Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2291/15.3BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 01/09/2025 |
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Relator: | FILIPE CARVALHO DAS NEVES |
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Descritores: | REVERSÃO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO PRESUNÇÃO LEGAL DE CULPA CONSAGRADA NO ART.º 24.º, N.º 1, ALÍNEA B) DA LGT |
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Sumário: | I - Para se poder dizer que a ação ou omissão da Recorrida foi adequada à insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos exequendos, deve seguir-se o processo lógico da prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a ação se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo ex ante. II - No caso, a Recorrida, ao invés de alegar e provar factualidade que permitisse concluir que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários exequendos não resulta do incumprimento dessas disposições, limitou-se a demonstrar a existência de uma situação de dificuldades de tesouraria e a realização de algumas iniciativas ulteriores para acautelar a satisfação das dívidas apuradas, não dando conta, conforme devia, de quaisquer medidas concretas que a própria tenha adotado tendentes a obviar o incumprimento e falta de pagamento das dívidas executadas. III - Respeitando a dívida exequenda a retenções na fonte, as exigências de prova em casos como o dos autos são maiores, dado que há maior grau de censura associado ao seu não pagamento ao Estado. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO A Fazenda Pública veio apresentar recurso da sentença proferida em 05.01.2024 pelo Tribunal Tributário («TT») de Lisboa, que julgou procedente a oposição apresentada por M…, melhor identificada nos autos, ao processo de execução fiscal («PEF») n.º 3069201201096354 e apensos, contra si revertidos, instaurados originariamente contra a sociedade A…, S.A. (anteriormente designada por «M… – C…, S.A.»), para cobrança coerciva de dívidas provenientes de retenções na fonte de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares («IRS»), imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas («IRC») e Imposto do Selo, referentes ao exercício de 2012, no montante global de € 98.016,21. Nas suas alegações, a Recorrente formula as seguintes conclusões: «I - Pelo elenco de razões acima arroladas e com a ressalva da sempre devida vénia, imputa-se à douta Sentença a quo um erro de julgamento da matéria de fato, o qual ditou uma errada subsunção ao que se considera ser o direito aplicável, na medida em que violou o artigo 24º, n.º 1, alínea b), da LGT, ao determinar pela extinção, quanto à Oponente, dos processos executivos instaurados, por dívidas de IRC, IRS e Imposto de Selo (retenções na fonte), referentes ao período de 2012, contra a sociedade devedora originária. II - Em sentido contrário sustenta esta RFP que a Oponente não logrou ilidir a presunção de culpa prevista o artigo 24.º, n.º 1, alínea b), posto que não lhe bastava alegar que as dificuldades financeiras foram geradas por fatores externos tais como a conjuntura económica, devendo a falta de alegação e prova ser valorada contra os gerentes (veja-se neste sentido acórdão do TCA Norte de 2009/10/29 no âmbito do processo 00228/07.2BEBRG). III - No caso dos autos a devedora originária manteve-se, de forma reiterada a laborar, retendo imposto a terceiros seja IRS e IRC sem entregar aqueles valores nos cofres do Estado. IV - A conjuntura económica, nas suas palavras: “(a) entrada de novos concorrentes internacionais a partir de 2005, como o I… e a C…; o aumento da taxa de IVA para 23%;(…)”, constituem asserções vagas e genéricas que salvo melhor opinião, não afastam a presunção de culpa que a lei impõe à Recorrida, porque não são justificativas da conduta da sociedade devedora originária em não proceder à entrega dos impostos, para mais sendo retidos na fonte a terceiros. V - Resulta assim da factualidade dada como provada, que a Oponente, enquanto administradora, deu primazia aos pagamentos a outras entidades em detrimento da entrega do imposto retido nos cofres do Estado. VI - Ou seja, atenta a circunstância de estarem em causa dívidas provenientes de impostos retidos/cobrados e não entregues ao Estado, o facto de a sociedade devedora originária a partir de certo momento da sua actividade ter experimentado uma quebra na sua clientela, enfrentado uma crise económica e o aumento da concorrência, em nada permite justificar (desculpar) a sua falta de pagamento, antes traduzindo, à falta de melhor explicação, uma conduta reprovável do gestor na sua relação de confiança com o Estado. VII - Ora, relativamente a esses montantes de imposto retido na fonte a clientes nas operações comerciais praticadas, só pode concluir-se que o gerente/oponente deles se apropriou para uso indevido, pois não fez entrega desses montantes ao credor tributário. VIII – E ainda que por mera hipótese, se entenda como aceitável a afetação dos impostos retidos na fonte, a fins alheios ao seu destino legal (entrega nos Cofres do Estado), como seja o pagamento de salários; fornecedores estratégicos e bancos, apenas seria concebível tal afetação em situações excecionais, não como uma prática reiterada, como decorre do probatório fixado nos autos. IX - Concludentemente, considera a Fazenda Pública que douta sentença errou no seu julgamento, pois a Oponente/recorrida não logrou ilidir a presunção de culpa na falta de pagamentos dos tributos em causa nos PEF’s revertidos. X – Ao decidir de forma diversa, a douta Sentença a quo violou o disposto na alínea b) do art.º da LGT pelo que não se pode manter na ordem jurídica. Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.» * * * Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.* O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, porquanto a Recorrida não logrou ilidir a presunção de culpa consagrada na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da Lei Geral Tributária («LGT»). * III – FUNDAMENTAÇÃO III.A - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «1. A Oponente era a acionista principal da devedora originária no período a que se reporta a dívida exequenda. (cf. acordo). 2. Em 2001 a devedora originária teve algumas dificuldades financeiras. (cf. depoimento da testemunha). 3. Em 07/04/2004, a devedora originária remeteu uma exposição assinada pela Oponente à então Sra. Ministra das Finanças, requerendo, em síntese: «Imagem em texto no original» 4. Em data concretamente não apurada, a devedora originária remeteu ao então Secretário de Estado e dos Assuntos Fiscais uma exposição assinada pela Oponente, requerendo, em síntese: (cf. doc. 4 junto com a p.i.). 5. Em 22/09/2005 foi celebrado entre o Grupo M… e a AT, o IGFSS, I.P. e o IAPMEI, um acordo de regularização das dívidas consolidadas do grupo ao abrigo do procedimento extrajudicial de consolidação (PEC). (cf. docs. 5 e 6 juntos com a p.i.). 6. Entre dezembro de 2010 e dezembro de 2012 a devedora originária reembolsou empréstimos bancários no montante de € 16.770.931,00, e contraiu empréstimos no valor de € 8.140.000,00. (cf. docs. 7 e 8 juntos com a p.i.). 7. A partir do ano de 2011 a devedora originária deixou de conseguir cumprir todas as responsabilidades. (cf. depoimento da testemunha). 8. No exercício de 2012 a devedora originária faturou aproximadamente € 80.000.000,00, correspondendo esse valor a menos cerca de € 42.000.000,00 do que no exercício de 2011. (cf. doc. 9 junto com a p.i.) 9. No ano de 2012 o montante mensal referente a pagamentos de salários assumido pela devedora originária ascendia a € 1.229.869,83. (cf. doc. 10 junto com a p.i.). 10. A partir do ano de 2012 começou a existir um atraso no pagamento dos salários. (cf. depoimento da testemunha). 11. Em fevereiro de 2012, a devedora originária apresentou um segundo pedido de adesão ao PEC. (cf. doc. 11 junto com a p.i.). 12. Em 17/05/2012, foram instaurados contra a sociedade devedora originária, para cobrança de dívidas provenientes de IRS, IRC e Imposto de Selo (retenções na fonte), do período de 2012, no montante global de € 98.016,21, os PEF com os seguintes números: (cf. fls. 5 e ss. do PEF). 13. Em 06/07/2012, a devedora originária apresentou um pedido de pagamento da totalidade da dívida exequenda até 12 prestações mensais iguais e sucessivas, bem como de dispensa de prestação de garantia, tendo o primeiro sido deferido e o segundo indeferido. (cf. fls. 4-12 e 22-28 do PEF). 14. Em 08/02/2013, a Oponente, na qualidade de representante de C…, outorgou uma escritura de hipoteca voluntária unilateral do prédio urbano sito na R. B…, n.º …., em Santa Marta de Corroios, na Q…, C…, Seixal, a favor da AT e à ordem dos seguintes PEF: 3069201201189450, 3069201201212141, 3069201201226380, 3069201201226428, 3069201201230247, 3069201201236601, 3069201201240692, 3069201201215078, 3069201201226436 e 3069201201226444. (cf. doc. 12 junto com a p.i.). 15. A garantia referida no ponto anterior foi considerada idónea, mas insuficiente, tendo sido solicitado o seu reforço. (cf. doc. 13 junto com a p.i.) 16. Por ofício datado de 29/04/2013, foi a devedora originária notificada para proceder ao pagamento das prestações incumpridas, relativas ao plano prestacional autorizado pelo pedido a que se refere o ponto 11. (cf. fl. 66 do PEF). 17. Em 01/07/2014, a devedora originária remeteu um email à AT a solicitar “o levantamento das penhoras das contas bancárias de modo a conseguirmos que os bancos libertem o referido capital”; “garantir aos bancos que a AT não irá de imediato penhorar o valor que seria entregue à M…”, referindo, ainda, “para reforçar a garantia apresentada pela M… no âmbito do PER, juntamos em anexo cópia digitalizada do requerimento que enviamos na presente data ao Serviço de Finanças de Lisboa 1, no qual se apresenta em garantia os estabelecimentos comerciais”. (cf. doc. 14 junto com a p.i.). 18. A Oponente ofereceu imóveis próprios como garantia das dívidas da devedora originária. (cf. depoimento da testemunha). 19. A Oponente vendeu um imóvel próprio para tentar solver dívidas da devedora originária. (cf. depoimento da testemunha). 20. Em 22/08/2014, foi proferido despacho que determinou a preparação do PEF n.º 3069201201096354 e apensos para reversão contra a Oponente, ordenando a sua notificação para audição prévia, na sequência do que aquela apresentou requerimento exercendo tal direito. (cf. fls. 67-80 do PEF). 21. Em 30/10/2014, foi proferido despacho de reversão do PEF n.º 3069201201096354 e apensos contra a Oponente, o qual tem o seguinte conteúdo: «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» (cf. fls. 185-190 do PEF). * A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:«Inexistem factos não provados com interesse para a decisão.» * «Conforme especificado nos diversos pontos do probatório, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base na conjugação da prova testemunhal (cf. artigo 396.º do Código Civil) com a análise dos documentos constantes dos autos, não impugnados (cf. artigos 374.º e 376.º do Código Civil), e relativamente aos quais não existem razões para duvidar da respetiva veracidade. A única testemunha arrolada, M…, foi diretor-geral adjunto da M… entre 2001 e 2014, sendo responsável pelo planeamento e gestão da empresa, colaborando também com a área dos recursos humanos. A partir de 2012 era também o contabilista certificado responsável pelas contas da M…. Referiu, com relevância, que a partir de 2011 a sociedade deixou de conseguir cumprir todas as responsabilidades. Com muita relevância referiu que a Oponente ofereceu imóveis próprios como garantia para recuperar a empresa, bem como vendeu um imóvel próprio para solver dívidas societárias. O depoimento da testemunha mereceu a total credibilidade do tribunal, por se ter demonstrado isento, consistente, imparcial, sem exatidões ou incongruências.» * III.B De DireitoInsurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, concretamente em relação à ilisão pela Recorrida da presunção de culpa ínsita na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT. Vem a Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 3069201201096354 e apensos, defendendo, em suma, que a Recorrida não logrou alegar e provar factos que permitam afastar a aplicação da acima apontada presunção de culpa. Considera, por seu turno, o EMMP junto deste Tribunal que as conclusões recursivas devem ser julgadas improcedentes e, em consequência, deve ser mantida a sentença recorrida na ordem jurídica Vejamos, então. Importa, desde já, relevar que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no art.º 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento, alteração ou supressão ao probatório, apenas se limitando a convocar, ainda que genericamente, a existência de um erro de julgamento de facto, sem qualquer indicação clara e expressa dos factos que considera provados, nem o específico meio probatório em que sustenta o seu entendimento. Mais cumpre ressalvar, neste concreto particular, que não traduz qualquer impugnação da matéria de facto as alegações contempladas em I. das respetivas conclusões, desde logo, porque não basta à Recorrente defender, globalmente, que a decisão sobre a matéria de facto está incorreta, carecendo, como visto, de indicar que concretos pontos de facto estão incorretamente julgados, que concretos meios probatórios suportam esse entendimento e que concretos factos entendem que devem ser considerados provados ou não provados. E por assim ser, face ao supra expendido considera-se a matéria de facto devidamente estabilizada. Feito este breve introito, e mantendo-se, como visto, o probatório inalterado, há, então, que aferir da bondade da censura endereçada pela Recorrente na presente lide recursiva. Apreciemos. A Recorrente alega, em suma, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que não resulta provado, segundo entende, que a Recorrida não teve culpa na falta de pagamento dos créditos exequendos, concluindo, assim, que face aos elementos probatórios constantes nos autos a Recorrente não logrou ilidir a presunção legal de culpa consagrada no art.º 24.º n.º 1, alínea b), da LGT. E também assim o entendemos. Senão vejamos. In casu, é indisputada a administração de facto da executada originária por parte da Recorrida, defendendo, no entanto, que é parte ilegítima ao abrigo do art.º 24.º, n.º1, alínea b) da LGT, porquanto não lhe pode ser imputada a falta de pagamento das dívidas tributárias. Quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o art.º 204.º, n.º 1, al. b) do CPPT que a oposição pode ter como fundamento a «[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida». Encontramo-nos, assim, perante uma ilegitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda. Quanto à questão da legitimidade do responsável subsidiário encontramo-nos face a leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial. É, com efeito, pacífica a jurisprudência no sentido da aplicação a cada situação da lei que rege sobre o ónus da prova vigente no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, visto se estar perante norma de cariz substantivo e atento o princípio tradicional da não retroatividade da lei substantiva, consagrado no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil («CC»). Ora, no caso que agora nos ocupa, é aplicável o regime constante no art.º 24.º da LGT, que, no que importa, refere o seguinte no seu n.º 1: «[o]s administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.». O citado art.º 24.º da LGT consagra nas suas alíneas a) e b) uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre: (i) as dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cf. a parte final da alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT); (ii) as demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária («AT»), ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova da culpa dos mesmos na insuficiência do património social. No caso vertente, conforme resulta do recorte probatório dos autos, o despacho de reversão fundamentou-se na alínea b), do n.º 1, do art.º 24.º da LGT (cf. ponto 21. da factualidade provada), por estar assente e ser indisputado que a Recorrida exerceu funções de administradora da sociedade devedora originária, quer no período em que as dívidas se constituíram, quer no período em que se venceram, estando, por conseguinte, a Recorrida onerada com a respetiva presunção de culpa, imputando-lhe a falta de pagamento. Razão pela qual, compete, assim, apurar se a Recorrida logrou ilidir a presunção de culpa que sobre ela recai nos termos desta disposição legal, da qual resulta ser-lhe assacado o ónus da prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento. Dir-se-á, numa tentativa de densificar os contornos da ilisão da apontada presunção de culpa, que o que se presume é que o gestor não atuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial as contempladas no art.º 64.º do Código das Sociedades Comercias («CSC»), que lhe impõem a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. A culpa, aqui em causa, como também se encontra perfeitamente estabilizado pela jurisprudência (cf., entre muitos outros, o acórdão do STA de 08/11/2023, proc. n.º 0709/14.1BEALM, disponível em www.dgsi.pt), deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Como sublinha, a este respeito, a jurisprudência, a culpa «consiste na omissão reprovável de um dever legal de diligência, que é de aferir em abstrato, tendo como padrão o zelo do bónus pater familiae colocado na veste de um gerente competente e criterioso» (acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.10.2000, processo n.º 1564/98) e «afere-se em abstrato, pela diligência de um bom pai de família, operando com a teoria da causalidade, seguindo um processo lógico de prognose póstuma, por forma a averiguar se a atuação do gerente da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos fiscais» (acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12.10.2004, processo n.º 00081/04, disponível em www.dgsi.pt) Assim, «o ato ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. (…) Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável» (acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27.11.2014, processo n.º 06191/12, disponível em www.dgsi.pt). No mesmo sentido, pode ler-se no acórdão do STA de 11.7.2012, processo n.º 0824/11, disponível em www.dgsi.pt o seguinte: «I - O facto ilícito suscetível de fazer incorrer o gestor na responsabilidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa atuação conducente à insuficiência do património da sociedade. II - Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.». Sérgio Vasques, refere a este propósito que «ao impor ao gestor o ónus de provar que “não lhe foi imputável a falta de pagamento” o que se lhe exige, afinal, é que demonstre que não foi por culpa sua que o património da empresa se tornou insuficiente para satisfazer a dívida tributária» (Manual de Direito Fiscal, 2ª edição, pág. 407) e que «A ilicitude está, numa e outra disposições, não na mera falta de pagamento, mas na violação das normas dirigidas à protecção dos credores da empresa. E, numa e outra disposições, essa violação haverá de ser culposa também. Só assim faz sentido o conjunto do art. 24.º» (in “A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária”, Fiscalidade, n.º 1 (Jan.2000), pág.47-66). Regressando, então, agora ao caso dos presentes autos, e como acima já se apontou, tendo em conta a factualidade assente e o quadro normativo in casu aplicável, consideramos que a Recorrida não logrou provar que é parte ilegítima porquanto não ilidiu a presunção de culpa em causa, enfermando, por isso, a sentença recorrida do erro de julgamento que lhe vem assacado pela Recorrente. Senão vejamos. Da factualidade estabilizada nos presentes autos, ressalta, desde logo, que já desde 2004 a sociedade devedora originária revelava dificuldades no pagamento atempado dos impostos devidos, tendo apresentado requerimentos junto da Ministra das Finanças e do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais visando, além do mais, o pagamento das dívidas fiscais então apuradas, tendo também sido celebrado entre o Grupo M… e a AT, o IGFSS, I.P. e o IAPMEI, um acordo de regularização das dívidas consolidadas do grupo ao abrigo de procedimento extrajudicial de consolidação («PEC») (cf. pontos 3., 4. e 5. do probatório). O que não se sabe, porque não vem alegado, é o que, em concreto, motivou as dificuldades financeiras então registadas pela sociedade devedora originária para efetuar esses pagamentos, nem qual a situação patrimonial nessa data e a sua posterior evolução. E também não se sabe o que a sociedade devedora originária fez entre 2004 e 2012 (exercício a que respeitam as dívidas exequendas – cf. pontos 12. e 21. do probatório) para melhorar a sua situação financeira e patrimonial, conhecendo-se somente que em fevereiro de 2012 a devedora originária apresentou um segundo pedido de adesão ao PEC (cf. ponto 11. dos factos provados). Ou seja, sabe-se que a sociedade devedora originária se encontrava em dificuldades financeiras em 2012, como ressalta também da factualidade constante dos pontos 6. a 10., mas não foram alegados e provados factos que evidenciem os contornos concretos da atuação da Recorrida na condução dos destinos da sociedade devedora originária, e que são indispensáveis para que o Tribunal possa ponderar quanto à eventual censurabilidade da sua conduta. Com efeito, nada é dito quanto à gestão e administração da devedora originária que foi realizada pela Recorrida para ultrapassar as dificuldades financeiras então sentidas. Efetivamente, o que está em causa nos presentes autos é a culpa da Recorrida enquanto administradora da sociedade devedora originária, a qual, como visto, deve ser aferida pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, sendo, por isso, indispensável a alegação e prova de factos que revelem a gestão exercida por si. Como já se disse, no caso dos presentes autos, das alegações vertidas na petição inicial e da prova produzida nos presentes autos não se consegue descortinar minimamente a atuação da Recorrida para ultrapassar as vicissitudes sentidas pela executada originária, o que seria indispensável para ilidir a presunção de culpa no não pagamento dos créditos tributários exequendos, nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 24.º da LGT. Para este efeito, manifestamente, não é suficiente a alegação e prova da existência da difícil situação financeira vivenciada pela executada originária, sendo, pois, necessário que tivesse demonstrado que atos de gestão praticou, qual o seu objetivo, e quais os resultados obtidos, pois apenas com essa informação poderia o Tribunal apreciar a sua atuação enquanto administradora. E diga-se que apesar dos esforços envidados para satisfazer os créditos exequendos (após a instauração dos PEF objeto da presente oposição, a devedora originária apresentou em 06/07/2012 um pedido de pagamento da totalidade da dívida em prestações; em 2013, a Recorrida outorgou uma escritura de hipoteca voluntária unilateral sobre um prédio, à ordem dos PEF em causa; em 2014, a devedora originária solicitou à AT o levantamento das penhoras das contas bancárias, a fim de que os bancos libertassem o capital, e, bem assim, reforçando a garantia apresentada pela devedora originária no âmbito do PER, dando como garantia os estabelecimentos comerciais; a Recorrida ofereceu imóveis próprios como garantia das dívidas da devedora originária, e vendeu um imóvel próprio para tentar solver dívidas da devedora originária – cf. pontos 13., 14., 17., 18. e 19. do probatório), a verdade é que, por um lado, como se deixou dito, nada se sabe quanto à conduta da Recorrida como administradora nos exercícios anteriores a 2012 e, por outro, também não se sabe porque razão a sociedade devedora originária se encontrava numa situação financeira que não lhe permitia liquidar as dívidas em causa. De facto, sendo certo que esta factualidade assente nos autos é reveladora da preocupação da Recorrida em fazer face aos créditos exequendos, a verdade é que nada revela, per se, quanto à sua conduta enquanto administradora, em termos de adequação e causalidade com a falta de meios para proceder ao seu pagamento, o que é fundamental para afastar a presunção de culpa ínsita na alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT. Acresce que esta factualidade é, na sua esmagadora maioria, ulterior à data por referência à qual deve ser apreciado o pressuposto da culpa, em sede de reversão subsumível à al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT (2012 – cf. pontos 12. e 21. do probatório), não sendo por isso relevantes para efeitos de afastamento da apontada presunção. Pelo que não podemos concluir que a insuficiência do património da devedora originária não pode ser imputada à atuação da Recorrida, dado que, como acima se indicou, não ficou demonstrado que realizou as diligências que in casu se revelariam adequadas, razoáveis e lógicas para fazer face aos constrangimentos que assolavam a atividade da executada originária. E isto porque, o que releva e que importaria provar é que a Recorrida encetou todas as diligências e quais foram para proceder ao pagamento das dívidas fiscais pendentes, e não limitar-se a remeter para a conjuntura e para as consequências dela decorrentes, competindo-lhe fazer prova positiva de quais as ações em concreto desenvolvidas pela Recorrida enquanto administradora, nomeadamente se desenvolveu todos os esforços que lhe eram exigíveis e se empregou o melhor da sua experiência e conhecimento para ultrapassar tais dificuldades. E in casu, nada se alegou e provou quanto à desresponsabilização da Recorrida pela criação e manutenção de uma situação de crise financeira, que levou a que ficassem por pagar as dívidas em causa. Assim, é evidente que ficou por provar que não foi por culpa da Recorrente que os créditos fiscais não foram pagos. Acresce, outrossim, que integram as dívidas objeto de cobrança coerciva dívidas de retenção na fonte, logo a própria natureza das mesmas impõe uma densidade superior na ponderação da ilisão da culpa, na medida em que as quantias foram retidas e já se encontravam na posse da devedora originária, logo alocou-as, seguramente, para outros campos e circuitos financeiros. Com efeito, no caso das retenções da fonte, o substituto tributário é responsável por entregar ao Estado um montante de imposto que respeita a terceiro, sendo este o contribuinte (cf. art.º 20.º da LGT). Ao apropriar-se de um determinado valor, a título de imposto retido, e ao não o entregar ao Estado, o nível de censura é mais acentuado, justamente por representar a apropriação de um valor que não é seu e que devia simplesmente arrecadar e entregar à AT. Neste sentido, v., v.g., os acórdãos deste TCAS de 08/05/2019 (proc. n.º 911/13.3BELRA) e de 24/11/2022 (proc.º n.º547/17.0BELRS). Em face do exposto, conclui-se que do acervo probatório dos autos não é possível ilidir-se a presunção com a qual se encontrava onerada, não tendo sido feita prova positiva por parte da Recorrida que não atuou com culpa na falta de pagamento das dívidas objeto de cobrança coerciva. Destarte, estão, efetivamente, reunidos os pressupostos legais para responsabilizar a Oponente, ora Recorrida, pelo pagamento das quantias exequendas cobradas coercivamente no processo de execução fiscal n.º 3069201201096354 e apensos. E por assim ser, a decisão recorrida padece do erro de julgamento que lhe vem assacado, devendo, por isso, ser revogada, o que de seguida se decidirá. * IV- DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar improcedente a oposição apresentada. Custas pela Recorrida. Registe e notifique. Lisboa, 9 de janeiro de 2025 (Filipe Carvalho das Neves) (Susana Barreto) (Luísa Soares) |