Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1425/10.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/30/2022
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IRC
MÉTODOS INDIRECTOS
PRESSUPOSTOS
FUNDAMENTAÇÃO
ÓNUS DA PROVA;
Sumário:I – Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na 1ª sub-Secção de contencioso tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório

E ……………………… S.A., melhor identificada nos autos, veio deduzir Impugnação Judicial contra as liquidações adicionais de IRC, efectuadas com recurso a métodos indirectos, referentes aos exercícios de 2005 e 2006, no montante total de € 429.058,45.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 23 de Abril de 2013, julgou improcedente a impugnação.

Não concordando com a decisão, a impugnante veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A - É a douta sentença produzida em 1.ª Instância nula nos termos do que dispõe a alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, na medida em que não se pronuncia sobre questões a que estava obrigado a pronunciar-se, e conhece de questão que estava impedido de conhecer, conforme fica demonstrado.

B - Caso não entenda a douta decisão do Tribunal ad quem, pela nulidade da sentença produzida pelo Tribunal a quo, o que só por hipótese se admite, devem as liquidações ainda assim ser anuladas, na medida em que fica demonstrado que foi o relatório final notificado por órgão incompetente, conhecimento que precede o de qualquer outra questão, projectando-se a declaração de nulidade, em todos os actos subsequentes.

C - Não entendendo a douta decisão, pela incompetência, o que igualmente só por hipótese se admite, dada a prova produzida, deve a douta decisão do Tribunal ad quem, acrescer ao probatório, factualidade dada como provada com interesse para a decisão, identificada ab initio.

D - Consequentemente, reconhecer que foi o prazo de seis meses estabelecido para o procedimento inspectivo ultrapassado, cessando por isso o efeito da suspensão estabelecido pelo n.º 1 do artigo 46.º das LGT, dada a prova produzida quanto aos contactos efectuados com terceiros e jurisprudência dos tribunais superiores, quanto ao momento que determina o inicio do procedimento inspectivo externo.

E - Está caducado o direito à liquidação de IRC do exercício de 2005, justamente por ter cessado o efeito de suspensão, em conformidade com o que estabelece o n.º 1 do artigo 46.º da LGT.

F - Pratica a Inspecção Tributária actos que configuram duplicação de colecta, questão sobre a qual não se pronuncia a douta decisão.

G - Está o acto de fixação da matéria colectável nos termos do n.º 6 do artigo 92.º da LGT, ferido de vício por omissão de pronúncia sobre os argumentos do perito indicado pelo sujeito passivo, situação também não considerada na douta decisão do Tribunal a quo.

H - Não se mostrarem verificados os pressupostos para que procedesse a Inspecção Tributária à correcção da matéria colectável por avaliação indirecta.

I - O acto de correcção levado a efeito por métodos indirectos carece de fundamentação.

J - A decisão do Tribunal a quo conhece de questão que não podia conhecer, designadamente, quando acresce, por forma a sustentar a alegada verificação dos pressupostos que se hão de verificar para recurso à avaliação indirecta, a alínea d) do artigo 88.º da LGT, não sendo esta indicada no relatório da acção inspectiva.

K - Não se pronuncia a douta sentença do Tribunal a quo, sobre os argumentos da impugnante quanto ao erro em que incorre a IT nos critérios de cálculo da avaliação indirecta.

L - Ainda, porque a haver negocio simulado, como refere a Inspecção Tributária, sempre tinha de ser dado cumprimento ao que determina o n.º l do artigo 39.º da LGT, sendo que igualmente sobre esta matéria não se pronuncia a douta decisão do Tribunal a quo.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exm.º Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

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Foi proferido despacho ao abrigo do preceituado no nº3 do artigo 665º do CPC.

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Com dispensa de vistos, vem o processo à conferência para decisão.

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II - Fundamentação

De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) A impugnante exerce a actividade de "construção de edifícios" (residenciais e não residenciais) - CAE 41200, e encontra-se enquadrada no regime geral de tributação, em sede de IRC (cfr. fls. 62 e 94 do PAT).

B) Em cumprimento das Ordens de Serviço nºs OI …………143 e .……144 de 09-01-2009, a impugnante foi objecto de acção inspectiva externa, de âmbito parcial em IRC, que incidiu sobre os exercícios de 2005 e 2006, na sequência do pedido para controlo de subcontratos, inserido na campanha de "Mútuos Duvidosos", por terem sido apurados indícios de omissão do valor real das vendas (cfr. fls. 62 do p.a.).

C) As ordens de serviço referidas na alínea precedente foram assinadas pelo administrador da impugnante em 26-06-2009 (cfr. fls. 50 e 52 do PAT).

D) A notificação do relatório final da inspecção foi efectuada em 17-12-2009 e assinada pelo Director de Finanças Adjunto, J………………. "Por Delegação (D.R. nº 125 - II série de 01/Julho/2005) (cfr. fls. 614 do PAT).

E) A fundamentação do recurso a métodos indirectos constante do relatório da inspecção tributária é a seguinte (cfr. relatório a fls. 61 e segs. e respectivos anexos constante do PAT):

«Texto no original»

(…

F) A impugnante apresentou, em 30-12-2009, pedido de revisão da matéria tributável que lhe fora fixada por métodos indirectos, não tendo os respectivos peritos chegado a acordo, pelo que, no dia 22-01-2010 o Director de Finanças de Lisboa decidiu sobre a petição de revisão apresentada pela impugnante, fixando a matéria colectável de acordo com os valores propostos pela inspecção (cfr. fls. 33 a 40 do processo administrativo).

G) Em 25-01-2010, a Administração Tributária emitiu as liquidações do IRC dos anos de 2005 e 2006 com os n.ºs ………………575 e …………….594, impugnadas nos presentes autos (cfr. fls. 44 a 47 do PAT).

H) A presente impugnação foi deduzida em 01-06-2010 (cfr. fls. 2 dos autos).


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Nada mais se provou com relevância para a boa decisão da causa.

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A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica de toda a prova constante dos autos.»

Aditamento ao probatório

Ao abrigo do preceituado no artigo 662º do CPC, por documentalmente provado, adita-se ao probatório o seguinte facto:

I) Em 2 de Setembro de 2010 foi publicado no Diário da República, II Série, o Aviso (extracto) nº 17354/2010, nos termos do qual, no ponto 4) se delegou as competências do Director de Finanças de Lisboa para sancionamento dos relatórios de acções inspectivas nos Directores de Finanças Adjuntos, nomeadamente, no Lic. ……………. – Cfr. documento a fls. 626 a 629 do PAT;

J) Nos termos do ponto III do Aviso referido na alínea antecedente, relativo a Produção de Efeitos, as delegações e sub-delegações de competências no mesmo efectuadas produzem efeitos a partir de 14 de Dezembro de 2009, ficando ratificados todos os actos entretanto praticados pelos delegados e subdelegados, sendo que, no que respeita ao Lic. J………………….especificamente se refere, no ponto 3, a partir de 14 de Dezembro de 2009 – Cfr. idem;

K) Em 22 de Janeiro de 2010, após a reunião da comissão de revisão, foi determinada a fixação da matéria tributável nos termos do nº6 do artigo 92º da LGT, pelo Director de Finanças de Lisboa, onde consta, nomeadamente o seguinte:

“(…) B. do Procedimento de Revisão

No Pedido de Revisão apresentado, o sujeito passivo discorda das correcções efectuadas aos Lucros Tributáveis, apresentando os argumentos que a seguir se resumem:

· A reclamante sempre cumpriu com as suas obrigações fiscais declarativas;

· Para justificar as correcções, foi invocado pelo Técnico a existência de cheques depositados numa conta da Suíça. Só que em parte alguma foi mencionado quem foi o beneficiário dos mesmos;

· Não entende o porquê da empresa ser penalizada pelo facto dos adquirentes das fracções terem pedido um 2º empréstimo bancário;

· Quanto às “Promessas Unilaterais de Compra”, mais não são do que documentos elaborados por intermediários que posteriormente poderiam ter sido, e muitos foram-no, alterados aquando da negociação dos valores finais;

· Foram contactados 58 adquirentes, responderam 48 e destes, 17 não confirmaram os valores de venda. Porém, pelo menos 24 adquirentes confirmaram os elementos declarados, mas em lado nenhum do relatório se encontra tal referido;

· Analisados os Autos de Declarações que serviram de base para o apuramento por métodos indirectos, verifica-se que os adquirentes declararam que os 2ºs mútuos se destinaram ao pagamento do IMT, despesas com as escrituras, obras. Para outras situações a reclamante não percebe porque razão houve correcção;

· Não pode concordar com as correcções efectuadas às fracções que foram contabilizadas no ano de 2004 e pago o respectivo IRC, porquanto tudo o que diga respeito a estas fracções está abrangido pela caducidade do imposto.

(…)

Estas situações não foram validamente postas em causa, quer no Pedido de Revisão, quer no debate entre os Peritos, pois, nem o sujeito passivo, nem o perito por si nomeado, vieram a destruir os argumentos utilizados no Relatório de Inspecção Tributária, mantendo-se os mesmos sem contestação válida.

(…)

Quanto à quantificação

(…)

Conforme descrito, no que respeita à quantificação, não foram apresentados pelo sujeito passivo ou pelo seu Perito, elementos concretos que permitam por em causa os valores apurados pelos Serviços de Inspecção Tributária e confirmados pelo Perito da Fazenda Pública, que possibilitem fazer prova do excesso de quantificação.

Em face do exposto, mantenho os valores fixados.(…)” – Cfr. documento a fls. 33 a 40 do PAT, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido.

Altera-se a o conteúdo do facto constante da alínea d) do probatório, que passa a ter a seguinte redacção:

D) Por ofício datado de 14 de Dezembro de 2009, com o nº ……….99, foi remetido à Impugnante o Relatório de Inspecção Tributária, o qual foi assinado pelo Director de Finanças Adjunto J………….., por delegação de competências (DR nº 125 – II Série de 01/Julho/2005) – Cfr. documento a fls. 614 do PAT, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido.


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De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente verifica-se que vem invocada nulidade da sentença por omissão e excesso de pronúncia e erro de julgamento de facto e de direito.

É certo que as conclusões de recurso não especificam as nulidades invocadas, porém, lidas estas em conjunto com as alegações de recurso apresentadas é possível definir, concretamente, quais as razões pelas quais entende a Recorrente que se verifica a nulidade da sentença recorrida.

Está em causa, nos presentes autos, a legalidade das liquidações de IRC efectuadas pela AT cuja matéria tributável foi calculada com recurso a métodos indirectos, por terem sido detectadas diferenças de valores quanto à alienação de fracções autónomas efectuadas pela Recorrente, na sequência de procedimento inspectivo.

Comecemos por apreciar as invocadas nulidades.

Da nulidade por omissão de pronúncia

A Recorrente entende que a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia por diversas razões dispersas ao longo das suas alegações, a saber:

i) Não ter emitido pronúncia quanto à alegação da Recorrente de que o acto de ratificação dos actos praticados pelo delegado, no uso de delegação de competências, foi posterior à invocação do vício de incompetência nos autos;

ii) Não ter emitido pronúncia quanto ao entendimento da Recorrente de que o início do procedimento inspectivo ocorreu aquando dos contactos que a AT efectuou junto de terceiros, adquirentes das fracções;

iii) Não ter emitido pronúncia sobre o Acórdão deste TCAS de 9 de Dezembro, proferido no âmbito do processo nº 2504/08;

iv) Não ter emitido pronúncia no que diz respeito à invocada duplicação de colecta, em virtude de terem sido tributados em 2005 factos tributários respeitantes ao exercício de 2004 e nesse ano alvo de tributação;

v) Não ter emitido pronúncia quanto à circunstância de a decisão da Comissão de Revisão não ter tido em consideração os argumentos avançados pelo perito do contribuinte;

vi) Não ter emitido pronúncia quanto aos argumentos da recorrente no que se refere à avaliação dos bens;

vii) Não ter emitido pronúncia sobre as regras referentes ao negócio simulado, nomeadamente, a necessidade da sua prévia anulação judicial.

Vejamos.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o nº1 do artigo 125.º do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
Por seu turno, nos termos do preceituado no nº1 do artigo 615º, do CPC:
“É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (…)”.
A nulidade prevista na 1ª parte da alínea d) do n.º 1 deste artigo 615º, denominada omissão de pronúncia, relaciona-se directamente com o estatuído no nº2 do artigo 608º do CPC, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de apreciar alguma questão suscitada pelas partes, salvo se a decisão desta tenha ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.
As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De referir que as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no referido artigo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.
Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”
Feito este enquadramento, vejamos, se tem razão a Recorrente, no que toca às invocadas nulidades da sentença por omissão de pronúncia, pela ordem estabelecida supra.

i) Omissão de pronúncia quanto à alegação da Recorrente de que o acto de ratificação dos actos praticados pelo delegado, no uso de delegação de competências, foi posterior à invocação do vício de incompetência nos autos

Afirma a Recorrente que a sentença recorrida sofre de nulidade por omissão de pronúncia em virtude de nada ter dito quanto à sua argumentação de que a ratificação do acto de delegação de competências aconteceu em momento posterior à invocação do vício de incompetência do autor do acto, nos autos.

Na sentença recorrida, quanto à questão da incompetência do autor do acto, escreveu-se o seguinte:

“(…)Alega a impugnante a incompetência do órgão que notificou o relatório final.

Não lhe assiste razão, porquanto, através do Despacho n.º 27629/2009, publicado no DR, II Série, de 28/12, o Ministro do Estado e das Finanças nomeou para o cargo de Director de Finanças de Lisboa, o Dr. …………………, tendo o despacho produzido efeitos a partir de 14/12/2009.

Por outro lado, o Aviso (extracto) n.º 17354/2010, publicado no DR, II Série, n.º 171, de 02/09, o Sr. Director de Finanças de Lisboa procedeu à delegação e subdelegação de competências, quer próprias quer delegadas nos respectivos Directores de Finanças Adjuntos, no âmbito das competências das respectivas áreas e departamentos, sendo que até à elaboração do relatório final, no âmbito do procedimento inspectivo nos termos do art. 62° do RCPIT, delegou no Dr. J……………, com produção de efeitos a partir de 14/12/2009, ficando ratificados todos os actos entretanto praticados: conforme ponto 4.13 do citado despacho "(...) O sancionamento dos relatórios de acções inspectivas, bem como as informações concluídas nos respectivos departamentos (artigo 62º, nº 6, do RCPIT). ".

Pelo exposto, improcede o vício de incompetência alegado pela impugnante. (…)”

Como supra vimos, há que fazer a distinção entre questões e argumentos. Assim, a questão que ao tribunal cabia apreciar e decidir era a da incompetência do autor do acto, concretamente, da assinatura do acto de notificação do RIT. Ora, saber se o acto de ratificação era ou não válido, constitui um argumento para a questão enunciada, que, como vimos, foi apreciada e decidida.

A eventual discordância da Recorrente com o decidido, que entendeu válida a ratificação, deve ser antes suscitada como erro de julgamento e não como nulidade da sentença, cuja invocação, nessa medida, improcede.

ii) Omissão de pronúncia quanto ao entendimento da Recorrente de que o início do procedimento inspectivo ocorreu aquando dos contactos que a AT efectuou junto de terceiros, adquirentes das fracções

A Recorrente considera que a sentença recorrida sofre de omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre os contactos que a AT fez junto de terceiros antes da assinatura da ordem de serviço, considerando que foi na data em que foram efectuados que se deu início ao procedimento inspectivo.

Há dois aspectos aqui a considerar. Por um lado, entendemos que o que vem invocado não constitui uma questão autónoma, antes se reconduz a um argumento tendo como finalidade a conclusão de que, à data em que foi emitido o acto de liquidação de IRC impugnado, já tinha decorrido o prazo de caducidade para a liquidação. Por outro, não é verdade que a sentença se não tenha pronunciado quanto a este aspecto, pelo contrário, analisou a questão de caducidade sem deixar de fora o argumento de que os contactos com terceiros tinham ocorrido, tendo concluído que se tratava de actos preparatórios, constituindo uma fase preliminar do procedimento de inspecção e como tal devem ser apreciados, nos termos do preceituado no artigo 44º do RCPIT.

Pelo que se conclui que não se verifica a alegada nulidade por omissão de pronúncia.

iii) Da omissão de pronúncia sobre o Acórdão deste TCAS de 9 de Dezembro, proferido no âmbito do processo nº 2504/08

Afirma a Recorrente que a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia por ter tido em consideração o Acórdão deste TCAS de 9 de Dezembro.

Não tem razão. É que, não só o Tribunal não está vinculado a considerar todos os argumentos invocados pelas partes, como a invocação de um determinado Acórdão não significa que o Tribunal tenha o dever de se pronunciar sobre o mesmo ou de seguir o entendimento aí vertido.

Ao que acresce a circunstância de que o que estava em causa naquele aresto (do que se retira do excerto transcrito pela Recorrente) era a classificação do procedimento inspectivo – se interno ou externo – matéria que não releva para a apreciação dos presentes autos, em que não foram suscitadas quaisquer dúvidas relativamente à natureza do procedimento de inspecção.

Não se verifica, pois, qualquer nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

iv) Da omissão de pronúncia no que diz respeito à invocada duplicação de colecta, em virtude de terem sido tributados em 2005 factos tributários respeitantes ao exercício de 2004 e nesse ano alvo de tributação

A ora Recorrente assaca à sentença recorrida o vício de nulidade por omissão de pronúncia atento o facto de esta não se ter pronunciado sobre o vício de duplicação de colecta por si invocado na petição inicial.

Afirma que a Inspecção Tributária tributou duas vezes o mesmo facto tributário, pelo menos parcialmente, pois não considera qualquer valor contabilizado no exercício de 2004 pela Recorrente referente aos imóveis alienados neste exercício.

Vejamos.

Da leitura da petição inicial constata-se que, efectivamente, a questão da duplicação de colecta foi aí suscitada pela ora Recorrente, nomeadamente, nos artigos 95 a 102, 208 a 212 e conclusão E) daquela peça processual.

Ora, lida a sentença recorrida, verifica-se que a questão da duplicação de colecta não foi apreciada, nem sequer implicitamente, o que significa que tem razão a ora Recorrente, sendo, nessa medida, parcialmente nula a sentença por omissão de pronúncia, nos termos do preceituado na alínea d) do nº1do artigo 668º do CPC, impondo-se, por isso, dela conhecer, em substituição, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, nº1 do CPC, uma vez que os autos reúnem os elementos para o efeito.

v) Da nulidade da sentença por não ter emitido pronúncia quanto à circunstância de a decisão da Comissão de Revisão não ter tido em consideração os argumentos avançados pelo perito do contribuinte

A Recorrente entende que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia em virtude de se não ter pronunciado quanto à invocada falta de fundamentação da decisão que determinou a fixação da matéria tributável em sede de Comissão de Revisão.

Adiante-se que tem razão a Recorrente.

Da leitura da petição inicial retira-se que, de facto, foi invocada pela ali Impugnante a falta de fundamentação da decisão da Comissão de Revisão, por, no seu entendimento, não ter sido levada em conta a posição assumida pelo Perito do sujeito passivo.

A sentença recorrida, não obstante ter apreciado e decidido a questão da falta de fundamentação da decisão de recorrer a métodos indirectos, fê-lo, apenas, na óptica do RIT, olvidando que tinha, também, sido invocado tal vício no que respeita à decisão da Comissão de Revisão. Por essa razão, tem-se por verificada a suscitada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, quanto a este aspecto concreto, impondo-se, por isso, dela conhecer, em substituição, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, nº1 do CPC, uma vez que os autos reúnem os elementos para o efeito.

vi) Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto aos argumentos da recorrente no que se refere à avaliação dos bens

Entende a Recorrente que a sentença é nula por omissão de pronúncia por não ter levado em consideração a argumentação da Recorrente no que respeita aos critérios de avaliação dos imóveis, alvo de correcção.

Como supra vimos, para que se verifique o vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia é necessário que não haja pronúncia sobre determinada questão que ao tribunal coubesse apreciar, e não quando deixe de se pronunciar relativamente a determinados argumentos avançados pelas partes.

In casu, o que se verifica é que a sentença recorrida apreciou a questão dos critérios de avaliação dos bens em causa, embora não tenha considerado a argumentação da Recorrente. Tal significa que a situação não configura uma nulidade por omissão de pronúncia, antes um erro de julgamento.

Improcede, assim, a suscitada nulidade.

viii) Da nulidade por omissão de pronúncia sobre as regras referentes ao negócio simulado, nomeadamente, a necessidade da sua prévia anulação judicial

Afirma a Recorrente que a sentença padece de nulidade por não ter emitido pronúncia sobre a questão das regras inerentes ao negócio simulado.

Vejamos.

Resulta da petição inicial que a Recorrente, concretamente, nos artigos 272 a 278 da petição inicial, invoca argumentação relativa ao negócio simulado, forma de tributação, bem como as regras que entende serem de seguir para a sua concretização.

A propósito da verificação de nulidade por omissão de pronúncia, especificamente o que se deve considerar questão e/ou argumento, recuperamos, aqui, o que se escreveu no acórdão do STA, de 28/5/2014, proferido no âmbito do processo nº 0514/14, nos seguintes termos:

“(…) a omissão de pronúncia só existe «quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, ((1) Cfr. Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, pág. 143.) «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Como se disse, o conceito de «questões» não se confunde com o de «argumentos» ou «razões» aduzidos pelas partes em prol da pretendida procedência das questões a apreciar («Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito». Ou seja, o juiz deve, sob pena de nulidade da sentença (por omissão de pronúncia), conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (e sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras - nº 2 do art. 608° do novo CPC), mas já não constituindo nulidade a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes das da sentença, que as partes hajam invocado. ((2) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 5ª ed., Lisboa, 2007, p. 913 - anotação 10 ao art. 125º. Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2°, Coimbra Editora, 2001, pag. 670.)

É claro que isto não significa que a decisão não possa sofrer de erro de julgamento por não ter atendido ou ponderado a argumentação apresentada pela parte. Todavia, essa é uma outra vertente do julgamento que, podendo eventualmente contender com o mérito da decisão, não contenderá com os vícios formais da sentença. (…)”

Regressando ao caso dos autos, verifica-se que o que a sentença recorrida deixou de apreciar consubstancia um argumento com o qual pretendia a ora Recorrente demonstrar a ilegalidade da fundamentação utilizada pela AT no âmbito do procedimento inspectivo. Não tem, pois, autonomia de questão. O que não significa que não possa ser apreciada, no presente recurso, como erro de julgamento.

A ausência de pronúncia quanto ao argumento referente às regras do negócio simulado não inquina, pois, a sentença do vício de nulidade por omissão de pronúncia que, nos termos supra expostos, não se verifica, improcedendo a sua arguição.

Da nulidade por excesso de pronúncia

A Recorrente entende que a sentença sofre de nulidade por excesso de pronúncia em virtude de, a fls.25, 2º§, referir a alínea d) do artigo 88º da LGT, a qual, afirma, não ter sido referida no RIT.
Comecemos por dizer que, nos termos do preceituado no nº1 do artigo 615º, do CPC, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Entendemos que não se verifica o invocado excesso de pronúncia.

É que, a mera referência a uma norma jurídica não se enquadra em tal vício, já que o juiz é livre na aplicação do direito, o que não significa que não se possa enquadrar no âmbito do erro de julgamento.

Não se verifica, assim, o alegado acréscimo de fundamentação, pelo que improcede a invocada nulidade por excesso de pronúncia.

Do erro de julgamento

A sentença ora recorrida considerou legais as liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2005 e 2006 efectuadas na sequência de procedimento inspectivo realizado à Recorrente no qual se concluiu pela utilização de métodos indirectos de apuramento da matéria tributável.

A sentença recorrida entendeu não se verificarem as irregularidades apontadas pela Recorrente no procedimento inspectivo, tendo concluído que se encontravam reunidos os pressupostos para a avaliação indirecta e que os critérios de cálculo utilizados pela AT foram aptos e adequados ao apuramento por métodos indirectos do imposto devido. Mais entendeu que, cabendo ao contribuinte provar o excesso ou erro na quantificação, não o logrou fazer.

Da leitura das conclusões de recurso, ressalta que as questões que ora cumpre apreciar, são as de saber se a sentença recorrida sofre de erro de julgamento relativamente aos seguintes aspectos:

· Incompetência do órgão que notificou o RIT;

· Caducidade do direito à liquidação;

· Verificação dos pressupostos para a avaliação indirecta;

· Falta de fundamentação do acto de correcção por métodos indirectos;

E ainda, apreciar as questões sobre as quais a sentença recorrida não emitiu pronúncia, ao abrigo do preceituado no nº1 do artigo 665º do CPC, a saber:

· Erro nos critérios utilizados pela AT na avaliação indirecta;

· Regras relativas ao negócio simulado.

· Omissão de pronúncia da decisão da Comissão de Revisão;

· Duplicação de colecta

A nossa análise obedecerá a uma ordem cronológica das situações suscitadas, pelo que começaremos por apreciar as questões referentes às ilegalidades do procedimento propriamente dito, por razões de precedência lógica.

Da incompetência do órgão que procedeu à notificação do RIT

Dissente a Recorrente do entendimento preconizado na sentença recorrida que considerou não se verificar a incompetência do órgão que notificou o RIT, por força do acto de ratificação que veio a ser proferido.

Recuperemos o segmento da sentença recorrida que a este ponto concreto diz respeito:

“(…) Alega a impugnante a incompetência do órgão que notificou o relatório final.

Não lhe assiste razão, porquanto, através do Despacho n.º 27629/2009, publicado no DR, II Série, de 28/12, o Ministro do Estado e das Finanças nomeou para o cargo de Director de Finanças de Lisboa, o Dr. ……………….., tendo o despacho produzido efeitos a partir de 14/12/2009.

Por outro lado, o Aviso (extracto) n.º 17354/2010, publicado no DR, II Série, n.º 171, de 02/09, o Sr. Director de Finanças de Lisboa procedeu à delegação e subdelegação de competências, quer próprias quer delegadas nos respectivos Directores de Finanças Adjuntos, no âmbito das competências das respectivas áreas e departamentos, sendo que até à elaboração do relatório final, no âmbito do procedimento inspectivo nos termos do art. 62° do RCPIT, delegou no Dr. J ……………….., com produção de efeitos a partir de 14/12/2009, ficando ratificados todos os actos entretanto praticados: conforme ponto 4.13 do citado despacho "(...) O sancionamento dos relatórios de acções inspectivas, bem como as informações concluídas nos respectivos departamentos (artigo 62º, nº 6, do RCPIT). ".

Pelo exposto, improcede o vício de incompetência alegado pela impugnante.(…)”

Adiante-se que concordamos com o assim decidido.

A Recorrente invoca que a ratificação dos actos praticados pelo delegado ocorreu em momento posterior ao da por si suscitada incompetência.

Não tem razão.

Acompanhamos o que, a propósito da ratificação de actos administrativos, se expendeu no Acórdão deste TCAS, de 27/01/2022, do qual se extrai o seguinte:

“(…)Os artigos 79.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 137.º do CPA (na redacção aplicável) permitem a ratificação dos autos anuláveis.

A ratificação destina-se a sanar invalidades de acto anterior, sanando vícios de competência ou proveniente da preterição de uma formalidade na sua formação, mantendo inalterável o conteúdo do acto, pertencendo o poder de ratificar o acto ilegal ao órgão competente para a prática do acto.

«Ratificação-sanação é o acto pelo qual o órgão competente decide sanar um acto anulável antes praticado, mantendo o seu conteúdo decisório, mas suprindo as ilegalidades formais ou procedimentais que o viciam, inclusivamente quanto à competência, assim transformando um acto ilegal noutro válido perante a ordem jurídica.» (Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.º Edição, 1965, Coimbra Editora, pág. 557; no mesmo sentido vide Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol II, 7.ª Reimpresão da Edição de 2001, págs. 474 a 476).

Como ponderam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim «Tradicionalmente, a ratificação (-sanação) é o acto através do qual o órgão competente sana o vício de incompetência (relativa) de um acto da autoria de um órgão incompetente.

(…)

Deve entender-se que a ratificação não é restrita à sanação do vício da incompetência, como o sugere, aliás, o n.º 3 do preceito legal: inclui-se no conceito, portanto, a sanação dos restantes vícios não atinentes ao conteúdo do acto (porque se tratará então de uma reforma, conversão ou de uma revogação por ilegalidade), ou seja, as invalidades formais e procedimentais, quando estas sejam superáveis (nesse momento post acto).

A ratificação, para efeitos do Código, será assim o acto através do qual o órgão competente para a prática de um acto administrativo procede à sanação de um vício seu, relativo à respectiva competência, forma ou formalidades: é o caso, por exemplo, do acto praticado sem a fundamentação legalmente exigida, que pode ser objecto de uma ratificação posterior, praticando-se fundamentadamente.» (in Código do Procedimento Administrativo, 2.ª Edição, Actualizada, Revista e Aumentada, nota II ao artigo 137.º, págs. 663 a 664).

Deste modo, o despacho de 22/01/2003 da directora de finanças adjunta é válido, por ter sido ratificado pelo órgão competente, que retroagiu os efeitos da ratificação a data anterior à prática do acto, salvando assim os efeitos já produzidos por esse acto ilegal (artigo 137.º, n.º 4 do CPC).

Neste sentido já decidiu o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 18/09/2019, proferido no processo n.º 01198/13.3BEPRT 0693/17 (Reforma de acórdão) – disponível em www.dgsi.pt/.(...)

Conclui-se, como a sentença, que o acto que determinou a notificação do RIT, por ter sido ratificado, não padece do vício de incompetência que lhe vem assacado, improcedendo o recurso, nesta parte.

Da caducidade do direito à liquidação

Entende a Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento ao ter considerado que não se encontrava caducado o direito à liquidação.

Refere que o início do procedimento inspectivo ocorreu em momento prévio ao da assinatura da Ordem de Serviço, aquando dos contactos efectuados com terceiros.

A sentença recorrida assim não o entendeu, por ter considerado que o momento que determina o início do procedimento inspectivo é a data em que se verifica a assinatura da Ordem de Serviço, pelo sujeito passivo, tendo considerado os contactos com terceiros como actos preparatórios do procedimento.

Por concordarmos, inteiramente, com o decidido, e à míngua de argumentos aptos a abalar o entendimento vertido na sentença recorrida, recuperamos o que nela se escreveu a este propósito:

“(…) o procedimento de inspecção externa à Impugnante iniciou-se em 26- 06-2009 com a assinatura da ordem de serviço e terminou com a notificação do relatório final em 17-12-2009.

Nestes termos, o procedimento inspectivo não ultrapassou os 6 meses e suspendeu-se o prazo de caducidade do direito à liquidação durante o período de tempo em que aquela durou. Uma vez que o prazo de caducidade se iniciou em 01/01/2005, nos termos do art. 45°, nº 4 da LGT, o mesmo terminaria, sem suspensão ou interrupção, em 01/01/2010.

Tendo estado o prazo de caducidade suspenso desde 26/06/2009 até 17/12/2009, perfazendo este hiato 174 dias, os quais acrescem e são contados desde 01/01/2010, e tendo em conta que a impugnante foi notificada da liquidação em Fevereiro de 2010, não se verifica a alegada caducidade pois a impugnante poderia ser notificada até 23/06/2010, pelo que, se conclui que a impugnante foi validamente notificada em 01/02/2010 e dentro do prazo de caducidade.

Alega ainda a impugnante referir que o início do procedimento inspectivo ocorreu não no início da assinatura da ordem de serviço, mas através dos vários actos levados a efeito junto de terceiros.

Vejamos.

Nos termos do artigo 44° do RCPIT, "O procedimento de inspecção é previamente preparado, programado e planeado tendo em vista os objectivos a serem alcançados" (nº 1) e "A preparação prévia consiste na recolha de toda a informação disponível sobre o sujeito passivo ou obrigado tributário em causa, incluindo o processo individual (.. .)"

Segundo o nº 4, deste artigo "A programação e planeamento compreendem a sequência das diligências da inspecção tendo em conta o prazo para a sua realização previsto no presente diploma e a previsível evolução do procedimento."

Ora, no caso em apreciação, as declarações dos adquirentes prestadas em termo de declarações, consubstanciam a fase de preparação prévia, tratando- se de actos praticados pela administração fiscal como preliminar do procedimento de inspecção devem ser apreciados como tal e não como parte de um procedimento informal, como pretende a impugnante..(...)”

Não nos merecendo qualquer reparo o assim decidido, improcede a argumentação da Recorrente, neste aspecto.

Da verificação dos pressupostos para a avaliação indirecta

Dissente a Recorrente da sentença recorrida relativamente à verificação dos pressupostos para o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável.

A sentença recorrida entendeu encontrarem-se verificados os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta, nos seguintes termos:

“(…) No caso dos autos, a Administração Tributária fundamenta o recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável (cfr. al. E) do probatório) no facto de ter detectado que a venda de algumas fracções foi efectuada por valor superior ao declarado, segundo informações colhidas junto dos adquirentes e demonstradas pelos pagamentos adicionais de sisa efectuados pelos adquirentes em que é indicado o valor real da aquisição, pela existência de contratos-promessa de compra e venda, e "promessa unilateral de compra" com valores divergentes das escrituras, e pela emissão de cheques destinados ao pagamento de fracções emitidos ao portador e correspondentes à diferença entre o valor constante da escritura (contabilizado) e o valor real (omitido) e depositados no estrangeiro.

É certo que, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento da matéria colectável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei comercial ou fiscal. Contudo, se se verificarem erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte, é lícito o recurso aos métodos indiciários, o qual constitui um método excepcional de apurar o facto tributário, que só pode ter lugar quando o contribuinte não cumpra os deveres a que está obrigado.

No caso dos autos, foi demonstrado pela AT que a impugnante não contabilizou todos os proveitos que auferiu com as vendas das fracções, o que impossibilita a comprovação directa e exacta dos elementos necessários à determinação da matéria colectável, pois evidencia que a capacidade contributiva da impugnante é maior do que a declarada.

De facto, no decurso de procedimento inspectivo apurou-se que a impugnante, contabilizou valores de venda inferiores aos valores reais das transacções, ou seja, que a sua contabilidade não reflectia de forma verdadeira os resultados obtidos.

Estavam, pois, reunidos os pressupostos para determinação do lucro tributável por métodos indirectos - arts. 52.º, nº 1 e 54.º do CIRC e 87.º, al. b) e 88.º, al. d), da LGT.(…)”

Comecemos por enquadrar o regime de avaliação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos. Para tanto, atentemos no que escreveu no Acórdão deste TCAS de 25/05/2017, proferido no âmbito do processo nº 6473/13:

“(…) Como se sabe, o sistema fiscal português acolhe a ideia de presunção de verdade dos actos dos contribuintes, sejam as suas declarações (apresentadas nos termos legais), sejam os seus dados contabilísticos (desde que a contabilidade se mostre organizada de acordo com o legalmente exigido) – cfr. artigo 75º, nº1 da Lei Geral Tributária (LGT).
Trata-se de uma presunção umbilicalmente ligada à presunção de boa-fé.

Como se sabe, também, esta presunção de verdade não é absoluta, cessando, desde logo, nas situações previstas no nº 2 do artigo 75º da LGT, ou seja, quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da lei, for legítima a recusa da prestação de informações; quando a matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na LGT e quando os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A da LGT.

No que toca aos procedimentos de avaliação, a lei é clara sobre a opção preferencial do legislador, isto é, não restam dúvidas que a lei assume como última ratio o recurso à avaliação indirecta, relegando-a para situações em que não seja de todo possível a quantificação directa e exacta da matéria tributável, através dos dados declarados pelo sujeito passivo ou fornecidos por terceiros ou, também, quando ab initio o método de determinação é já um meio não directo, como o regime simplificado.

Com efeito, “o recurso à avaliação indirecta – por indícios, presunções ou estimativas – é excepcional e está sujeito a uma regra de tipicidade, só podendo fazer-se nos casos e condições expressamente previstos na lei, associados geralmente a uma intensa violação pelo contribuinte dos seus deveres de cooperação para com a Administração Tributária, ou em caso de razões acidentais que inviabilizem o apuramento da matéria tributável real do contribuinte” – vide, Lima Guerreiro, in LGT, anotada, Rei dos Livros, pag. 355.(…)”

No caso dos autos, a fundamentação legal para o recurso à avaliação indirecta constante do RIT, fundamenta-se no preceituado nos artigos 52º e 54º do CIRC e nos artigos 87º a 90º da LGT e, concretamente, na alínea a) do artigo 88º da LGT.

A Administração Fiscal entendeu, como resulta do probatório - alínea e) - que a existência de omissão de proveitos revela que as demonstrações financeiras não reflectem o verdadeiro resultado das operações realizadas pelo sujeito passivo, permitindo concluir que os montantes efectivamente pagos pelos adquirentes por conta da aquisição das fracções são superiores aos valores que se encontram contabilizados como proveitos, comprovando-se, deste modo, a discrepância entre o valor real de venda e o valor declarado.

A sentença recorrida, como supra vimos, entendeu ser legal a motivação da AT, tendo considerado encontrarem-se verificados os pressupostos para a determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, posição com a qual não concorda a Recorrente, por várias razões.

Comecemos por apreciar a questão, invocada na petição inicial e agora em sede recursiva, relativa à falta de notificação à Recorrente para que regularizasse as deficiências encontradas na sua contabilidade.

A este propósito refere a Recorrente que, no que respeita à utilização de métodos indirectos pela circunstância de a contabilidade não reflectir de forma verdadeira e apropriada os resultados declarados (como afirmado no RIT), está condicionada ao prazo legal que deve ser concedido ao contribuinte para suprimir as “supostas” irregularidades no procedimento inspectivo.

E que, a existirem anomalias ou incorrecções, terão que ser de molde a inviabilizar o apuramento da matéria tributável, situação que carecia de ser demonstrada e provada pela Inspecção Tributária, o que não sucedeu, in casu.

Vejamos.

Preceitua o artigo 88º da LGT o seguinte (na redacção aplicável):

Impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável

A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.

d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.(Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro)” sombreado nosso.

Da leitura do RIT constata-se que, expressamente, refere a alínea a) do artigo 88º da LGT, no intróito do ponto IV – Motivação e Exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos. Se o enquadramento nessa alínea foi correcto é questão que não nos cumpre apreciar, ou seja, bem ou mal, tendo sido fundamentado o recurso a métodos indirectos na alínea a) do artigo 88º da LGT, é no âmbito deste normativo que nos movemos.

Ora, a alínea a) do referido preceito legal exige, para que as realidades ali referidas permitam a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, que não sejam supridas no prazo legal, o que pressupõe uma notificação ao sujeito passivo nesse sentido.

E isto, independentemente de qual das situações comportadas naquela alínea a).

A este propósito, afirma Lima Guerreiro, in Lei Geral Tributária – Anotada, Rei dos Livros, anotação ao artigo 88º, pág. 371, nota 3, que como resulta do presente preceito legal, a pura e simples verificação das anomalias nele previstas não é, por si só, suficiente para a aplicação de métodos indirectos. É igualmente necessário, no dizer da norma, que essas anomalias “inviabilizem o apuramento da matéria tributável. É o resultado da subsidiariedade da avaliação indirecta perante a avaliação directa. Por outro lado, a inexistência ou insuficiência de contabilidade, a falta ou atraso da escrituração dos livros ou registos, as irregularidades da sua organização ou execução e a falta ou insuficiência da declaração, só podem dar origem à aplicação de métodos indirectos quando não supridas no prazo legal a fixar pela administração, nos termos das leis tributárias. Na falta de qualquer prazo específico para notificação para regularização da situação, aplica-se o previsto no artigo 57º, nº2 da presente lei. (LGT)

Quanto a esta questão, já se pronunciou o STA, no Acórdão de 13/09/2017, proferido no âmbito do processo 1316/16, do qual se extrai o seguinte:

“(…) A possibilidade de o contribuinte suprir as deficiências da escrita, após notificação, evitando a utilização de métodos indirectos, decorre, no âmbito do IRS, do disposto nos nºs. 2 e 3 do art. 39° do CIRS e, em sede de IRC, do disposto nos nºs. 2 e 3 do art. 57º do CIRC e a tal possibilidade se referem, igualmente, os arts. 120º e 121º do RGIT, evidenciando-se «a preocupação do legislador em reservar a avaliação indirecta para aquelas situações irremediáveis em que já não é possível, como base na contabilidade ou nos elementos dos contribuintes, determinar o valor tributável real por avaliação directa» (LGT Comentada e anotada, Almedina, 2015, [José Maria Fernandes Pires (Coordenador), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes], Comentário nº 4 ao art. 88º, pp. 911 e 912.)
E, no caso, tendo a AT procedido à correcção, por métodos indirectos, da matéria tributável da impugnante, ao abrigo do disposto na al. b) do art. 87° e da al. a) do art. 88°, ambos da LGT, por irregularidades na organização ou execução da respectiva escrita, impunha-se, como diz a sentença recorrida, a prévia notificação daquela (cfr. o art. 52° do CIRC) para suprir a irregularidade.(…)”

Acompanhamos o ali decidido.

Tendo a AT fundado a sua motivação na alínea a) do artigo 88º da LGT, impunha-se que notificasse o contribuinte para suprir as apontadas irregularidades/deficiências/omissões na contabilidade.

Nos autos, incluindo o PAT, não há notícia que o tenha feito. Nem nunca a FP refere o cumprimento de tal exigência legal.

Não o tendo feito, é ilegal o recurso a métodos indirectos.

Ainda que assim não fosse, resta dizer que mal se compreende o recurso à avaliação indirecta uma vez que a AT tinha ao seu dispor os elementos necessários para proceder à avaliação directa, com o recurso a correcções aritméticas, já que, como resulta dos autos, foram-lhe facultados, pelos adquirentes das fracções, os contratos celebrados com a Recorrente, onde constavam os valores reais das transacções. E esses valores foram reflectidos nos quadros que constam do RIT.

E, quanto aos adquirentes que o não fizeram, identificados no RIT, entendemos ser insuficiente para fundamentar o recurso a métodos indirectos a mera existência de um segundo mútuo, sem mais.

Neste sentido já foi decidido no Acórdão deste TCAS de 25/05/2017, proferido no âmbito do processo nº 6473/13, do qual recuperamos o seguinte:

“(…) Consideraram, ainda, os serviços de inspecção como relevante para os fins em apreciação, o facto de oito dos adquirentes terem contraído dois mútuos bancários, na mesma data da celebração da escritura de compra e venda, em que a soma de ambos é superior ao valor da aquisição e cujo objecto de garantia dos mesmos foram as fracções adquiridas;

Sobre este aspecto, a Mma. Juíza pronunciou-se nos termos que se seguem:

“(…) De facto como consta dos autos, alguns dos adquirentes naquelas circunstâncias justificaram o recurso ao segundo empréstimo, tendo, em regra, sido despendidos com a aquisição de mobiliário e electrodomésticos para as novas habitações, mas também, nomeadamente, com a aquisição de um veiculo motorizado e pagamento dos respectivos seguros e com as respectivas despesas com as escrituras e demais encargos legais, como os impostos. Mas, mesmo nos casos em que os adquirentes dos imóveis não dispunham de facturas/recibos justificativos da forma como foram despendidos os valores referentes aos segundos empréstimos, há que ter em consideração que, não lhes era exigível a conservação destes elementos.

O que decorre dos autos é que os adquirentes colaboraram com a AT, confirmando o valor de venda dos imóveis e justificando a aplicação dos segundos empréstimos.

Ora, a existência dos dois empréstimos com garantia hipotecária do imóvel adquirido só por si, não nos permite concluir que o imóvel tenha sido adquirido pela soma das quantias mutuadas, sendo certo que tal procedimento não constitui qualquer ilegalidade, não se mostrando idóneo para abalar credibilidade da contabilidade da impugnante, que nem sempre tinha conhecimento da existência dos segundos empréstimos”.

Ora, estes considerandos são inteiramente válidos, devendo acrescentar-se o facto de, como é do conhecimento geral, no período em causa, corresponder a uma prática comum a de contratar, no momento de obter financiamento para a compra de habitação, dois empréstimos, um destinado a habitação, outro reservado a despesas relacionadas com a casa ou outras de carácter pessoal. Era, como ninguém desconhece, uma prática habitual.

Por si só, tal circunstancialismo, nada pode indiciar no sentido de que os valores escriturados não correspondem aos valores reais de compra/venda e, como tal, não são motivação apta a concluir pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.

Note-se, de resto, que parte dos compradores justificaram as despesas feitas e, alguns até, as documentaram, não lhes sendo exigível que tivessem conservado os respectivos documentos e, muito menos, fazer decorrer de tal falta (respeitante a terceiros) uma consequência fiscal na esfera da impugnante.

Daí que, contrariamente ao que afirma a AT no relatório, não é aceitável que se conclua que “este comportamento por parte dos compradores”, ou seja, não apresentando justificação cabal para a aplicação dos empréstimos, leve a considerar aí um “forte indício que o total do capital emprestado corresponde ao valor efectivo da transmissão do imóvel”.(…)”

Assim sendo, procedendo aquele segmento do recurso, fica prejudicada a apreciação do demais invocado, sendo de revogar a sentença recorrida e considerar procedente a impugnação judicial.

III – Dispositivo

Termos em que, acordam os juízes da 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, assim se anulando os actos de liquidação impugnados.

Custas pela Fazenda Pública.

Registe e notifique.

Comunicações necessárias.

Lisboa, 30 de Junho de 2022

Isabel Vaz Fernandes

Jorge Cortês

Hélia Gameiro Silva