazer cessar a vigência do anterior arrendamento adveniente da cessão da posição contratual, nele se clausulando que a S.... dá “de arrendamento à Recorrida o prédio urbano composto de cave, rés-do-chão, sobreloja, primeiro andar, sito na Avenida D……”. Contemplando-se, por seu turno, no respetivo documento complementar a duração máxima de 7 anos, a opção de compra e bem assim a insusceptibilidade de qualquer tipo de cedência ou locação total ou parcial. Sendo que, em 31 de julho de 1995, foi celebrado escrito denominado “Acordo” entre a S.... e a Recorrida, no qual ambas põem termo ao arrendamento com efeitos a partir de 17 de fevereiro de 1995, “em virtude do grande crescimento da T....”, comprometendo-se a pagar a quantia de Esc. 65.200.000$00 respeitantes a rendas vencidas e não pagas do imóvel e estacionamento. Ora, atentando no supra aludido, nos concretos considerandos e clausulados citados resulta, em consonância com o decidido pelo Tribunal a quo, que o supra exposto não configura, efetivamente, um contrato de trespasse. De relevar, desde logo, que no trespasse estamos perante a transmissão definitiva da posição de arrendatário, porquanto a transmissão é definitiva e opera automaticamente uma extinção da relação jurídica entre o senhorio e o primitivo arrendatário, titular do estabelecimento. Noutra formulação, dir-se-á que “A mera transmissão pro tempore não forma um trespasse.(9)” De convocar, neste particular, designadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra já citado, o qual doutrina de forma clara que: “VI-A locação de estabelecimento comercial é um negócio de transmissão a título temporário e oneroso de um estabelecimento - ao contrário do trespasse, é um negócio de transmissão do gozo, e não da propriedade do estabelecimento. VII- Ao passo que o trespasse implica uma transmissão do domínio do estabelecimento, a locação envolve apenas a transmissão da fruição da sua exploração, ou seja, diferentemente do trespassário, que é investido num direito real de propriedade sobre o estabelecimento, o locatário é titular de um mero direito obrigacional de gozo, que lhe permite explorar em seu nome e por sua conta o estabelecimento, permanecendo o locador como proprietário – caso o seja - desse mesmo estabelecimento. VIII- Do contrato de locação ou de cessão de estabelecimento emerge para o locatário este fundamental direito: o de usar e fruir plenamente o estabelecimento locado, explorando-o e fazendo seus os eventuais lucros resultantes dessa exploração. Mas dele emerge também, para essa mesma parte, este fundamental dever: o de pagar, pontualmente, a remuneração convencionada.” Destarte, assiste razão ao Tribunal a quo quando evidencia que decorre da materialidade do negócio que nos encontramos perante a transmissão de um espaço vazio sem qualquer apetência, per se, de consubstanciar uma transferência de estabelecimento comercial, donde, subsumível e passível de qualificação como trespasse. De sublinhar, in fine, que não se vislumbra qualquer errónea aplicação dos artigos 121.º e 122.º do RAU, os quais, de resto, nem foram convocados pela decisão recorrida. Uma última nota para relevar que, não obstante a classificação dos contratos não depender da designação que é conferida pelas partes, mas do conteúdo expresso nas declarações que outorgam, sempre importa ter presente que no caso vertente inexistiu, tão-pouco, uma qualificação jurídica da Recorrida enquanto trespasse, apenas e só uma contabilização de amortizações de ativo imobilizado incorpóreo -não controvertidas- com a nomenclatura específica de trespasses. Assim, tendo em conta as circunstâncias de facto que ficaram assentes, e as considerações de ordem jurídica que acima se deixaram expressas, conclui-se que, na senda do defendido pela Recorrida e assentido pelo Tribunal a quo, os contratos que subjazem às amortizações sindicadas não podem ser qualificados como trespasses, razão pela qual a dedutibilidade fiscal dos custos não pode estar dependente de um pressuposto que apenas é condição sine qua non para as situações de trespasse comercial. De relevar, neste particular, que a Entidade Fiscalizadora nunca colocou em causa a efetividade do custo, o âmbito e abrangência dos elementos do ativo imobilizado incorpóreo, o seu deperecimento e período de vigência temporal, limitando-se a fundamentar a correção na constatação, meramente formal, da contabilização enquanto amortizações de trespasses e da inerente necessidade de reconhecimento prévio de deperecimento por parte Direção Geral das Contribuições e Impostos, em conformidade com o consignado no artigo 17.º, nº3, alínea a), do DR 2/90. Pelo que, tendo a Recorrida alegado e provado que os contratos que subjazem às amortizações em causa não consubstanciam trespasses -não obstante a errada contabilização na conta 43 -a qual expressamente reconheceu- então, a questão fática deixa de ser subsumível no artigo 17.º, nº3, alínea a), do DR 2/90, e nessa medida não está dependente de prévio reconhecimento de deperecimento pela Direção Geral das Contribuições e Impostos, claudicando, por isso, a premissa base e única em que assentou a correção aritmética. In fine, importa sublinhar que, contrariamente ao alegado pela Recorrente, inexiste qualquer violação do dever de colaboração o qual, em bom rigor, nem tão-pouco foi devidamente substanciado. De todo o modo, sempre se dirá que em período temporal anterior à presente ação inspetiva, mediante esclarecimentos prestados pela Recorrida e após interpelação para o efeito, a Recorrente teve conhecimento dos contratos, tendo sido explicados os seus elementos essenciais e a materialidade das operações. Conforme dimana da factualidade, ora, aditada, verifica-se que a Administração Tributária a 25 de maio de 1995, solicitou esclarecimentos à Recorrida relativamente a várias rubricas contabilísticas e respetivos suportes -especificamente a, ora, colocada em crise- tendo a mesma, nessa sequência e em conformidade, prestado os competentes esclarecimentos, fazendo expressa alusão aos valores contabilizados, às suas origens e respetivos suportes documentais. Mais importa notar que, nessa data a Administração Tributária não realizou qualquer correção ao exercício de 1992, tendo apenas corrigido no âmbito da ação inspetiva realizada em 1998, ainda que relativamente aos mesmos encargos, mas, ora, reportados aos exercícios de 1993, 1994 e 1995. A final, cumpre sublinhar que não se perceciona o alcance das conclusões de recurso expressas em II) e III), visto que o Tribunal a quo limitou-se a aquilatar do raciocínio expendido pela entidade fiscalizadora e do seu modus faciendi, e a anular as correções efetuadas atento o vício de violação de lei. De forma a clarificar-se o supra expendido convoque-se a fundamentação constante na decisão sindicada, a qual evidencia que “apenas com base nesse fundamento, não podia a AT ter efetuado a correção nos respetivos exercícios, e assim acrescido ao rendimento colectável da Impugnante os valores de Esc. 63.144.072$00, para o exercício de 1993; Esc.63.144.072$00 para o exercício de 1994 e, Esc. 209.059.072$00, para o exercício de 1995.”, anulando, em consequência, as aludidas correções e os inerentes juros compensatórios. Pelo que, não se compreende o alcance da alegação da Recorrente concatenada com os preceitos referentes aos prejuízos reportáveis, os quais, de resto, nunca foram convocados no Relatório Inspetivo. Com efeito, in casu, as correções realizadas não determinaram imposto a entregar nos cofres do Estado, antes uma diminuição nos prejuízos a reportar, conforme infra se concretiza:
Face a todo exposto a decisão recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, não merecendo qualquer censura, devendo, por isso, ser confirmada. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e em consequência, confirmar a decisão recorrida. Sem custas. Vencida a Recorrente seria a mesma responsável pelas custas do recurso. No entanto, há que ter em conta que, nos processos instaurados até 01.01.2004 (como é o caso), a FP se encontrava isenta do pagamento de custas, atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro). Registe. Notifique. Lisboa, 13 de dezembro de 2019 (Patrícia Manuel Pires) (Mário Rebelo) (Anabela Russo) ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- (1).Fernando de Gravato Morais, Alienação de Estabelecimento Comercial, Almedina, reimpressão de edição de janeiro/2005, p.78. (2).Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume I, 5ª edição, Coimbra, Almedina, 2005, p 279. (3).Jorge Manuel Coutinho de Abreu Ob. Cit. 281. (4).Fernando de Gravato Morais, in ob. cit., pp.84 e 85. (5).Pinto Furtado, Manual de Arrendamento Urbano, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2001, p. 540. (6).In Acórdão do STJ, proc. nº 07B4168/JSTJ000, de 04.12.2007. (7).Pinto Furtado, Ob. cit p. 662. (8).Proferido no processo nº 0834105, de 11.12.2008, vide igualmente o Acórdão do Tribunal da Relação de lisboa, proferido no processo nº 2164/10.6 de 06.12.2017. (9).Pinto Furtado, Ob cit. p. 681. |