Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4037/23.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/20/2024
Relator:MARCELO DA SILVA MENDONÇA
Descritores:IPDLG
PEDIDO DE AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
ART.º 109.º DO CPTA
PRESSUPOSTOS
INDISPENSABILIDADE
Sumário:I - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadão estrangeiro requerente da nacionalidade portuguesa, depende da verificação, ante os factos concretamente alegados, do pressuposto da indispensabilidade desse meio processual, isto é, da sua necessidade para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de um direito, liberdade e garantia, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
II - Tendo presente o pressuposto da indispensabilidade, impõe-se que do caso concreto transpareça uma evidente situação de urgência ou premência, não bastando invocar na petição a ameaça ao exercício de direitos, tipificados na CRP como fundamentais, impondo-se ao requerente que alegue e prove factos que permitam concluir pela verificação, por referência à sua situação concreta, dos pressupostos de admissibilidade do processo de intimação previsto no artigo 109.º do CPTA.
III - Faltando a demonstração, nomeadamente, do pressuposto da indispensabilidade, resulta a ausência de idoneidade do meio processual, razão pela qual não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA.
Votação:c/ declaração de voto
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I - Relatório.

M…, natural da República Dominicana, de nacionalidade norte-americana, residente em Nova Iorque, Estados Unidos da América (EUA), doravante Recorrente, que no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL) deduziu intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra o Instituto dos Registos e do Notariado, IP, doravante Recorrido, com vista à intimação do Recorrido para, com urgência, decidir favoravelmente o seu pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, inconformado que se mostra com a sentença do TACL, de 17/11/2023, que decidiu rejeitar liminarmente o requerimento inicial, contra a mesma veio interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões (transposição feita a partir da peça de recurso inserta no SITAF):
I. Do recurso apresentado resulta provado a existência e violação de um direito consagrado na Constituição especialmente categorizado como Direitos Liberdades e Garantia em especial o direito fundamental à Nacionalidade.
II. O Recorrente deu cumprimento ao ónus alegatório que sobre si recai, fundamentando e provando a má atuação da administração, não só pela violação dos prazos legais, mas igualmente pelo incumprimento do dever de decisão face à demora na resposta;
III. Por conseguinte, no caso concreto, através de um juízo de prognose póstuma, conclui-se que o presente meio processual é adequado e idóneo, porquanto foram alegados factos concretos subjacentes à especial urgência da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, por forma a tutelar e pôr termo à lesão dos direitos fundamentais de cidadania e nacionalidade (cuja concessão não é automática, é certo, mas que o recorrente entende ter direito) e em consequência, da sua situação especial de permanente sobressalto e risco de vida em que se encontra.
IV. Assim, não restam dúvidas que a Conservatória dos Registos Centrais e em geral os serviços que analisam e decidem pedido de nacionalidade, têm violado reiteradamente todos os prazos processuais aos quais estão vinculados, pelo princípio da legalidade, da boa-fé e da colaboração, nos termos dos artigos 3º, 10º e 11º do CPA;
V. O procedimento de aquisição nacionalidade por naturalização do Recorrente encontra-se a correr seus termos na Conservatória dos Registos Centrais desde 09 de Abril de 2021, verificando-se que, face ao tempo já decorrido e de acordo com os prazos processuais estabelecidos no artigo 27º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, já foram ultrapassados os prazos com vista à emissão de uma decisão definitiva em tempo útil, não tendo sido efetuada a análise do pedido no prazo de 30 dias a contar do dia da receção do pedido, em violação da regras procedimentais aplicáveis;
VI. Não foi proferida decisão, nos termos do artigo 27º, nº 10 do Regulamento da Nacionalidade, verificando-se que já foram violados todos os prazos processuais com vista à análise e decisão do pedido de aquisição da nacionalidade, prazos que se encontram previstos, para os procedimentos de aquisição da nacionalidade por naturalização, no mencionado artigo 27º do Regulamento da Nacionalidade, que contém normas de caráter adjetivo e, por isso, de aplicação imperativa;
VII. Pelo que o facto da Conservatória dos Registos Centrais não ter ainda proferido decisão final e lavrado o respetivo registo de nascimento necessário a provar a nacionalidade portuguesa do Recorrente, dentro do prazo legal, como previsto no artigo 27º, nº 10 do Regulamento da Nacionalidade, ofende o disposto no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa e os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias que são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas;
VIII. Este facto implica uma da lesão aos direitos do Recorrente inerentes à titularidade da nacionalidade portuguesa, lesão alegada, comprovada e iminente, face à expetativa prevista na Lei.
IX. Pese embora o Recorrente não ignore nem desconheça os constrangimentos nos serviços evidenciados pela entidade requerida (grave carência de meios), a verdade é que tal circunstancialismo é alheia ao Recorrente, pois que, a administração deve adaptar-se e reorganizarse para responder aos cidadãos dentro de um padrão de eficiência razoável.
X. O Recorrente apenas pede o cumprimento da Lei nos exatos termos em que foi legislada e aprovada na Assembleia da República.
XI. Sendo certo que se os prazos definidos são irrazoáveis para o cumprimento do procedimento, dever-se-ia promover pela alteração dos mesmos em sede de processo legislativo e não através da sua violação reiterada sobre o escopo da falta de meios da Administração.
XII. O Recorrente teve a legítima expetativa do cumprimento dos prazos legais estabelecidos;
XIII. Ademais, recentemente assistiu o Recorrente a um caso polémico no qual se se atribui a nacionalidade portuguesa a 2 (duas) Requerentes. XIV. Tudo isto em 14 (catorze) dias!
XV. Ora, é caso para dizer que a Requerida/Recorrida (diga-se Conservatória dos Registos Centrais) tem em si o poder arbitrário de decidir a urgência alegadamente conforme o status quo dos Requerentes, o que viola o princípio da legalidade e da igualdade que tanto preconiza.
XVI. Em contrapartida o Recorrente aguarda tramitação do seu processo há mais 400 (quatrocentos) dias.
XVII. O art.º 15 da Constituição da República Portuguesa denominado Princípio da Equiparação, como o entende a ilustre Professora Dra. Ana Rita Gil “não representa apenas uma extensão dos direitos dos portugueses aos estrangeiros, devendo ser lido à luz de uma conceção universalista dos direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa como princípios que devem valer para todas as pessoas”
XVIII. O que nada tem a ver com o direito fundamental à nacionalidade que no caso específico do Requerente não tem como requisito a residência em território português como bem se verifica no art.º 24.º - A do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa.
XIX. Pelo que, conforme ficou amplamente provado nestes autos, apela-se ao bom senso de V.Exas., para que tamanha injustiça possa vir a ser reparada
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O Recorrido, por seu turno, apresentou contra-alegações, enunciando as seguintes conclusões (transposição feita a partir da peça inclusa no SITAF):
A. A INTIMAÇÃO PARA A DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS, regulada nos artigos 109º a 111º do CPTA, é um meio principal e urgente de tutela jurisdicional efetiva, assumindo um caráter restrito quanto ao seu objeto e uma natureza subsidiária em relação aos outros meios processuais existentes;
B. Essa natureza subsidiária traduz-se na conclusão de que a via normal de reação será a propositura de uma AÇÃO ADMINISTRATIVA NÃO URGENTE - neste caso, de condenação à prática de ato devido, regulada nos artigos 66º a 71º do CPTA já que em matéria de nacionalidade não se afigura adequado o decretamento de uma PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
C. É o que resulta da doutrina e jurisprudência maioritárias bem como, claramente, do disposto nos artigos 26º da LN e 62º do RN;
D. Nessa medida, não foram apresentados e comprovados factos que concretizem, clara e decididamente, entre outros o pressuposto da urgência, pressuposto adjectivo e substantivo inultrapassável para que a intimação em causa seja deferida, até porque apenas será de reconhecer ao Recorrente a detenção, não de um direito, mas de uma mera expetativa jurídica.
E. O Recorrente é natural da República Dominicana, poderá ter esta nacionalidade, sendo também canadense e norte-americano, residindo atualmente nos Estados Unidos da América. Ora, não residindo em Portugal, não lhe é aplicável o princípio da equiparação vertido no artigo 15º da CRP e, assim sendo, claro se torna que a aquisição da nacionalidade portuguesa não surge como um direito, mas como uma expetativa jurídica.
F. Insistimos que nos presentes autos se verifica uma EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA por impropriedade ou inadequação do meio processual utilizado pelo Recorrente, nos termos do artigo 89º, nºs 1, 2 e 4 do CPTA e dos artigos 576º, nºs 1 e 2 e 577º do CPC, estes aplicáveis “ex vi” artigos 1º e 35º do CPTA;
G. A CRCentrais e outros serviços do IRN IP, debatem-se atualmente com uma gravíssima carência de meios humanos e materiais, situação que, objetivamente, obsta ao cumprimento dos prazos legalmente previstos para a análise e decisão dos processos de nacionalidade;
H. No entanto, tais prazos para análise só podem revestir caráter meramente “indicativo” e “ordenador”, atendendo à especificidade da matéria em causa, uma vez que “(...) o conservador de registos ou o oficial de registos determina as diligências que considere necessárias para proferir a decisão.”, como se dispõe no artigo 42º, nº 1 do RN.
I. Por imperativo de justiça e em obediência aos princípios da legalidade, igualdade e imparcialidade (artigos 3º, 6º e 9º do CPA), foi determinado que os processos entrados na CRCentrais fossem analisados e decididos por ordem de entrada, independentemente da qualidade dos requerentes ou do seu mandatário, salvo os casos de urgência excecionalíssima, devidamente comprovada;
J. Sendo certo que a concessão de prioridade na tramitação e decisão dos processos de nacionalidade não tem base legal, quer na Lei da Nacionalidade, quer no respetivo Regulamento;
K. Aderir à argumentação do Requerente é reduzir a nacionalidade portuguesa a um mero expediente burocrático, esquecendo os princípios basilares que a sustentam – o ius sanguinis e o ius solis – e reduzindo a dignidade que lhe é inerente ao mínimo, porque mantendo-a refém, tão só, de uma maior ou menor facilidade, maior ou menor comodidade, maior ou menor aborrecimento, maior ou menor despesa na obtenção de documentos para viajar para Portugal e aqui viver, em contraponto com o mencionado principio da lealdade em direito comunitário.
L. A sentença focou-se, e bem, na verificação da EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA da impropriedade ou inadequação do meio processual utilizado, exceção invocada pelo Recorrido a qual, após juízo positivo quanto à sua verificação, determina a absolvição da instância e o afastamento de uma apreciação de mérito.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
O parecer do MP foi notificado às partes.
Sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento.
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II - Delimitação do objecto do recurso.
Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente, se a decisão recorrida, ao sindicar a matéria da idoneidade do meio processual, incorreu em erro de julgamento ao considerar que, ante o alegado pelo ora Recorrente no articulado inicial, não se verificava o pressuposto da indispensabilidade, conforme prescreve o n.º 1 do artigo 109.º do CPTA a quem queira lançar mão do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
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III - Matéria de facto.
A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade:
1.º - O Requerente [ora Recorrente] não reside em Portugal (facto confessado - cf. artigo 1.º do requerimento inicial);
2.º - Em 09/04/2022, o Requerente [ora Recorrente] apresentou um pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa junto do Requerido [ora Recorrido] (facto confessado - cf. artigo 3.º do requerimento inicial).
A matéria de facto fixada na decisão recorrida não foi impugnada pelo Recorrente e, face à delimitação supra do objecto do recurso, consideramos não ser necessário, nesta instância recursiva, proceder ao aditamento de quaisquer factos.
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IV - Fundamentação de Direito.
Na parte que aqui nos importa perscrutar, vejamos a fundamentação de direito e o dispositivo da sentença recorrida, transcrevendo-se os seguintes trechos, por serem aqueles que, de modo mais relevante, interessam à decisão do presente recurso:
(…) Neste contexto, e compulsados os autos, entende este Tribunal que não se verifica, in concretu, a referida indispensabilidade que necessariamente inere à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, atento o carácter absolutamente excepcional que este meio processual encerra, enquanto mecanismo tendente à prolação de uma decisão urgente e definitiva.
Com efeito, na situação sub judice, o Requerente arrima essencialmente a pretensão que vem a juízo reclamar no facto de o prazo para a conclusão do procedimento de aquisição de nacionalidade já ter transcorrido in totum e de, como tal (e ainda que não explicite porquê), o direito à cidadania plasmado no artigo 26.º da Lei Fundamental se encontrar já violado.
(…)
(…) também no caso dos autos há que concluir que o direito à (aquisição da) nacionalidade (ou cidadania, mais propriamente, cf. artigo 26.º, n.º 1, da Lei Fundamental) do Requerente não se encontra aqui minimamente em causa, nada de concreto vindo invocado pela parte para justificar porque é que o seu direito à cidadania se encontra já violado (cf. artigo 23.º do douto r.i. deduzido).
A isto acresce que, tendo ficado acima demonstrado que o Requerente não reside em território nacional (cf. facto 1. firmado supra), o princípio da equiparação plasmado no artigo 15.º, n.º 1, da Lei Fundamental não lhe é aplicável, não podendo, por isso, a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias ser empregue com vista à defesa indirecta de quaisquer outros bens jurídicos (que, em qualquer dos casos, também não vêm arguidos, em termos minimamente consubstanciados, pela parte).
Dúvidas não restam, assim, que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não se afigura, no caso concreto, um meio processual adequado para a tutela que a parte aqui procura obter, uma vez que não resulta demonstrada a indispensabilidade do recurso ao presente meio processual em termos necessariamente conexionados com a defesa de um direito, liberdade ou garantia, conforme acima se fez menção, circunstância que impõe a rejeição liminar do r.i. apresentado, o que se julga de seguida, sem necessidade de maiores desenvolvimentos.
Não se encontrando observada a previsão do artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA, uma vez que não se aventa, em face do concreto pedido formulado pelo Requerente, a possibilidade de interposição de processo cautelar com idêntico objecto (ou com vista a defender instrumentalmente essa mesma pretensão), não se lançará mão da prerrogativa que aí é conferida ao julgador.
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Em face do que antecede, julgo inobservado o requisito da indispensabilidade que necessariamente inere à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, circunstância que consubstancia uma excepção dilatória inominada, nos termos conjugados dos artigos 109.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, ambos do CPTA, e, em consequência, rejeito liminarmente o requerimento inicial apresentado por MANUEL VASQUEZ.
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Desde já adiantamos que o assim decidido pelo Tribunal a quo, mormente, no que concerne ao julgamento de inobservância do pressuposto da indispensabilidade, é para confirmar.
A decisão recorrida labora num domínio prévio, que se encontra inculcado a montante da fase de sindicância do mérito da causa. Isto é, tendo o Tribunal a quo que emitir um despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, do CPTA, é nesse preciso momento inicial que se impõe ao juiz aquilatar sobre a verificação dos pressupostos do processo de intimação, que se encontram plasmados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA (indispensabilidade e subsidiariedade).
Em resultado dessa primeira análise, o juiz da causa tanto pode admitir a petição inicial, seguindo-se a citação da outra parte, como pode rejeitá-la, nesta última hipótese, se algum dos pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA não se mostrar, em concreto, preenchido.
“In casu”, foi precisamente o que ocorreu. O Meritíssimo Juiz a quo, tendo que proferir o despacho inicial no processo de intimação que lhe calhou em distribuição, emitiu, ante as circunstâncias do caso concreto, a decisão liminar de rejeição da p.i. com base no fundamento atrás veiculado: a falta do pressuposto da indispensabilidade.
E decidiu bem, como veremos já de seguida.
O n.º 1 do artigo 109.º do CPTA dita o seguinte: “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar” (destaques nossos).
O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é de utilização excepcional, cujos requisitos encontram-se formulados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA em termos intencionalmente restritivos, segundo o entendimento sufragado no “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, de Mário Aroso de Almeida e de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 5.ª Edição, 2022, Almedina, página 929, em anotação ao artigo acabado de citar.
Na citada obra, os identificados autores referem que o requerente deste meio processual deve concretizar “na petição os seguintes aspetos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo de urgente de intimação. Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade e garantia; impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adotar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.” (cf. páginas 929 e 930) – (sublinhados nossos).
A indispensabilidade do processo de intimação significa, de acordo com a doutrina inscrita na obra e pelos autores já atrás assinalados, que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A via normal de reação é a da propositura de uma ação não urgente (…)”, “associada à dedução do pedido de decretamento de uma providência cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação.
A intervenção da intimação está, assim, excluída nas situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa, que ponha definitivamente termo ao litígio, não é indispensável para proteger o direito, liberdade ou garantia, bastando, para o efeito, a propositura de uma ação não urgente, complementada pelo decretamento de uma providência cautelar que dê uma regulação provisória ao caso.
Pelo contrário, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias há de ser chamado a intervir em situações que não possam ser acauteladas deste modo, porque é urgente a obtenção de uma pronúncia definitiva sobre o mérito da causa.” (cf. páginas 933 a 935 da obra citada) – (sublinhado nosso).
Doutrinam ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha na obra aludida, na página 932, que “A utilização da intimação não está sujeita a prazo de caducidade (…)”, “mas, a nosso ver, só se justifica se esse for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito, pelo que está necessariamente associada a uma situação de urgência” (destaque nosso).
No caso dos autos, tendo presente o essencial das alegações de recurso e das respectivas conclusões, importa perscrutar as seguintes temáticas:
- Em primeiro lugar, o Recorrente considera, em síntese, que a demora dos serviços do Recorrido na conclusão do procedimento administrativo de atribuição da nacionalidade portuguesa constitui uma inadmissível restrição dos seus direitos fundamentais à nacionalidade portuguesa e à cidadania/identidade pessoal, na perspectiva do direito a não ser privado da cidadania portuguesa (conforme sustenta o Recorrente), enfatizando neste conspecto a sua descendência do judaísmo sefardita português, para tanto invocando, entre outros, o artigo 26.º da CRP.
- Em segundo lugar, o Recorrente também aduz em prol da sua posição o princípio da equiparação vertido no artigo 15.º da CRP.
- O Recorrente, em terceiro lugar, assevera nas conclusões recursivas “um caso polémico”, ocorrido “recentemente”, em que foi atribuída a nacionalidade portuguesa a “2 (duas) Requerentes” em 14 dias, imputando ao Recorrido a violação do princípio da igualdade.
- Em quarto lugar, o Recorrente, em sede de alegações de recurso, tal como já articulara na petição inicial, refere ainda que é “judeu praticante, que neste momento vive nos Estados Unidos da América, onde sente bastante instabilidade e receio da perseguição, sendo um facto notório o aumento do anti-semitismo em Nova Iorque, estando neste momento as sinagogas a receber proteção policial em virtude dos reiterados ataques e destruição de sinagogas, receando pela sua integridade física”. O Recorrente também menciona “os episódios frequentes e reiterados de ataques racistas, xenófobos e índole antissemita que ocorrem diariamente nos Estados Unidos da América, país em que a extrema direita tem vindo a crescer exponencialmente”.
Começamos a nossa sindicância ao recurso “sub judice”, precisamente, pela última temática acima focada (a ver se da mesma emerge uma situação de urgência ou premência no caso concreto): a circunstância do ora Recorrente se assumir como judeu praticante e dizer-se fisicamente ameaçado nos EUA em resultado da consequente prática religiosa, nomeadamente, nos locais de culto, para além do receio de perseguição que diz sentir em resultado de alegados ataques racistas ou xenófobos.
Conforme a doutrina atrás referida, ao juiz que logo analisa o requerimento inicial tem que advir uma convicção de que, ante os factos concretamente alegados, transparece uma situação de urgência ou premência que importa acautelar de imediato e de modo definitivo, ou seja, não é despiciendo frisar que é dos factos inscritos naquele articulado que há-de emergir a justificação dos já enunciados pressupostos do artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, aqui importando aquilatar, em especial, o da indispensabilidade, pois foi o requisito objecto do julgamento feito pelo Tribunal a quo.
Apreciando.
O Recorrente, ainda que legitimamente possa aludir a tais receios, colocou o alegado ambiente em que se move nos EUA no patamar das meras referências generalistas, descrevendo a atmosfera social em que vive, quer na p.i. quer nas alegações de recurso, de modo vago, sem que, todavia, ao aduzido conjecturalmente, tivesse acoplado uma base factual mais fina, firme, convincente e devidamente densificada ou concretizada, mormente, no sentido de demonstrar claramente estar a viver, no seu caso pessoal, uma real, directa e efectiva situação de perseguição, perigo ou grave ameaça à sua vida, de modo a justificar a imprescindibilidade da tutela urgente e imediata que é conferida pelo processo de intimação.
Aliás, neste aspecto, o Recorrente não só falha no segmento da alegação factual, como também falece no que tange à vertente da prova, porquanto, não requereu na p.i. a produção de qualquer meio probatório, nem juntou com tal articulado qualquer prova documental que atestasse o alegado.
Por fim, não podemos deixar de notar que, apesar dos mencionados receios, foi o próprio Recorrente a dizer que as sinagogas estão neste momento a receber protecção policial, o que nos permite inferir que o sistema de segurança e policial norte-americano, nomeadamente, o da cidade de Nova Iorque, atenua as apreensões manifestadas pelo mesmo Recorrente.
Assim sendo, no que respeita a esta particular conclusão de recurso e à temática que a mesma encerra, concluímos que, por inexistir, face às circunstâncias alegadas no caso concreto, uma efectiva situação de urgência ou de premência quanto ao contexto pessoal do Recorrente, não é de revogar a decisão recorrida.
Prosseguindo, vimos já que o Recorrente, em resumo, sustenta a necessidade do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias para caucionar um alegado direito fundamental à nacionalidade e para colmatar a inadmissível restrição do seu direito fundamental à cidadania/identidade pessoal, na perspectiva do direito a não ser privado da cidadania portuguesa.
Também observámos que o Recorrente complementa a asserção supra com a convocatória do princípio da equiparação vertido no artigo 15.º da CRP.
Importa tratar as duas questões de modo conjunto, porque interligadas, dizendo-se, desde já, que nenhum erro de julgamento se descortina a tal propósito na sentença recorrida.
É que, por um lado, não tendo o Recorrente, por enquanto, a nacionalidade portuguesa, não pode dizer (para já) que está em crise, sob ameaça, privado ou restringido de qualquer direito fundamental pessoal enquanto cidadão nacional português (nacionalidade que ainda não adquiriu), nomeadamente, os consagrados no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, com especial destaque para o direito de cidadania (portuguesa) e o direito de identidade pessoal (enquanto português).
Importa frisar que, na perspectiva que ora se cuida, os direitos fundamentais pessoais directamente convocáveis e aplicáveis por força da letra do artigo 26.º, n.º 1, da CRP, são os de cidadania portuguesa e de identidade pessoal e não propriamente o direito de adquirir a nacionalidade portuguesa.
Aliás, neste capítulo, Jorge Miranda e Rui Medeiros, na “Constituição Portuguesa Anotada”, Volume I, 2.ª edição revista, 2017, reimpressa em 2024, da “UCP Editora”, em anotação ao artigo 26.º da CRP, assinalam nas páginas 457 e 458 o seguinte: “A consagração do direito fundamental à cidadania – ou, mais rigorosamente, do direito fundamental à cidadania portuguesa – apresenta, como demonstra desenvolvidamente JORGE PEREIRA DA SILVA (Direitos de cidadania, págs. 79 e segs.) duas dimensões substancialmente distintas. A leitura do direito à cidadania portuguesa em conformidade com o artigo 15.º da DUDH, leitura imposta pelo artigo 16.º, n.º 2, da Constituição, revela, na verdade, que, não só “ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade” (n.º 2), mas também que “todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade” (n.º 1) e a “mudar de nacionalidade” (n.º 2). Trata-se, em qualquer caso, de direitos com estruturas substancialmente diferentes” (sublinhados nossos).
Tendo presente a doutrina supra, no caso dos autos, nem o Recorrente se encontra a ser privado da nacionalidade que possui (segundo alega na p.i., tem nacionalidade norte-americana), nem da nacionalidade portuguesa, que ainda não adquiriu.
De igual modo, o Recorrente não se trata propriamente de um apátrida ao qual se encontre a ser negada a nacionalidade portuguesa (não se confunda a delonga do procedimento administrativo com qualquer decisão final de indeferimento desse mesmo processo, podendo o ora Recorrente alcançar a almejada nacionalidade portuguesa se para tal cumprir com os requisitos legais), nem ocorre um pedido de mudança de nacionalidade, mas antes de cumulação de nacionalidades.
Portanto, nesta dimensão, por não ser o ora Recorrente português, não estão em questão os direitos fundamentais pessoais de cidadania (portuguesa) e de identidade pessoal preconizados no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, pois, segundo a obra e autores que temos vindo a citar, em anotação ao n.º 4 do referido comando constitucional, “No que respeita àqueles que são portugueses, o direito fundamental traduz-se, nos termos do artigo 26.º, n.º 4, no direito a não ser privado da cidadania portuguesa ou, com maior rigor, no direito a não ser dela privado através de medidas arbitrárias ou desproporcionais” (cf. páginas 458 e 459) – (sublinhado nosso).
E ainda que na mencionada “Constituição Portuguesa Anotada” seja feita a alusão ao “direito fundamental à aquisição da cidadania portuguesa” (cidadania e não nacionalidade, como defende o Recorrente), não deixa tal prerrogativa de ser encarada, todavia, como “um direito positivo, que exige dos poderes públicos a criação de condições jurídicas para a sua efetivação”; uma norma constitucional não exequível por si mesma, carecendo de concretização por parte do legislador ordinário” (cf. página 458) - (sublinhado nosso).
Por outro lado, importa ter presente que o artigo 15.º, n.º 1, da CRP, prescreve que “Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português”. Isto significa que o princípio da equiparação previsto no citado comando constitucional tem como premissa, entre outras, que o estrangeiro resida em Portugal. “In casu”, conforme resulta do probatório, o Recorrente não reside em Portugal, dizendo o mesmo no introito da sua p.i. que reside nos EUA, mais concretamente na cidade de Nova Iorque. É, pois, o suficiente para o Recorrente não poder beneficiar do alegado princípio da equiparação e, nessa medida, impor-se a sua desconsideração como argumento justificativo do processo de intimação.
Em suma, do caso concreto não se extrai a existência de fundamentos factuais que justifiquem a indispensabilidade do recurso ao processo de intimação, isto é, o Recorrente incumpriu o ónus de alegar e provar os factos integradores/demonstrativos da requerida indispensabilidade do meio processual.
Assim tendo julgado a sentença recorrida, nenhum erro se lhe pode apontar, sendo, com efeito, de confirmar.
Ademais, a posição propugnada na sentença recorrida mostra-se acertadamente apoiada pela jurisprudência do STA que citou, do mesmo modo aqui se aludindo ao acórdão da mais alta instância da jurisdição administrativa e fiscal, de 10/09/2020, proferido no processo sob o n.º 01798/18.5BELSB, “in” www.dgsi.pt, atenta a similitude das situações, destacando-se o seguinte excerto: (…) Ora, se há pouco se afirmou que poderá ter-se em consideração, para efeitos da concessão deste tipo específico de tutela urgente, que a protecção de um direito pode ser necessária para a protecção reflexa de outro direito, daqui se presume, pelo menos em via de princípio, que as situações visadas são aquelas em que o, diríamos, direito principal é ele próprio ameaçado, e é por isso que o outro direito não pode ser exercido, estando, por isso, este exercício igualmente ameaçado. Mas, mais do que isso, que dizer quando o outro direito não é um direito, liberdade e garantia previsto na Constituição portuguesa ou na lei (e nesse caso na medida em que considerado um direito análogo), ou, ainda, quando o autor da acção não é titular desse direito? E a verdade é que o A., não pode beneficiar do princípio da equiparação do artigo 15.º da CRP, antes de mais, porque não reside em Portugal. Se pode questionar-se se cabe aos tribunais apreciar a confessada instrumentalização do direito à cidadania per se – problema que não será aqui tratado –, pode certamente decidir-se no sentido de que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um meio processual inadequado quando o direito principal, condição do exercício de outro direito, não está, ele próprio ameaçado e, mais ainda, quando o direito cuja tutela verdadeiramente se pretende nem sequer é um direito, liberdade e garantia ou quando nem sequer pode ser titulado pelo autor da acção como sucede no presente caso. Em face do exposto, há que concluir pela inadequação do meio processual utilizado e, com isto, pela improcedência desta pretensão formulada pelo A./recorrente.- (sublinhados nossos).
Nesta senda, também chamamos à colação o acórdão deste TCAS, de 06/10/2022, proferido no processo sob o n.º 1749/22.2BELSB, “in” www.dgsi.pt, num caso semelhante ao ora em análise, ainda que focado em ambos os pressupostos vertidos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, mas que não deixa, ainda assim, de ser elucidativo para o caso em apreço, enfatizando-se o seguinte trecho: (…) 22. Além do mais, é ainda patente que a autora não deu satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, no sentido de demonstrar a imprescindibilidade do recurso ao presente meio processual, por não ser possível, em tempo útil, o recurso a uma acção administrativa.
23. Percorrendo novamente quer o requerimento inicial, quer a alegação de recurso, constata-se que a autora não alega um único facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão ser apreciada no âmbito da acção administrativa e, portanto, de uma decisão final com trânsito em julgado numa tal acção poder demorar, pelo menos – atendendo aos prazos previstos para a sua tramitação e à possibilidade de recurso jurisdicional –vários meses, tal circunstância seja susceptível de retirar utilidade ao processamento do acto de integração do seu registo de nascimento no registo civil português que só nessa data seja efectuado.
24. Com efeito, a autora não alegou – e, consequentemente, não provou – que, caso a decisão de mérito não fosse proferida num processo de natureza urgente, haveria (a) uma perda irreversível de faculdades de exercício desse direito (o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa), e (b) uma qualquer situação de carência pessoal ou familiar em que estivesse em causa a imediata e directa sobrevivência pessoal de alguém.
25. Acresce que o direito em causa nos presentes autos (o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa) não é relativo à situação profissional da autora, nem está em causa qualquer situação de incerteza quanto à sua situação civil (designadamente quanto ao seu estado civil), mas antes a aquisição de mais outra nacionalidade pela autora (que já possui a nacionalidade brasileira).
26. De tudo o que se afirmou, resulta inequívoco que a autora não alegou – e também não alega no presente recurso – um único facto concreto que permita concluir que o invocado direito à aquisição da nacionalidade portuguesa não terá utilidade caso só venha a ser concedido mediante uma decisão a proferir em acção administrativa, isto é, que esta acção não é suficiente para assegurar o exercício em tempo útil desse direito. Ou, dito por outras palavras, a autora não invoca qualquer facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão vir apenas a ser apreciada no âmbito da acção administrativa, ficará sem qualquer utilidade a eventual condenação dos réus que aí possa vir a ocorrer, de deferimento do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa oportunamente formulado.
27. Deste modo, bem andou a decisão recorrida ao entender que a questão para a qual era solicitada tutela não podia ser resolvida através do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, visto que não vinha invocada qualquer situação concreta de urgência a exigir uma decisão de fundo no âmbito desse processo.
28. Conclui-se, assim, que a decisão recorrida não violou o disposto no artigo 109º, nº 1 do CPTA, ao julgar manifesta a inexistência de um dos pressupostos necessários para a admissibilidade do pedido de intimação, na medida em que tal pronúncia conduziu a que ficasse prejudicado o conhecimento do mérito da pretensão formulada, motivo pelo qual carece de razão de ser a alegação de que a decisão recorrida violou os artigos 3º, nº 1 e 22º, ambos da Lei da Nacionalidade, e os artigos 4º, 16º, nº 1, 18º e 26º, todos da CRP. - (sublinhado nosso).
É de referir, ainda, o recente acórdão deste TCAS, de 19/03/2024, emitido no processo sob o n.º 2087/23.9BELSB, “in” www.dgsi.pt, que tratou de uma questão idêntica à ora “sub judice”, salientando-se a seguinte passagem: (…) Por outro lado e não de somenos importância, a acção de intimação prevista no artigo 109º do CPTA visa a protecção de direitos, liberdades e garantias previstos na CRP e susceptíveis de ser exercidos no território nacional por nacionais portugueses ou estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal, por beneficiarem do princípio da equiparação, previsto no artigo 15º do mesmo diploma fundamental.
Sucede que nem a Recorrente é portuguesa, nem se encontra a residir em Portugal, nem a proposta de trabalho que pretende assegurar se enquadra no direito ao trabalho previsto no artigo 58º da CRP, como um direito económico do Capítulo I do Título III – Direitos e deveres económicos, sociais e culturais [e não como um dos direitos, liberdades e garantias, do Título II, com a mesma epígrafe].
No que concerne à invocada cidadania europeia, no caso, decorrente da titularidade da nacionalidade portuguesa, não se verificando esta na esfera jurídica da Recorrente e não tendo a decisão recorrida conhecido do mérito da causa, nada mais se impõe considerar sobre o assunto.
Donde, o direito fundamental alegado, à nacionalidade portuguesa, não se encontra ameaçado e a urgência alegada na petição reporta-se a um direito que, pelas razões expostas, não pode ser considerado um direito, liberdade e garantia consagrado e protegido pela CRP, merecedor de tutela jurisdicional nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 109º do CPTA.
Consequentemente e, repete-se, na falta da exigida urgência, nem sequer se coloca a questão da convolação da petição em requerimento cautelar, pelo que nos dispensamos de mais considerações sobre o outro pressuposto de admissibilidade da presente acção de intimação: o da subsidiariedade deste meio processual.
Em face do que, sendo de manter o entendimento do tribunal recorrido de que não se verifica o requisito da indispensabilidade do uso da acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o presente recurso não pode proceder.
Resta dizer que, no que concerne à conclusão de recurso que convoca o argumento de “um caso polémico”, ocorrido “recentemente”, em que foi atribuída a nacionalidade portuguesa a “2 (duas) Requerentes” em 14 dias, imputando ao Recorrido a violação do princípio da igualdade, consubstancia essa matéria uma questão nova, não alegada em sede da p.i., e, nessa medida, sobre a qual o Tribunal a quo, por falta de articulação do ora Recorrente, não teve oportunidade de se pronunciar.
Como tal, é uma questão inócua e sem qualquer força invalidante da sentença recorrida, posto que, por princípio, o recurso não é “ocasião para julgar questões novas, pois visa “a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento” TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos cit., p. 395” (conforme anotação ao artigo 651.º do CPC, “in” Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª Edição, Almedina, de José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre).
Tudo visto, acordamos em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, sendo de confirmar a sentença recorrida.
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Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do RCP.
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Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:
I - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadão estrangeiro requerente da nacionalidade portuguesa, depende da verificação, ante os factos concretamente alegados, do pressuposto da indispensabilidade desse meio processual, isto é, da sua necessidade para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de um direito, liberdade e garantia, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
II - Tendo presente o pressuposto da indispensabilidade, impõe-se que do caso concreto transpareça uma evidente situação de urgência ou premência, não bastando invocar na petição a ameaça ao exercício de direitos, tipificados na CRP como fundamentais, impondo-se ao requerente que alegue e prove factos que permitam concluir pela verificação, por referência à sua situação concreta, dos pressupostos de admissibilidade do processo de intimação previsto no artigo 109.º do CPTA.
III - Faltando a demonstração, nomeadamente, do pressuposto da indispensabilidade, resulta a ausência de idoneidade do meio processual, razão pela qual não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA.
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V - Decisão.
Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 20 de Junho de 2024.
Marcelo Mendonça – (Relator)
Marta Cavaleira (1.ª Adjunta, em substituição)
Ilda Côco – (2.ª Adjunta)

Declaração de voto:
Ainda que não acompanhe integralmente os seus fundamentos, designadamente, o juízo sobre o alegado pelo requerente quanto à sua situação nos Estados Unidos da América e a análise da norma do artigo 26.º da Constituição, concluindo-se que não estão aqui em causa os direitos nela consagrados por o requerente ainda não ser português, voto o sentido da decisão por considerar que os factos alegados pelo requerente da intimação não permitem concluir pela necessidade de uma tutela de mérito urgente, isto é, que, caso não seja proferida uma decisão de mérito urgente, se verificará uma perda de faculdades inerentes ao exercício do direito que o requerente se arroga que tornará inútil o reconhecimento deste direito no âmbito de uma acção administrativa não urgente.
Ilda Côco