Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:144/17.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/21/2019
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:DISCIPLINA DESPORTIVA - IMPUTAÇÃO E PUNIÇÃO DO CLUBE A TÍTULO DE AUTORIA – EXECUÇÃO MATERIAL DO ILÍCITO POR SÓCIO OU SIMPATIZANTE DO CLUBE.
Sumário:1. Por disposição expressa do artº 35º do Regulamento das Competições organizadas pela LPFP/2016, a titularidade do dever, colocada na esfera jurídica do clube desportivo sob a forma especial de dever de garante, constitui o fundamento da responsabilidade disciplinar do clube por delito de omissão do dever de evitar o resultado jurídico desvalioso tipificado nos artºs. 187º, 186º e 127º do RD –LPFP/2016 no contexto do “terreno de jogo” e “dentro dos limites do recinto desportivo”.
2. Tal significa que a entidade administrativa com poderes regulamentares – a Liga, LPFP – quis vincular a autoria pelo cometimento dos ilícitos disciplinares dos artºs. 127º, 186º e 187º do RD –LPFP/2016 à violação do dever jurídico de garante da observância dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2016.
3. Consequentemente, recai sobre a pessoa colectiva, i.e, sobre o clube desportivo a imputação de autoria dos ilícitos descritos nos artºs. 127º, 186º e 187º do RD–LPFP/2016 por violação dos deveres normativamente elencados no âmbito do dever jurídico de garante que incumbe ao próprio clube desportivo.
4. O que significa que o sócio ou simpatizante executor do ilícito disciplinar tem de ser uma pessoa singular devidamente identificada no processo disciplinar através da sua identidade civil para, por seu intermédio, se fazer a imputação funcional do comportamento ilícito do sócio ou simpatizante, devidamente identificado, ao clube desportivo, na exacta medida em que, nos termos expostos, o critério da autoria repousa na titularidade dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento Disciplinar das competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional/2016.
5. Não é juridicamente admissível presumir a qualidade de sócio ou simpatizante do clube relativamente à pessoa singular desconhecida e, como tal, não existente no processo, que executa os actos materiais tipificados nos artºs. 127º, 186º e 187º do RD–LPFP/2016, que é o sócio ou simpatizante do clube, e que assim concretiza a infracção, nos termos já expostos, materializando o comportamento proibido pelo tipo de ilícito disciplinar.
6. Se não se sabe quem é a pessoa singular, porque não está identificada no processo disciplinar, não é possível fazer derivar por presunção e dar como provado que a pessoa em causa é sócia ou simpatizante do clube desportivo para efeitos de imputação da autoria à pessoa colectiva.
7. Por força do artº 32º nº 2 e 10 da Constituição, no direito sancionatório, seja criminal seja disciplinar, não se presume a autoria do tipo de ilícito, o que se presume, a partir de uma base fáctica provada (base da presunção), são comportamentos expressos em factos susceptíveis de imputação subjectiva ou objectiva.
Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
    A Federação Portuguesa de Futebol, com os sinais nos autos, ao abrigo do regime do artº 8º nº 1da L74/2013, 06.09 e alterações introduzidas pela Lei 33/2014, 16.06, (LTAD), inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto de 08.SET.2017, proferido no processo nº 1/2017 em que são parte demandante a sociedade Futebol Clube …………..– Futebol SAD e parte demandada a ora Recorrente, dele vem recorrer concluindo como segue

1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, proferido em 8 de setembro de 2017, em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral em anular as multas aplicadas nos processos disciplinares que correram termos junto do Conselho de Disciplina sob as referências RHI nº 13-2016/2017, RHI nº 10-2016/2017, RHI nº 20-2016/2017 e RHI nº 18-2016/2017 em que a Demandante foi punida ao abrigo do disposto nos artigos 127º, 186º, nº l e 187º, nº 1 alíneas a) e b) do RD da LPFP e o segmento decisório que versa sobre a rejeição do pedido de isenção de custas apresentado pela ora Recorrente.
2. A decisão que ora se impugna é passível de censura, porquanto existe um erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, perfilhando uma tese que leva à total impunidade dos clubes no que aos comportamentos violentos dos seus adeptos diz respeito.
3. Os relatórios de jogo elaborados pelos Delegados da LPFP que estiveram na origem da instauração dos processos sumários em análise nos autos são claros e inequívocos ao identificar as condutas violentas (como o rebentamento de petardos, o arremesso de tochas, o deflagramento de potes de fumo, a exibição de tarjas de conteúdo ofensivo e a entoação de cânticos também ofensivos) como provenientes de bancadas afectas aos adeptos da Recorrida.
4. Nos termos do artigo 258º, n.º l do RD da LPFP, o processo sumário é instaurado tendo por base o relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou do delegado da Liga, ou ainda com base em auto por infração verificada em flagrante delito. Este é um processo propositadamente célere, em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada apenas por análise do relatório de jogo que, como se sabe, tem presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. artigo 13º, ai. f) do RD da LPFP).
5. Com base no relatório de jogo (por aplicação direta da norma regulamentar), a Secção Profissional do Conselho de Disciplina faz subsumir o facto à norma aplicável, indicando-a no mapa de castigos, e aplicando a sanção correspondente. Nada mais há a dizer ou a fundamentar, em processo sumário.
6. O Tribunal a quo andou mal ao entender que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta do Relatório de Jogo) que a Recorrida violou deveres de formação e vigilância, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, o Tribunal Arbitral entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, num total desrespeito pelas regras de repartição do ónus da prova. Diz, no entanto, em contraponto, que à Recorrida não era possível fazer prova de factos negativos.
7. Entendeu já o Supremo Tribunal Administrativo que "a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur»." Assim, o Relatório de Jogo é perfeitamente suficiente e adequado para punir a Recorrida nos casos concretos.
8. Adernais, há que ter em conta que no caso concreto existe uma presunção de veracidade do conteúdo do relatório do jogo, o que inverte o ónus da prova (cfr. artigo 344.º do Código Civil). De acordo com o artigo 13º, ai. f) do RD da LPFP, um dos princípios fundamentais do procedimento disciplinar é o da presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga, e por eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa".
9. Do conteúdo do Relatório de Jogo por parte dos Delegados da Liga, é possível extrair diretamente duas conclusões: (i) que o Futebol Clube do Porto incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os objetos proibidos entrado nos respetivos estádios (violação do dever de vigilância) e não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do Futebol Clube …………., o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos (única forma dos Delegados identificarem os espectadores, para além da bancada, que essa sim, foi indicada como sendo afecta a adeptos da Recorrida).
10. Assim, cabia à Recorrida demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado em todos os processos, ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrida nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede.
11. A Recorrida não coloca em causa a veracidade dos factos essenciais descritos nos Relatórios - ou seja, não coloca em causa que foram rebentados petardos, que foram exibidas tarjas, que foram arremessadas tochas, etc. - mas apenas coloca a dúvida sobre a autoria dessas condutas. No que diz respeito ao cumprimento ou incumprimento dos seus deveres, a Recorrida nada refere.
12. Tendo em conta que o relatório de jogo tem uma força probatória fortíssima em sede de procedimento disciplinar, ao contrário do que entende o Tribunal a quo, cabia à Recorrida fazer prova que contrariasse aquela que consta dos autos e que leva à conclusão de que as condutas ilícitas foram feitas por espetadores seus adeptos ou simpatizantes.
13. Conforme é desde logo estipulado no artigo 172º nº l do RD da LPFP: "1. Os clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial.", sendo certo que os deveres ligados à prevenção e combate da violência no desporto estão previstos na Constituição e na Lei e presentes nos regulamentos disciplinares das instâncias internacionais do futebol, a UEFA e a FIFA.
14. A conclusão a que chegou o Conselho de Disciplina, como exposta supra, nos quatro processos em causa nos autos, não podia ter merecido qualquer censura porquanto o facto (alegada e eventualmente) desconhecido - a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrida e a violação dos respetivos deveres -foi retirado de outros factos conhecidos sendo que este tipo de presunção judicial é perfeitamente admissível nesta sede ao contrário do que é sufragado pelo Tribunal o quo.
15. Há ainda que notar que o próprio Tribunal Arbitral do Desporto já se pronunciou em sentido diverso ao entendimento sufragado no acórdão recorrido, e de forma totalmente consentânea com o que se expôs nas presentes alegações, no âmbito do processo nº 26/2017.
16. A tese sufragada pelo Colégio Arbitral é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, ern virtude do receio da ocorrência de episódios de violência.
17. A interpretação perfilhada no acórdão recorrido levará a uma crescente desresponsabilização por este tipo de atos e não se diga que os clubes não podem ser responsabilizados por factos praticados pelos seus adeptos, pois tal responsabilização deriva de uma evolução recente e salutar no fenómeno desportivo e que visa a diminuição da violência no desporto e intima os clubes a tomarem medidas para assegurar que tais factos não se verifiquem.
18. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13º, ai. f), 127º, 172º, 186º, nº l, 187º, nº l, ai. a) e b) e 258º do Regulamento Disciplinar da LPFP.
19. O Acórdão recorrido decide ainda rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente, pelo que também neste segmento decidiram mal os Exmos. Arbitros que compuseram o Colégio Arbitral;
20. A negação de tal direito é violador de normas constitucionais, designadamente o artigo 13º e 20º, n.ºs. 1 e 2 e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a situação da FPF face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitrai obrigatória;
21. Ao rejeitar o pedido de isenção da taxa de arbitragem apresentada pela ora Recorrente, o Colégio de Árbitros aplicou, assim, uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo;
22. Isto significa que se este Douto Tribunal Superior entender igualmente não ser de reconhecer a isenção da Recorrente das taxas previstas na LTAD e na Portaria acima referida, estará também aplicar norma reportada como inconstitucional e a violar o artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais, e os artigos 13º e 20º, nº l e 2 e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.


*
A sociedade Recorrida Futebol Clube ……………. – Futebol SAD contra-alegou, concluindo como segue:

1. Debruça-se a decisão recorrida sobre quatro decisões de condenação tomadas pelo Conselho de Disciplina, as quais, por sua vez, se ancoraram nos respectivos relatórios de jogo e arbitragem.
2. Examinados os quatro relatórios de jogo, percebe-se que o que motivou a imputação, e posteriormente a condenação nas decisões disciplinares proferidas, da Recorrida foi, tão-somente, o local onde as condutas infractoras ocorreram no recinto desportivo: a bancada afecta a adeptos do FC …………..
3. Ainda que o art. 53,° do RD a fundamentação da decisão através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito, sempre se exigirá - no plano sancionatório, como é o caso - que se revele como uma fundamentação suficientemente robusta para que o tribunal possa julgar como provados os factos consubstanciadores da prática da infracção pelo arguido
4. No âmbito sancionatório - disciplinar, para punir algum agente por conduta ilícita sempre será preciso ir mais além, apresentado provas concretas que permitam criar a convicção no julgador de que se mostram preenchidos todos os pressupostos exigidos pelo tipo legal.
5. Nem mesmo a presunção de verdade que possa existir, e em que tanto se sustenta a Recorrente na sua tese, justifica que a fundamentação possa ficar aquém deste limiar mínimo para a punição: o preenchimento de todos os pressupostos legais do tipo de ilícito.
6. Ao ser assim, revelando-se insuficientes os factos provados e nem havendo prova que permita colmatar esta insuficiência - e atendendo desde logo à presunção de inocência – ficava necessariamente prejudicada a condenação da Recorrida em todos os processos disciplinares.
7. É precisamente esta insuficiência de factos e provas que dá corpo à ilegalidade por erro na apreciação da prova, acolhida pelo acórdão recorrido.
8. O que Recorrida sempre sustentou — e o Tribunal a quo corroborou - é que, independentemente da fundamentação vertida nos relatórios ser mais ou menos sucinta, é necessário que os autos reunam prova suficiente que permita criar uma convicção segura sobre a prática de comportamentos indisciplinares por adeptos do clube sancionado.
9. Considerando as infracções p, e p. pelos arts. 186.° e 187.° do RD em causa nos autos, era necessário que o Conselho de Disciplina tivesse carreado aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da Futebol Clube………… - Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da Futebol Clube ………….. - Futebol SAD.
10. Precisamente porque ciente que dos relatórios não resultam suficientemente demonstrados os pressupostos exigidos pelos tipos legais em questão, pugna a Recorrente pela inversão do ónus da prova, cabendo à Recorrida demonstrar que cumpriu com os deveres que sobre si impendiam.
11. Porém, face às normas e princípios que enformam o processo sancionatório, admitir a tese da Recorrida equivaleria a uma atentaria violação das regras do ónus probatório e do princípio da presunção de inocência,
12. Desde logo, e como vindo a ser corroborado pela jurisprudência, o arguido em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada.
13. Ao ser assim, andou bera o Tribuna! recorrido quando considerou que o principio da presunção de inocência do arguido, também presente no âmbito do processo disciplinar, tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido - in casu a Recorrida -o ónus de reunir as provas da sua inocência (neste sentido, a título de exemplo, veja-se o acórdão do TCA Norte de 02.10.2010, processo n.° 01551/05.8BEPRT, e ainda o acórdão do TCA Norte de 05.10.2012, processo n.° 01958/08.7BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt).
14. Revela-se, aliás, unânime que o arguido em processo disciplinar tem direito a um "processo justo", o que passa, designadamente, pela aplicação de algumas das regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, como é o caso do citado principio da presunção da inocência, acolhido no art. 32.°-2 da CRP (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27/11/97, in Rec. n.° 039040; ló.OUT.97, in Rec. n° 031496, de 14/03/96, in Rec. n.° 028264; de 19JAN.95, in Rec. n.° 031486; de 10.DEZ.98, in Rec. n.° 037808; de Ol.MAR.07, in Rec. ni.° 01399/06; de 28.ABR.05, in Rec, n.° 333/05; de 17.MAI.01, in Rec. n.° 40528, disponíveis em www.dgsl.pt).
15. Portanto, sem que esteja demonstrada e devidamente comprovada, através de robustas provas, a materialidade e autoria da infracção disciplinar fica comprometida qualquer condenação do arguido/demandante, que tem em seu favor a presunção de inocência.
16. Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.°-f) do RD, e a que se apega a Recorrente, pode tolher o sentido da decisão recorrida.
17. Pois que, mesmo animada por uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir ura início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova, como quer fazer crer a Recorrente,
18. Para efeitos disciplinares, é relevante afirmar que a prova dos factos integradores da infracção é determinada face aos elementos existentes no processo e pela convicção do julgador, estando sujeita ao princípio da livre apreciação da prova.
19. Vale assim neste âmbito o princípio consignado no art.° 127,° do CPP, da livre apreciação da prova, rios termos em que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção.
20. Uma vez que nada dispõe em contrário, competirá ao julgador -na fixação dos factos e pressupostos da aplicação da pena disciplinar - formular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos através da apreciação do material probatório, segundo aquela que é a sua livre convicção.
21. É precisamente nessa ponderação que - independentemente de gozarem ou não de presunção de veracidade « haverão de ser devidamente considerados os relatórios de jogo.
22. Por assim proceder, andou bem o Tribunal Recorrido ao apreciar todo o material probatório que recheia os autos, formulando o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos através da apreciação, segundo aquela que é a sua livre convicção, por sua vez, andou mal a Recorrida nas decisões disciplinares ao decidir pela condenação da ora Recorrida, quando não é possível retirar uma certeza da prova produzida.
23. Mas mais, a Recorrente refugia-se na "prova por presunção". Sucede que uma coisa é o titular da acção disciplinar apresentar prova sobre os factos constitutivos da infracção imputada ao arguido, tendente a demonstrar a culpabilidade deste, cuja apreciação, salvo tratando-se de provas de valor vinculado, é efectuada segundo as regras da experiência e da livre convicção da entidade competente; outra coisa, completamente diferente, é o titular da acção disciplinar não apresentar a prova sobre os factos constitutivos da infracção imputada ao arguido, e pretender-se que, perante determinado quadro factual qualifícável como infracção disciplinar imputado ao arguido, seja este a apresentar provas tendentes a infirmar tal imputabilidade ou seja era ordem a demonstrar a sua inocência, quando é certo que esta se presume.
24. No âmbito do processo sancionatório- penal, contra-ordenacional e disciplinar - não pode haver lugar a um esforço probatório aliviado por via do recurso a presunções, contrariamente ao que sucede noutras áreas do direito.
25. Porque assim é, o recurso a presunções judiciais só se revela legítimo quando intervenham juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regas da experiência, que determinado facto - desconhecido e não directamente provado- é na consequência natural ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza
26. A mera circunstância de a bancada na qual teve origem a deflagração de engenhos pirotécnicos estar - por princípio - afecta a adeptos da Demandante, sem sequer haver prova da exclusividade dessa afectação, não permite concluir - com toda a probabilidade próxima da certeza ou, pelo menos, para além de toda a dúvida razoável - que o autor da deflagração tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante da recorrente.
27. Tanto mais quando se está perante um evento em que a Recorrida - por não ser a promotora - não teve qualquer intervenção ou controlo no acesso ao estádio e repartição de adeptos peio recinto desportivo
28. Assim sendo, perante a imputação/condenação que é feita à SAD, em vez do titular da acção disciplinar ter carreado para o processo provas atinentes à demonstração dessa imputação - designadamente, que as condutas foram praticadas por um seu sócio ou simpatizante e que esta adoptara um comportamento culposo na ocorrência de tais condutas -, concluiu-se, através daquela demonstração exterior e perante a circunstância da Recorrida não ter apresentado provas em ordem a elidir a imputação- factual que lhe foi feita, que devia ser assacada responsabilidade disicplinar à Recorrida.
29. Não bastava à Recorrente invocar que os factos ocorreram em bancada afecta a adeptos do FC ………, pois que, perante critérios lógicos e intelectuais aplicáveis em matéria desportiva, não é possível afirmar que tal bancada só era ocupada por sócios ou simpatizantes do FC ………, como não era igualmente possível afirmar - mais urna vez com a segurança exigida para uma condenação—que a Recorrida, activa ou omissivamente, contribuiu para ocorrência dos factos,
30. Demonstrativo da fragilidade da tese acusatória é, aliás, o facto da própria Recorrente ter indicado um link para imagens televisivas do jogo que decorreu no Estádio do ……… FC, onde é possível ver que - na mesma bancada - estão lado a lado adeptos do clube visitante e do clube visitado. (cf. minuto 01:34 a 01:35, disponível em https://www.sporttv,pí/sport-tv/videos/#/video?32793)
31. Sendo um exemplo evidente de tudo que tern sido defendido pela Recorrida e que o Tribuna! Arbitral bem concluiu: tratam-se de factos autónomos em que, de forma alguma, um dos factos (ser sócio ou simpatizante do FC ……….) é consequência directa de outro facto (se encontrar em bancada, por princípio, afecta ao FC ……..), o único conhecido e provado.
32. Aliás, e no que concerne às infracções p. e p. pelos arts. 186," e 187,° do RD, a lei exige que o clube só poderá responder pela conduta perpretada por um sen sócio ou simpatizante.
33. Importa, pois, referir que a lei pune o arremesso por sócio ou simpatizante e não - como parece querer a Recorrente afirmar - o arremesso proveniente de certa bancada.
34. De notar que a jurisprudência que a Recorrente truncadamente transcreve nas suas alegações, vai ao encontro de tudo quanto vem defendido pela Recorrida e decidido pelo Tribunal JRecorrido.
35. No caso Feyernoord Rotterdam vi UEFA e no caso TAS de 31.03.2013 é notória a necessidade de prova suficiente de que os adeptos que perpetraram os factos eram adeptos do clube sancionado e prova suficiente de que na bancada em que ocorreram os factos apenas e só se encontravam adeptos do clube sancionado.
36. Revertendo à matéria dos autos e, em especial, aos quatros relatórios de jogo, percebe-se que a equipa de arbitragem apenas faz referência a uma localização geográfica, não referindo quaisquer outros elementos que permitissem concluir que tal bancada era exclusivamente ocupada por adeptos do FC ………, não são aliás evidenciados pelos elementos exteriores, que permitissem evidenciar a ligação dos adeptos ao clube.
37. A título de exemplo, em nenhum dos relatórios são referenciados sinais evidentes dessa associação ou simpatia: camisolas, cachecóis, bonés, se houve venda exclusiva daqueles lugares a adeptos do clube visado,
38. Cumprindo com o que se lhe impunha, o Tribunal Arbitral fez cumprir todas estas exigências de prova, pelo que, assentando as decisões disciplinares em meras ilações das quais não se pode concluir, sem margem para dúvidas, a prática da infracção disciplinar por sócio ou simpatizante da Recorrida e daí partir para a punição da Recorrida, impunha-se concluir que tais decisões padeciam de ilegalidade por erro na apreciação da prova, decidindo-se necessariamente pela revogação das multas aplicadas,
39. Importa acrescentar que o preenchimento da infracções p, e p. peio art. 121°, 186.° e 187.° do RD, aqui em discussão, pressupõe uma actuação culposa da Recorrida.
40. Como já adiantamos supra, face ao ónus probatório e à presunção de inocência, impunha-se ao Conselho de Disciplina averiguar o que fez (ou não fez) a Recorrida para não impedir que ocorresse qualquer comportamento infractor de terceiros no recinto desportivo, sustentando a sua decisão em prova suficiente.
41. Compulsados todos os processos disciplinares, em nenhum deles - sem qualquer excepção - resulta provado ou sequer indicado um comportamento inadimplente da Recorrida.
42. Aliás, condenar a Recorrida por um comportamento inadimplente quando esta nem era a promotora do evento e, por isso, nem intervenção teve no acesso dos espectadores ao recinto é demonstrativo da sofreguidão com que a Recorrente alega.
43. Mas mais, os documentos que a Recorrida tanto alega que gozam de presunção de veracidade em parte alguma descrevem o que fez ou deixou de fazer o clube, por referencia a concretos deveres legais ou regulamentares, nem ião pouco descreve por que forma essa actuação culposa do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado.
44. Considerando que a imputação por tais infracções só pode resultar de ura comportamento culposo do Clube, aqui Recorrida, e nada depondo nos autos no sentido de que esta contribuiu - activa ou omissivamente ~ para a prática dos comportamentos infractores, não merece, a decisão recorrida, qualquer reparo.
45. No respeitante ainda a estas infracções, e àquilo que resultou provado nos relatórios e decisões disciplinares, importai apenas atentar a situações especificas em discussão nestes autos e as quais redundam sempre na mesma conclusão: o acerto da decisão recorrida.
46. Desde logo, no referente aos cânticos e seu conteúdo - por muito que a Recorrida actue com zelo e cumpra exemplarmente como todos os seus deveres - é impossível exigir-lhe, ou mesmo a outras entidades presentes no recinto, o controlo dessas manifestações vocais (com ou sem palavrões) por uma multidão.
47. Não há nenhuma revista ou apreensão que possa conter este tipo de situações, nem há sequer dever in vigilando que pudesse ser imposto.
48. No referente à entrada de objectos no recinto desportivo importará mais uma vez atentar à realidade: nada nos autos evidencia um comportamento culposo pela recorrida, pelo que sendo este um pressuposto exigido pelo tipo legal, não podia a Recorrida pugnar ou decidir pela condenação
49. Por ultimo, a problemática da violência no desporto é uma temática a que a Recorrida não se mostra imune, sendo transversal a todos os participantes nestas competições de futebol de onze, principalmente agentes como a Recorrida que se encontra simultaneamente envolvida em várias competições, o interesse pelo correcto decorrer do espectaculo/evento desportivo.
50. Porém, não se pode partir do interesse era dirimir comportamentos violentos ou indevidos em eventos desportivos e daí extravasar para o sancionamento - sem mais - dos clubes, como aprece querer a Recorrente.
51. De facto, exigia-se para a condenação da Recorrida que se mostrasse suficientemente provado os factos consubstanciadores da prática das infracções p. e p. pelos arts, 127.°, 186.° e 187.° do RD, o que não sucedeu nos autos, por tudo quando aventado, ficando necessariamente prejudicada a alegação da Recorrente.
52. A douta sentença do Tribunal a quo não merece qualquer reparo ou censura, devendo manter-se "in totum ".



*
Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Desembargadores-Adjuntos, vem para decisão em conferência.


*
Pelo Tribunal Arbitral foi julgada provada a seguinte factualidade:

“(..) 2. OS FACTOS E O LITÍGIO
Nos presentes autos estão em causa a disputa de 3 jogos a contar para a Liga NOS e de um jogo a contar para a 3ª fase Grupo A da Taça CTT, cuja descrição relativamente aos factos ocorridos até à interposição da(s) acção(ões) arbitral(ais) junto deste Tribunal, por facilidade de exposição, adiante se enunciarão cie forma autonomizada e por referência a cada um dos Acórdãos proferidos pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (doravante CD da FPF).

a) o ACÓRDÃO DO CD DA FPF DE 03.01.2017- PROCº. Nº 13/2016
(i) No dia 06.11.2016 disputou-se, no Estádio do ………, o jogo a contar para a Liga NOS entre as equipas de futebol da Demandante e do Sport ………….;
(ii) De acordo com o relatório do jogo, verificaram-se, para o que releva nos presentes autos, as seguintes ocorrências reportadas pelos delegados da LPFP:
a. Comportamento censurável dos adeptos afectos ao FC ………, instalados na bancada topo sul: rebentaram 12 petardos antes do início do jogo, bem como aos minutos 11,14,45+1,46, 50 (4 vezes), 52,54, 67, 72 e 90+2;
b. deflagraram, antes do início do jogo, 4 potes de fumo, assim como arremessaram 4 tochas para o interior do relvado (igualmente no início do jogo), sem que as mesmas causassem danos em qualquer dos intervenientes;
c. Comportamento censurável dos adeptos afectos ao FC ………, instalados na bancada topo sul: deflagraram, aos 50 minutos, um pote de fumo;
d. Comportamento censurável dos adeptos afectos ao FC …….., instalados na bancada topo sul: arremessaram, ao minuto 67, uma tocha para o interior do relvado, sem que as mesmas causassem danos em qualquer dos intervenientes;
e. Comportamento censurável dos adeptos afectos ao FC………, instalados na bancada poente: arremessaram bolas feitas de cartolina usadas na coreografia de início de jogo, na direção do banco visitante, aos minutos 17, 31,50,56, 63, 78,81 e 90+3. De igual modo, os mesmos adeptos arremessaram ao minuto 17, uma garrafa de água e um isqueiro;
f. Comportamento censurável dos adeptos afectos ao FC ……., instalados na bancada poente: aquando da entrada da equipa de arbitragem no túnel, no final do jogo, foram arremessadas duas garrafas de água, bem como várias moedas, sem atingir ninguém;
g. Adeptos afectos ao FC …….., localizados no topo sul, exibiram, ao minuto 35, uma tarja com a seguinte frase: "Com P…….., V………, F…….. e Vouchers na mão, qualquer um é campeão"',
h. Adeptos afectos ao FC …….., localizados no topo norte, exibiram, ao minuto 85, uma tarja com a seguinte frase: "Em tudo o que está metido o Orelhas, às autoridades dá sempre uma branca";
i. Adeptos afectos ao FC ………, localizados na bancada topo sul, cantaram, em uníssono, "SLB, SLB, filhos da puta, SLB" (4 repetições) antes do início do jogo, tendo repetido o mesmo comportamento aso minutos 15,35 e 40
j. Ao minuto 80, o speaker do estádio utilizou o sistema sonoro do mesmo para incentivar equipa, tendo repetido o mesmo comportamento ao minuto 90+2, pronunciando "P……, P……!';
k. Adeptos afectos ao FC ……., localizados no topo norte, exibiram uma tarja, no decurso da 2a parte, com a seguinte frase: "Para negócios à maneira, vai à lavandaria Vieira! C95";
l. Adeptos afectos ao FC …….., localizados no topo sul, exibiram uma tarja, no decurso da 2a parte, com a seguinte frase: "Tráfico, corrupção, branqueamento. Carrega ……..".
(iii) Tais ocorrências levaram à aplicação à Demandante, na sequência de processo sumário, das seguintes sanções disciplinares:
a. Multa de 3.825€ euros, por aplicação do artigo 117, n° 3 do Regulamento Disciplinar da LPFP, doravante RD;
b. Multa de 7.650€ euros, com fundamento no artitjo 186°, n° 1;
c. Multa de 1,148€ euros poir aplicação do art. 187°, n° 1, alínea a);
d. Muita de 5.585€ por aplicação do art. 187°, n° 1, alínea b);
e. Multa de 3.06Q€, por força do art. 127.°, n° 1 do RD, ex vi art. 35°, n° 1, ai. L) do Regulamento das Competições Organizadas pela LPFP (doravante RCLPFP) e artigo 6.°, n.° 1, ai. g) e do artigo 9.°, n.° 1, alínea m), subalínea vi), ambos do Anexo VI do mesmo Regulamento.
(iv) Em 15.11.2016, a aqui Demandante interpôs recurso das sanções que lhe foram aplicadas para o Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina (Proc. n.° 13-2016/2017).
(v) Em 03.012017, o Conselho de Disciplina considerou improcedente o recurso, confirmando aquelas sanções, tendo por base, no que releva para efeitos do que é objecto dos presentes autos, os seguintes argumentos:
· considerou provadas as circunstâncias acima enunciadas com base no "Relatório de Jogo", convocando, para o efeito, o disposto no artigo 13.° do RD que confere a este relatório uma presunção de veracidade e o facto de "não sencfo tal realidade factual posta em causa pela Recorrente";
· considerou preenchidos os elementos típicos de cada uma das referidas infrações -arte. 117°, n° 3, 186°, n° 1, 187°, n° 1, ais. a) e b) e 127°, n° 1 todos do RD -porquanto (i) "(...) 9. Do mero confronto de cada um dos factos descritos no "Relatório de Ocorrências" com as hipóteses e estatuições normativas citadas resulta manifesto que o simples manejamento da metódica interpretativa permite subsumir cada uma dessa factualidade às hipóteses normativas citadas, verificando-se, portanto, o cometimento das infracções disciplinares aí tipificadas. 10. Ou seja, de mera subsunção daquela factualidade às hipóteses normativas, expressa, direta e imperativamente aplicáveis, resulta a produção da consequência jurídica prevista na estatuição das mesmas normas." (pags. 16 e 17); (ii) "ocorreram muitos e diversos factos, perfeitamente autonomizáveis entre si e revelando autonomamente como infracções normativamente sancionáveis", tendo adeptos da Demandante entrado no recinto com determinados objetos proibidos e sancionados peio RD e pelo RC, tendo os mesmos permanecido com aqueles objetos, conduta que é proibida e sancionada por aqueles Regulamentos, tendo os mesmos rebentado, deflagrado, arremessado, exibido e lançado aqueles objetos, tendo, ainda, proferido frases ofensivas (pags. 18 e 19); (iii) a Demandante não impediu o acesso e a permanência no recinto desportivo, de adeptos que se faziam acompanhar de objetos proibidos.
(vi) Em 12.01.2017, a aqui Demandante impugnou junto deste TAD o acórdão do CD da FPF, dando origem ao presente processo.
o Quanto ao objeto do litígio a Demandante apenas impugna as decisões sancionatórias tomadas pelo CD e descritas nas alíneas c), d) e e) do ponto (iii), tendo-se conformado com a aplicação das duas outras sanções disciplinares.
o Em suma, a Demandante contesta a decisão de aplicação de sanções disciplinares com fundamento no artigo 187.° n. ° 1 alíneas a) e b), bem como no artigo 127.°, ambos do RD.

b) o ACÓRDÃO DO CD DA FPF DE 10,01.2017 – PROCº. N° 10/2016
(i) No dia 29,10.2016 disputou-se, no Estádio do Bonfim, o jogo a contar para a Liga NOS entre as equipas de futebol do V……………….. e da Demandante.
(ii) De acordo com o relatório do jogo, verificaram-se, para o que releva nos presentes autos, as seguintes ocorrências reportadas pelos delegados da LPFP:
a. Em zonas da bancada ocupada por adeptos afectos ao clube visitante, Futebol Clube………., Fut., SAD, mais concretamente na Bancada Topo Sul, Sectores A, B e C e 15, 17 e 19, registaram-se as seguintes ocorrências: rebentamento de sete petardos e deflagramento de duas tochas incandescentes;
b. De zona da bancada ocupada por adeptos afectos ao clube visitante, Bancada Topo Sul, foi arremessada uma tocha incandescente para a zona localizada entre a baliza e a referida bancada, fora do rectângulo de jogo, não tendo tal facto provocado qualquer constrangimento no normal desenrolar do jogo.
(iii) Tais ocorrências levaram à aplicação à Demandante, na sequência de processo sumário, a aplicação da sanção disciplinar de multa de 5.738€ euros, com fundamento no disposto no artigo 186°, n° 1 do RD.
(iv) Em 14.11.2016, a aqui Demandante interpôs recurso da sanção que lhe foi aplicada para o Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina (Proc. n.° 10-2016/2017).
(v) Em 10.01.2017, o Conselho de Disciplina considerou improcedente o recurso, confirmando aquela sanção, tendo por base, no que releva para efeitos do que é objecto dos presentes autos, os seguintes argumentos:
· considerou provados as circunstâncias acima enunciadas com base no "Relatório de Jogo", convocando, para o efeito, o disposto no artigo 13.° do RD que confere a este relatório uma presunção de veracidade e o facto de "nada do referido pela Recorrente põe em causa, nem foi apresentada qualquer fundamentação no sentido de o fazer, o que está descrito no Relatório, onde consta uma factualidade que preenche os elementos típicos na norma com base na qual foi deliberada sanção";
· considerou preenchidos os elementos típicos da referida infração - art. 186°, n° 1, do RD - porquanto (i) "(•••) não é elemento típico da norma que o objecto caia "dentro do terreno de jogo", mas que se dirija para "dentro do terreno de jogo"; (ii) não interessa a imputação da culpa, mas a reparação do dano por aquele que é indicado na norma disciplinar como responsável; (iii) "O incumprimento de uma norma de segurança que obriga o clube visitado a revistar os espectadores antes de um jogo não desresponsabiliza o clube visitante pelo comportamento dos seus adeptos, mesmo quando tal comportamento está directamente relacionado com objectos que deveriam ser retirados nessa revista (pag. 15); (iv) "o F…….. - SAD é responsável, em termos objectivos, pelo comportamento dos seus adeptos que fizeram um arremesso perigoso de uma tocha incandescente para o terreno de jogo, mesmo se aos seus adeptos não foram retirados objetos que eles levavam e depois perigosamente arremessaram para o terreno de jogo" (pags. 15 e 16); (v) a responsabilidade objectiva dos clubes em sede disciplinar é aceite comummente, não violando o disposto no art. 30°, n° 3 da Constituição (pag. 16, nota de rodapé e pag. 17).
(vi) Em 26.01.2017, a aqui Demandante impugnou junto deste TAD o acórdão do CD da FPF, dando origem ao presente processo.
o Em suma, a Demandante contesta a decisão do CD da FPF de aplicação da mencionada sanção disciplinar com fundamento no artigo 186°, n° 1 do RD.

c) o ACÓRDÃO DO CD DA FPF DE 24.01.2017- PROCº. N° 20/2016
(i) No dia 11.12.2016 disputou-se, no Estádio Marcolino Castro, o jogo a contar para a Liga NOS entre as equipas de futebol do F………… e da Demandante.
(ii) De acordo com o relatório do jogo, verificaram-se, para o que releva nos presentes autos, as seguintes ocorrências reportadas pelos delegados da LPFP:
a. Verificou-se o rebentamento de petardos na bancada Topo sul afecta aos adeptos do Visitante aos minutos 5,30,34 e 66;
b. Na mesma bancada e pelos mesmos adeptos aos 71 minutos foi incendiado um pote de fumo.
c. Tais ocorrências levaram à aplicação à Demandante, na sequência de processo sumário, da sanção disciplinar de multa de 1,760€ euros, por aplicação por aplicação do art. 187°, n° 1, alínea b) do RD.
d. Em 20.12.2016, a aqui Demandante interpôs recurso das sanções que lhe foram aplicadas para o Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina (Proc, n,° 20-2016/2017).
(v) Em 24.01.2017, o Conselho de Disciplina considerou improcedente o recurso, confirmando aquela sanção, tendo por base, no que releva para efeitos do que é objecto dos presentes autos, os seguintes argumentos:
· considerou provadas as circunstâncias acima enunciadas com base no "Relatório de Jogo", convocando, para o efeito, o disposto no artigo 13.° do RD que confere a este relatório uma presunção de veracidade, o art. 127° do CPP quanto à regra da livre apreciação da prova no processo disciplinar, o facto de "Recorrente não nega o rebentamento nem o deflagar dos engenhos pirotécnicos pelos seus adeptos";
· considerou preenchidos os elementos típicos da referida infração - art, 187°, n° 1, ai. b) do RD - porquanto (i) o rebentamento do petardo e a deflagração do pote de fumo configuram comportamento incorrecto e perturbador da ordem e da disciplina independentemente de serem ou não arremessados para o terreno de jogo; (ii) "a materialidade constante do relatório dos delegados da liga é suficiente para preencher os elementos típicos da norma violada" (pag. 15); (iii) "a Recorrente permitiu que no estádio do CD F……….., Marcolino ……., os adeptos apoiados pelo seu clube, participando no espetáculo desportivo, praticassem aios que são manifestações violentas e perturbadoras da ordem pública e que impedem o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a envolvência" (pag. 19) e (iv) "a Recorrente não demonstrou que tudo fez para que a infracção não fosse cometida, nomeadamente tomando algumas ou mesmo todas as ações previstas nas normas acabadas de citar, maxime, junto dos seus adeptos e simpatizantes (...) a culpa da Recorrente traduzir-se-à num juízo de censura de violação de um ou mais deveres legais" (pag. 22).
(vi) Em 03.02,2017, a aqui Demandante impugnou junto deste TAD o acórdão do CD da FPF, dando origem ao presente processo.
o Em suma, a Demandante contesta a decisão do CD da FPF de aplicação da referida sanção disciplinar com fundamento no artigo 187.° n. ° 1 alínea b) do RD.

d) o ACÓRDÃO DO CD DA FPF DE 24.01.2017- PROCº. Nº 18/2016
(i) No dia 29.11.2016 disputou-se, no Estádio do Dragão, o jogo a contar para a 3a Fase -Grupo A da Taça CTT entre as equipas de futebol da Demandante e de "Os …………………".
(ii) De acordo com o relatório do jogo, verificaram-se, para o que releva nos presentes autos, as seguintes ocorrências reportadas pelos delegados da LPFP:
a. O jogo iniciou-se com 4 minutos de atraso em relação à hora prevista, em virtude do atraso nas saídas dos balneários da equipa visitada em 1 minuto e da equipa visitante em 4 minutos;
b. Em bancada afecta a adeptos da equipa visitada bancada sul, sector 9 e 10, registou-se a seguinte ocorrência: aos 29 minutos da primeira parte, rebentamento de 1 (um) petardo.
(iii) Tais ocorrências levaram à aplicação à Demandante, na sequência de processo sumário, das seguintes sanções disciplinares:
a. Multa de 1760€ por força do disposto no art. 187°, n° 1, alínea b) do RD;
b. Multa de 1.148€, por força do disposto no art. 127.°, n° 1 do RD, ex w art. 35°, n° 1, ai. f) do RCDLPFP e artigo 6.°, n.° 1, ai. g) e do artigo 9.°, n.° 1, alínea m), subalínea vi), ambos do Anexo VI do mesmo Regulamento;
c. Multa de 306€ e repreensão por força do disposto no art. 119°, n° 2 do RD.
(ív) Em 14.12.2016, a aqui Demandante interpôs recurso das sanções que lhe foram aplicadas para o Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina (Proc. n,° 18-2016/2017),
(v) Em 24.01.2017, o Conselho de Disciplina considerou improcedente o recurso, confirmando aquelas sanções, tendo por base, no que releva para efeitos do que é objecto dos presentes autos, os seguintes argumentos:
· considerou provadas as circunstâncias enunciadas nas alíneas a) a f) dos factos provados (pags. 7 e 8) com base no "Relatório de Jogo", convocando, para o efeito, o disposto no artigo 13.° do RD que confere a este relatório uma presunção de veracidade - para as alíneas a), b) e d) - e as regras da experiência para as alíneas c);
· considerou preenchidos os elementos típicos das referidas infrações - arts. 127°, n° 1 e 187°, n° 1, ai. b) do RD - porquanto (i) o rebentamento do petardo constitui a emanação visível da infracção daquele último preceito (pag. 18); (íi) o acesso e permanência no recinto com objetos proibidos implica o cometimento da infracção disciplinar prevista no art. 127°, n° 1 (pag. 19); (iii) "a culpa do agente (que, como se viu, emerge claramente do que foi vertido nos pontos c. e f. dos factos) e (H) tendo em conta as exigências de prevenção de Muras infracções disciplinares" (pag. 24).
(vi) Em 03.02.2017, a aqui Demandante impugnou junto deste TAD o acórdão do CD da FPF, dando origem ao presente processo. (..)”


***


Por douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em via de recurso, ordenou-se a baixa dos autos “(..) ao tribunal recorrido para aí se proceder à valoração da prova considerando a aplicação do disposto no artº 13º al. f) do RD que implicará pelo menos o conhecimento do teor exacto e integral dos relatórios dos jogos em questão e o que tenha sido alegado pela ora recorrida para pôr em causa asua veracidade (..)”.
No segmento decisório o Colendo Supremo Tribunal emitiu julgado no sentido que se transcreve:
“(..) Pelo exposto acordam em:
a) Negar provimento ao recurso na parte em que o acórdão recorrido julgou improcedente o recurso interposto do pedido de isenção de pagamento das taxas de arbitragem;
b) Conceder provimento ao recurso na parte restante, revogando o acórdão recorrido e ordenando a baixa dos autos ao tribunal recorrido para os efeitos que ficaram referidos. (..)”

Em obediência ao ordenado pelo Tribunal Superior, adita-se a alínea e) ao probatório, como segue.

e) Relativamente aos processos nºs. 13/2016, 10/2016, 20/2016 e 18/2016 sobre os jogos disputados nos dias 06.11.2016 (Futebol Clube ……../Sport ………….. – Estádio do ……), 29.10.2016 (V……………./Futebol Clube……….. – Estádio do ………), 11.12.2016 (Feirense/Futebol Clube do Porto – Estádio Marcolino Castro) e 29.11.2016 (Futebol Clube ………./Os ………. – Estádio do ……….), à factualidade mencionada supra nas alíneas a) (ii), b) (ii), c) (ii e d) (ii) deste probatório, adita-se o texto integral dos respectivos relatórios de jogo:
“(..)







«imagem no original»












(..)”





DO DIREITO


a. decisão singular de mérito do relator - reclamação para a conferência;

O regime da decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator foi introduzido pelo DL 329-A/95, podendo a parte afectada pela decisão reclamar desta para a conferência conforme disposições conjugadas dos artºs. 705º e 700º nº 3 CPC, hoje, artºs. 656º ex vi 652º nº 1 c) e nº 3 CPC da revisão de 2013.
Deduzida reclamação para a conferência “(..) o colectivo de juízes reaprecia as questões que foram objecto da decisão singular do Relator e, nesse sentido, caso se esteja perante a decisão sumária do recurso, reaprecia novamente o recurso, naturalmente sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido.
No entanto, se assim é, ou seja, se normalmente a intervenção da conferência, no caso em que se reclama de uma decisão sumária, faz retroagir o conhecimento do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão, importa ter presente que, nos termos gerais, no recurso ou na reclamação, o Recorrente ou o Reclamante podem restringir o seu objecto, isto é, o requerimento para a conferência (mesmo resultante de convolação do requerimento de interposição de recurso de revista) pode restringir o objecto próprio da reclamação, concretamente identificando a parte da decisão sumária de que discorda (da qual se sente prejudicado) (..)” – doutrina constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.02.2015, tirado no rec. nº RP201502231403/04.7TBAMT-H.P1.


*
No citado Acórdão da Relação do Porto é feita referência expressa aos termos gerais de direito no que respeita à possibilidade de, em sede de reclamação da decisão singular do Relator, o Recorrente restringir o abjecto do recurso, “(..) identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Trta-se, na prática, de uma solução que se encaixa na possibilidade de desistência do recurso, nos termos que constam do artº 632º nº 5, com a especificidade de a extinção da instância ser, aqui, parcial. (..)” (1)
O que implica precisar o pressuposto legal de delimitação do âmbito da pretensão recursória e das hipóteses legais de modificação.
A delimitação objectiva do recurso é dada pelas conclusões, cfr. artºs. 635º nº 4, 637º nº 2 e 639º nºs 1 e 2 CPC, na medida em que “(..) A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões. (..)
Mas, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição, é legítimo restringir o objecto do recurso nas alegações, ou, mais correctamente, nas respectivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela impugnação. (..) A restrição pode ser tácita em resultado da falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição de recurso, o recorrente restrinja o seu âmbito através das questões que identifica nas conclusões. (..)”, cfr. artº 635º nº 4 CPC.(2)
No tocante à ampliação do objecto do recurso, o artº 636º nº 1 CPC permite que, embora a decisão seja favorável à parte e a parte vencida interponha recurso, caso no Tribunal a quo não tenha acolhido todos ou alguns dos fundamentos da acção (de facto ou de direito) suscitados pela parte vencedora, essas questões serão reapreciadas pelo Tribunal ad quem a requerimento do Recorrido em alegações complementares, isto é, o Tribunal de recurso reapreciará os fundamentos do segmento da sentença recorrida em que a parte vencedora tenha decaído.

*
Do complexo normativo citado se conclui que o acto processual de convocação da conferência no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC não é configurado como meio adjectivo próprio para alterar as conclusões de recurso, ressalvada a hipótese já mencionada de limitação do objecto (artº 635º/4 CPC), nem para desistir do recurso (artº 632º º 5 CPC), posto que “(..) a desistência do recurso apenas é possível até à prolação da decisão, tornando-se agora inequívoca a solução que já anteriormente se defendia. Representa uma medida que que valoriza o papel do tribunal superior, evitando que o recorrente accione o mecanismo da desistência depois de ter sido confrontado com o resultado do recurso.
Aliás, o momento que releva para o efeito nem sequer é o da notificação da decisão, mas antes o da sua prolação (..)”,. (3)
Neste sentido, junta aos autos a decisão singular de mérito sobre o objecto do recurso proferida pelo relator (artº 652º/1 c) ex vi 656º CPC) ocorre nessa data a preclusão de exercício do direito de desistência por parte do recorrente, cfr. artº 632º nº 5 CPC.
A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artº 635º nº 4 CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artº 636º nº 1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final.
Como se diz no Acórdão da Relação do Porto acima citado, no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária, conhecimento limitado às questões especificadas pelo recorrente nas conclusões de recurso, sem prejuízo de o recorrente, ora reclamante, restringir na reclamação o objecto recursório anteriormente definido nos termos do artº 635º nº 4 CPC.

*
Feito o enquadramento que compete, cumpre reapreciar as questões suscitadas nas conclusões, fazendo retroagir o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito proferida pelo Relator.


b. acórdão arbitral;

Na parte que importa ao objecto do recurso, fixado pelas conclusões do Recorrente (artº s. 637º nº 2 e 639º nºs. 1 e 2 CPC), no acórdão arbitral fundamentou-se como segue:
“(..) Em qualquer um dos processos disciplinares em apreço, o Conselho de Disciplina deu por verificadas as infracções com base nas quais sancionou a Demandante apenas e tão só com base no Relatório do Jogo.
O Tribunal tem presente o disposto na alínea f) do artigo 13.° do RD quanto à "presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga, e por eles percepcionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa, sendo que não estarmos perante uma prova subtraída à livre apreciação do julgador.
Apesar disso, o relatório do jogo, considerando o domínio sancionatório onde o seu conteúdo é chamado a intervir, não pode deixar de ter tratamento idêntico ao que é dado a um auto de notícia, a cujos elementos recolhidos pela autoridade é atribuído um especial valor probatório, sem que com isso se possa inferir um início de prova ou a inversão do ónus de prova. [ Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28.01.2014 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11.09.2013, ambos em www.dgsi.pt ]
Acresce ainda que dois dos jogos em causa foram disputados pela Demandante na qualidade de visitante - no Estádio do Bonfim e no Estádio Marcolino de Castro - não tendo a mesma qualquer intervenção, direta ou indireta, no controle de acesso e na segurança aos referidos recintos, cabendo a mesma exclusivamente ao clube visitado na qualidade de organizador e promotor do jogo (cfr. ait 3° ai, f) o RCDLPFP e art. 3° ai k) e 8° da Lei 39/2009 de 30 de julho).
Por outro lado ainda, no relatório de jogo os alegados adeptos da Demandante não são identificados como grupo organizado de adeptos (GOA) - cfr. ai, í) do art. 35° do RCDLPFP e ai. m) do art. 8° da Lei 39/2009.

Começando por estes dois jogos - processos n°s 10/2016 e 20/2016 - a Demandante foi sancionada pelo facto de, no primeiro,

"em zonas da bancada ocupada por adeptos afectos ao clube visitante, Futebol Clube………….., Fut., SAD, mais concretamente na Bancada Topo Sul, Sectores A, Be Ce 15, 17 e 19, registaram-se as seguintes ocorrências: rebentamento de sete petardos e deflagramento de duas tochas incandescentes;" e (ii) "de zona da bancada ocupada por adeptos afectos ao clube visitante, Bancada Topo Sul, foi arremessada uma tocha incandescente para a zona localizada entre a baliza e a referida bancada, fora do rectângulo de jogo, não tendo tal facto provocado qualquer constrangimento no normal desenrolar do jogo",
e, no segundo,
(iii} "Verificou-se o rebentamento de petardos na bancada Topo sul afecta aos adeptos do Visitante aos minutos 5, 30, 34 e 66'; (iv) "Na mesma bancada e pelos mesmos adeptos aos 71 minutos foi incendiado um pote de fumo". Em face de tais ocorrências - os factos dados como provados - o Conselho de Disciplina considerou verificada, no primeiro caso, a infracção prevista no art. 186°, n° 1 do RD e, no segundo caso, no arí. 187°, n° 1 ai, b) do RD.
A Demandante não reconheceu que aqueles actos tivessem sido levados a cabo pelos seus adeptos (cfr. art. 2°, 15° e 17° do recurso hierárquico impróprio de fls.)
O relato constante do Relatório do Jogo -recorde-se, o único elemento de prova em que é sustentada a prova de terem sido praticados factos capazes de preencherem cada um dos tipos de ilícitos previstos nas referidas normas regulamentares - é, no caso (i} e (ii), omisso quanto às circunstâncias de tempo, não identificando as bancadas como estando exclusivamente ocupadas por adeptos do clube Demandante (p. ex. grupo organizado de adeptos - GOA} ou que o(s} autor(es) estavam identificados com elementos que o ligavam ao clube (v.g. cachecol, camisola, boné) e, no caso (i}, não identificando também o local da bancada topo sul.
Para além disso, as diligências que estão descritas no relatório do jogo reportam-se à porta 11 da Bancada Topo Sul, na qual não ocorreu nenhum dos incidentes em causa, sendo que a referência à venda de bilhetes para adeptos do clube Demandado não significa, por si só, que tivessem sido eles a ter acesso efectivo aos sectores da bancada onde sucederam as ditas ocorrências.
No caso (iii) repete-se a omissão quanto a ser uma bancada exclusivamente afecta a adeptos do Demandante ("afecta" não é sinónimo de "ocupada"}, bem como a sinais identificativos da ligação ao clube em causa.
No caso (iv) é imputada a autoria do incêndio do pote de fumo a adeptos do Demandante sem haver qualquer sinal da sua ligação ao clube, bem como da razão de terem sido mais que um.
A realização da prova da qualidade de "sócio ou simpatizante" por via da presunção retirada do facto de o(s) agente(s) se encontrarem) numa determinada bancada do Estádio, não encontra, salvo o devido respeito, apoio na letra das referidas disposições regulamentares.
Na realidade, o Regulamento não pune o arremesso "proveniente das bancadas x e y", mas o arremesso "feito por sócios ou simpatizantes do clube", pelo que, presumir que possuem a categoria de sócios ou de simpatizantes aqueles que se encontram em bancadas a eles afectas, sem qualquer outro apoio, afigura-se, para efeitos do direito sancionatório e do reforçado esforço probatório que legalmente se impõe nesta área do direito, urna solução infundada..
As circunstâncias acima descritas não se nos afiguram suficientemente robustas para ancorar o eventual recurso a presunções judiciais, designadamente por via da prova indirecta, quer quanto a terem sido adeptos do clube Demandante a praticarem tais actos, quer quanto a ter havido actuação culposa - por via activa ou omissa - desta última para a ocorrência de tais práticas,
Por outro lado, quanto a esta última questão, que constitui, como tivemos oportunidade de deixar expresso, um elemento do tipo dos referidos ilícitos em decorrência do princípio da culpa, não há razão alguma que pudesse permitir presumir o comportamento inadimplente do clube, desde logo, porque não sendo este a entidade promotora ou organizadora dos jogos em causa - num caso o Vitória ……… no outro caso o F……….. - nenhuma intervenção teve na adopção de medidas para acesso ao recinto e para a segurança no espetáculo, que estão a exclusivo cargo das entidades organizadoras e promotoras do jogo (cfr. arte. 8° da lei n° 5272013 de 25 de Julho; art. 6° do Anexo VI do RCDLPFP). [Quanto a não poder ser imputado ao clube não responsável pela organização de determinada competição desportiva o desrespeito por deveres relativos à segurança das instalações, nem às acções ilícitas de espectadores cfr, José Manuel Meirim ín "Revista Portuguesa de Ciência Criminar Ano 2, Fase. 1, pag. 92]
Recordemos que um dos pressupostos essenciais é a culpa do agente, leia-se, da Demandante, que ficou por provar, pelo que sem culpa não poderá ser aplicada uma sanção, sem o que se violariam de forma inequívoca os já referidos princípios estruturais de direito penal e das normas constitucionais que versam sobre esta matéria, concretamente o princípio da culpa. Impor ao agente, tendo por base uma primeira aparência, a obrigação de fazer contra-prova seria uma forma evidente de lhe reduzir ou coartar as suas garantias de defesa.
Além disso, não poderia impender sobre este um ónus de prova, dificultada ou mesmo impossível, uma vez que a teria que fazer peia negativa, concretamente demonstrando não ter sido um sócio ou simpatizante seu o autor dos factos ou que não adoptou nenhum comportamento culposo.
O Tribunal entende, pelas razões que acima se enunciaram e que, por facilidade de exposição, aqui se dão por reproduzidas, que competia ao titular do poder disciplinar o ónus de fazer a prova da prática das condutas que preenchessem todos os elementos do tipo de ilícito previstos nos arts. 186°, n° 1 e 187°, n 1 ai. b) do RD e, consequentemente, consubstanciassem as correspondentes infracções - ou seja, para além de que o autor do comportamento censurado era sócio ou simpatizante do clube arguido, que este tinha violado (culposamente) os deveres a que legal ou regularmente estava obrigado, dessa forma tendo permitido ou facilitado as condutas previstas nas normas íncriminatórias -pelo que não tendo o Conselho de Disciplina logrado fazer aquela prova, como corolário dos princípios da inocência do arguido e do In dúbio pró reo, julga-se procedente o vicio apontado às duas decisões em crise (processos n°s 10/2016 e 20/2016), revogando-se, por essa razão, as mesmas quanto às sanções impugnadas pela Demandante.
Repare-se que na acusação, bem como na decisão aqui sob censura, nenhuma referência é feita, sequer, a um qualquer comportamento concreto do clube e, tão pouco, a qualquer dever, legal ou regulamentar, por este ínobservado.
Na verdade, todo o libelo acusatório, assim como a decisão do Conselho de Disciplina, assentam exclusivamente na ocorrência do comportamento objectivo previsto nas normas Íncriminatórias e no facto de o mesmo ter sido praticado por alguém situado numa bancada destinada a adeptos do clube arguido, daí retirando duas presunções: (i) que o facto foi praticado por sócio ou simpatizante do clube arguido e (ii) que este incumpriu os deveres que sobre si impendiam.
Todavia, como vimos, o Tribunal entende que a imputação prevista nos arts. 186° e 187° do RD só pode resultar de um comportamento culposo do clube (afastando-se a possibilidade de qualquer responsabilidade objectiva), ou seja, de este ter violado (por ação ou omissão) um concreto dever legal ou regulamentar que lhe era imposto.
Significa isto que a acusação terá que descrever, em primeiro lugar, o que fez, ou deixou de fazer, o clube, por referência a concretos deveres (legais ou regulamentares) que identifica, e, em segundo, por que forma essa atuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado dos sócios ou simpatizantes. E serão estes factos que o Conselho de Disciplina terá que dar como provados, ou não.
Sendo certo que caberá à entidade promotora do procedimento disciplinar a prova de todos os elementos típicos (objectivo e subjectivo) do tipo de infração, ou seja, de que o clube infringiu, com culpa, os deveres, legais ou regulamentares, a que estava adstrito, que esse comportamento permitiu ou facilitou determinada conduta proibida, que esta ocorreu, e que a mesma foi realizada por sócios ou simpatizantes seus.

Vejamos, agora, as sanções aplicadas pelo Conselho de Disciplina no âmbito dos processos n° 13/2016 e nº 18/2016.
A Demandante foi, no processo díscíplinar n° 18/2017, sancionada
por violação disposto no art. 127°, n° 1 e no art. 187°, n° 1 ai. b), ambos do RD, pelo facto de, no jogo disputado contra Os ……………, no dia 6.12.2016, no Estádio do Dragão, "na bancada sul (sectores 9 e 10) ocupada por adeptos afectos ao F…….., rebentou 1 petardo aos 29 minutos da 1a parte." e "não impediu que os seus adeptos tivessem entrado no recinto desportivo com, pelo menos, 1 petardo" (os factos dados como provados).
O Conselho de Disciplina considerou provados os factos que integram as infracções tipificadas em cada um daqueles preceitos, num caso, tendo por base o dito relatório de jogo - ais. a), b) e d) - e, no outro caso, pelas regras da experiência - ais. c) e f).
Demandante não contesta os factos provados nas ais. a) e b), já o mesmo não sucede com os restantes acima enunciados, tal como o havia feito no recurso hierárquico impróprio (cfr. art. 20°).
Começando pela autoria do rebentamento do petardo por adeptos do clube Demandante, a descrição constante relatório do jogo não indica que fosse uma bancada exclusivamente ocupada por adeptos do FC ……….., não descreve quaisquer sinais que pudessem identificar os adeptos (cachecóis, camisolas, bonés ou a tratar-se de um GOA).
Acresce que no acórdão recorrido apenas é dado como provado o que acima se descreveu, sendo que "ocupada" não é sinónimo de "afecta", que é o que consta no relatório.
Ora, parece evidente que desse facto não se pode extrair a conclusão de que foram adeptos do clube que adoptaram aquela conduta.
Quanto à conclusão de a Demandante não ter impedido que os seus adeptos tivessem entrado com um petardo, a mesma assenta exclusivamente nas regras da experiência.
Ora, a entrada de um petardo no recinto de jogo pode ter ocorrido de várias maneiras, seja transportada por adeptos ou não adeptos aquando do acesso ao recinto desportivo para verem o jogo, seja ter sido colocada na bancada em momento anterior, sendo que qualquer uma das situações poderia ser suportada pelas regras da experiência.
Em lado nenhum da decisão recorrida se motiva que, por exemplo, (í) a revista na entrada do estádio não foi correctamente efectuada ou sequer efectuada, (ii) que os stewards, colaboradores de uma empresa prestadora de serviços, não evidenciaram a atenção que lhes era exigida para assegurarem o decurso do jogo em segurança ou qualquer outra conduta que pudesse permitir evidenciar não ter a Demandante cumprido, por acção ou omissão, os deveres m vigilando a que se encontra obrigada.
E, também neste caso, não se afigura ao Tribunal a existência de elementos de prova suficientemente robustos que pudessem permitir o recurso a uma eventual presunção, "passando" para a Demandante o esforço de tentar desmontar a imputação que lhe era feita, comprovando ter cumprido os deveres que na lei e nos regulamentos sobre si impendem e, consequenternente, "aliviando" o esforço probatório que impende sobre o Conselho de Disciplina (cfr. arte. 7.° n.° 1 ai. c), 8.°, n.° 1 ais. b), m), 22.° n." 1 ai. d), 23,° n.° ai, i), 25.° n.° 2 da Lei 52/2013 e art. 6° do Anexo VI do RCLPFP).
Nos termos e pelas razões já acima sobejamente descritas, só no caso de se provar uma conduta culposa por parte da Demandante que preenchesse os elementos do tipo de ilícito previsto no art. 187°, n° 1 ai. b) do RD, só nesse caso poderia a mesma vir a ser sancionada pela violação daquela norma. Julgamos não ser essa a situação no caso em apreço, uma vez que os autos não aportam elementos probatórios para se poder concluir que o petardo foi rebentado por adeptos da Demandante e que, para além disso, esta não impediu que aqueles entrassem com aquele artefacto pirotécnico no estádio.
Terá, por essa razão, que ser revogada a decisão de condenação da Demandante proferida no âmbito do processo disciplinar n° 18/2016, salvo quanto à sanção que foi objecto de impugnação nos presentes autos.

Relativamente ao processo disciplinar n° 13/2016 a Demandante vem impugnar as sanções que lhe foram aplicadas
por violação do disposto nos arts. 127° e 187°, n° 1 ais. a) e b), todos do RD, conformando-se com as restantes, na sequência de um vasto conjunto de ocorrências descritas no relatório do jogo.
Neste caso concreto, todas as referidas condutas foram imputadas a adeptos do clube Demandante tendo, do ponto de vista probatório, por base o conteúdo do relatório do jogo.
Tratam-se de ocorrências que aconteceram durante o jogo da Demandante com o SL ………….., no Estádio do Dragão, a contar para a Liga NOS, um jogo em que, conforme é público e notório, existe sempre um reforço de segurança, fora, à entrada e dentro do estádio (cfr. art. 412° n° 1 do CPC por remissão do art. 1° do CPTA).
A Demandante alega que no processo disciplinar não foi recolhida prova que pudesse consentir a sua punição, quer quanto a terem sido adeptos do clube a praticar os actos em causa, quer quanto à existência de qualquer conduta culposa por parte da Demandante.
Vejamos se lhe assiste razão na sua pretensão.
Quanto à imputação de terem sido adeptos a rebentarem petardos, a deflagrarem potes de fumo, arremessarem tochas, moedas, bolas de cartolina, um isqueiro, duas garrafas de água, a exibirem tarjas e a cantarem dizeres insultuosos, entende o Tribunal que, â luz do que vem descrito no relatório do jogo, apelando-se, aqui sim com propriedade, à prova indirecta conjugada com as regras da experiência, a exibição das tarjas e os ditos cânticos foram da autoria de adeptos da Demandante.
Na realidade, neste caso, a verificação daquela autoria é a consequência para além de toda a dúvida razoável, daquele primeiro facto conhecido.
Por sua vez, o mesmo não se poderá concluir quanto aos restantes actos, pois, tal como sucedeu nos outros processos disciplinares, a Demandante não logrou trazer prova para os autos que permitisse tal conclusão, não sendo o relato que fez suficiente para permitir o recurso à presunção e, por essa razão, transferir para a Demandante o ónus da contraprova.
Na realidade, também, neste caso, podem ter sido adeptos do FC………….- como podem não ter sido - a adoptar os comportamentos descritos, circunstância que seria fortemente indiciada pela referência, caso fosse o caso, a sinais identificadores daqueles adeptos - bancada exclusiva, GOA, camisolas ou bandeiras.
Acontece que nenhum desses elementos consta do relatório do jogo, pelo que não tinha o Conselho de Disciplina fundamento para "aliviar" o esforço probatório que, na qualidade de detentor do poder disciplinar, sobre ele incide nos termos que acima abundantemente se explicitaram.
Acresce ainda que não existe, portanto, nos autos evidência de comportamento culposo, mesmo sob a forma de negligência da Demandante, designadamente que, na revista dos adeptos ou na vigilância do seu comportamento dentro de estádio, tenha falhado algum meio ou dispositivo de segurança montados para evitar que aqueles comportamentos não viessem a ocorrer.
Recorde-se, ainda, que algum dos objectos - moedas, isqueiros, garrafas de água e bolas de papel - não são considerados proibidos podendo ser trazidos para dentro do estágio (as garrafas sem a tampa).
Não está, portanto, preenchido um dos elementos objectivo do tipo de ilícito p.p. no art. 187°, n° 1, ais. a) e b) do RD.
Temos, portanto, um conjunto de comportamentos praticados por adeptos do clube Demandante e susceptíveis de preencherem a infracção p,p. no art, 187°, n° 1 ai. b) desde que se conclua ter aquela violado culposamente os deveres regulamentares e legais a que se encontra adstrita.
Para o efeito teria que no processo disciplinar se ter feito prova que a Demandada não impediu que fossem exibidas as tarjas com os dizeres em causa e realizado o referido cântico. Recorde-se que se tratou de um "P…….. B……….", com conhecido reforço das medidas de segurança, designadamente à entrada do estádio, sendo que o processo disciplinar não revela a forma como as tarjas ali entraram e o que "não fez" ou "fez" o clube para que tal acontecesse.
Mas, diga-se, relevante para efeitos de eventual actuação culposa da Demandante é saber se o conteúdo de cada uma daquelas tarjas foi produzido por acção ou omissão da Demandante.
E, em caso afirmativo, se os referidos dizeres são insultuosos, permitindo, por essa razão, preencher o tipo objectivo do ilícito p.p. no art. 187°, n° 1 ai. a) do RD.
Aqui chegados, julgamos que o facto de terem sido exibidas as referidas tarjas não é motivo para se concluir, sem a produção de outros elementos de prova - e as regras da experiência isso também não consentem - que a Demandante culposamente não impediu a prática daquele acto.
Na realidade, competia ao Conselho de Disciplina ter averiguado o que fez - ou não fez - a Demandante para não impedir que se fizessem constar os dizeres nas tarjas, que o Conselho de Disciplina considerou insultuosos, pois a exibição de uma tarja não constitui, por si só, um acto proibido,
Finalmente, quanto ao cântico e ao conteúdo do mesmo não pode o Tribunal deixar de registar a impossibilidade de controlo que a Demandante ou qualquer outra entidade, designadamente policial, tem, num Estado Democrático, sobre manifestações vocais - com ou sem palavrões - de uma multidão durante um evento desportivo.
Na realidade, não há revista ou apreensão que possa valer neste caso, pelo que não há dever in vigílando que, neste caso, pudesse estar imposto à Demandante.
Assim sendo, e uma vez que o preenchimento da infracção em causa pressupõe a actuação culposa da Demandante (cfr. princípio da culpa), não se pode ter a mesma por verificada em face da prova insuficiente nos autos. Deste modo, fica prejudicada a questão de saber se o conteúdo das tarjas ser ou não insultuoso,

Em conclusão, também no caso das sanções aplicadas à Demandante no processo n° 13/2016 e que por esta foram objecto de impugnação nos presentes autos, se julga não se terem verificado as p. infracções p.p. nos arts. 127° e 187°, n° 1 ais. a) e b), todos do RD. (..)”

*
No segmento decisório, o TAD julgou como segue:
“(..) 7. DECISÃO:
Atento o que antecede decide-se:
a) Julgar improcedentes a questão prévia da caducidade, a alteração superveniente dos factos e a inconstitucionalidade dos arts. 186° e 187°, n° 1 do RD suscitadas pela Demandante.
b) Julgar procedente o pedido de anulação das multas aplicadas nos processos disciplinares 13/2016, 10/2016, 20/2016 e 18/2016, ao abrigo dos artigos 127°, 186°, n° 1 e 187º nº 1 alíneas a) e b) do RD, salvaguardando as infracções com as quais a Demandante, relativamente a cada um deles, se conformou, mantendo-se as sanções aplicadas pelo Conselho de Disciplina.
c) Negar provimento ao pedido de reconhecimento de isenção de custas formulado pela Demandada, com fundamento no despacho do Senhor Presidente do TAD proferido no Procº nº 2/2015. (..)”

*
Feitas as competentes transcrições, voltemos ao caso trazido a recurso.


c. ilícito disciplinar - existência material dos pressupostos de facto - separação de poderes;

Como nos diz a doutrina, o exercício do poder disciplinar cabe no âmbito “(..) da margem de livre decisão administrativa, cujo exercício os tribunais podem controlar precisamente apenas na medida em que tenha envolvido a violação de um qualquer parâmetro de conformidade jurídica.
Embora tudo isto já decorresse implicitamente da Constituição, o artº 71º CPTA explicitou a determinação de que os tribunais administrativos respeitam a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa (..) [só em caso de] apenas restar uma possibilidade de actuação juridicamente conforme, será mesmo possível um controlo jurisdicional total da conduta administrativa comissiva ou omissiva (redução da margem de livre decisão a zero) (..)”.(4)

Por regra, o ordenamento punitivo disciplinar desconhece o regime da tipicidade, antes opera mediante o elenco de substantivos identificativos das qualidades abstractas requeridas - os chamados deveres gerais de conduta funcional - explicitados mediante a técnica legislativa da descrição de conteúdo de cada um dos deveres do catálogo regulamentar e respectiva enumeração de parâmetros comportamentais esperados, no sentido permissivo e proibitivo.
Todo este labor legislativo é concretizado normativamente mediante a descrição do desvalor de acção e de resultado no domínio do ilícito disciplinar por adopção de conceitos gerais e indeterminados, juridicamente expressivos do conteúdo da relação jurídica em causa (por regra, uma relação laboral ou institucional) e, portanto, conteúdos vinculativos, o que, uma vez definidos quais os factos provados, outorga à autoridade administrativa no exercício da competência disciplinar uma margem de livre apreciação, subsunção e decisão, operações todas elas jurisdicionalmente sindicáveis no que concerne à definição do efeito jurídico no caso concreto (validade do acto), v.g. quanto à existência material dos pressupostos de facto. (5)
Em sede disciplinar e ao contrário do direito criminal, o facto ilícito não assume a qualidade jurídica de facto típico por não existir na veste de descrição inserida na hipótese legal, isto é, em termos simples, o facto ilícito não consta do artigo do regulamento disciplinar nos mesmos moldes de explicitação concreta e específica de actos como é próprio dos artigos do Código Penal por imperativo constitucional (facto ofensas corporais, facto morte, etc.); no ilícito disciplinar o que existe é a descrição do comportamento não querido pela norma por reporte a categorias abstractas de deveres (dever de respeito, de urbanidade, etc), mas é evidente que tem de existir, apurado no decurso do procedimento disciplinar, factualidade ilícita e culposa.

A operação de subsumir a matéria de facto provada no conceito normativo identificado pelos substantivos que qualificam os deveres gerais, em ordem a aplicar ao caso concreto a consequência jurídica definida pela norma, passa, assim, por dois planos:
§ primeiro: pela interpretação e definição de conteúdo dos conceitos indeterminados que consubstanciam os deveres gerais;
§ segundo: pelo juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão do normativo aplicável e consequente concretização dos referidos conceitos normativos.

*
Cabe, ainda, salientar dois aspectos.
Em primeiro lugar que a actividade interna dos entes administrativos traduzida no exercício competencial do poder disciplinar, cabe no âmbito dos espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa, sem prejuízo das vinculações legais e limites imanentes da margem de livre apreciação e decisão administrativa plasmados no art° 266° n° l CRP e art°s. 4°, 6°-A, 9° e 11° CPA/91, actuais artºs. 4º, 10º, 13º e 15º CPA/revisão de 2015.
Em segundo lugar – aspecto que no caso concreto trazido a recurso assume especial relevância - a sindicabilidade jurisdicional da validade do acto sancionatório disciplinar confina-se ao juízo sobre a existência material dos pressupostos de facto, ou seja, ao domínio da violação de lei decorrente de erro sobre os pressupostos de facto do acto administrativo.

*
Voltando ao caso concreto, pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi emitido Parecer, que se transcreve na parte julgada útil ao objecto do recurso.
“(..) 1. Vem o presente recurso interposto pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) da decisão proferida em sede de Colégio Arbitral no Tribunal Arbitrai do Desporto (TAD) a qual decidiu anular as multas aplicadas nos quatro processos disciplinares ali referidos em que a então demandante e ora recorrida, Futebol Clube……………… (F…..), foi punida, tudo nos termos melhor constantes dos Autos;
II. Apreciação
2. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº , e 146º, nº l, do CPTA, e dos artigos 5º, 608º nº, 63º, nºs 4 e 5, e 639º todos do novo Código de Processo Civil (CPC), ex vi o disposto nos artigos 12 e 1409 do CPTA;
3. No caso, em face do teor das conclusões apresentadas, cumpre apreciar, essencialmente, as questões atinentes a erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado no âmbito da decisão recorrida;
4. Da análise aos presentes Autos, nomeadamente à Douta decisão de que se recorre, à motivação de recurso apresentada pelo Recorrente e bem assim à subsequente resposta do Recorrido, entende o Ministério Público que a Douta decisão de que se recorre procedeu a uma correcta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e à sua subsunção ao Direito, evidenciando clara e suficiente fundamentação, pelo que, salvo melhor opinião, não merece qualquer censura;
5. Nessa linha, entende-se acompanhar, em toda a extensão, o sentido e fundamentação da resposta apresentada pelo Recorrido, F….., cujo argumentário se subscreve, sem prejuízo das considerações que seguem;
Nesse âmbito,
6. Importará, desde logo, ter por referencial os factos dados como provados em sede da decisão recorrida, embora, no fundo, se tratem de várias decisões, cada uma respeitante a um processo individualizado e sem que conste dos presentes Autos qualquer despacho determinando a apensação de tais Autos, o que se lamenta;
7. No fundo, aquilo que está verdadeiramente em causa e como bem se depreende do teor da decisão proferida pelo Colégio Arbitral, tem a ver com a alegada falta de rigor jurídico apontada pelo citado Colégio à fundamentação das decisões proferida ainda em sede dos órgãos de Justiça desportiva integrados na F……..;
8. Falta de rigor esse que incide, essencialmente, sobre a necessária descrição dos factos no sentido do preenchimento do tipo de ilícito cuja prática se imputa ao F……;
9. É o caso, a título meramente indicativo, da ausência de rigor sobre a clara identificação dos adeptos do F……. no seguinte trecho:
"... a mera circunstância de a bancada na qual teve origem a deflagração do petardo estar afecta a adeptos do clube, sem sequer fazer menção à exclusividade dessa afectação, não permite concluir que o autor do lançamento tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante do mesmo. Tratam-se de dois factos autónomos, em que, de forma alguma, o segundo é uma consequência directa do primeiro e único facto conhecido e provado...".
por referência ao Ac. do TRP ali citado sob a nota nº 18, a fls. 32 da decisão do Colégio Arbitral;
10. Tal afirmação tem, necessariamente, consequências em sede de definição e apreciação da prova, como seja a necessidade de recurso à prova indirecta, o que, de todo, se mostra incompatível com a faculdade de recolha atempada dos necessários elementos probatórios pelo instrutor do processo;
11. Tanto mais que as punições em apreço, como bem se alcança dos Autos (Cfr. fls. 37), foram assumidas com base no mero relatório do jogo, o qual, como bem referido na decisão sob recurso, se mostra, de algum modo, em evidente similitude jurídica com os Autos de Notícia - Cfr. fls. 38;
12. O que, em bom rigor, obrigaria, no limite, à aplicação de presunções judiciais, tudo por via do insuficiente corpo de prova;
13. Aliás, sobre esta matéria, salienta-se o segmento decisório constante de fls. 40 dos Autos e onde se pode ler:
"Significa isto que a acusação terá que descrever, em primeiro lugar, o que fez, ou deixou de fazer, o clube, por referência a concretos deveres (legais ou regulamentares) que identifica, e, em segundo, por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado dos sócios ou simpatizantes.
E serão esses os factos que o Conselho de Disciplina terá que dar como provados, ou não. Sendo certo que caberá à entidade promotora do procedimento disciplinar a prova de todos os elementos típicos (objectivo e subjectivo) do tipo de infracção, ou seja, de que o clube infringiu, com culpa, os deveres legais ou regulamentares, a que estava adstrito, que esse comportamento permitiu ou facilitou determinada conduta proibida, que esta ocorreu, e que a mesma foi realizada por sócios ou simpatizantes seus.";
(..)
Conclusão
Termos em que o Ministério Público pugna pela improcedência do recurso. (..)”


***
Como já referido, em sede de acórdão do TAD de 08.SET.2017 foi emitida decisão favorável à sociedade Futebol Clube ………….. – Futebol SAD, ora Recorrida, no sentido que segue:
“(..) b) Julgar procedente o pedido de anulação das multas aplicadas nos processos disciplinares 13/2016, 10/2016, 20/2016 e 18/2016, ao abrigo dos artigos 127°, 186°, n° 1 e 187.° nºs 1 alíneas a) e b) do RD, salvaguardando as infracções com as quais a Demandante, relativamente a cada um deles, se conformou, mantendo-se as sanções aplicadas pelo Conselho de Disciplina.
c) Negar provimento ao pedido de reconhecimento de isenção de custas formulado pela Demandada, com fundamento no despacho do Senhor Presidente do TAD proferido no Procº nº 2/2015. (..)”
Cabe analisar o caso trazido a recurso em função do bloco normativo aplicado.


d. artº 13º f) Reg. Disciplinar da LPFP/2016 - conceito de infracção disciplinar - artºs. 15º, 127º, 186º e 187º Reg. Disciplinar da LPFP/2016 –artº 35º do Reg. Competições da LPFP/2017;

O artº 13º f) do RD–LPFP/2016 tem a seguinte redacção:

Artigo 13.º
Princípios fundamentais do procedimento disciplinar
O procedimento disciplinar regulado no presente Regulamento obedece aos seguintes princípios fundamentais:
(..)[a) a e)]
f) presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga e por eles percepcionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa.
g) e h) (..)”

*
O conceito normativo de infracção disciplinar adoptado no artº 15º do RD–FPF/2016 - aprovado ao abrigo do disposto no artigo 10.º, na alínea a) do número 2 do artigo 41.º e no artigo 52.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 93/2014, de 23 de junho, bem como na alínea a),do número 2 do artigo 51.º dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) - é o seguinte:

Artigo 15.º
Infração disciplinar
1. Considera-se infracção disciplinar o facto voluntário, por acção ou omissão, ainda que meramente culposo, praticado por entidade ou agente desportivo que desenvolva actividade compreendida no objecto da FPF, por interveniente em geral no espectáculo desportivo e bem assim, por espectador que viole os deveres de correcção previstos e punidos nos Estatutos e regulamentos da FPF e demais legislação desportiva aplicável.
2. A responsabilidade disciplinar objectiva é imputável apenas nos casos expressamente previstos.
3. Qualquer órgão social da FPF tem o dever de participar factos de que tenha conhecimento e que sejam susceptíveis de constituir infracção disciplinar.

*
Os artºs. 127º, 186º nº 1 e 187º nº 1 b) do RD–LPFP/2016 têm a seguinte redacção:

Artigo 127º
Inobservância de outros deveres
1. Em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável são punidos com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 10 UC e o máximo de 50 UC.
2. Se o incumprimento disser respeito aos deveres resultantes do disposto nas alíneas b) a e) do nº 2 do artigo 27º e no nº 19 do artigo 38º do Regulamento das Competições a sanção será a multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 80 UC.

Artigo 186.º
Arremesso perigoso de objetos
1. O clube cujos sócios ou simpatizantes arremessem para dentro do terreno de jogo objetos, líquidos ou quaisquer outros materiais que pela sua própria natureza sejam idóneos a provocar lesão de especial gravidade aos elementos da equipa de arbitragem, agentes de autoridade em serviço, delegados e observadores da Liga, dirigentes, jogadores e treinadores e demais agentes desportivos ou qualquer pessoa autorizada por lei ou regulamento a permanecer no terreno de jogo sem todavia dar causa a qualquer perturbação no início, reinício ou realização do jogo é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 150 UC.
2. Em caso de reincidência o limite mínimo da sanção de multa prevista no artigo anterior é elevado para o dobro.

Artigo 187º
Comportamento incorreto do público
1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, o clube cujos sócios ou simpatizantes adotem comportamento social ou desportivamente incorreto, designadamente através do arremesso de objetos para o terreno de jogo, de insultos ou de atuação da qual resultem danos patrimoniais ou pratiquem comportamentos não previstos nos artigos anteriores que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina é punido nos seguintes termos:
a) o simples comportamento social ou desportivamente incorreto, com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 5 UC e o máximo de 15 UC;
b) o comportamento não previsto nos artigos anteriores que perturbe ou ameace a ordem e a disciplina, designadamente mediante o arremesso de petardos e tochas, é punido com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 15 UC e o 66 máximo de 75 UC.
2. Na determinação da medida da pena prevista na alínea a) do nº 1 do presente artigo não será considerada a circunstância agravante de reincidência prevista nos artigos 52.° e 53.°, n.° 1 alínea a) do presente regulamento.
3. Se do cumprimento social ou desportivamente incorreto resultarem danos patrimoniais cuja reparação seja assumida pelo clube responsável e aceite pelo clube lesado, através de acordo dado a conhecer ao delegado da Liga, não há lugar à aplicação da sanção prevista no n.° 1.

*
Conforme Regulamento das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional/2016 adoptado ao abrigo do artº 29º nº 1 do Regime Jurídico das Federações Desportivas aprovado pelo DL 248-B/2008, 31.12, no tocante à segurança nos estádios de futebol os clubes desportivos estão sujeitos à observância dos seguintes deveres:

Artigo 35.º
Medidas preventivas para evitar manifestações de violência e incentivo ao fair-play

1. Em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, são deveres dos clubes:
a) assumir a responsabilidade pela segurança do recinto desportivo e anéis de segurança;
b) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados;
c) aplicar medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública, impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto;
d) proteger os indivíduos que sejam alvo de ameaças e os bens e pertences destes, designadamente facilitando a respetiva saída de forma segura do complexo desportivo, ou a sua transferência para setor seguro, em coordenação com os elementos da força de segurança;
e) designar o coordenador de segurança;
f) garantir que são cumpridas todas as regras e condições de acesso e de permanência de espectadores no recinto desportivo;
g) relativamente a quaisquer indivíduos aos quais tenha sido aplicada medida de interdição de acesso a recintos desportivos, pena de privação do direito de entrar em recintos desportivos ou sanção acessória de interdição de acesso a recintos desportivos:
i. impedir o acesso ao recinto desportivo;
ii. impedir a obtenção de quaisquer benefícios concedidos pelo clube, associação ou sociedade desportiva, no âmbito das previsões destinadas aos grupos organizados de adeptos ou a título individual.
h) usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores de espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes, sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo;
i) não proferir ou veicular declarações públicas que sejam suscetíveis de incitar ou defender a violência, o racismo, a xenofobia, a intolerância ou o ódio, nem tão pouco adotar comportamentos desta natureza;
j) zelar por que dirigentes, equipa técnica, jogadores, pessoal de apoio, ou representantes dos clubes ajam de acordo com os preceitos das alíneas h) e i);
k) não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos, em violação dos princípios e regras definidos na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, com a redação dada pela Lei n.º 52/2013, de 25 de julho;
l) zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube participem do espectáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos;
m) manter uma lista actualizada dos adeptos de todos os grupos organizados apoiados pelo clube fornecendo-a às autoridades judiciárias, administrativas e policiais competentes para a fiscalização do disposto na presente lei;
n) a requisição de policiamento e pagamento dos respetivos encargos, nos termos previstos no decreto-lei n.º 216/2012, de 9 de outubro;
o) desenvolver acções de prevenção socioeducativa, nos termos da lei;
p) designar e comunicar ao IPDJ a lista de coordenadores de segurança, para efeitos da lei n.º 39/2009, de 30 de julho, com a redação dada pela lei n.º 52/2013, de 25 de julho;
q) corrigir e/ou implementar as medidas de segurança recomendadas pelas entidades policiais competentes;
r) manter um registo sistematizado e actualizado dos filiados no grupo organizado de adeptos do respetivo clube, de acordo com o designado na lei, e remetê-lo trimestralmente para o IPDJ;
s) reservar, nos recintos desportivos que lhe são afectos, uma ou mais áreas específicas para os filiados dos grupos organizados de adeptos;
t) instalar e manter em funcionamento um sistema de videovigilância, de acordo com o preceituado nas leis aplicáveis;
u) dispor, nos recintos desportivos que lhe são afetos, de acessos especiais para pessoas com deficiência ou incapacidades;

2. Para efeito do disposto na alínea f) do número anterior, e sem prejuízo do estabelecido no artigo 24.º da lei n.º 39/2009, de 30 de julho e no Regulamento de prevenção da violência constante do Anexo VI, são considerados proibidos todos os objectos, substâncias e materiais susceptíveis de possibilitar actos de violência, designadamente:
a) bolas, chapéus-de-chuva, capacetes;
b) animais, salvo cães guia ou cães polícia quando permitido o seu acesso nos termos da lei;
c) armas de qualquer tipo, munições ou seus componentes, bem como quaisquer objectos contundentes, nomeadamente facas, dardos, ferramentas ou seringas;
d) projécteis de qualquer tipo tais como cavilhas, pedaços de madeira ou metal, pedras, vidro, latas, garrafas, canecas, embalagens, caixas ou quaisquer recipientes que possam ser arremessados e causar lesões;
e) objectos volumosos como escadas de mão, bancos ou cadeiras;
f) substâncias corrosivas ou inflamáveis, explosivas ou pirotécnicas, líquidos e gases, fogo-de-artifício, foguetes luminosos (very-lights), tintas, bombas de fumo ou outros materiais pirotécnicos;
g) latas de gases aerossóis, substâncias corrosivas ou inflamáveis, tintas ou recipientes que contenham substâncias prejudiciais à saúde ou que sejam altamente inflamáveis;
h) apontadores laser ou outros dispositivos luminosos que sejam capazes de provocar danos físicos ou perturbar a concentração ou o desempenho dos atletas e demais agentes desportivos.

3. Os clubes, seus dirigentes, delegados, jogadores, técnicos e funcionários, bem como os árbitros e demais agentes desportivos devem abster-se de, antes, durante e após a realização dos jogos, por intermédio dos órgãos da comunicação social ou por outro meio, proferir declarações que incitem à prática de violência.
4.. Os dirigentes e funcionários das sociedades desportivas e dos clubes fundadores não podem participar, na qualidade de intervenientes regulares, em programas televisivos que se dediquem exclusiva, ou principalmente, à análise e comentário do futebol profissional.
5. Quando os dirigentes e funcionários das sociedades desportivas e dos clubes fundadores participem, na qualidade de convidados, nos programas referidos no número anterior, apenas podem analisar e comentar aspectos positivos do jogo e das competições, abstendo-se de analisar e de comentar decisões da equipa de arbitragem, comportamentos de jogadores, treinadores, outros agentes desportivos ou do público, quando esteja em causa algum aspecto susceptível de causar um impacto negativo na imagem e percepção pública de um jogo em particular, das competições profissionais ou da Liga ou dos seus associados.
6. Para além do disposto nos números anteriores, os clubes visitados, ou considerados como tal, devem proceder à colocação, em todas as entradas do estádio, de um mapa-aviso, de dimensões adequadas, com a descrição de todos os objectos ou comportamentos proibidos no recinto ou complexo desportivo, nomeadamente invasões do terreno de jogo, arremesso de objectos, uso de linguagem ou cânticos injuriosos ou que incitem à violência, racismo ou xenofobia, bem como a introdução e ingestão de bebidas alcoólicas, estupefacientes ou material produtor de fogo-de artifício ou objectos similares, e quaisquer outros susceptíveis de possibilitar a prática de actos de violência.

Feitas as transcrições normativas, voltemos ao caso concreto.


e. imputação e punição do clube a título de autoria – execução material do ilícito por sócio ou simpatizante do clube;

Atenta a conformação substantiva dos artºs. 127º [inobservância de outros deveres], 186º nº 1 [arremesso perigoso de objectos] e 187º nº 1 b) [comportamento incorrecto do público] do RD–LPFP/2016, interessa aqui destacar a circunstância de o efeito jurídico punitivo do poder disciplinar recair sobre o clube desportivo - no caso, sobre a pessoa colectiva empresarial na medida em que se trata de uma SAD.
Efectivamente, por disposição expressa do artº 35º do Regulamento das Competições organizadas pela LPFP/2016, a titularidade do dever, colocada na esfera jurídica do clube desportivo sob a forma especial de dever jurídico de garante (em que o omittere é equiparado ao facere - artº 10º nºs 1 e 2 CP), constitui o fundamento da responsabilidade disciplinar do clube por delito de omissão imprópria do dever de evitar o resultado jurídico desvalioso tipificado nos artºs. 127º, 186º e 187º do RD –LPFP/2016 no contexto do “terreno de jogo” e “dentro dos limites do recinto desportivo”.
Ou seja, a imputação ao clube do delito omissivo impróprio por violação do dever jurídico de garante plasmado no artº 35º do Regulamento das Competições da Liga está associada à imputação e punição desse mesmo clube pelos ilícitos disciplinares comissivos (por acção) tipificados nos artºs. 127º, 186º nº 1[arremesso perigoso de objectos] e 187º nº 1 a) e b) [comportamento incorrecto do público] do Regulamento Disciplinar da Liga (RD–LPFP/2016), na exacta medida em que a consumação requer a produção de um resultado em sentido material (proibido), concretizado pelo comportamento de um sócio ou simpatizante do clube.

*
Isto é, o dever jurídico de garante que onera a esfera jurídica do clube desportivo configura um dos pressupostos jurídicos do juízo subjectivo de imputação jurídica e punição do clube a título de autoria pelo cometimento dos ilícitos praticados pelo terceiro (o sócio ou simpatizante) nos termos dos artºs. 183º, 186º e 187º do RD –LPFP/2016, com fundamento na violação pelo clube do dever jurídico de garante da observância dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2017.
O que significa que a entidade administrativa com poderes regulamentares – a Liga, LPFP – quis vincular a autoria pelo cometimento dos ilícitos disciplinares dos artºs. 127º, 186º e 187º do RD–LPFP/2016 à violação pelo clube do dever jurídico de garante da observância dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2016.
Consequentemente, recai sobre a pessoa colectiva, i.e, sobre o clube desportivo a imputação de autoria dos ilícitos descritos nos artºs.127º, 186º e 187º do RD –LPFP/2016 por violação dos deveres normativamente elencados no âmbito do dever jurídico de garante que incumbe ao próprio clube desportivo.
Estamos, assim, fora do paradigma clássico do direito sancionatório, seja criminal seja disciplinar, assente sobre uma construção individual tanto do lado do agente como do lado do titular do bem jurídico ofendido, isto é, utilizando a expressão cunhada por Figueiredo Dias, “Caim matou Abel”.

*
Nesta construção jurídica de ilícito imputado a pessoas colectivas, que constitui uma novidade no âmbito do ilícito disciplinar mas já há muito conhecida do direito criminal e contra-ordenacional interno, v.g. do direito penal da empresa, cumpre atender a um aspecto muito específico: é que a infracção ao dever apenas se concretiza quando ocorre a materialização do comportamento não querido pela norma regulamentar que descreve o tipo de ilícito disciplinar. (6)
Materialização evidenciada por parte da pessoa singular nomeada nas normas que descrevem o comportamento proibido pelo tipo de ilícito disciplinar - no caso trazido a recurso, a pessoa singular em causa é o sócio ou simpatizante do clube, conforme determinado nos artºs. 127º/186º/187º do RD –LPFP/2016.
É o sócio ou simpatizante do clube quem materializa o ilícito disciplinar imputado ao clube desportivo a título de autoria, ao realizar uma das diversas descrições materiais de acção dolosa constantes dos artºs. 127º, 186º e 187º do RD-LPFP/2016 associadas à violação do dever jurídico de garante do clube desportivo no âmbito do elenco de deveres especificados no citado artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2016.

*
Aplicando o que vem de ser dito ao caso concreto, a imputação de autoria do ilícito disciplinar ao clube desportivo ora Recorrente só se concretiza no momento em que
· “(..) os sócios ou simpatizantes adotem comportamento social ou desportivamente incorreto, designadamente através do arremesso de objetos para o terreno de jogo, de insultos ou de atuação da qual resultem danos patrimoniais ou pratiquem comportamentos não previstos nos artigos anteriores que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina (..) – artº 187º nº 1 RD –LPFP/2016
· “(..)os sócios ou simpatizantes adoptem (..) o simples comportamento social ou desportivamente incorrecto (..)” - artº 187º nº 1 a) RD –LPFP/2016
· “(..)os sócios ou simpatizantes adoptem (..)o comportamento não previsto nos artigos anteriores que perturbe ou ameace a ordem e a disciplina, designadamente mediante o arremesso de petardos e tochas (..)” - artº 187º nº 1b) RD –LPFP/2016
· “(..)os sócios ou simpatizantes arremessem para dentro do terreno de jogo objetos, líquidos ou quaisquer outros materiais que pela sua própria natureza sejam idóneos a provocar lesão de especial gravidade aos elementos da equipa de arbitragem, agentes de autoridade em serviço, delegados e observadores da Liga, dirigentes, jogadores e treinadores e demais agentes desportivos ou qualquer pessoa autorizada por lei ou regulamento a permanecer no terreno de jogo sem todavia dar causa a qualquer perturbação no início, reinício ou realização do jogo (..)” - artº 186º nº 1 RD–LPFP/20167
· “(..)Em caso de reincidência (..)” - artº 186º nº 2 RD–LPFP/2017
isto é, no momento em que o sócio ou simpatizante do clube desportivo realiza uma das acções dolosas descritas na norma regulamentar, e não qualquer outra.

*
O que significa que o sócio ou simpatizante executor do ilícito disciplinar tem de ser uma pessoa singular devidamente identificada no processo disciplinar através da sua identidade civil para, por seu intermédio, se fazer a imputação funcional do comportamento ilícito do sócio ou simpatizante, devidamente identificado, ao clube desportivo (pessoa colectiva), pelas duas razões já expostas:
a. por um lado, a pessoa singular está ligada funcionalmente ao clube pela sua qualidade de sócio ou simpatizante
b. e, por outro, o critério da autoria do clube face aos ilícitos dos artºs. 127º, 186º e 187º RD –LPFP/2016 repousa na titularidade dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional/2016.
Ou seja, não só é juridicamente obrigatório carrear para o processo disciplinar os meios de prova referentes aos factos que configuram o comportamento não querido pela norma (no caso, desvalor de acção e de resultado de ilícito comissivo doloso dos artºs. 127º, 186º e 187º RD–LPFP/2016) como também é obrigatório carrear o meio probatório relativo à identificação da pessoa singular que realizou a acção em contrário do dever legal (imputação subjectiva da acção ao sujeito executor) e da sua ligação funcional ao clube desportivo em função da sua qualidade de sócio ou simpatizante (imputação da autoria ao clube), nos exactos termos das normas incriminadoras do clube a título de autoria, v.g. artºs. 127º/186º/187º do RD–LPFP/2016.

*
Do quadro normativo que vem de ser exposto decorre, como condição necessária, a exigência de identificação processual do sócio ou simpatizante do clube, na medida em que essa identificação pessoal constitui, a par do dever de garante já referido, um dos pressupostos jurídicos do juízo subjectivo de imputação e punição do clube a título de autoria pelo cometimento dos ilícitos praticados pelo terceiro (o sócio ou simpatizante) nos termos dos artºs. 127º/186º/187º do RD–LPFP/2016, com fundamento na violação pelo clube do dever de garante da observância dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2016.

*
A exigência de identificação processual do sócio ou simpatizante do clube faz parte do discurso jurídico fundamentador exarado no Acórdão nº 730/95 (Guilherme da Fonseca) do Plenário do Tribunal Constitucional, tirado em 14.DEZ.1995 no processo nº 328/91.
Em análise ao regime da interdição dos recintos desportivos previsto no DL 270/89, 18.08 – regime actualmente previsto no artº 176º por referência aos artºs. 173º/174º do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017 - o citado Acórdão nº 730/95 do TC destaca a identificação civil do sócio ou simpatizante que executa os actos materiais descritos nas normas tipificadoras do ilícito disciplinar, nos segmentos que se transcrevem, sendo o negrito e sublinhados nossos:
“(..) convém reter que as sanções referidas nos artigos 3º a 6º do Decreto-Lei nº 270/89 são aplicadas aos clubes desportivos, por condutas ilícitas e culposas das respectivas claques desportivas (assim chamadas e que são os sócios, adeptos ou simpatizantes, como tal reconhecidos) condutas que se imputam aos clubes, em virtude de sobre eles impenderem deveres de formação e de vigilância que a lei lhes impõe e que ele não cumpriram de forma capaz. (..)
(..) Não é, pois, em suma, uma ideia de responsabilidade objectiva que vinga in casu, mas de responsabilidade por violação de deveres. Afastada desde logo aquela responsabilidade objectiva pelo facto de o artigo 3º exigir, para aplicação da sanção de interdição dos recintos desportivos, que as faltas praticadas pelos espectadores nos recintos desportivos possam ser imputadas aos clubes.
E no mesmo sentido milita a referência que nesse mesmo preceito (7º) e no artº 6º (nºs 1 e 2) é feita ao clube responsável (pelos distúrbios).
Por fim o processo disciplinar que se manda instaurar (artigo 4º) servirá precisamente para se averiguar todos os elementos da infracção, sendo que, por essa via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube). (..)”

*
Evidentemente que o “reconhecimento” do espectador no quadro dos “sócios, adeptos ou simpatizantes” do clube, bem como a prova de que o “espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clubetem implícito o pressuposto de que não se trata de alguém desconhecido, pelo contrário, constitui um requisito essencial do juízo de imputação do ilícito disciplinar ao clube desportivo (pessoa colectiva), que no processo disciplinar haja notícia e resulte provada a identidade de quem se trata através da identificação civil da pessoa física.

*
Cabe, pois, importar para o juízo sancionatório no plano disciplinar os modelos de imputação do facto criminal à pessoa colectiva.(7)
Para este efeito seguindo, com as devidas adaptações, o direito objectivo nesta matéria, de acordo com o regime subsidiário em matéria de direito adjectivo por disposição expressa do artº 16º nº 1 do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2016, em matéria de direito adjectivo, das disposições do regime disciplinar dos trabalhadores da Administração Pública consagrado na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei 35/2014, 20.06 (LTFP), conjugada com o disposto, em matéria sancionatória disciplinar, no artº 201º nº 2, LTFP que procede ao reenvio para os princípios de processo penal.
O que significa que onde forem omissos o processo comum ou os processos especiais do presente Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2016 rege o disposto no Código de Processo Penal.


f. presunções relativas – excepções ao princípio in dubio pro reo – ocorrências levadas ao relatório do jogo de futebol – artº 13º f) do RD–LPFP/2016;

Por força do artº 32º nº 2 e 10 da Constituição, no direito sancionatório, seja criminal seja disciplinar, não se presume a autoria do tipo de ilícito, o que se presume, a partir de uma base fáctica provada (base da presunção), são comportamentos expressos em factos susceptíveis de imputação subjectiva ou objectiva.
Dito de outro modo, não é juridicamente admissível presumir a qualidade de sócio ou simpatizante do clube relativamente à pessoa singular desconhecida e, como tal, não existente no processo, que executa os actos materiais tipificados nos artºs. 127º/186º/187º do RD–LPFP/2016, que é o sócio ou simpatizante do clube, e que, nos termos já expostos concretiza a infracção materializando o comportamento proibido pelo tipo de ilícito disciplinar.
Cabe ter presente o conteúdo integral dos relatórios dos jogos, levados ao probatório na alínea e) por aditamento.
Tendo presente a transcrição integral dos relatórios dos jogos, no segmento intitulado “Ocorrências relatório delegados” descrevem-se as seguintes “ocorrências”:
· aos 29 minutos da primeira parte, rebentamento de 1 (um) petardo
· rebentaram 12 petardos antes do início do jogo,
· deflagraram, antes do início do jogo, 4 potes de fumo, assim como arremessaram 4 tochas para o interior do;
· deflagraram, aos 50 minutos, um pote de fumo;
· arremessaram, ao minuto 67, uma tocha para o interior do relvado,
· arremessaram bolas feitas de cartolina
· arremessaram ao minuto 17, uma garrafa de água e um isqueiro;
· foram arremessadas duas garrafas de água, bem como várias moedas,
· "Com Pinheiro, Veríssimo, Ferreira e Vouchers na mão, qualquer um é campeão"',
· "Em tudo o que está metido o Orelhas, às autoridades dá sempre uma branca";
· cantaram, em uníssono, "SLB, SLB, filhos da puta, SLB"
· "Para negócios à maneira, vai à lavandaria Vieira! C95";
· "Tráfico, corrupção, branqueamento. Carrega B………..".
· rebentamento de sete petardos e deflagramento de duas tochas incandescentes;
· arremessada uma tocha incandescente
· rebentamento de petardos aos minutos 5,30,34 e 66;
· aos 71 minutos foi incendiado um pote de fumo.

*
Relativamente a estes factos, as “ocorrências” descritas nos relatórios de jogo, não se suscitam dúvidas que beneficiam do regime de presunção de veracidade constante do artº 13º f) do RD–LPFP/2016.
Questão diferente é considerar por interpretação extensiva do artº 13º f) RD–LPFP/2016 a presunção de um duplo juízo jurídico de imputação:
(i) primeiro, presumir a qualidade de sócios ou simpatizantes do clube relativamente às pessoas físicas que materializam o comportamento proibido pelo tipo de ilícito disciplinar – pessoas referidas nos relatórios como “adeptos do FC ………”, “adeptos do SL ………..”, “adeptos afectos ao clube visitado V…………. Clube Fut. SAD”, “adeptos do Visitante” e “adeptos da equipa visitada”,
(ii) segundo, presumir, no quadro do delito omissivo impróprio, a imputação das “ocorrências” ao clube a título de autoria por violação do dever jurídico de garante.
Nestes dois juízos jurídicos a presunção não recai sobre factos, recai sobre imputações valorativas: a primeira sobre um estatuto pessoal relativamente a desconhecidos, que é a qualidade de sócio ou simpatizante do clube desportivo; a segunda sobre a violação de um dever jurídico disciplinar (logo, de cariz sancionatório) relativamente a uma pessoa colectiva.

*
Como já referido supra, a imputação ao clube do delito omissivo impróprio por violação do dever jurídico de garante plasmado no artº 35º do Regulamento das Competições da Liga está associada à imputação e punição desse mesmo clube pelos ilícitos disciplinares comissivos (por acção) tipificados nos artºs. 127º, 186º nº 1[arremesso perigoso de objectos] e 187º nº 1 a) e b) [comportamento incorrecto do público] do Regulamento Disciplinar da Liga (RD–LPFP/2016), na exacta medida em que a consumação requer a produção de um resultado em sentido material (proibido), concretizado pelo comportamento de um sócio ou simpatizante do clube.
Se não se sabe quem é a pessoa singular, porque não está identificada no processo disciplinar, não é possível fazer derivar por presunção e dar como provado que a pessoa em causa é sócia ou simpatizante do clube para efeitos de imputação da autoria ao clube desportivo.

*
De acordo com este enquadramento, a questão não se prende com o regime do artº 13º f) do RD–LPFP/2016, posto que, nos termos expostos, tem precedência a questão da identificação no procedimento disciplinar do sócio ou simpatizante do clube que materializa o ilícito disciplinar, imputado ao clube desportivo a título de autoria, ao realizar uma das diversas descrições materiais de acção dolosa constantes dos artºs. 127º, 186º e 187º do RD-LPFP/2016 associadas à violação do dever jurídico de garante do clube desportivo no âmbito do elenco de deveres especificados no citado artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2016.

*
Vejamos o regime da presunção em sede sancionatória.

No campo das presunções judiciais em matéria sancionatória maxime de natureza criminal, importa atender às considerações exaradas no Acórdão do STJ de 19.06.2019 tirado no procº 881/16.6 JAPRT-A.P1.S1 (Pires da Graça):
“(..) O artigo 127º do CPP estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e natureza completamente diferente: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar, (o caso dos documentos autênticos), outra, também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência, finalmente umas outra, eminentemente subjectiva, que resulta da livre convicção do julgador.
Porém não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na formação do juízo e valoração do julgador com o mero arbítrio: a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente subjectiva ou emotiva, e, por isso, há-de ser fundamentada, racionalmente objectivada e logicamente motivada, de forma a susceptibilizar controlo.
A livre apreciação da prova liberta do rígido sistema da prova tarifada, ou prova legal, realiza-se obedecendo a critérios lógicos e objectivos, determinando uma convicção racional e, por isso objectivável e explicável. (v. vg acs do STJ de: 4 de Novembro de 1998, 21 de Janeiro de 1999 e 18 de Janeiro de 2001, respectivamente na CJ, Acs do STJ VI, tomo 3, 201; SAASTJ nº 27, 38; nº 47, 88.
Costuma distinguir-se entre prova directa e prova indiciária, referindo-se aquela ao thema probandum, aos factos a provar, e respeitando a prova indirecta ou indiciária a factos diversos (instrumentais) do tema probatório, mas que possibilitam, pelo uso das regras da experiência, extrair ilações no domínio do thema probandum, de convicção racional e objectivável do julgador.
O princípio da legalidade da prova perfilhado pelo artº 125º do CPP considera “admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.” (..)
Nas provas admissíveis são incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido»: art. 349.º do CC).
Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova directa» não contraria o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal (art. 127.º do CPP). Não está, por isso, vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido. (..)”.

*
Feito o devido enquadramento, voltemos ao caso concreto.

Como já referido, por disposição expressa do artº 16º nº 1 do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2016 em matéria de direito adjectivo, nomeadamente sobre meios de prova admissíveis no processo disciplinar, regem subsidiariamente as disposições do regime disciplinar dos trabalhadores da Administração Pública consagrado na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei 35/2014, 20.06 (LTFP).
Por sua vez, nesta matéria sancionatória disciplinar o artº 201º nº 2, LTFP procede ao reenvio para os princípios de processo penal, o que significa que onde forem omissos o processo comum ou os processos especiais do presente Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2016 rege o disposto no Código de Processo Penal, nomeadamente em sede de diligências indispensáveis à instrução do processo.
Em juízo de indispensabilidade impõem-se as diligências instrutórias que possibilitem o exercício do contraditório por parte do clube desportivo no tocante à imputação de autoria por violação do dever geral de garante relativamente aos deveres consagrados no artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2016 em razão do cometimento pelo sócio ou simpatizante da matéria delitual descrita nas normas sancionatórias dos artºs. 127º/186º/187º do RD –LPFP/2016.
De modo que em matéria de presunções cabe observar o regime consagrado no Código de Processo Penal.

*
Diz-nos a doutrina da especialidade neste ramo do Direito que,
“(..) As presunções constituem, em processo penal, excepções ao princípio in dubio pro reo. Como excepções devem ser interpretadas nos precisos termos textuais da lei, não podendo ser aplicadas analogicamente. (..)
As presunções legais relativas fazem inverter o ónus da prova. Em obediência à presunção, o julgador terá de dar o facto como provado, no caso de incerteza. “A presunção legal relativa tem natureza processual e actua, precisamente, quando, incerto o facto probando (mas somente quando incerto) o legislador permite, perante essa incerteza, a equiparação de um facto indiciante a um facto presumido incerto, da prova do primeiro fazendo derivar então as mesmas consequências que teriam lugar com a prova do segundo.
E assim, as presunções simples ou naturais são meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a exactidão no caso concreto” (Cavaleiro de Ferreira, Curso, II) (..)”(8)
Exactamente por isso, diz-se no Acórdão do STJ de 16.05.2019 tirado no procº nº 27908/16.6 T8LSB.L1.S1 (Rosa Tching) que,
“(..) o erro na livre apreciação das provas, salvo quando, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, a utilização desse critério de valoração ofenda uma disposição legal expressa que exija espécie de prova diferente para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade, ofensivo de qualquer norma legal ou extraído a partir de factos não provados (..) [configuram] verdadeiros erros de direito (..)”.

A nosso ver, é o que ocorre nas circunstâncias do caso trazido a recurso.

Não se suscitam dúvidas quanto a que nenhum dos citados normativos (127º/186º/187º RD-LPFP/2016) estabelece expressamente a presunção de que a execução dos factos ilícitos descritos tem como efeito jurídico automático a operatividade da imputação da autoria ao clube, desde que tais factos sejam cometidos a partir do ajuntamento de pessoas identificadas pelas suas camisolas, bonés, cachecóis, tarjas, bandeiras, etc. etc., atavios próprios dos sócios, simpatizantes e das claques dos clubes, estilo “no name boys”, “juventude leoninaet altri, acantonadas num determinado espaço dos recintos desportivo aquando da realização do jogo.
Uma interpretação nestes termos, de considerar a imputação da autoria ao clube e consequente punição um efeito automático decorrente da materialização dos eventos ilícitos constantes da previsão dos citados normativos (127º/186º/187º) do RD–LPFP/2016, equivaleria a assumir que a entidade regulamentar consagrou uma assunção automática da posição de garante do clube desportivo e, consequentemente, de autoria,
Consequentemente, equivaleria a atribuir a autoria por responsabilidade disciplinar objectiva do clube por decorrência do cometimento dos factos ilícitos descritos nas normas sancionatória, factos oriundos do ajuntamento de pessoas da claque desportiva em tumulto, presumindo que todas aquelas pessoas têm a qualidade funcional (de ligação ao clube) exigida pela norma, isto é, de “sócios ou simpatizantes”.

*
Todavia, como já referido, a responsabilidade objectiva mostra-se afastada pela circunstância de os normativos em causa (127º/186º/187º) do RD–LPFP/2016) exigirem para efeito de imputação aos clubes e punição destes por factos ocorridos nos recintos desportivos, que as faltas sejam praticadas por espectadores que sejam sócios ou simpatizantes do clube.
Por esta razão, porque as normas exigem a imputação da qualidade pessoal de sócio ou simpatizante ao clube especificamente objecto da punição por autoria, não é admissível, do ponto de vista jurídico, presumir a qualidade de sócio ou simpatizante relativamente a pessoa que nem se sabe quem é no processo disciplinar, para efeitos de operatividade da ligação funcional do (desconhecido) sócio ou simpatizante ao clube desportivo nos termos consignados nos artºs. 127º/186º/187º do RD–LPFP/2016.

*
Efectivamente, a interpretação dos artºs. 127º/186º/187º do RD–LPFP/2016 no sentido
(i) da imputação de autoria ao clube por efeito automático da concretização dos ilícitos disciplinares comissivos descritos nos citados artigos (127º/186º/187º), cometidos por pessoa física cuja identidade é desconhecida,
(ii) presumindo a qualidade funcional de “sócio ou simpatizante” (ligação ao clube) exigida pelas normas (127º/186º/187º) relativamente a essa pessoa física de identidade desconhecida,
(iii) associando à concretização dos ilícitos (127º/186º/187º) o efeito automático de imputação ao clube do delito omissivo impróprio de violação do dever jurídico de garante (artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2016),
configura-se inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência em sede de processo disciplinar, à luz do regime constante do artº 32º nºs. 2 e 10 CRP.

*
Só os cachecóis, camisolas e bandeiras com a heráldica do clube bem como as pessoas assistirem na zona do estádio reservada ao clube, não chega para dar operatividade à imputação de autoria ao clube, posto que, nos termos já referidos, tal é vedado pelo artº 32º nºs. 2 e 10 da Constituição.

*
No mesmo sentido o acórdão deste TCAS tirado em 09.MAI.2019 no rec. nº 42/19.2BCLSB no segmento do discurso jurídico fundamentador que se transcreve:
“(..)Na verdade, também perfilhamos o entendimento expresso pela recorrente e já supra afirmado, de que nos relatórios de jogo, prova documental nos autos que beneficia da presunção de verdade, não se descreve um único facto relativamente ao que fez ou não fez o clube, por referência a concretos deveres legais ou regulamentares, nem tão-pouco se descreve por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado; sendo a actuação culposa um dos "demais elementos das infracções" que se impunha à FPF, aqui recorrida, provar, sempre se mostrava prejudicada a condenação do Clube por falta de preenchimento de pressuposto legal exigido pelos arts. 186º 2 e 187º l a) e h) do RD.
Daí, pois, se concorde que é inconstitucional, por violação do princípio jurídico- constitucional da culpa (art. 2º da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que o arguido beneficia em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (arts. 32º 2 e 10 da CRP), a interpretação dos artºs 13º f) e 186º 2 e 187º 1 a) e h) do RDLPFP no sentido de que a indicação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorrectas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parle desse clube, o que desde já se argui, para todos os efeitos e consequências legais: e inconstitucional, porque, materialmente, na prática, significa impor ao clube uma responsabilidade objectiva por facto de outrem (2º e 30º 3 da CRP). (..)”.

*
Pelos fundamentos expostos conclui-se que as referidas decisões sancionatórias proferidas pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol - Secção Profissional se mostram inquinadas de vício de violação de lei por erro de facto e de direito sobre os pressupostos, sendo passíveis de anulação nos termos do artº 163º nº 1 CPA.
Tudo visto, tendo em consideração a fundamentação do douto Parecer do Digno Magistrado do Ministério Público, acima transcrito e que, com a devida vénia, fazemos nossa, bem como pelos fundamentos expostos, acompanha-se nos seus exactos termos o julgado do acórdão do TAD de 08.SET.2017, ora sob recurso, no sentido de
“(..) b) Julgar procedente o pedido de anulação das multas aplicadas nos processos disciplinares 13/2016, 10/2016, 20/2016 e 18/2016, ao abrigo dos artigos 127°, 186°, n° 1 e 187º nºs 1 alíneas a) e b) do RD, salvaguardando as infracções com as quais a Demandante, relativamente a cada um delas, se conformou, mantendo-se as sanções aplicadas pelo Conselho de Disciplina. (..)”.

*
Consequentemente, improcede a questão trazida a recurso nos itens 2 a 18 das conclusões.



***



Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar ao julgado do TAD
o no tocante à alínea b) do segmento decisório, pelo qual decidiu “(..) Julgar procedente o pedido de anulação das multas aplicadas nos processos disciplinares 13/2016, 10./2016, 20/2016 e 18/2016, ao abrigo dos artigos 127°, 186°, n° 1 e 187.° n.°s 1 alíneas a) e b) do RD, salvaguardando as infracções com as quais a Demandante, relativamente a cada um deles, se conformou, mantendo-se as sanções aplicadas pelo Conselho de Disciplina. (..)”.

Custas a cargo da Recorrente Federação Portuguesa de Futebol.


Lisboa, 21.NOV.2019

(Cristina dos Santos) …………………………………………………………

(Sofia David) …………………………………………………………………

(Pedro Marchão) [com voto de vencido]..............................................................


__________________________

DECLARAÇÃO DE VOTO

Votei vencido, discordando da tese que logrou vencimento em matéria sancionatória disciplinar e que confirmou o juízo do TAD de anulação das decisões condenatórias aplicadas nos processos disciplinares n.ºs 13/2016, 10./2016, 20/2016 e 18/2016,

Tenho para mim, enquanto premissa fundamental de base, que “é indubitável que, no domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da “presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percepcionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posto em causa” [art.º 13.º, al. f), do RD]. // Esta presunção de veracidade, que se inscreve nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere, assim, um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percepcionado. // E não se vê que o estabelecimento desta presunção seja inconstitucional, quando o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 391/2015, de 12/8 (publicado no DR, II Série, de 16/11/2015), considerou que, mesmo em matéria penal, são admissíveis presunções legais, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustente e desde que para tal baste a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário" (cfr. o acórdão do STA de 18.10.2018, proc. n.º 144/17.0BCLSB; sendo também exemplos mais recentes os acórdãos de 2.05.2019, proc. n.º 73/18.0BCLSB, de 4.04.2019, proc. n.º 30/18.6BCLSB, de 4.04.2019, proc. n.º 40/18.3BCLSB, de 21.02.2019, proc. n.º 33/18.0BCLSB, e de 26.09.2019, proc. n.º 76/18.4BCLSB). Assim tenho decidido nos acórdãos que relatei sobre esta mesma temática: ac.s de 21.03.2019, proc. nº 118/18.3BCLSB, de 23.05.2019, proc. nº 74/18.8BCLSB e proc. nº 64/18.0BCLSB, e de 4.06.2019, proc. nº 73/19.2BCLSB.

E também a linha argumentativa relativa à ausência de (suficiente) identificação do agente individual prevaricador, salvo o devido respeito, não colhe. E não colhe, do meu ponto de vista, por duas ordens de razões:

Em primeiro lugar, os sinais existentes nos autos, constantes dos relatórios oficiais, são, não apenas suficientemente indiciadores, como abundantes, de molde a permitir, com segurança, efectuar a necessária imputação da pessoa colectiva. Dúvida, para mim, nem sequer existe neste domínio. Ou seja, ocorre uma conexão entre o facto praticado por uma pessoa singular – o adepto/simpatizante -, seguida da necessária comprovação de que o ilícito desta pessoa singular é, também, um ilícito da organização – o clube.

Em segundo lugar, não estamos propriamente no domínio do Direito Penal qua tale, não existindo aqui uma punição de natureza jurídico-criminal; movemo-nos (apenas) na área do ilícito disciplinar e respectivo regime sancionatório. Logo, o juízo a efectuar de subsunção normativa não poderá apropriar-se, sem mais, dos cânones típicos do Direito Penal e, em particular, da teoria geral da responsabilidade penal das pessoas colectivas que vem enunciada no acórdão [aliás, sobre a temática da capacidade de acção e de culpa das pessoas colectivas, acolhemos as posições de José de Faria Costa e de Jorge de Figueiredo Dias que apontam para uma reconformação das noções jurídico-penais tradicionais de acção e de culpa – cfr., respectivamente, A responsabilidade jurídico-penal da empresa e dos seus órgãos (ou uma reflexão sobre a alteridade nas pessoas colectivas à luz do direito penal)”, 1998, p. 513; Direito Penal - Parte Geral, 2011, pp. 298-299]. Neste sentido, veja-se o recentíssimo voto de vencido constante do ac. deste TCAS de 6.11.2019, no proc. nº 89/19.9BCLSB, e a jurisprudência constitucional aí convocada: ac.s do Tribunal Constitucional n.ºs 635/2011 e 85/2012. No mesmo sentido, desenvolvidamente, o Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º P000112013, de 10.07.2013.

Concederia, portanto, provimento ao recurso e revogaria o acórdão do TAD, mantendo as decisões condenatórias disciplinares proferidas.

Lisboa, 21 de Novembro de 2019


Pedro Marchão Marques


_____________________


(1) Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, Almedina/2013, pág. 85.
(2) Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, págs. 115, 84/85.
(3) Abrantes Geraldes, Recursos do novo Código de Processo Civil, págs. 71/72.
(4) Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Direito administrativo geral, Tomo I, D. Quixote /2010, pág. 138.
(5) Mário Esteves de Oliveira, Lições de Direito Administrativo - FDL/1980, págs.621 e 787; Bernardo Diniz de Ayala, O défice de controlo judicial da margem de livre decisão administrativa, Lex, 1995, pág. 91
(6) Susana Aires de Sousa, Questões fundamentais de direito penal da empresa, Almedina/2019, págs.64- 65, 81-87; José de Faria Costa, Direito penal, INCM/2017, págs. 260-265.
(7) Susana Aires de Sousa, Questões fundamentais … págs. 89-91.
(8) Maia Gonçalves, Código de Processo penal, - anotado e comentado, Almedina/2005, comentário ao artº 126º CPP, pág. 315