Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:66/13.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:
IRC.
REPORTE DE PREJUÍZOS.
LUCRO CONSOLIDADO.
Sumário:O direito ao reporte de prejuízos de sociedade que deixou de integrar o perímetro do grupo fiscal depende da demonstração de que os mesmos não foram contabilizados no lucro consolidado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório

M.........., SA., melhor identificada nos autos, na sequência de reclamação graciosa e recurso hierárquico previamente apresentados, veio deduzir impugnação judicial contra a liquidação de IRC n.º ........, relativa ao exercício de 1998, com o valor global de 511.537,46€. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 99 e ss. (numeração do processo em SITAF) datada de 13/02/2020, julgou a acção totalmente improcedente. A impugnante interpôs recurso jurisdicional, em cujas alegações de fls. 129 e ss. (numeração do processo em SITAF) formulou as conclusões seguintes:

«1a) A Administração Tributária (AT) corrigiu o resultado tributável, em sede de IRC, calculado e declarado pelo contribuinte, referente ao ano de 1998, daí resultando a emissão de uma liquidação adicional;

2a) A fundamentação apresentada pela AT para a referida correcção foi a de que o contribuinte e ora recorrente tinha deduzido prejuízos fiscais relativos aos exercícios de 1995 e 1996 ao resultado de 1998, quando esses prejuízos fiscais já tinham sido absorvidos no exercício de 1997;

3a) Nos exercícios de 1995, 1996 e 1997, a recorrente esteve sujeita, enquanto sociedade dominada, ao regime fiscal então em vigor, denominado Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado (RTLC);

4a) Também no exercício de 1993, a recorrente esteve sujeita ao RTLC;

5a) No exercício de 1998, já a recorrente não estava sujeita ao RTLC, sendo, pois, tributada numa base individual;

6a) A afirmação da AT de que no exercício de 1998, já não havia prejuízos a reportar, por eles terem absorvido em 1997, resultava da circunstância de a AT ter efectuado correcções aos resultados tributáveis da recorrente nos exercícios de 1993 e 1995, reduzindo o valor dos prejuízos fiscais reportáveis;

7a) Em face dessas correcções aos exercícios de 1993 e 1995 foram, concomitantemente, corrigidos, pela AT, os resultados de 1996;

8a) As correcções feitas pela AT aos exercícios de 1993 e 1995, foram contestadas judicialmente e essas contestações (impugnações) foram julgadas procedentes;

9a) Em face dessas decisões judiciais, os valores dos prejuízos fiscais de 1993 e 1995 passaram a ser superiores aos fixados pela AT e, concomitantemente, também passou a ser superior, o valor do prejuízo de 1996;

10a) Assim, não corresponde à verdade o facto nº 12 dado como provado na douta sentença recorrida, segundo o qual “a sociedade M......., SGPS, S.A. absorveu os prejuízos declarados pela impugnante (...) no ano de 1997... ”;

11a) É que, repete-se, em razão das decisões judiciais que anularam as correcções feitas pela AT aos exercícios de 1993 e 1995, “aumentou” o valor dos prejuízos reportáveis desses dois exercícios (1993 e 1995) e, também, do exercício de 1996, pelo que não se “esgotaram” esses prejuízos em 1997;

12a) Assim, nos termos do artº 662º do Código do Processo Civil, aplicável por força do artº 2º, e), do CPPT, deve ser alterado o facto nº 12 considerado como provado, estabelecendo-se, ao invés, como provado que “a impugnante, em razão das decisões judiciais que anularam as correcções feitas pela AT aos exercícios de 1993 e 1995, tinha, no exercício de 1998, um reporte de prejuízos de €3.605.977,90, relativo ao exercício de 1995 e de €513.518,61, relativo ao exercício de 1996”;

13a) Assente, sem qualquer dúvida, que, em razão das decisões judiciais, a recorrente tinha, no exercício de 1998, prejuízos reportáveis provenientes dos exercícios de 1995 e 1996, fica demonstrada a ilegalidade da liquidação aqui impugnada (IRC de 1998);

14a) É jurisprudência pacífica, que sendo a impugnação um processo de mera anulação, em que o tribunal aprecia a legalidade da actuação da administração tributária à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto, sendo, pois, irrelevantes quaisquer outros fundamentos não oportunamente expressos com a sua emissão, não são admissíveis novos fundamentos não expressamente aduzidos no acto impugnado;

15a) Assim sendo, o juízo sobre a legalidade do acto aqui impugnado, tem de ser feito com base na fundamentação contemporânea do acto e esta foi a de que os prejuízos fiscais se tinham esgotado no exercício de 1997, pelo que já não havia prejuízos a reportar para o exercício de 1998;

16a) Como a própria AT veio, posteriormente, a reconhecer, essa fundamentação não corresponde à verdade porque, em razão das decisões jurisdicionais referentes aos exercícios de 1993 e 1995, havia prejuízos a reportar para o exercício de 1998;

17a) Estando errada, factualmente, a fundamentação, o acto impugnado é ilegal;

18a) Resulta do artº 100º da LGT, que a anulação judicial de um acto tributário implica a reintegração completa da ordem jurídica violada;

19a) Em consequência das duas decisões judiciais que anularam as correcções feitas pela AT aos exercícios de 1993 e 1995, tudo se tem que passar como se tais correcções não tivessem sido efectuadas;

20a) Sem prescindir: mesmo em face da posterior e diferente fundamentação da AT, segundo a qual a impugnante não podia deduzir, ao resultado de 1998, os prejuízos fiscais de 1995 e 1996, porque estes últimos prejuízos foram gerados no âmbito do RTLC, a liquidação impugnada é ilegal;

21a) É que o normativo em vigor à época dos factos (1998) previa a possibilidade de prejuízos gerados no âmbito do RLTC poderem ser deduzidos a lucros tributáveis obtidos após o termo da aplicação do referido RLTC - artº 60º, c), CIRC, na redacção introduzida pela Lei nº 71/93, de 26 de Novembro - entendimento, aliás, sufragado pela Administração Tributária, através da Circular 15, de 6/5/1994;

22a) A sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do normativo, ao afirmar que o artº 60º, c), do CIRC, não permitia a dedução de prejuízos gerados durante o RTLC a lucros obtidos após o fim da aplicação de tal regime;

23a) Esse era, de facto, o regime em vigor na versão da alínea c) do artº 60º do CIRC introduzida pelo Decreto-Lei nº 251-A/91, de 16/6;

24a) Porém, essa redacção veio a ser alterada pela Lei nº 71/93, de 26 de Novembro, e nessa redacção, aplicável ao exercício de 1998, já a lei previa a dedução de prejuízos gerados no âmbito do RTLC a lucros posteriores à vigência de tal regime;

25a) A sentença recorrida não pode, assim, manter-se.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida e julgando-se procedente a impugnação, como é de Justiça

Mais requer a dispensa do valor remanescente da taxa de justiça referente à parte do valor em causa que excede os €275.000,00.»


X

A Fazenda, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.

X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

2.1. De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes.
1.   Em 31/05/1999 a Impugnante apresentou a sua declaração Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 1998 - cfr. fls. 23 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos.
2.   Na sequência da apresentação da declaração referida em 1. foi, através da Ordem de Serviço n.º 52.322, determinada a realização de acção inspectiva interna sobre a Impugnante relativamente ao exercício de IRC do ano de 1998 - cfr. fls. 33 a 37 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos.
3.   No âmbito do procedimento inspectivo referido em 2. foi elaborado o respectivo relatório final de inspecção - cfr. fls. 35 a 37 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos.
4.   No ponto “I - Análise ao reporte de prejuízos” do relatório referido em 3. consta o seguinte: “...Atendendo ao assunto em epígrafe, apresenta o sujeito passivo no quadro modelo 22 de IRC do exercício de 1998 as deduções de prejuízos fiscais no valor de 274.358.441$. Pela análise ao exercício de 1997 verificou-se terem sido absorvidos naquele exercício os reportes existentes, resultando matéria colectável. De referir que neste exercício a empresa pertencia ao grupo consolidado «M......., SGPS», tendo sido a correcção aos reportes de prejuízos comunicada à equipa a que pertence a empresa Mãe. A partir de 1998 a empresa deixou de pertencer ao grupo, estando sujeita ao regime geral de tributação. Do exposto há que corrigir os reportes de prejuízo utilizados pelo sujeito passivo, havendo lugar ao pagamento do imposto, correspondente à matéria colectável declarada de 247.358.441$...” - cfr. fls. 35 a 37 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos.
5.   Por referência às conclusões do relatório final de inspecção referidas em 4. foi emitida a liquidação de IRC n.º ........, relativa ao exercício de 1998, com o valor global de 511.537,46€ - cfr. doc. 3 junto com a petição inicial a fls. 33 dos presentes autos.
6.   A Impugnante no período compreendido entre 1993 e 1997 fez parte do grupo de sociedades dominado pela sociedade M......., SGPS, S.A. - facto não controvertido.
7.   A sociedade M......., SGPS, S.A. no período compreendido entre 1993 e 1997 encontrou-se submetida ao regime especial de tributação de grupos de sociedade para efeitos de IRC - cfr. fls. não numeradas do processo inspectivo junto aos presentes autos juntas na parte final do mesmo.
8.   No período compreendido entre 1993 e 1997 a Impugnante foi tributada em sede de IRC no âmbito e enquadrada no regime referido em 7. enquanto sociedade dominada - cfr. fls. não numeradas do processo inspectivo junto aos presentes autos juntas na parte final do mesmo.
9.   A acção judicial onde foi impugnada e judicialmente anulada a liquidação de IRC referente ao exercício do ano de 1993 foi apresentada pela sociedade M......., SGPS, S.A. - cfr. fls. 15 a 23 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.
10. A acção judicial onde foi impugnada e judicialmente anulada a liquidação de IRC referente ao exercício de 1995 foi apresentada pela sociedade M......., SGPS, S.A. - cfr. fls. 32 e 33 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.
11. As correcções à matéria tributável emergentes das anulações referidas em 9. e 10. foram realizadas pela Administração Tributária no grupo M......., SGPS, S.A. - cfr. fls. 32 e 33 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.
12. A sociedade M......., SGPS, S.A. absorveu os prejuízos declarados pela Impugnante e referidos em 4. no ano de 1997 - cfr. fls. 59 a 62 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.
13. Da liquidação referida em 5., a Impugnante apresentou reclamação graciosa - cfr. fls. 2 e 3 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos.
14. A reclamação referida em 13. foi objecto de decisão de indeferimento - cfr. fls. 45 a 48 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos.
15. Da decisão referida em 14. a Impugnante apresentou, em 10/09/2007 recurso hierárquico - cfr. fls. 3 a 8 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.
16. O recurso referido em 15. foi objecto de decisão de indeferimento - cfr. fls. 73 a 79 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.
17. A decisão referida em 16. foi comunicada à Impugnante através de carta registada com aviso de recepção, tendo este sido assinado em 10/10/2012 - cfr fls. 81 a 83 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.
18. A presente acção foi apresentada em 09/01/2013.

Factos não provados.

Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar como não provados.


X

Motivação da decisão sobre a matéria de facto.

A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no processo administrativo apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.


X

A recorrente censura a determinação da matéria de facto assente. Afirma que «em razão das decisões judiciais que anularam as correcções feitas pela AT aos exercícios de 1993 e 1995, “aumentou” o valor dos prejuízos reportáveis desses dois exercícios (1993 e 1995) e, também, do exercício de 1996, pelo que não se “esgotaram” esses prejuízos em 1997; // Assim, deve ser alterado o facto nº 12 considerado como provado, estabelecendo-se, ao invés, como provado que “a impugnante, em razão das decisões judiciais que anularam as correcções feitas pela AT aos exercícios de 1993 e 1995, tinha, no exercício de 1998, um reporte de prejuízos de €3.605.977,90, relativo ao exercício de 1995 e de €513.518,61, relativo ao exercício de 1996”».

Não lhe assiste, todavia, razão. A recorrente não observa o ónus de impugnação especificada da matéria de facto assente (artigo 640.º do CPC). Da matéria de facto assente resulta o seguinte:
No período compreendido entre 1993 e 1997 a Impugnante foi tributada em sede de IRC no âmbito e enquadrada no regime referido em 7. enquanto sociedade dominada (n.º 8).
A acção judicial onde foi impugnada e judicialmente anulada a liquidação de IRC referente ao exercício do ano de 1993 foi apresentada pela sociedade M......., SGPS, S.A. (n.º 9).
A acção judicial onde foi impugnada e judicialmente anulada a liquidação de IRC referente ao exercício de 1995 foi apresentada pela sociedade M......., SGPS, S.A. (n.º 10).
As correcções à matéria tributável emergentes das anulações referidas em 9. e 10. foram realizadas pela Administração Tributária no grupo M......., SGPS, S.A. (n.º 11).
A sociedade M......., SGPS, S.A. absorveu os prejuízos declarados pela Impugnante e referidos em 4. no ano de 1997 (n.º 12).

Por outras palavras, a recorrente pretende impugnar o quesito n.º 12. Esquece, todavia, o ponto 11 do probatório, o qual é concordante com o n.º 12, na medida em que as correcções à matéria colectável do grupo fiscal, impostas pelas decisões judiciais de anulação das liquidações (IRC de 1993 e 1995) foram incorporadas pela AT na determinação da matéria colectável do grupo, estando em causa o período relevante de 1993 a 1997. Pelo que os prejuízos declarados pela impugnante foram de facto absorvidos pela sociedade dominante, no período em causa.

A recorrente pretende ainda aditar ao probatório o elemento seguinte:

«a impugnante, em razão das decisões judiciais que anularam as correcções feitas pela AT aos exercícios de 1993 e 1995, tinha, no exercício de 1998, um reporte de prejuízos de €3.605.977,90, relativo ao exercício de 1995 e de €513.518,61, relativo ao exercício de 1996».

Sem embargo, tal aditamento não se mostra comprovado pelos elementos coligidos nos autos, para além de corresponder a asserção conclusiva, a qual, também por essa razão, não pode constar do elenco probatório.

Termos em que se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

19. Na sequência das correcções referidas em 11., a matéria colectável dos exercícios de 1993 e 1995, da sociedade dominante do grupo fiscal integrado pela impugnante foi corrigida em conformidade, tendo havido emissão de reembolso, em ambos os casos – fls. 32 do p.a.


X

2.2. De Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida, (i) seja na determinação da matéria de facto assente, (ii) seja na aferição do direito aplicável à causa.

2.2.2. A sentença julgou improcedente a presente impugnação, estruturando, em síntese, a fundamentação seguinte:
«(…) // Assim sendo, emerge já claro que a pretensão da Impugnante será de improceder. E isto tanto porque sendo os prejuízos cuja desconsideração nos termos de 4. dos factos provados sustenta a emissão da liquidação objecto dos presentes autos - 5. dos factos provados - referentes aos exercícios de 1993 e 1995, exercícios esses em que a Impugnante se encontrava submetida ao regime especial de tributação dos lucros de sociedades, enquanto sociedade dominada - cfr. 7. e 8. dos factos provados -, pelo que tais prejuízos teriam, por força do artigo 59º-A, nº 1 do CIRC, que entrar no cômputo e apuramento do lucro consolidado do grupo e ficando restrito a tal perímetro de consolidação com excepção de qualquer outro; como pela circunstância de tais prejuízos emergirem na decorrência de decisões judiciais em que se apresentou como impugnante da mesma a sociedade M......., SGPS, S.A. - cfr. 9. e 10. dos factos provados - enquanto sujeito passivo relativamente ao qual foram emitidas as liquidações em causa, e não a Impugnante, o que significa que mobilizando-se o regime dos efeitos retroactivos das invalidades, que impõe que em caso de anulação de acto administrativo- tributário (tal qual é o acto de liquidação) se ter de repor a situação que existiria caso o acto anulado não tivesse sido praticado, o que no caso das decisões judiciais que anularam as liquidações e originaram a existência e dedutibilidade dos prejuízos em causa nos presentes autos implica a conclusão de que os mesmos seriam dedutíveis nos exercícios de 1993 e de 1995, respectivamente, nos quais a Impugnante se encontrava incluída no regime especial de tributação de grupos de sociedades».

2.2.3. No que respeita ao alegado erro quanto ao direito aplicável, a recorrente invoca que: «Assente, sem qualquer dúvida, que, em razão das decisões judiciais, a recorrente tinha, no exercício de 1998, prejuízos reportáveis provenientes dos exercícios de 1995 e 1996, fica demonstrada a ilegalidade da liquidação aqui impugnada (IRC de 1998)»; ‘o juízo sobre a legalidade do acto aqui impugnado, tem de ser feito com base na fundamentação contemporânea do acto e esta foi a de que os prejuízos fiscais se tinham esgotado no exercício de 1997, pelo que já não havia prejuízos a reportar para o exercício de 1998»; «Como a própria AT veio, posteriormente, a reconhecer, essa fundamentação não corresponde à verdade porque, em razão das decisões jurisdicionais referentes aos exercícios de 1993 e 1995, havia prejuízos a reportar para o exercício de 1998».

Apreciação. A tese da recorrente reside em que, no exercício de 1998, em que não estava integrada no grupo fiscal, havia prejuízos a reportar, na sequência da anulação das correcções ao lucro tributável dos exercícios de 1993 e 1995.

Recorde-se que o regime de dedução dos prejuízos fiscais de sociedades tributadas no âmbito do lucro consolidado decorre do disposto nos artigos 65.º (“Regime específico de dedução de prejuízos fiscais”) e do artigo 47.º (“Dedução de prejuízos”), ambos do CIRC, versão vigente. Nos termos do artigo 65.º, citado, «[q]uando seja aplicável o regime estabelecido no artigo 63.º, na dedução de prejuízos fiscais prevista no artigo 47.º, observa-se ainda o seguinte: (…) // c) Terminada a aplicação do regime relativamente a uma sociedade do grupo, não são dedutíveis aos respectivos lucros tributáveis os prejuízos fiscais verificados durante os exercícios em que o regime se aplicou, podendo, porém, ainda ser deduzidos, nos termos e condições do n.º 1 do artigo 47.º, os prejuízos a que se refere a alínea a) que não tenham sido totalmente deduzidos ao lucro tributável do grupo». Nos termos do artigo 47.º/1, citado, «[o]s prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores».

No caso em exame, a impugnante fez parte do grupo fiscal, no período compreendido entre 1993 e 1997[1].

Do probatório resulta também o seguinte:
i) No período compreendido entre 1993 e 1997 a Impugnante foi tributada em sede de IRC no âmbito e enquadrada no regime referido em 7. enquanto sociedade dominada – (n.º 8).
ii) A acção judicial onde foi impugnada e judicialmente anulada a liquidação de IRC referente ao exercício do ano de 1993 foi apresentada pela sociedade M......., SGPS, S.A. – (n.º 9).
iii) A acção judicial onde foi impugnada e judicialmente anulada a liquidação de IRC referente ao exercício de 1995 foi apresentada pela sociedade M......., SGPS, S.A. – (n.º 10).
iv) As correcções à matéria tributável emergentes das anulações referidas em 9. e 10. foram realizadas pela Administração Tributária no grupo M......., SGPS, S.A. – (n.º 11).
v) A sociedade M......., SGPS, S.A. absorveu os prejuízos declarados pela Impugnante e referidos em 4. no ano de 1997 – (n.º 12).
vi) Na sequência das correcções referidas em 11., a matéria colectável dos exercícios de 1993 e 1995, da sociedade dominante do grupo fiscal integrado pela impugnante foi corrigida em conformidade, tendo havido emissão de reembolso, em ambos os casos (n.º 19).

 A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
a) «[A] opção pela tributação conjunta do grupo de sociedades em sede de imposto sobre o rendimento encontra-se fundamentada, num primeiro momento, no princípio da neutralidade na tributação dos rendimentos da actividade empresarial, na medida em que se defende que o sistema fiscal deve tributar o rendimento da mesma forma, independentemente da estrutura organizativa e da forma assumida pelas empresas no exercício da sua actividade. Visa-se, por este meio, que as soluções assumidas em matéria fiscal não condicionem as formas jurídicas adoptadas pelas empresas, aproximando a optimização dos lucros e as vantagens do investimento empresarial com os desvirtuamentos introduzidos por razões de natureza fiscal. Nesse sentido, justifica-se que, ao nível do grupo empresarial, seja dado o mesmo tratamento fiscal, em matérias de operações internas do grupo e de compensação de resultados negativos das sociedades integrantes, o qual se encontra reservado para as operações realizadas entre os vários sectores da mesma entidade jurídica»[2].
b) A consolidação do grupo de sociedades para efeitos fiscais não afasta os deveres declarativos e contabilísticos que recaem sobre cada membro do grupo, quer antes, quer durante a sua integração no perímetro de consolidação. // O regime de consolidação do grupo de sociedades não afasta o direito ao reporte de prejuízos que assiste a cada sociedade membro do perímetro, uma vez extinta a consolidação»[3].

Em face dos elementos coligidos nos autos, não se oferece procedente a pretensão da impugnante/recorrente. Os prejuízos em causa, logo após a correcção ao lucro tributável dos exercícios referidos, foram incorporados no lucro consolidado. Não assiste, assim, à contribuinte o direito ao reporte dos mencionados prejuízos. Este é o sentido da fundamentação do acto tributário, o qual corrigiu o lucro tributável da impugnante, no exercício de 1998, com base na observação de que os alegados prejuízos reportáveis já haviam sido absorvidos pelo grupo fiscal, pelo que não podiam ser invocados, de novo, pela impugnante, uma vez cessado o regime de tributação pelo lucro consolidado. A possibilidade de dedução de prejuízos reportáveis uma vez extinta a sujeição ao regime da tributação no âmbito do grupo fiscal pressupõe a demonstração de que tais prejuízos não foram absorvidos no lucro da sociedade dominante. O que não se comprova nos autos. Pelo que o acto tributário em apreço não enferma dos vícios que lhe são assacados.

Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

2.2.4. No que respeita ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. A este propósito, cumpre referir o seguinte.

Nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento»[4].

«A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes»[5].

Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for».

No caso em exame, o valor da causa corresponde a €511,537,45.

Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que o direito fundamental de acesso aos tribunais (art.º 20.º, n.º 1, da CRP) envolve «a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor) patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. A aferição da complexidade da causa deve ter em conta o disposto no artigo 530.º/7, do CPC. Assim, consideram-se de especial complexidade, as acções que: «a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou // c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas».

No caso em exame, os autos não preenchem nenhum dos requisitos enunciados com vista a aferir da especial complexidade dos mesmos. Por outras palavras, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual. Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final, em relação a ambas as partes.

Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP.

Termos em que se procederá no dispositivo.


DISPOSITIVO

Acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, sem prejuízo da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP, em relação a ambas as partes.

Registe.

Notifique.



O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso.


(Jorge Cortês - Relator)

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[1] N.º 6.
[2] Acórdão do TCAS, de 17/04/2012, P. 05315/12. No mesmo sentido, V. Diogo Feio, Regime de Tributação pelo lucro consolidado: Um exemplo de um benefício fiscal, in Estudos Comemorativos dos 20 anos da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Vol. I, 2017, pp. 347/358.
[3] Acórdão do TCAS, 04.06.2020, P. 1029/07.3BESNT.
[4] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
[5] Salvador da Costa, Regulamento das Custas…, cit., p. 236.