Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1261/11.5 BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 12/06/2022 |
Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
Descritores: | REVERSÃO AUDIÇÃO PRÉVIA FALTA DE NOTIFICAÇÃO APROVEITAMENTO DO ATO |
Sumário: | I - Sendo a notificação remetida ao potencial revertido, para efeitos de exercício do direito de audição, devolvida ao remetente, com a indicação de “endereço incorreto ou insuficiente”, conclui-se que o seu destinatário não foi efetivamente notificado. II - Se tal circunstância se dever a qualquer lapso do distribuidor de correio postal, tal é irrelevante para os efeitos mencionados em I., não sendo compaginável fazer recair sobre o administrado as consequências de uma notificação não ter chegado ao seu conhecimento por motivos que lhe são alheios. III - A aplicação do princípio do aproveitamento do ato em situações de preterição do direito de audição em sede de reversão depende de um juízo de prognose póstuma, no sentido da inexistência de qualquer possibilidade de o que viesse a decorrer do exercício do direito de audição poder influenciar o conteúdo daquele ato. A preterição do direito de audição, em sede de reversão, implica a anulação do despacho de reversão, por omissão de formalidade essencial, e conduz à absolvição do oponente da instância executiva. |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 29.06.2018, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por E… (doravante Recorrido ou Oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 1520200501098829 e apenso, que o Serviço de Finanças (SF) de Loures 1 lhe moveu, por reversão de dívidas de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), atinentes aos exercícios/anos de 2002, 2004 e 2005, da devedora originária B…, Lda. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “I – Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalvado melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” ao julgar procedente o pedido formulado pelo oponente, lavrou em erro na fixação dos factos e fez uma incorrecta interpretação da lei, sofrendo de deficit instrutório, erros de julgamento de facto e de direito. II – De um modo geral, a questão a apreciar consiste em saber se o acto de reversão em crise, deve ou não manter-se na ordem jurídica, tal como configurado nos autos tendo em conta o princípio do aproveitamento do acto, o qual tem aplicação e pleno acolhimento pela jurisprudência quando seja legítimo concluir casuisticamente que, embora se admita que o ato padece de algum vício, outra decisão não poderia tomar a administração. III – Ora, não nos podemos conformar com a decisão que entende que o acto de reversão não pode manter-se porquanto “a falta de conhecimento do teor do despacho de projecto de reversão e, consequentemente a falta de notificação para o exercício do direito de audição, da falta de prova de que a carta referida no probatório tenha sido recebida pelo destinatário conforme consta do registo dos CTT correspondente ao RM 5823 4042 1 PT, já que o meso foi devolvido. IV – Pelo Tribunal a quo foi delimitado o thema decidendum como sendo o que respeita à apreciação da legalidade do próprio despacho de reversão, uma vez que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão no processo de execução e, é o despacho de reversão o ato capaz de atribuir legitimidade à pessoa citada. V- Nessa senda, foi entendido que o oponente é parte ilegítima na execução, face à verificada ilegalidade do despacho de reversão, por violação do direito de audição (art. 23.º n.º 4.º e 60.º da LGT). E que, sendo ilegal o despacho de reversão deve o mesmo ser anulado o que acarreta a anulação subsequente de todos os actos que dele decorrem (art. 201.º n.º 2 do CPC “ex vi” da al. e) do art. 2.º do CPPT) e, torna o Oponente parte ilegítima na execução. VI - Quanto aos factos não provados resultam os primeiros, relativos à falta de conhecimento do teor do despacho de projecto de reversão e consequentemente a equivalência de tal à falta de notificação para o exercício do direito de audição, por via da falta de prova de que a carta referida no probatório tenha sido recebida pelo oponente. VII – Sublinhe-se que não foram juntos quaisquer documentos probatórios pelo oponente. VIII – Ora, não nos podemos conformar com a decisão recorrida desde logo e em primeiro lugar quanto à preterição e efeitos do direito de audição prévia, no sentido de que a reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário deve ser infalivelmente precedida de direito de audição, nos termos do n.º 4 do art.º 23.º da LGT. Isto porque o oponente, foi através do registo dos CTT correspondente ao RM 5823 4042 1 PT, notificado para que exercesse o direito de audição. Tal notificação onde consta impresso o registo em causa, encontra-se junto aos autos endereçada ao oponente e, dirigida para a morada PQ R… – LT … – 2… – ST ANT C… – 2670-000 SANTO ANTONIO CAVALEIROS. Ora não se conclua que essa morada tem endereço incorrecto ou insuficiente pois como é de conhecimento do OEF, tal endereço é exactamente o mesmo para o qual foi dirigida uma citação a qual foi entregue e recepcionada em 26/04 desse ano, nessa mesma morada (PQ R… DO ALMIRANTE – LT … – 2… – ST ANT CAVALEIROS – 2670-000 SANTO ANTONIO CAVALEIROS), ou seja mediado pouco tempo. IX - Ora a partir daí, face ao tipo de notificação prevista na lei para a prática de tal acto, salvo melhor entendimento, encontra-se cumprido o ónus da AT. Em face do direito de audição reconhecido aos responsáveis subsidiários no n.º 4 do art.º 23.º, que abrange a possibilidade de estes se pronunciarem não só sobre os seus pressupostos, mas também sobre a sua extensão, a informação sobre as quantias por que responde cada um deles, prevista neste artigo, deverá ser obtida antes da respectiva notificação, a efectuar através de carta registada a enviar para o domicílio do responsável subsidiário, nos termos do art.º 60.º n.º 4 da LGT. Ora, salvo melhor entendimento, nenhum destes núcleos protegidos pelo legislador através da concretização do direito de audição – indagação sobre os pressupostos da reversão, mas também sobre a sua extensão, a informação sobre as quantias por que responde cada um dos revertidos, foi posto em crise nos presentes autos. X - E, a partir deste ponto, em que concluímos que o direito de audição é uma mera faculdade do contribuinte e, que essa notificação foi intentada pela AT através de correio registado com o n.º RM 5826 4044 9 PT, importaria demonstrar até que ponto seria o direito de audição importante para que a decisão do órgão de execução fiscal fosse outra, face ao princípio do aproveitamento do acto, o qual tem aplicação quando seja legítimo concluir casuisticamente que, embora se admita que o ato padece de algum vício, outra decisão não poderia tomar a administração. XI - Neste sentido, a douta decisão proferida pelo TT, veio examinar a legitimidade do oponente dando como “não provado que o Oponente tenha exercido as funções administração ou gestão da sociedade devedora originária e, consequentemente que, tenha tido culpa na frustração do património da mesma para fazer face aos créditos tributários.”. Todavia, somos levados a afirmar que o probatório padece de insuficiência e que enferma de análise crítica porque os factos, os elementos de prova constantes nos autos: facturas, contratos e cheques assinados pelo Oponente, teriam que merecer outra solução de direito. XII - Ou seja, fazendo um juízo de prognose póstuma e no que respeita ao facto de se ter dispensado a prova testemunhal, já que também não foram juntos quaisquer outros documentos probatórios, não obstante a oposição ter ainda como fundamento a alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, para que se visse consagrada a igualdade de meios processuais, tal dispensa deveria ter sido colmatada ex offício pelo douto areópago, até ao abrigo do princípio do inquisitório, já que, como foi decidido no processo 1289/11.5BELRS, da 2.ª U.O. do TT, onde era oponente A…, igualmente revertido por dívidas da devedora originária “B…, Lda, ficou decidido que (à semelhança do que aconteceu no processo n.º 1288/11.7BELRS) quem era o gerente de facto, quem assinava cheques e comparecia nas obras desenvolvidas pela empresa era o fundamentado. O certo é que o oponente não logrou provar não lhe ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo. XIV - Sublinhe-se contudo que a imputação da fundamentação legal, estando directamente ligada ao período do exercício do cargo, não se extraindo directamente do despacho de reversão, infere-se do restante contexto fundamentador do despacho de reversão porque aí consta, o período em que o revertido exerceu a gerência da sociedade devedora originária, respondendo-se assim à seguinte questão – se no período da constituição das dívidas, se no período do pagamento ou entrega do tributo, se em ambos os períodos, ainda que por remissão para a certidão permanente: “Gerente conforme certidão permanente.”. XV - Neste seguimento, há que avocar à colação o acórdão proferido pelo STA em 14/02/2013, no proc. N.º 0642/12, dado que na situação aí prevista, constava de documento que instruíra o procedimento de reversão que, os revertidos sempre tinham sido os únicos gerentes da sociedade desde a sua constituição, não subsistindo qualquer dúvida de que haviam exercido a gerência nos dois momentos a que se referem as alíneas a) e b) do nº 1 do art.º 24.º da LGT, tal como é o caso dos autos. XVI - Pelo que, atendendo ao efectivamente demonstrado supra, salvo o muito devido respeito, o douto Tribunal “ad quo”, não fundamentou a sua decisão conforme ao direito e à lei, violando as normas legais citadas, nomeadamente o princípio de aproveitamento do acto tributário e o princípio da verdade material. Neste sentido os acórdãos do STA n.º 0760/15 de 08.07.2015 e 01391/14 de 25.06.2015 e 01374/13 de 15.10.2014 e acórdão proferido pelo TCAN no proc. 00462/2000 – Coimbra, 22.06.2011, entre outros. Porém, V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”. O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: “1. A recorrente começa por referir que o Oponente não juntou qualquer documento probatório, dando a entender que este é o único fundamento da oposição. 2. O recorrido juntou um documento com a oposição e juntou documentos com o requerimento remetido 17/01/2012, fl. 113. 3. Face ao exposto, esta alegação da recorrente é desprovida de fundamento devendo ser afastada pelo Tribunal superior. 4. No entender da recorrente, tendo ela junto um código de barras dos CTT e uma suposta cópia da notificação deve ser dado como provado que o recorrido foi legalmente notificado. 5. A recorrente não juntou o registo dos CTT, nem o aviso de receção. 6. Ainda que estes documentos não fossem necessários para provar a notificação, existe nos autos um documento dos CTT a referir que a notificação não foi feita porque o endereço está incorreto ou insuficiente (fl. 113). 7. Documentalmente está demonstrado o motivo da não receção – endereço incorreto ou insuficiente. 8. O recorrido não sabe se a culpa é da AT ou dos CTT, nem tem de saber. 9. Uma coisa é certa, a carta não chegou ao seu destino porque os CTT informaram que o endereço está incorreto ou insuficiente. 10. A notificação não foi feita por culpa da AT ou dos CTT, não tendo o recorrido em nada contribuído para tal omissão. 11. Cabe à Administração Tributária o ónus de comprovar que efetuou a notificação em observância dos requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais aplicáveis (art. 74º, n.º1 da LGT). 12. E aqui falece toda a argumentação da recorrente porque face ao documento dos CTT, a notificação regular não ocorreu. 13. Ainda no que diz respeito a este fundamento de recurso, a recorrente apela à aplicação da teoria do aproveitamento do acto, como se o não cumprimento da audição prévia, no caso em concreto fosse inútil. 14. Em primeiro lugar, o dever de audição prévia é um direito constitucional (art. 267º, n.1 da CRP), cujas limitações estão expressamente previstas no art. 60º, n.º2 da LGT. 15. A dispensa de audição prévia nos casos de reversão fiscal não está prevista na norma atrás citada. 16. Por conseguinte, a admissão da sua não realização é violadora do art. 267º, n.º1 da CRP, do art. 60º, n.º2 da LGT e do art. 23º, n.º4 da LGT. 17. Em segundo lugar o processo de execução fiscal tem natureza judicial (art. 103º, n.º1 da LGT). 18. Porquanto não se pode aqui aplicar a teoria do aproveitamento dos actos administrativos. 19. Em terceiro lugar, o princípio do aproveitamento do acto administrativo apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente ou se trate de atividade administrativa vinculada, não se vislumbrando a mínima possibilidade de a audição poder ter influência sobre o conteúdo da decisão. 20. No caso em concreto não está em causa uma atividade vinculada nem uma solução legal evidente, pelo que não é de aplicar o princípio do aproveitamento do acto. 21. Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, «deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência». 22. Da decisão de reversão não consta qualquer facto revelador da gerência de facto do Oponente. 23. Pelo que, dependendo a reversão da gerência efetiva, não existindo qualquer indício disso, nem tendo a AT invocado qualquer facto revelador disso, a decisão de reversão padece de falta de fundamentação (art. 268º, n.º3 da CRP) 24. A AT não alegou no despacho de reversão, nem na contestação, qualquer facto revelador da suposta gerência de facto do responsável subsidiário, devendo contra si ser valorada a manifesta falta de prova. 25. Pretende a recorrente que seja admitida a fundamentação do despacho de reversão com base em elementos que não constavam do processo executivo e com base em elementos agora invocados em sede de recurso, o que nunca antes fez e por isso também não foi alvo de apreciação pela sentença em recurso. 26. Começamos por indagar quais as faturas, contratos ou cheques que constam nos autos e que deveriam ser valorados. 27. Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, b), do CPC, designadamente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas constam supostamente dos autos e seja possível a identificação precisa. 28. A omissão desse ónus, imposto pelo nº 2, b), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se satisfaz com a menção de que os documentos constam do processo. 29. Face ao incumprimento do disposto no art. 640º, n.º1, al. b) do CPC deve o recurso, também nesta parte, ser indeferido. 30. Em segundo lugar, é agora invocado o processo n.º1289/11.5BELRS que correu na 2ª UO do Tribunal Tributário de Lisboa (conclusão XII da Recorrente). 31. No processo judicial citado pela recorrente o recorrido não foi parte, desconhecendo todo o seu conteúdo, impugnando-se por isso a alegação que só agora é invocada em sede de recurso. 32. Ainda assim, o caso julgado incide sobre a decisão e não abrange os fundamentos de facto, conforme orientação doutrinária e jurisprudencial prevalecente. 33. Acresce que, esta alegação não foi acompanhada de qualquer meio probatório, devendo por isso ser rejeitada. 34. Em terceiro lugar, os factos relativos aos supostos documentos assinados pelo Oponente não foram invocados no despacho de reversão, nem na contestação da AT. 35. Na verdade só agora em sede de recurso são invocados tais factos, sem qualquer concretização. 36. A deficiente fundamentação não pode ser efetuada à posterior, antes se impondo a sua concretização no próprio acto de reversão, de forma a que o seu destinatário possa perceber e defender-se de cada um dos respetivos segmentos que lhe são desfavoráveis, sendo para isso imprescindível que lhe seja dada a conhecer a factualidade subjacente ao acto praticado. 37. Não é admissível a fundamentação “a posteriori”, que em regra se mostra suscetível de colidir com a estabilidade dos interesses particulares (Cfr. Vieira de Andrade, ob. cit., p.299; Ac. TCA de 07.10.1999, in “Antologia de Acórdãos do STA e do TCA”, Ano III, nº1, p.247 e ss.), pelo que em princípio não deve ser aceite que só agora, em sede de recurso, o oponente venha a ter conhecimento dos fundamentos omitidos. 38. A AT pretende em sede de recurso sanar um vício de fundo. 39. Ora, a p.i. foi elaborada em função dos vícios do acto. 40. A prova foi indicada na p.i. em função do acto impugnado. 41. O recorrido não tem um meio judicial que lhe permita defender-se, em toda a plenitude, em sede de recurso, desta fundamentação subsequente, que nunca antes foi invocada. 42. Admitir esta fundamentação subsequente, em sede recurso, como pretende a AT configura uma violação dos direitos de defesa do Oponente (art. 2º e art. 268º, n.º4 da CRP), do princípio do contraditório (art. 2º, da CRP, art. 3º do CPC ex vi art. 2º, al e) do CPPT) do princípio da igualdade (art. 13º da CRP, art. 6º da CEDH, art. 3ºA do CPC e art. 98º da LGT) e do próprio dever de fundamentação (art. 268º, n.º3 da CRP). 43. Por fim, a recorrente invoca o princípio do inquisitório no sentido de que o Tribunal deveria ter efetuado diligências probatórias no sentido de indagar se o Oponente era, ou não, o gerente de facto do devedor originário. 44. No entanto, o poder/dever de investigação do Tribunal está limitado aos factos alegados pelas partes ou que, oficiosamente, seja lícito ao juiz conhecer (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.T.). 45. Ora se a recorrente nada alega sobre a gerência de facto não pode pedir que seja o Tribunal a substitui-la no dever de alegar e indicar os meios probatórios. 46. Mais, não é lícito, conhecer de factos ao abrigo do princípio do inquisitório que consubstanciem fundamentação a posteriori do acto tributário. Subsidiariamente, 47. A procedência do recurso, o que só se admite por dever de defesa, implicaria sempre a apreciação dos demais vícios imputados ao despacho de reversão na Oposição, os quais não foram apreciados em virtude da procedência da violação do direito de audição, nomeadamente: ilegitimidade, nulidade, caducidade das liquidações, prescrição das liquidações e falta de fundamentação. Nestes termos e nos demais de direito, deve o recurso ser julgado improcedente e mantida a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo”. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa de vistos (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) Há erro de julgamento, quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto? b) Há erro de julgamento, em virtude de se poder concluir que o Recorrido foi cabalmente notificado para efeitos de exercício do direito de audição em sede de reversão e que, de todo o modo, sempre seria de apelar à teoria do aproveitamento do ato?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “A) Pelo Serviço de Finanças de Loures - 1, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 1520200501098829 a que foi apensado o processo n.º 1520200601095978, contra a sociedade B…, Lda., visando a cobrança coerciva de € 12.269,07 relativo a créditos de IRS e IRC respeitantes aos exercícios de 2002, 2204 e 2005 – cf. fls. 21 a 45 dos autos; B) Do Registo Comercial da executada constam como sócios o oponente e A… ambos designados gerentes designados desde 24/9/1996 data da constituição da sociedade nomeação que se manteve pelo menos até 1/3/2011 obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente – cf. fls. 34 e sgs dos autos; C) O Oponente assinou, mencionando a qualidade de gerente as facturas n.º 690, 699, 704 de 2001 - f. fls. 72 a 77; D) No âmbito da referida execução fiscal, em 7/3/2011 foi ordenada a audição prévia do oponente invocando-se o seguinte: “Face às diligências de fls., determino a preparação do processo para efeitos de reversão da(s) execuções(ões) contra E… (…)na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada (…)” – cf. fls. 39; E) A 18/3/2011 foi enviada carta registada com o n.º de registo RM 582340421PT notificando o Oponente para audição prévia constando sobre o objecto e função da notificação o seguinte:“(…)por despacho de 7/3/2011 determinei a reparação do processo para efeitos de reversão da(s) execução(ões) fiscal(ais) infra indicada(s) contra V. Exª, na qualidade de responsável subsidiário. Face ao disposto nos normativos do nº 4 do Artº 23º e Artº 60º da Lei Geral Tributária, fica notificado(a) para, no prazo de 15 dias a contar da presente notificação, exercer o direito de audição prévia para efeitos de avaliação da prossecução ou não da reversão contra V. Exª.” – cf. fls. 38 dos autos; F) A referida carta foi devolvida ao seu remetente - cf. fls. 41; G) A 7/9/2006 na execução fiscal identificada em A), foi lavrada a seguinte informação: “Nos presentes autos (…) que correm contra B…, Lda, verifica-se que o património societário está exaurido, sendo de momento inexistente, conforme resulta dos documentos juntos aos autos. Da certidão do registo Comercial da sociedade, resulta que no período a que as dívidas respeitam, a gerência foi exercida por: (…) R… Obrigando a sociedade com a assinatura de ambos os sócios gerentes. Por despacho do Chefe destes Serviços de Finanças, a fls. 63 a 66, foram os gerentes supra mencionados notificados para o exercício do direito de audição prévia. (…) Ambas as notificações foram entregues. Sendo a gerência exercida por ambos os sócios gerentes acima referenciados, tendo o prazo legal para o pagamento das várias dívida tributárias terminado no período do exercício dos seus cargos, a responsabilidade dos acima referenciados é efectuada nos termos do artº 24º nº 1, alínea b) da LGT. Cabendo assim aos gerentes efectuar prova de que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…) -cf. fls. 44 dos autos; H) Por despacho de 11/4/2011 foi proferido o seguinte despacho: “Face às diligências de fls. (…), e estando concretizada a audiência do(s) responsável(eis) subsidiário(s) prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra E…, contribuinte n.º 17……., morador em PQ R……… – LT … – 2… – ST ANT CAVALEIROS – 2670-000 SANTO ANTONIO CAVALEIROS, na qualidade de Responsável Subsidiário, pela divida abaixo discriminada. (…)FUNDAMENTOS DA REVERSÃO I) Dos Administradores, directores, ou gerentes e outra pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para pagamento, quando o facto constitutivo da divida se verificou no período do exercício do cargo [art. 24º/nº 1/a LGT] ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para pagamento, quando o facto constitutivo da divida se verificou no período do exercício do cargo [art. 24º/nº 1/a LGT], não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT]. Não foram localizados bens da executada. Desconhece-se se a executada se encontra a laborar no local, encontra-se cessada em sede de IVA desde 2008.08.26, conforme Auto de Diligências. Gerente conforme Certidão Permanente. (…)”. » – cf. fls. 42 dos autos; J) O Oponente foi citado em 26/4/2011 – cf. fls. 45”.
II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “Dos autos não resulta provado que: I. O Oponente tenha tido conhecimento do teor do projecto de despacho de reversão enunciado na alínea E), do probatório; II. Tenha chegado ao conhecimento do Oponente a carta a que se refere na alínea F), do probatório”.
II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. Quanto aos factos não provados resultam, da falta de conhecimento do teor do despacho de projecto de reversão e consequentemente a falta de notificação para o exercício do direito de audição, da falta de prova de que a carta referida em E), do probatório tenha sido recebida pela destinatária conforme consta do registo dos CTT correspondente ao RM 582340421PT, já que dos elementos de prova constantes dos autos resultou demonstrado que a carta foi devolvida ao seu remetente”.
II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração(1). Nesse seguimento, é alterada a redação do facto F) transcrito supra, que passará a ser a seguinte: F) A referida carta foi devolvida ao seu remetente, tendo sido indicado pela empresa distribuidora de correio postal como motivo “endereço incorrecto ou insuficiente, Devolvido” - cf. fls. 41.
II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto Entende, desde logo, a Recorrente que a decisão proferida sobre a matéria de facto padece de erro. Assim, ao longo das suas alegações, refere que não foram juntos quaisquer documentos probatórios pelo Oponente e que a notificação foi remetida para o mesmo endereço da citação, tendo esta sido recebida. Refere ainda que, dos elementos de prova constantes dos autos, resulta provado que o Recorrido foi gestor de facto da sociedade devedora originária. Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão(2). Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC]; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC]. Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC: “2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados(3). Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus não foram cumpridos. Com efeito, a Recorrente não explana, nos termos exigidos, que factos entende que deveriam ser dados como provados, que factos considerados provados ou não provados pelo Tribunal a quo deveriam ter sido suprimidos ou alterados e que concretos elementos probatórios sustentam a sua posição. Como tal, rejeita-se o recurso nesta parte.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Do erro de julgamento Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, da prova produzida, resulta que o Recorrido foi notificado para o exercício do direito de audição e que, de todo o modo, sempre seria de apelar à teoria do aproveitamento do ato. Antes de mais, cumpre fazer algumas observações prévias, relativas a aspetos que não irão ser conhecidos nos presentes autos, por não terem relação com o decidido. No entanto, tratando-se de aspetos que constam das alegações formuladas, cumpre explanar: a) Ao contrário do referido pela Recorrente na conclusão XI, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a legitimidade do Oponente, enquanto gestor de facto. Aliás, da matéria de facto não provada nada consta quanto a esse aspeto, ao contrário do alegado. Portanto, carece de relevância o constante das demais conclusões associadas a tal facto não provado, que, na verdade, inexiste; b) Não foi apreciada a falta de fundamentação pelo Tribunal a quo, pelo que carecem de relevância as conclusões XIV e XV, sendo apenas tal matéria eventualmente conhecida se o recurso foi julgado procedente e caso o TCAS disponha de elementos para conhecer em substituição. Feita esta circunscrição, passemos, então, à apreciação do recurso. O direito de audição prévia decorre do desiderato constitucional consubstanciado no direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes disserem respeito, consagrado no art.º 267.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Como referido por Pedro Machete («A Audição Prévia do Contribuinte», Problemas fundamentais do Direito tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 322): “A audição prévia do contribuinte visa garantir a defesa dos interesses destes perante o Fisco e a valoração dos factos tributáveis de acordo com o princípio da verdade material. Consequentemente, o seu único pressuposto positivo é a previsão de uma decisão da Administração fiscal desfavorável aos interesses do contribuinte. Perante tal hipótese, quis o legislador que fosse dada ao contribuinte a possibilidade de criticar o entendimento já assumido pela Administração”. É neste contexto que surge o art.º 23.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT), nos termos do qual “[a] reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação”. Como referido por José Maria Pires (coord.), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes (Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 201): “A lei exige que o acto de reversão seja precedido de audição prévia dos responsáveis subsidiários, mesmo nos casos em que, sobre eles, impenda uma presunção legal de culpa, prevista na alínea b) do número 1 do artigo 24º da LGT. Essa exigência deve-se à natureza excepcional e meramente subsidiária da responsabilidade tributária contemplada no artigo 23º. A administração tributária tem, por conseguinte, a obrigação legal de notificar os responsáveis do projecto de reversão, dando-lhes a conhecer quais as dívidas que virão eventualmente a ser imputadas, bem como as disposições legais em que se baseia para promover a reversão”. Atento o disposto no art.º 60.º, n.º 4, da LGT, a notificação para o exercício do direito de audição deve ser efetivada através de carta registada. Feito este introito, cumpre apreciar. In casu, como resulta da matéria de facto provada, foi emitido um ofício pelo órgão de execução fiscal (OEF), com vista à notificação do Recorrido para efeitos de direito de audição [cfr. facto F)], remetido via correio postal registado, com o número de registo RM 582340421PT. Ficou igualmente provado que tal ofício foi devolvido ao remetente, com a menção “endereço incorrecto ou insuficiente”. Este circunstancialismo fático é o suficiente para se concluir que o Recorrido não foi efetivamente notificado para o exercício do direito de audição, em sede de reversão. Com efeito, a presunção de notificação prevista no n.º 1 do art.º 39.º do CPPT, aplicável aos casos em que a notificação é feita através de carta registada, como é o caso (cfr. art.º 60.º, n.º 4, da LGT), apenas vale quando a mencionada notificação não tenha sido devolvida [cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.03.2021 (Processo: 0435/16.7BELLE) e jurisprudência no mesmo citada], o que claramente não é o caso dos autos, no qual não só se sabe que a notificação foi devolvida, como o foi com a menção de a morada estar incorreta. Se essa morada, na verdade, estava correta, como resulta do facto de a citação ter sido feita para a mesma, trata-se de circunstância que é alheia ao Recorrido, respeitando exclusivamente à relação da Recorrente com os serviços de distribuição postal. O que não é compaginável é fazer recair sobre o Recorrido as consequências de, bem ou mal, uma determinada notificação não ter chegado ao seu conhecimento por motivo que não lhe é imputável, considerando-o notificado. Portanto, nada há a apontar ao decidido, no sentido de se concluir que não foi efetivada a notificação do Recorrido para efeitos do exercício do direito de audição. Cumpre, então, aferir se esta irregularidade é ou não invalidante, considerando a teoria do aproveitamento do ato. A teoria do aproveitamento do ato há muito é acolhida entre a doutrina e a jurisprudência e atualmente até objeto de positivação legal (cfr. art.º 163.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo). Nos termos da mencionada teoria, verifica-se uma inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma. Assim, quando em relação a um determinado ato, que padeça de ilegalidade formal ou externa, se possa afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto, a essa invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado(4). No entanto, apenas casuisticamente se consegue aferir se o ato teria o conteúdo que teve, mesmo sem a irregularidade praticada. Como se refere no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.01.2014 (Processo: 0441/13) “[P]orque a audiência dos interessados se destina essencialmente a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito, contribuindo para o cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade dessa decisão, a menos que seja manifesto que a decisão viciada só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto. Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur. O que exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso” [v. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03.02.2019 (Processo: 01437/14.3BELRS 0304/18)]. Ora, in casu, não se pode concluir, com o grau de certeza exigível, que a decisão que o OEF tomaria seria exatamente a mesma que tomou, caso o Recorrido tivesse exercido o seu direito de audição. Com efeito, não é possível antecipar que argumentos ali seriam suscitados e que prova ali seria produzida. Aliás, sublinhe-se que a Recorrente, centrando-se apenas no requisito da gestão de facto, no fundo considera que tal requisito se verifica e que tal é suficiente para se concluir pela possibilidade do aproveitamento do ato. No entanto, a Recorrente não teve em consideração todos os demais pressupostos da reversão (desde logo a culpa e a inexistência ou fundada insuficiência do património da devedora originária). Ou seja, ainda que estivesse sedimentada, in casu (e não está), a questão atinente ao efetivo exercício de funções de gestor, os requisitos da reversão são mais amplos e, naturalmente, o exercício do direito de audição pode focar qualquer um deles. Acrescente-se que a prova produzida ou não produzida em sede judicial é irrelevante para este efeito, no caso em concreto, justamente por não ser antecipável o que viria a ser invocado pelo Recorrido em sede de direito de audição. Assim, não é possível aqui apelar à teoria do aproveitamento do ato. Como tal, não assiste razão à Recorrente. Uma palavra final se impõe, considerando a conclusão V. Ao contrário do que dela se extrai, o Tribunal a quo não considerou, no segmento decisório, o Oponente parte ilegítima na execução. Com efeito, o segmento decisório foi no sentido da anulação do despacho de reversão. No entanto, é certo que, na fundamentação de direito, o Tribunal a quo afirma que a preterição do direito de audição comporta a anulação do despacho de reversão e “torna o Oponente parte ilegítima na execução”, o que, apesar de não constar do segmento decisório, pode comportar dúvidas interpretativas deste mesmo segmento. Ora, como é entendimento pacífico, a preterição do direito de audição, em sede de reversão, implica a anulação do despacho de reversão, por preterição de formalidade essencial, e conduz à absolvição do oponente da instância executiva [v., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.01.2021 (Processo: 02402/14.6BESNT) e de 22.04.2015 (Processo: 0511/14)]. Assim, não obstante não assistir razão à Recorrente, quanto aos fundamentos do seu recurso, será alterado o dispositivo da sentença, por forma a que, inequivocamente, dele decorra o efeito mencionado.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, no sentido de julgar procedente a oposição, anulando o despacho de reversão e absolvendo o Oponente da instância executiva; b) Custas pela Recorrente; c) Registe e notifique. Lisboa, 06 de dezembro de 2022
(Tânia Meireles da Cunha) (Susana Barreto) (Patrícia Manuel Pires) ___________________________ (1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286. (2) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169. (3) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada. (4) Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 329 a 336. V. a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.03.2019 (Processo: 24/08.0BELRS). |