Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1057/18.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/06/2025
Relator:MARGARIDA REIS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CSB 2017
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
LEGALIDADE
NÃO RETROATIVIDADE
TUTELA DA CONFIANÇA
SEGURANÇA JURÍDICA
EQUIVALÊNCIA
DIREITO EUROPEU
Sumário:I - A contribuição sobre o setor bancário relativa ao ano de 2017, tem a natureza jurídica de contribuição financeira, não padecendo de inconstitucionalidade orgânica.
II - O regime da contribuição sobre o setor bancário não padece inconstitucionalidade material por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da não retroatividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade ou da equivalência, nem o direito da União Europeia.
III - A dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se não só quando a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, mas também quando o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida - e levando ainda em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, se revelaria de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. Relatório

B... - S.A., Sucursal em Portugal, inconformada com a sentença proferida em 2023-10-27 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial que interpôs, tendo por objeto a decisão de indeferimento proferida no procedimento de reclamação graciosa n.º 3247201704010809, contra o ato tributário de autoliquidação de Contribuição Sobre o Sector Bancário (doravante CSB), respeitante ao ano de 2017, no montante de EUR 2.837.916,66, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

IV. CONCLUSÕES

1.º A douta sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente com referência ao ato de autoliquidação de CSB de 2017;

2.º Considera a Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação de facto, nos termos do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 e 125.º, ambos do CPPT e dos artigos 607.º e 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT;

3.º Efetivamente, a sentença recorrida considera que o momento relevante para a formação do facto tributário da CSB é a data da aprovação das contas, mas os factos dados como provados não incluem qualquer facto relativo a essa data;

4.º Ou seja, o Tribunal a quo não deu como provado qualquer facto relativo à aprovação de contas do exercício de 2017, o qual, face ao juízo formulado pelo Tribunal a quo se afigura determinante para aferir da retroatividade do tributo sob análise;

5.º Neste contexto, deverá a nulidade da sentença ser declarada, revogando-se a decisão recorrida, e, por força do disposto no artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, deverá ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para fixação de um novo probatório;

6.º Sem conceder, o Tribunal a quo incorreu em violação do princípio do inquisitório, pois apesar de o Tribunal a quo considerar como momento relevante para a formação do facto tributário a data da aprovação das contas, e com base nesse facto determinar a inexistência de violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, a verdade é que não foi fixado qualquer probatório quanto a esta questão;

7.º Assim, o Tribunal a quo poderia – rectius deveria – ter solicitado elementos adicionais para conhecer a verdade e produzir uma decisão que refletisse a verdade material da situação em apreço;

8.º Sem prejuízo do exposto, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito na qualificação do tributo como contribuição financeira;

9.º A evolução de regime jurídico de tributação sectorial da Banca em Portugal foi a seguinte: em 2011 e 2012 vigorou no nosso ordenamento um regime extraordinário de tributação do sector bancário, a CSB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais; em 2013 e 2014, vigoraram em paralelo dois regimes distintos de contribuições sobre o sector bancário: (i) a CSB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais tal como previsto na lei orçamental, e (ii) as contribuições para o Fundo de Resolução (iniciais, periódicas e especiais), àquele efetiva e diretamente destinadas; a partir de 2015, inclusive, vigoram em paralelo três regimes de contribuições sobre o sector bancário: (i) a CSB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais tal como previsto na lei orçamental, (ii) as contribuições para o Fundo de Resolução (iniciais, periódicas e especiais), àquele efetiva e diretamente destinadas, e (iii) as contribuições comunitárias cobradas pelo Fundo de Resolução;

10.º Apenas as contribuições para o Fundo de Resolução (contribuições dos participantes, iniciais, periódicas e especiais) e as contribuições comunitárias (ex ante e ex post), pela sua estrutura, pressuposto e desígnio, são verdadeiras contribuições, não assim a CSB;

11.º No relatório do Orçamento do Estado para 2011 refere-se que a CSB tem como propósito “(…) aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro (…) para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos (…)”, finalidades próprias dos impostos e não das contribuições financeiras, porquanto visam, por um lado, atingir a capacidade contributiva dos sujeitos passivos do sector financeiro e, por outro lado, desincentivar e penalizar a detenção de determinados instrumentos financeiros e passivos;

12.º No âmbito da caracterização da natureza do tributo, também não releva a finalidade alegada pelo legislador de prevenção de riscos sistémicos, nem tão-pouco a criação do Fundo de Resolução, cuja afetação da receita ocorreu em momento posterior à extinção da relação jurídica;

13.º Não se pode concluir por um perfil preventivo do tributo pela simples circunstância da incidência objetiva da CSB sobre o passivo pois a atividade bancária consiste, por natureza e definição, na receção de depósitos do público para a concessão de crédito, o que significa que a assunção de passivos é-lhe intrínseca;

14.º O regime da CSB prevê uma incidência objetiva sobre o passivo de toda a espécie em balanço, não operando distinções em relação ao tipo de passivo e não atendendo ao perfil de risco das instituições de crédito, diferentemente das demais contribuições setoriais;

15.º A base de incidência residual do tributo – instrumentos financeiros derivados – tão-pouco traduz uma dissuasão de comportamento avesso ao risco;

16.º O desígnio primordial da CSB é o financeiro e não a prevenção de comportamentos, desde logo porque o imposto extraordinário, avulso e temporário aqui em causa, sempre foi exógeno (aplicado a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que o sujeito passivo possa adequar a sua atuação);

17.º Porém, mesmo que os fins da extrafiscalidade estivessem de facto presentes na CSB, tal natureza pigouviana do imposto mais reforçaria a correspondente natureza fiscal, e não a natureza de contribuição;

18.º Por outro lado, não é possível identificar na CSB a contraprestação de uma prestação pública específica porquanto: (i) a intervenção estatal para resgate de um banco, na era pré-resolução, não é juridicamente uma prestação que se possa dizer, com certeza, segura, e (ii) a estrutura do tributo, no caso particular da CSB 2, não reflete uma comparticipação nos potenciais encargos estatais com uma futura intervenção pública no sector bancário;

19.º Diferentemente das posteriores contribuições para o Fundo de Resolução ou diferentemente das contribuições comunitárias, não existe na CSB qualquer pretensão de onerar em função de uma prestação pública específica, não existe qualquer pretensão de onerar em função do risco;

20.º Em suma, desassociando a CSB daquilo que lhe não está associado (a criação e funções do Fundo de Resolução), como se impõe que se faça em termos jurídicos, não pode senão concluir-se que não é contrapartida de nenhuma prestação pública específica, mas antes se qualifica como imposto (tal como classificada pelo legislador orçamental);

21.º No que concerne a violação da proibição da retroatividade da lei fiscal, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, pois considera que para este efeito releva a aprovação das contas e não o encerramento do exercício;

22.º No caso vertente, o facto tributário - facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência da taxa e que determina o nascimento da obrigação tributária – é a assunção/manutenção dos passivos e instrumentos financeiros derivados, num determinado período, e, ao contrário do que se refere na sentença recorrida, a aprovação das contas não forma parte do facto tributário, não assume, de acordo com o previsto no regime da CSB, o relevo jurídico de fazer eclodir a obrigação tributária;

23.º O facto tributário é um facto da vida corrente que ocorre independentemente da sua quantificação (cf. ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, 1981, p. 249 e 250), o qual, na situação da CSB, é a mera existência de passivo nas contas da sociedade, a 31 de dezembro;

24.º O elemento objetivo do facto tributário é independente e necessariamente prévio ao objeto do imposto que, por sua vez, consubstancia a manifestação de riqueza/matéria coletável, e que já tem subjacente um cariz quantitativo;

25.º A existência do passivo e a detenção dos instrumentos financeiros derivados configuram, de acordo com a norma de incidência objetiva [cf. artigo 3.º do regime jurídico da CSB], o facto tributário da CSB;

26.º Os passivos apurados e registados no balanço de encerramento do exercício, in casu a 31 de dezembro, não podem ser modificados em momento posterior, pelo que, em momento algum, pode ser atribuída relevância para efeitos do facto gerador do imposto ao momento da aprovação de contas. De igual modo, a detenção de instrumentos financeiros derivados;

27.º De facto, sendo o elemento objetivo do facto tributário o passivo, bem como a detenção de instrumentos financeiros, os quais não podem ser modificados após o encerramento do exercício, é pois evidente que a aprovação de contas não assume qualquer relevância para este efeito, configurando o mero cumprimento de uma formalidade;

28.º A admitir-se que o facto gerador da CSB se verifica com a aprovação de contas, ter-se-ia de concluir, ad absurdum, pela possibilidade de o sujeito passivo, consoante a data escolhida para tal aprovação, eleger o momento da ocorrência do facto tributário;

29.º Todavia, uma interpretação deste tipo conduz a um verdadeiro absurdo jurídico, porquanto admite que se o sujeito passivo não aprovar as contas, fica excluído da obrigação do tributo!

30.º No que respeita à CSB de 2017 o facto tributário consolidou-se em 31.12.2016 com o encerramento do exercício, pelo que o artigo 238.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, conjugadamente com a norma do artigo 3.º do regime aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, ao determinar a incidência sobre exercício anual encerrado antes de 01.01.2017, configura uma situação de retroatividade em sentido próprio, ou em primeiro grau, a qual é pacificamente reconhecida como sendo o grau de retroatividade proibido pelo n.º 3 do artigo 103.º da CRP;

31.º De referir que à conclusão supra, não se pode contrapor a qualificação jurídica da CSB, uma vez que, mesmo que se conclua que a CSB tem natureza de contribuição financeira, ainda assim, é aplicável a proibição da retroatividade da lei fiscal (cf. neste sentido, acórdão n.º 63/06, de 24.01.2006, o Tribunal Constitucional);

32.º No que respeita à violação do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica, também não assiste razão ao Tribunal, porquanto, apesar de o tributo em apreço ter sido discutido a nível europeu, o regime jurídico da CSB em nada coincide com as conclusões obtidas a nível internacional, as quais, visavam soluções a longo prazo;

33.º A CSB foi criada para alcançar o equilíbrio orçamental, tendo a receita sido alocada ao orçamento do estado, configurando receita geral do Estado e não ficando afeta à prevenção de crises futuras;

34.º A CSB não previu um período de adaptação e a entrada em vigor do regime jurídico ocorreu in totum;

35.º A Recorrente viu-se, a partir de 2016, confrontada com o pagamento de um novo imposto com o qual não podia razoavelmente contar, com referência ao período (passado);

36.º A Recorrente não podia razoavelmente contar com o alargamento do âmbito da incidência subjetiva da CSB com efeitos retroativos, desde logo, porque desenvolve a sua atividade em Portugal sob a forma de Sucursal, não sendo por esta razão um agente causador do risco sistémico em Portugal, mas apenas em Espanha;

37.º A Recorrente não pode ser objeto de medida de resolução em Portugal, por se tratar de uma Sucursal de um Estado-membro;

38.º Deste modo, as expectativas da Recorrente foram inquestionavelmente afetadas em sentido desfavorável,

39.º Por outro lado, atendendo à existência de alternativas viáveis do mesmo tipo e que permitiam obter a mesma receita sem infringir a Constituição, designadamente a consideração do período de referência subsequente à entrada em vigor da nova lei, deveria ter concluído o Tribunal a quo que as disposições sindicadas não passam o teste da necessidade;

40.º Como referido, no caso vertente o facto tributário consolidou-se em 31.12.2016 com o encerramento do exercício de 2016, pelo que, tendo as normas em apreço entrado em vigor em 01.01.2017, tal configura uma compressão das expectativas legítimas da Recorrente e, por conseguinte, colide com o princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, ínsito no artigo 2.º da CRP;

41.º E esta conclusão quanto à violação do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica não é abalada pelo facto de se poder concluir pela qualificação da CSB como contribuição financeira, uma vez que este princípio também é aplicável às contribuições (cf. neste sentido, o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 135/2012, de 07.03.2012);

42.º Contrariamente ao propugnando pelo Tribunal a quo, a CSB encontra-se sujeita ao princípio da legalidade, o qual in casu se mostra violado;

43.º A base de incidência objetiva da CSB encontra-se prevista no artigo 3.º do regime da CSB, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, cuja vigência foi prorrogada para 2017 pelo artigo 238.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, todavia, este preceito legal não prevê qualquer detalhe sobre o que deve entender-se por passivo e instrumentos financeiros para efeitos de CSB, não contendo a densificação suficiente da incidência objetiva, enquanto elemento essencial do imposto;

44.º A determinação da base de incidência objetiva da CSB só é tornada possível por via do artigo 4.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março;

45.º Deste modo, o artigo 3.º do regime da CSB é materialmente inconstitucional, na medida em que o mesmo não define, como se impõe na lei constitucional, todos os aspetos essenciais do novo imposto, designadamente a incidência objetiva do imposto e, por seu turno, o artigo 4.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março é organicamente inconstitucional na medida em que inova sobre a base de incidência de um imposto;

46.º A taxa da CSB encontra-se prevista no artigo 4.º do regime da CSB, cuja vigência foi prorrogada para 2017 pelo artigo 238.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, prevê no n.º 1 que “A taxa aplicável à base de incidência definida pela alínea a) do artigo anterior varia entre 0,01 % e 0,110 % em função do valor apurado.” e no n.º 2 que “A taxa aplicável à base de incidência definida pela alínea b) do artigo anterior varia entre 0,000 10 % e 0,000 30 % em função do valor apurado.”

47.º O intervalo de taxas fixado no preceito legal não se afigura razoável, pois, tal intervalo de décimas traduz-se em milhões de euros de coleta, o que não pode deixar de ser relevado neste âmbito;

48.º As taxas aplicáveis, em sede de CSB, vieram a ser determinadas no âmbito do artigo 5.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, que na redação aplicável prevê “1 - A taxa aplicável à base de incidência definida pela alínea a) do artigo 3.º é de 0,110 % sobre o valor apurado. 2 - A taxa aplicável à base de incidência definida pela alínea b) do artigo 3.º é de 0,000 30 % sobre o valor apurado.”;

49.º O Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido de aceitar que a Assembleia da República estabeleça apenas intervalos de taxas, todavia, exige-se (i) a existência de um princípio constitucional que justifique a limitação do princípio da legalidade e, por outro lado (i) que o intervalo de taxas se afigure razoável;

50.º No caso vertente não se verifica qualquer princípio constitucional que legitime a compressão do princípio constitucional da legalidade, como se verificava nas situações sobre as quais o Tribunal Constitucional já se debruçou, designadamente, no acórdão n.º 57/95, de 16.02.1995, e n.º 711/2006, de 29.12.2006;

51.º Por outro lado, o intervalo de taxas fixado pelo legislador parlamentar não confere um mínimo de certeza quanto à determinação do quantitativo do tributo, uma vez que deixa por clarificar a abrangência qualitativa da base de incidência e fixa um intervalo absolutamente desrazoável, permitindo uma elevação desde um mínimo até ao seu dobro ou quíntuplo, sem qualquer indicação de critérios de orientação na opção de fixação do concreto quantitativo da taxa;

52.º A título exemplificativo, se o montante da base de incidência prevista na alínea a) do artigo 3.º do regime da CSB for de € 100.000.000,00, a coleta a determinar nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da CSB poderá variar no ano de 2014 entre € 10.000,00 [€ 100.000.000,00 x 0,01%] e € 110.000,00 [€ 100.000.000,00 x 0,110%];

53.º O artigo 4.º do regime da CSB é materialmente inconstitucional, na medida em que não define as concretas taxas de imposto e o artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2, da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, é organicamente inconstitucional na medida em que inova sobre a base de incidência de um imposto;

54.º A respeito da violação do princípio da igualdade, entendeu o Tribunal a quo que à CSB, porque se trata de verdadeira contribuição, regida pelo princípio da equivalência, não tem porque aplicar-se o princípio da capacidade contributiva enquanto critério uniforme de tributação;

55.º Entende a Recorrente que, face ao carácter meramente financeiro da CSB, a qual visa aumentar a carga tributária do sector para, alegadamente, nivelá-la com a dos demais contribuintes, encerra arbítrio aplicar este adicional de imposto de acordo com um critério distinto do aplicável aos demais contribuintes e não coincidente com o da capacidade contributiva;

56.º Como refere o Tribunal Constitucional, não pode uma determinada norma colher legitimidade e justificação na proclamação do objetivo de reforma do sistema e, simultaneamente, configurar-se como uma medida extraordinária e de vigência transitória (cf. Acórdão n.º 862/2013, de 19 de dezembro de 2013);

57.º A igualdade na distribuição dos sacrifícios exigiria, no entender da Recorrente, que os impostos extraordinários, os adicionais, as derramas ou sobretaxas especiais, se aplicassem a todos de acordo com a capacidade contributiva;

58.º A CSB, desrespeitando a generalidade e o critério da capacidade contributiva ao qual todos os impostos devem obedecer, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade fiscal resultante do artigo 13.º da CRP;

59.º Pelo que o artigo 3.º, alínea a), do regime aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, cuja vigência foi prorrogada para 2017 pelo artigo 238.º da Lei n.º 42/2016, de 26 de dezembro, conjugado com o artigo 4.º, n.º 1 da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, na parte em que sujeitam a CSB os passivos da Recorrente com a casa-mãe, violam o princípio da igualdade;

60.º Sem prejuízo do exposto, ainda que se classificasse a CSB como uma verdadeira contribuição, no que não se concede, sempre esta incorreria em violação do princípio da equivalência;

61.º Sendo verdadeira contribuição, impunha-se que houvesse uma relação entre o tributo e a prestação estadual provável, designadamente modulando a carga tributária em função dos maiores ou menores riscos, tal como sucede nas demais figuras tributárias específicas do sector bancário;

62.º A CSB é o único tributo, dos específicos do sector bancário, que não atende à proporção/rácio de capital próprio das instituições de crédito, à respetiva situação de solvabilidade;

63.º A CSB não foi criada para capitalizar um Fundo de Resolução; a CSB é o único tributo, dos específicos do sector bancário, que não foi criada em acompanhamento de um regime de resolução bancária e com o fito de capitalizar um Fundo de Resolução;

64.º Assim, tem-se por afetado o princípio da equivalência por desproporcionalidade stricto sensu quando o legislador opta por um tributo extraordinário, não prospetivo, descomprometido com qualquer modulação em função do perfil de risco, sem afetação prévia da receita à prossecução de uma finalidade específica, tendo presente que era perfeitamente possível conformar de outra forma a contribuição de modo mais respeitador da “equivalência prestação/contraprestação” e o legislador disso tinha plena consciência;

65.º Em face do exposto, não poderá deixar de se considerar que o normativo do artigo 238.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, conjugadamente com os artigos 2.º, 3.º e 4.º do regime aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, padecendo por isso de inconstitucionalidade material;

66.º Sem prejuízo do exposto, o Tribunal incorreu em erro ao julgar não verificada a violação do princípio da equivalência decorrente do facto de a CSB incidir sobre Sucursais de outros Estados-membros;

67.º Com efeito, o princípio da equivalência impõe que exista uma conexão entre a contribuição e os custos da prestação estadual provável, no sentido de ser mais elevada a contribuição dos sujeitos que mais beneficiem ou que mais custos causem;

68.º Sucede que, a Recorrente não integra o Fundo de Resolução, não podendo ser objeto de uma medida de resolução pelo Banco de Portugal (cf. artigo 145.º-AM do RGICSF, a contrario).

69.º De facto, a existir qualquer contraprestação, consubstanciada na aplicação de uma medida de resolução, a Recorrente apenas beneficiará da mesma em Espanha, no Estado-membro em que reside a casa-mãe à qual presta serviços;

70.º Acresce que, contrariamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, não pode admitir-se uma qualquer equivalência quando o beneficiário da receita da CSB não coincide com a entidade pública que poderá vir a prestar o serviço à Recorrente / casa-mãe da Recorrente, qual seja, a entidade pública espanhola;

71.º Pelo que o normativo do artigo 238.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, conjugadamente com os artigos 2.º, 3.º e 4.º do regime aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, padecendo por isso de inconstitucionalidade material;

72.º Acresce que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a CSB colide ainda com o Direito da UE porquanto no que concerne as contribuições para o Fundo de Resolução, o enquadramento aplicável, a partir de 2015, passou a ser o da Diretiva RRB, o do Regulamento Delegado (UE) 2015/63 da Comissão, de 21.10.2014, que complementa a Diretiva RRB quanto às contribuições ex ante para os mecanismos de financiamento da resolução disciplinando com considerável detalhe os critérios aplicáveis ao cálculo das contribuições a efetuar pelas instituições, e o do Regulamento Delegado (UE) 2016/778, da Comissão, de 02.02.2016, que complementa a Diretiva RRB quanto às circunstâncias e as condições em que o pagamento de contribuições extraordinárias ex post pode ser total ou parcialmente suspenso;

73.º Uma vez que os mencionados diplomas de Direito da UE passaram a reger a matéria em causa, a Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março, que concluiu a transposição da Diretiva RRB, revogou o Decreto-Lei n.º 24/2013, de 19 de fevereiro, respeitante ao regime de contribuições diretamente devidas ao Fundo de Resolução nacional;

74.º No ano seguinte, entrou em vigor o MUR, sendo criado um FUR, através do Regulamento (UE) n.º 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15.07.2014, o qual é financiado pelas contribuições do setor bancário e assume o papel e a maioria das funções anteriormente acometidas aos fundos nacionais, sendo que o referido Regulamento, em conjugação com a Diretiva RRB, define as modalidades de utilização do FUR e os critérios gerais para determinar a fixação e o cálculo das contribuições ex ante e ex post;

75.º Tal como previsto na Diretiva RRB, a contribuição de cada banco é calculada proporcionalmente ao montante do seu passivo (excluindo os fundos próprios e os depósitos cobertos) em relação ao passivo agregado (excluindo os fundos próprios e os depósitos cobertos) de todas as instituições de crédito autorizadas nos Estados-Membros participantes e as contribuições são ajustadas proporcionalmente aos riscos assumidos por cada instituição;

76.º Foi estabelecido um acordo intergovernamental relativo à transferência e mutualização das contribuições nacionais para o FUR, o qual foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 129/2015, de 22 de julho, e entrou em vigor em 01.01.2016, pelo que a partir dessa data o CUR passou a ser responsável por dirigir a ação de resolução no espaço da União Bancária, competindo-lhe assegurar o funcionamento consistente de todo o sistema e exercer, diretamente, a função de resolução relativamente a todas as instituições ou grupos sujeitos à supervisão direta do BCE, bem como todos os grupos com filiais em outros Estados-Membros que participam na União Bancária, ainda que não sejam sujeitos a supervisão direta pelo BCE;

77.º A partir de 2016, as instituições abrangidas no âmbito do Regulamento MUR, deixaram de poder recorrer ao Fundo de Resolução nacional para efeitos de financiamento de eventuais medidas de resolução e a partir do momento em que as contribuições bancárias foram harmonizadas a nível da UE, deixa de ser possível aos Estados-membros continuarem a cobrar contribuições domésticas, em cumulação com as instituídas pelo Direito da UE (cf. § 103 e artigo 70.º, n.º 5, do Regulamento);

78.º O TJUE tem sistematicamente reiterado que do primado do Direito da UE sobre o Direito nacional decorre a recusa de aplicação do Direito nacional incompatível com o Direito da UE, a supressão ou reparação das consequências de um ato nacional contrário ao Direito da UE e a obrigação dos Estados-Membros o fazerem respeitar, o princípio do efeito direto das normas da UE, o princípio da interpretação conforme e o princípio da responsabilidade do Estado por violação das obrigações da UE (cf. J. C. Moitinho de Almeida, Direito Comunitário, A ordem jurídica comunitária. As liberdades fundamentais na CEE, pp. 13 e ss.; J. Mota Campos, Direito Comunitário, II vol., pp. 98 e ss.; J. M. Caseiro Alves, «Sobre o possível «efeito directo» das directivas comunitárias», na Revista de Direito e Economia, ano IX, n.º 1 e 2, pp. 76 e 202-203; Alessandra Silveira, “Cinquenta anos de integração à luz da jurisprudência principialista do Tribunal de Justiça – a lealdade europeia” in: “50 Anos do Tratado de Roma”, Quid Juris, 2007, pp. 110/111, e in: “Princípios de Direito da União Europeia – doutrina e jurisprudência”, pp. 95 e ss.; A. ARAÚJO, J. P. CARDOSO DA COSTA, M. NOGUEIRA DE BRITO, in As Relações entre os Tribunais Constitucionais e as outras Jurisdições Nacionais, incluindo a Interferência, nesta Matéria, da Acção das Jurisdições Europeias, Relatório português à XII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus – Bruxelas, Maio de 2002, ROA, ano 62, 2002; acórdãos de 13.11.1990, Marleasing, C106/89, n.º 8, e C-397/01 – Pfeiffer and Others, n.º 115; acórdão de 18.12.1997, Inter Environnement Wallonie, C 129/96, confirmado pelos acórdãos de 08.05.2003, ATRAL, C14/02, de 22.11.2005, Mangold, C144/04, de 10.11.2005, Stichting ZuidHollandse Milieufederatie, C316/04, de 04.07.2006, Adeneler, C212/04);

79.º Não pode manter-se a CSB em cumulação com o novo regime de contribuições harmonizado a nível europeu, o qual prevê contribuições ajustadas em proporção do perfil de risco das instituições de crédito, tendo em conta cumulativamente uma multitude de elementos, pelo que se conclui que o regime da CSB viola o disposto nos Regulamentos da UE, e bem assim, o disposto na Diretiva RRB (cf. artigo 8.º, n.º 3 da CRP e artigo 288.º do TFUE; NUNO PIÇARRA, in NOS 50 ANOS DO ACÓRDÃO VAN GEND EN LOOS. A génese dos princípios do efeito direto e do primado do Direito da UE e o seu impacto constitucional nos Estados-Membros, Themis, Ano XIII, nºs 24/25, 2013, 101/121; MARCELO REBELO DE SOUSA in Parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência do ano 1999, tomo IV, pp. 5 a 17; acórdão Simmenthal, de 09.03.1978);

80.º Acresce que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, o regime da CSB encerra um tratamento discriminatório das sucursais de instituições de crédito com sede noutros Estados-membros, colidindo com a liberdade de estabelecimento (cf. artigos 18.º e 49.º do TFUE);

81.º Em primeiro lugar, no caso das sucursais de instituições de crédito residentes noutro Estado-membro, como é o caso da Recorrente, a CSB incide sobre todas as dívidas para com a casa-mãe, as quais são, assim, e sem qualquer distinção, consideradas dívidas para com terceiros, não sendo relevado o capital alocado como capital próprio;

82.º Pelo que, estas estão numa situação desfavorável, quando comparadas com as sucursais de instituições de crédito residentes em território nacional, que apenas suportarão a CSB pelo seu passivo “líquido”;

83.º Por outro lado, as sucursais de instituições de crédito residentes noutro Estado-membro estão impossibilitadas de reconhecer como capitais próprios, por exemplo, obrigações convertíveis, obrigações participantes, ações preferenciais remíveis (cf. fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, de acordo com o disposto na parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013);

84.º Sem prejuízo, caso se entenda não proceder o supra exposto, porque está em causa uma questão de interpretação de Direito da UE que suscita dúvidas, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao TJUE competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da UE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, em concreto, quanto a saber:

1. Se é compatível com a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014 (Diretiva RRB), com o Regulamento (UE) n.º 806/2014, de 30 de julho e com Regulamento Delegado (UE) 2015/63 da Comissão, de 21 de outubro de 2014, um tributo como a contribuição sobre o setor bancário, cujo regime jurídico foi aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro?

2. Se é compatível com a liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do TFUE um tributo como a contribuição sobre o setor bancário, cujo regime jurídico foi aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, em que para efeitos de quantificação da incidência não é possível às sucursais de instituições de crédito com sede noutro Estado-membro deduzir o passivo com a casa-mãe?

3. Se é compatível com a liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do TFUE um tributo como a contribuição sobre o setor bancário, cujo regime jurídico foi aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, em que para efeitos de quantificação de incidência não é possível às sucursais de instituições de crédito com sede noutro Estado-membro deduzir o seu passivo o valor dos fundos próprios e de certos elementos do passivo que contam para o cálculo dos fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, de acordo com o disposto na parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, possibilidade esta de que aproveitam apenas as instituições de crédito residentes?

85.º De notar que no processo arbitral n.º 502/2021-T, embora debruçando-se sobre o ASSB, o Tribunal Arbitral decidiu suspender a instância e remeter questões idênticas às suscitadas supra à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia;

86.º O Tribunal a quo julgou não assistir razão à Recorrente no que respeita à exclusão dos passivos com a casa-mãe do âmbito de incidência objetiva da CSB;

87.º Contudo, este entendimento do Tribunal a quo não encontra suporte nos elementos literal, sistemático, teleológico e histórico da interpretação;

88.º A CSB incide sobre o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos, concretizando o artigo 4.º, n.º 1, da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, que “(…) entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros (…)” (sublinhado nosso);

89.º Tendo presente o elemento literal da interpretação resulta desde logo evidente que os passivos com a casa-mãe não podem ser sujeitos a CSB, porquanto não representam uma dívida para com terceiros;

90.º A sucursal é desprovida de personalidade jurídica, constituindo, na verdade, uma extensão da sede/casa-mãe;

91.º A casa-mãe não constitui um terceiro em relação à sucursal e, por esta razão, os movimentos financeiros entre ambas e a alocação de fundos da casa-mãe à sucursal não podem ser qualificado como uma obrigação para com terceiros;

92.º No cômputo dos passivos em balanço a relevar para este efeito é necessário destrinçar, em primeiro lugar, quais os que “representem uma dívida para com terceiros”, não podendo ser relevado todo e qualquer passivo inscrito no balanço, porquanto tal interpretação não encontra acolhimento na letra da lei;

93.º Também o elemento histórico conduz à conclusão de que os passivos com a casa-mãe estão excluídos de CSB, desde logo, se observarmos a “Taxa de Estabilidade” introduzida na Suécia – primeiro Estado-membro a adotar medidas para garantir a estabilidade económico financeira do sistema bancário na sequência da Cimeira de Pittsburgh, em setembro de 2009 e Conselho ECOFIN de maio de 2010;

94.º Esta conclusão é também corroborada pelo elemento sistemático, porquanto a jurisprudência e a doutrina da administração tributária demonstram inequivocamente que o ordenamento jurídico-tributário não trata de forma separada a sucursal da sua casa-mãe;

95.º No que respeita ao IVA, quer a jurisprudência do TJUE (cf. acórdão FCE Bank), quer a jurisprudência nacional (cf. exemplificativamente, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23.04.2020, processo n.º 159/17.8BCLSB), consideram que as operações efetuadas entre a sucursal e a casa-mãe não estão sujeitas a imposto;

96.º O Decreto-Lei n.º 24/2013, de 19 de fevereiro que estabelece o método de determinação das contribuições iniciais, periódicas e especiais para o Fundo de Resolução, refere que “(…) certas responsabilidades incluídas no balanço que não merecem protecção em sede de resolução, como é o caso das responsabilidades perante accionistas e credores subordinados (…)”;

97.º Ora, as dívidas de uma sucursal para com a casa-mãe têm a natureza de dívidas subordinadas;

98.º De facto, o Tribunal a quo incorreu em erro, isto porque o crédito da casa-mãe perante a sucursal, não constitui um efetivo crédito, sendo antes um crédito ficcionado, não agravando o risco sistémico;

99.º No que respeita à invocada violação do princípio da legalidade pela Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de junho, que aprovou a declaração modelo 26 e respetivas instruções de preenchimento, também não assiste razão ao Tribunal a quo;

100.º Como acima se demonstrou, os passivos com a casa-mãe estão excluídos do âmbito de incidência da CSB, conforme delimitado pelo regime jurídico da CSB e Portaria n.º 121/2011, de 30 de março;

101.º Pelo que, a interpretação das instruções de preenchimento da Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de junho – Campo 1 - Passivo, no sentido de procederem ao alargamento do âmbito de incidência objetiva da CSB, colide com o princípio da legalidade fiscal, uma vez que está em causa matéria da competência relativa da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e deve ser determinada no âmbito de lei ou decreto-lei autorizado;

102.º Por fim, o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo na sentença recorrida colide com a liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do TFUE, uma vez que a sujeição a CSB dos passivos com a casa-mãe traduz-se numa imposição tributária sobre os fundos próprios alocados pela casa-mãe à sucursal, quando, tais fundos, se estivesse em causa uma entidade com personalidade jurídica seriam deduzidos da base de incidência da CSB;

103.º Assim, a sujeição dos passivos com a casa-mãe a CSB conduz a uma clara discriminação em função da estrutura eleita e da forma jurídica adotada pela entidade (cf. neste sentido, decisão arbitral de 10.05.2019, proferida no processo n.º 156/2018-T);

104.º Em face de todo o exposto, não pode a decisão recorrida manter-se, devendo ser revogada e substituída por decisão de procedência integral da impugnação, com o consequente reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRC.

Termina pedindo:

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, e nessa medida, anulado o ato de autoliquidação sub judice nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA! Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-se os pressupostos, seja o Recorrente dispensado do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

***

O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Questões a decidir no recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.

Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece de nulidade, ou dos erros de julgamento de direito que lhe são imputados pela Recorrente, por violação do princípio do inquisitório, e por erro de julgamento de direito por incorreta qualificação do tributo, assim como na interpretação propugnada do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica, do princípio da legalidade, do princípios da igualdade ou da equivalência e da proporcionalidade, assim como das normas que determinam a (in)constitucionalidade orgânica do tributo em questão, e ainda se foi feita uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do Direito Europeu, maxime do disposto na Diretiva 2014/59/UE, da proibição de discriminação das sucursais, e da liberdade de estabelecimento.


II. Fundamentação

II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

IV - Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão:

A) A Impugnante é sucursal em Portugal do B..., S.A., instituição de crédito com sede e direcção efectiva em Espanha e exerce atividade no âmbito de ¯outra intermediação monetária - CAE 64190), estando enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação, e em IVA, no regime normal mensal – cf. documento junto à petição inicial (PI);

B) Em 29-06-2017, a Impugnante procedeu à autoliquidação de CSB do ano de 2017, através da apresentação da declaração Modelo 26, com base nos dados contabilísticos aprovados relativamente ao ano de 2016, apurando o valor de contribuição a pagar de € 2.837.916,66, na qual declarou os seguintes montantes (cfr. doc. 1 e 2, juntos ao procedimento administrativo de reclamação graciosa constante dos autos).

Base I da Contribuição--------------€ 2.579.920.173,86 X 0,07% = € 2.837.912,19

Base II da Contribuição --------------------------€1.488.587,74 X 0,00030% = € 4,47

Total ------------------------------------------------------------------------------€2.837.916,66;

C) Em 29-06-2017, a Impugnante procedeu ao pagamento do valor de € 2.837.916,66 - cfr. doc. 3, junto ao procedimento administrativo de reclamação graciosa constante dos autos;

D) Em 27-10-2017, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra o acto tributário identificado na alínea B) - cfr. procedimento de reclamação graciosa constante dos autos;

E) A reclamação graciosa foi tramitada na Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira sob o nº 3247201704010809 e foi indeferida por despacho datado de 12-03-2018, o qual se estribou na informação N.º 098-AIR1/2018 na qual se refere, nomeadamente o seguinte (cfr. procedimento de reclamação graciosa constante dos autos):

«(…) § IV. DA ANÁLISE DO PEDIDO

11. Compulsado o teor da petição inicial apresentada pela Reclamante, e considerando que nos autos está em causa dirimir se o ato tributário a sindicar enferma ou não dos vícios de ilegalidade que lhe são apontados, somos então a aferir da bondade dos argumentos nesta sede trazidos ao nosso conhecimento. Isto pari pasu com o itinerário percorrido pela apresentante.

12. Sem prejuízo do que, na verdade, resulta do previsto no n.º 3 do art.º 131.º do CPPT, no sentido em que, com tais fundamentos, ainda assim é legalmente permitida a interposição de reclamação graciosa, não é de modo algum despiciendo aqui deixar perfeitamente sublinhando que, mantendo-se inalterado o quadro legal em vigor, e tendo sido aqui suscitadas aquelas questões, designadamente a inconstitucionalidade da CSSB então autoliquidada, facilmente se alcança que a interposição deste meio de reação parece-nos desde logo constituir nem mais nem menos que um ato manifestamente inútil por nunca poder ser deferido o pedido aí formulado, em virtude desta UGC estar sujeita ao princípio da legalidade.

13. Atentos os vícios invocados, conforme melhor adiante se verá, a Administração Tributária não poder deixar de aplicar uma norma com base em fundamentos deste género, a menos que, por exemplo, o Tribunal Constitucional (“TC”) já tenha declarada a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem aos direitos, liberdades e garantias”, o que de modo algum é o caso patenteado nos autos.

Aliás,

14. Compulsado o teor da petição inicial e também o pedido aí inserto, somos de opinião que, na verdade, para além dos documentos juntos, aquela vem igualmente acompanhada de um manifesto uso anormal do procedimento administrativo, isto é, da presente reclamação graciosa, designadamente, por referência ao prazos peremptório, de caducidade, para uso da faculdade de interposição direta de impugnação judicial ou de pedido de pronúncia arbitral, atentos os prazos previstos quer no n.º 1 do art.º 102,° do CPPT, quer na al. a) do n.º 1 do art° 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

Dito isto

§ IV.I. Do cálculo de imposto

§ IV.I.I. Da Contribuição Sobre o Setor Bancário

§ IV.I.I.I. Dos argumentos da Reclamante

15. Não obstante se tratar de um ato tributário resultante da sua própria “autoliquidação”, ainda assim a Reclamante não se conforme com o mesmo, contestando-o nos termos da sua petição inicial.

16. Em primeiro lugar, a Reclamante alude ainda a uma pretensa inconstitucionalidade orgânica das normas legais que introduziram e regulamentam a própria CSSB, afirmando que a incidência e a respetiva taxa foram fixadas somente por portaria, em violação do princípio da reserva de lei previsto no art.º 165.º da Constituição da República Portuguesa, colocando em causa o princípio da legalidade e, bem como, o princípio da confiança e segurança jurídica.

17. Depois, em segunda instância, a Reclamante desde logo argumenta que a CSSB que motu próprio “autoliquidou é ilegal, por inconstitucionalidade da norma que a prevê, por violação do princípio constitucional da não retroatividade dos tributos, contemplado no art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa e por violação dos princípios da equivalência e da capacidade contributiva, estes por sua vez previstos no art.º 13.º, também da nossa Lei Fundamental.

18. A Reclamante invoca também a violação do princípio da igualdade e o da equivalência, argumentando que não existe uma relação entre a CSSB e o seu benefício, uma vez que, em seu entender, este tributo não custeia uma prestação pública que seja proveito exclusivo das instituições bancárias e que, ao impor-se, uma contribuição sobre um sector específico, está-se perante uma discriminação do setor bancário, em nada coincidente com a sua capacidade contributiva.

19. Por último, igualmente a este propósito, a Reclamante vem invocar uma pretensa incorreção quanto ao apuramento da base tributável da CSSB, em virtude de, em seu entender, para a formação do passivo, não concorrerem os montantes relativos aos fundos obtidos junto da Casa-mãe.

Nestes termos,

20. É sobre isto, no essencial, de um modo geral, que se suporta todo o seu entendimento, o qual, por razões de economia processual, nos inibimos de aqui transcrever, considerando-o aqui reproduzido, com todas as consequências legais.

§ IV.I.I.II. Da apreciação

21. Comece-se por referir que não cabe no elenco das atribuições e competências da Administração Tributária (“AT) aferir da conformidade de uma qualquer norma face ao disposto na nossa Lei Fundamental, bem como ao Direito da União Europeia.

Senão vejamos:

22. A subordinação da AT à Constituição da República Portuguesa (“CRP) significa, desde logo, em geral, o dever de conformação da atividade administrativa, quer tenha ou não conteúdo normativo, pelas normas constitucionais, procurando conferir a máxima efetividade possível aos direitos fundamentais, significando isto, assim, em especial, nomeadamente, que são nulos e não anuláveis todos os atos administrativos ofensivos do conteúdo essencial dos direitos, liberdades e garantias.

23. Diante desta dimensão do princípio da constitucionalidade imediata impõe-se que a AT esteja ab inicio vinculada às normas consagradoras no âmbito de direitos, liberdades e garantias.

24. Ao invés do que sucede com os tribunais, que têm constitucionalmente o direito e o dever de fiscalização da constitucionalidade das leis, desaplicando-as, caso estejam em contradição com as normas constitucionais, à AT, porém, não é reconhecido este direito de fiscalização prévia, impondo-se antes, como princípio geral, a observância da lei por força do denominado princípio da legalidade.

25. A AT não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade e a submissão desta à lei não visa apenas a proteção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos.

26. A concessão ao poder administrativo de ilimitados ou vastos poderes para o controlo da constitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, invertendo a relação entre a Lei e a Administração, atentando frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na CRP.

27. É este o entendimento que, aliás, se encontra maioritariamente firmado, quer na doutrina quer na jurisprudência, no sentido de se recusar, como regra geral, à Administração a competência para desaplicar normas que considere inconstitucionais.

28. Para GOMES CANOTILHO, ¯ (...) o princípio básico é o de recusar à administração em geral e aos agentes administrativos em particular qualquer poder de controlo da constitucionalidade das leis, mesmo se dessa aplicação resultar a violação dos direitos fundamentais.

29. A este propósito, também JORGE MIRANDA sustenta não ser possível reconhecer à Administração um poder geral de controlo — necessariamente concreto — análogo ao dos tribunais, admitindo, apenas em determinadas situações, deixar àquela uma margem de não aplicação. A razão básica deste entendimento — justifica o autor — repousa na diferença de natureza das duas funções, a jurisdicional e a administrativa, e na diversa estrutura dos respetivos órgãos, na necessidade de evitar a concentração de poder no Governo que adviria se se admitisse o reconhecimento aos órgãos da Administração da faculdade de fiscalização da constitucionalidade, e por imperativos de certeza e de segurança jurídica.

30. Se a nossa Lei Fundamental aponta no sentido da necessária conformação da atividade Administrativa pelos preceitos e princípios constitucionais e se são nulos, e não anuláveis (por conseguinte, não sanáveis) os atos administrativos ofensivos de direitos, liberdades e garantias, têm de ser os tribunais a decidir sobre essa conformação; e têm de ser os tribunais administrativos, e não os órgãos da Administração dita ativa, a apreciar e a não aplicar leis inconstitucionais e a declarar a nulidade ou a anular atos administrativos inconstitucionais.

31. No mesmo sentido, considera MARCELO REBELO DE SOUSA, a propósito do regime jurídico da nulidade no Direito Constitucional português, que tal vício tem de ser apreciado e declarado por um órgão jurisdicional, não existindo a possibilidade de a Administração Pública se recusar a obedecer a um ato que considera inconstitucional.

32. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA consideram que tem constituído solução tradicional e mais conforme ao sistema constitucional aquela segundo a qual, em princípio, a Administração está imediatamente subordinada à lei, não podendo deixar de cumpri-la a pretexto da sua inconstitucionalidade, não dispondo, portanto, de um poder de não aplicação de leis por tal motivo.

Prosseguindo:

33. Quanto à posição que sobre este assunto tem sido acolhida pela Jurisprudência, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA), proferido no âmbito do processo n.º 0860/10, de 12 de outubro de 2011, onde a propósito de saber se os mesmos motivos que levaram o legislador à dispensa da reclamação graciosa prévia quando existam orientações genéricas emitidas pela AT, justifica também a dispensa quando o interessado pretenda impugnar a autoliquidação com exclusivo fundamento na inconstitucionalidade da norma, se referiu que ¯Nesse caso, e a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP (Diz o art. 18.º da CRP no seu n.º 1: «Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas».), a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade.

34. Fundamentando esta posição, refere-se ainda no douto Acórdão que ¯A nosso ver, a AT deverá aguardar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a emitir pelo Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 281.º da CRP. É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, «Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos [...]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.). No mesmo sentido, JOÃO CAUPERS afirma que «a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207° [hoje, 204.º] e 266°, n° 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei. Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excepcional» (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.). Concluímos, assim, que no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados (...).

Destarte,

35. Fazendo a ponte entre estas considerações, que devem abranger qualquer análise relativa ao Direito da União Europeia, e o caso concreto, parece-nos então de concluir que uma qualquer nossa análise acerca desta questão, tal como nos é suscitada, fica desde logo prejudicada.

Sem prescindir,

36. Ainda assim não poderemos, sem mais, deixar de tecer algumas considerações acerca do assunto que ora nos apraz, a ponto de aqui se sublinhar que, na verdade, relativamente ao argumentado pela Reclamante, não lhe é de conferir valor jurídico suficiente para resolver a questão em causa.

40. Sobre a matéria em análise, a nova ¯contribuição criada pelo art.º 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 30 de março, cuja regulamentação foi introduzida pela Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, refira-se sucintamente que a criação desta taxa teve na sua origem vários aspectos discutidos na Cimeira de Pittsburg, de setembro de 2009, e no Conselho ¯ECOFIN, de 18 de maio de 2010, nos quais se afirmou que deveria ser esse setor a pagar os encargos que ele próprio gera, através da criação de um imposto sobre bancos.

41. Alguns Estados, como a Alemanha e a Suécia, decidiram que as receitas provenientes deste tributo seriam afetas a ¯Fundos de Resolução de Crises Administrativas geridos por organismos executivos independentes.

Neste sentido,

42. Com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal exigido ao setor financeiro e, bem assim de eliminar ou diminuir os riscos sistémicos que lhe estão por sua vez associados, o próprio Orçamento de Estado para o ano 2011, no art.º 141.º da respetiva Lei, criou a denominada ¯Contribuição Sobre oSetor Bancário (“CSSB”), cujo regime legal se encontra complementado de acordo com o preceituado na Portaria n.º 121/2011, de 30 de março.

Contudo,

43. De acordo com as alegações proferidas pela Reclamante, recorde-se, é invocado que o ato tributário praticado está ferido de ilegalidade em razão da sua pretensa inconstitucionalidade invocada em vários sentidos.

Porém,

44. Igualmente nesta parte não lhe assiste qualquer razão, conforme adiante se demonstrará.

Com efeito,

45. Interessa, por isso, para além do princípio da não retroatividade da lei fiscal, trazer aqui à colação, por um lado, o disposto n.º 2 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa, o qual consagra expressamente que ¯(...) os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, e, por outro a al, i) do n.º 1 do art.º 165.º, igualmente da nossa Lei Fundamental, o qual, por sua vez, estabelece que “(...) é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre (...) a criação de impostos e sistema fiscal, mais, segundo o n.º 2do mesmo artigo,leis de autorização legislativa devem definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada.

46. Quanto à alegada violação do citado princípio, não vislumbramos como, atento o momento da verificação do facto tributário, se possa arrazoar invocando um pretenso dissídio com tal postulado constitucional, atento o momento da verificação do facto tributário relevante para os termos e efeitos de incidência da CSSB.

47. Salientamos que o próprio regime da CSSB não estabelece um período correspondente a um ano civil, isto é, não é um tributo de formação sucessiva, mas de obrigação única, nascendo aquando da ocorrência do facto gerador que se materializa na data de aprovação de contas, a qual, conforme disposto no art.º 65.º, CSC, deve ser realizada, em regra, até três meses a contar da data de encerramento do exercício anual.

48. Incidindo a respetiva taxa sobre o passivo apurado por via da aprovação de contas, e uma vez que as mesmas são apuradas no mesmo ano em que é devida a CSSB, não pode então, in casu, verificar-se qualquer aplicação retroativa da lei.

49. Por sua vez, no que concerne à invocada inconstitucionalidade material e orgânica, não se pode olvidar que, numa primeira linha, cabe ao aplicador de leis expressamente reportadas a determinados factos, analisar os caracteresde tais leis, a sua natureza e fundamento e o seu enquadramento na ordem geral da politica financeira, expressa ou implicitamente revelada nas manifestações do Governo ou da Assembleia da República, concluir sobre a alteração ou não de determinada legislação e a sua conformidade.

50. Na verdade, é a lei, no seu mais amplo sentido (compreendendo as leis parlamentares, os decretos-leis, os decretos-regulamentares, as portarias e os despachos normativos), que constitui o meio formal de expressão das normas jurídicas.

Pelo que,

51. É de manual que a adoção de um ou de outro tipo de forma legal varia e depende do grau do interesse do objeto disciplinado ou consagrado pela norma ou do grau e gravidade do seu efeito perante as pessoas por elas efetuadas ou perante a própria sociedade em que elas próprias se integram.

52. No caso da CSSB é manifestamente sublinhado que a Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, mais não é do que urna emanação legislativa balizada nos termos dos parâmetros previamente fixados por força da Lei que por sua vez estatui esta figura tributária.

53. Não obstante ser certo que este tipo de realidades tem de, numa primeira instância, passar pelo crivo do parlamento, a lei que estabeleceu a CSSB fixoudesde logo os seus elementos essenciais, assumindo a Portaria não mais que um mero caráter acessório face àquela, em termos de complementação.

54. Sendo a Portaria decorrente da lei que lhe subjaz, e estando aquela em conformidade com o permitido por esta, não pode, portanto, ser-lhe assacado qualquer vicio orgânico ou de forma, nem tão pouco é colocado em crise o princípio da legalidade e, bem como, o da confiança e segurança jurídica.

55. Por último, quanto à pretensa violação do princípio da igualdade e ao da equivalência, em face de uma hipotética, respetivamente, descriminação e desproporcionalidade, parece-nos que também por aqui não pode proceder o pedido ora formulado pela Reclamante, visto que, recorde-se, a CSSB foi instituída precisamente para, por um lado, permitir a existência de disponibilidades financeiras para acudir a possíveis repercussões sistémicas negativas sistémico provocadas pelas próprias instituições bancárias, e, por outro, para inibir a tomada de posições de risco.

56. Para que os propósitos da CSSB se cumpram, não faria qualquer sentido que esta incidisse sobre os lucros, já que, em caso de desequilíbrio financeiro, o que demonstra a extensão da possível medida de resolução, e o consequente financiamento necessário, é a profundidade dos passivos então detidos e espelhados nas respetivas contas.

57. Ou seja, o passivo é precisamente a base de incidência mais correta face aos interesses que se procuram prosseguir através da instituição da CSSB, não se podendo, inclusive, apontar qualquer excessividade às taxas que incidem sobre aquela.

58. Subsequentemente, entende-se que o método de cálculo do passivo, que representa a base tributável da CSSB, é perfeitamente válido, incluindo no que respeita à dívida para com terceiros.

59. Vale a pena relembrar, que uma sucursal não é inteiramente desprovida de personalidade jurídica, isto é, não possuem autonomia jurídica própria, sendo consideradas como uma extensão da empresa cuja residência se situa fora do território nacional.

60. Ora, isto significa que a atividade desenvolvida em Portugal obviamente inclui os ganhos e as perdas desta estabelecimento estável, incluindo, portanto, neste espaço, a dívida para com a Casa-mãe torna-se relevante para o apuramento do passivo, corno afirma o próprio preâmbulo do Regime da CSSB quando afirma explicita que: ¯desde logo que para efeitos da aplicação da contribuição sobre o sector bancário se qualificam por regra como passivo todos os elementos reconhecidos em balanço que representem dívida para com terceiros, independentemente da sua forma ou modalidade.

61. Acerca da incidência objetiva da CSSB, considera-se ainda que esta abrange todos os passivos existentes no balanço que representem dívidas para com terceiros, independentemente da natureza a que se reportem, incluindo-se, designadamente, passivos por impostos, fornecedores, encargos com pessoal, etc.

62. O valor do passivo, enquanto referência, é determinado por força de uma remissão para as normas contabilísticas aplicáveis, todavia com a exceção de certos elementos que concorrem para a formação desse mesmo passivo, os quais não representam uma assunção efetiva de dívidas diante terceiros, ou, embora sendo-o, não evidenciam um aumento do risco de liquidez ou sistémico, designadamente em razão de integrarem o capital próprio da instituição.

63. Não obstante a pertinência, nesta parte, por força das sucursais não serem pessoas coletivas distintas da sua ¯casa-mãe, o RCSSB aponta no sentido em que, para efeitos da CSSB, as transferências de fundos operadas entre a sucursal e a sua Casa-mãe devem ser então qualificadas como passivo elegível.

Aliás,

64. Ao contrário do que sucede com outras situações, o RCSSB não exceciona a concorrência desta realidade para os termos e efeitos do procedimento de apuramento da CSSB.

65. Dado que a base de incidência da CSSB nos remete para as normas de contabilidade, mormente as do setor bancário, importa ab initio aferir acerca do procedimento registral no que tange à alocação de fundos, mais concretamente em saber se estes, naquela ótica, são considerados ou não como passivo.

66. Acerca desta matéria, cumpre analisar como é que, em termos contabilísticos, é reconhecida a alocação de fundos da ¯casa-mãe à sua sucursal, designadamente os recursos, e se estes integram ou não o conceito de ¯dívidas para com terceiros relevante para os termos e efeitos do apuramento quantificativo da base de incidência da CSSB.

67. À luz das instruções emitidas pelo próprio BdP, mormente a sua Instrução n.º 23/2004, de 17 de janeiro de 2005, e respetivo Anexo, que contém as notas auxiliares de preenchimento, a rubrica ¯39 — Recursos de outras instituições de crédito, inclui ¯ (...) as responsabilidades assumidas junto de outras instituições de crédito estabelecidas em Portugal ou no estrangeiro.

68. Por seu turno a subconta ¯391 — Recursos de instituições de crédito no estrangeiro engloba, entre outras, a subconta ¯3911 — Sede e sucursais da própria instituição, sendo que esta última inclui nela outras rubricas: ¯Recursos a muito curto prazo, depósitos, empréstimos, operações de venda com acordo de recompra e outros recursos.

69. Contabilisticamente esta realidade é, portanto, ¯passivo.

Destarte,

70. Face ao referido, parece resultar que, na verdade, e ao contrário do que infere a Requerente, a alocação de fundos da Casa-mãe à sucursal é parte integrante do passivo, conforme resulta das normas de contabilidade aplicáveis, sendo que esse mesmo passivo é positivamente elegível para efeitos da determinação da base de incidência da CSSB visto que não se encontra legalmente excecionada a sua concorrência.

Nestes termos,

71. Através de uma adequada ponderação dos interesses em causa, e atendendo que a própria AT se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espetro do princípio da legalidade, somos de parecer que, em nossa opinião, face ao que até aqui foi dito, não subsistem razões atendíveis para os termos e efeitos de anulação do ato tributário ora colocado em crise pela ora Reclamante.

§ V. DO DIREITO DE AUDIÇÃO

72. Através de ofício emanado da UGC, a Reclamante foi devidamente notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na al, b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT, por sua vez conjugado com o preceituado no art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo (¯CPA).

73. Decorrido o prazo concedido, a Reclamante não exerceu o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita e a UGC não descortinou quaisquer outros elementos suscetíveis de colocar em causa as conclusões anteriormente propostas.

74. Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior ¯Projeto de Decisão

, somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.

§ VI. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior “Projeto de decisão” e as peças processuais carreadas pela Reclamante, parece-nos de indeferir integralmente o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do “quadro-síntese” mencionado no intróito desta nossa Informação, com todas as consequências legais. (…)»

F) A presente impugnação foi apresentada neste Tribunal, através do SITAF, em 14-06-2018 – cf. pág. 1/SITAF.


*

Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.

*

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo tributário e procedimento de reclamação graciosa, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

***

II.2. Fundamentação de Direito

Em causa está a sentença que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial tendo por objeto mediato a autoliquidação de Contribuição sobre o Setor Bancário referente ao exercício de 2017, no montante total de EUR 2.837.916,66.

A Recorrente inicia as suas conclusões de recurso imputando à sentença recorrida nulidade por falta de fundamentação de facto, nos termos do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 e 125.º, ambos do CPPT e dos artigos 607.º e 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, pois, não obstante ali se ter considerado que o momento relevante para a formação do facto tributário da CSB seria a data da aprovação das contas, esse facto não foi levado ao probatório.

Não tem, no entanto, razão.

A falta de fundamentação é, com efeito, uma das nulidades de que a sentença no contencioso tributário pode padecer, tal como resulta do disposto no art. 125.º do CPPT, norma paralela à constante na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º (art. 668.º na numeração anterior), em conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 154.º (na numeração anterior, 158.º), ambos do CPC.

Tal como expressamente decorre da lei, a falta de fundamentação ocorre quanto a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito da decisão (cf. art. 125.º do CPPT).

Ora, tal como decorre da lei processual, e como tem vindo a ser explicitado à saciedade pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto ou de direito, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão (cf. neste sentido, designadamente, os Acórdãos do STA proferidos, em 2023-04-12, no proc. 0336/18.4BELRS, em 2022-05-26, no proc. 058/10.4BEPRT, em 2019-02-06, no proc. 01161/16, em 2019-02-06, no proc. 0249/09.0BEVIS, ou em 2014-03-12, no proc. 01404/13, e os Acórdãos proferidos pelo STJ em 2023-04-18, no proc. 9560/21.1T8PRT-A.P1.S1, em 2021-03-03, no proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, em 2020-10-08, no proc. 5243/18.8T8LSB.L1.S1, ou em 2016-06-02, no proc. 781/11.6TBMTJ.L1.S1 todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

Com efeito, vem sendo unanimemente entendido pela jurisprudência que só a absoluta falta de fundamentação, e já não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade, constitui nulidade, “cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento” (cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 2016-06-02, no proc. 781/11.6TBMTJ.L1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Assim sendo, e atendendo a que a fundamentação de facto da sentença supratranscrita se encontra minimamente fundamentada, há que concluir que a mesma não padece da nulidade que lhe vem imputada.

Mais alega a Recorrente que a sentença em apreço padece de erro de julgamento de direito, por violação do princípio do inquisitório.

Sucede, no entanto, que não tem razão.

Com efeito, e como é sabido, a data de aprovação das contas, por inerência, no caso em apreço, teria sempre de ter ocorrido depois de 31 de dezembro de 2017, “ou seja, sempre depois de terminado o exercício (cfr. v.g. o art.º 65.º do Código das Sociedades Comerciais, onde justamente se define o prazo regra, no seu n.º 5, para a apresentação das contas do exercício e demais documentos de contas, sempre num prazo a contar da data de encerramento do exercício), sendo certo que a Recorrente nada alegou a este respeito na sua petição inicial (nem mesmo na presente sede) que permita afastar este regime regra(cf. Acórdão deste TCAS, proferido em 2024-12-05, no proc. 811/18.0BELRS, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Ora, tratando-se de um facto notório, e não controvertido nos autos – assinale-se que a Recorrente não questiona que tenha ocorrido depois de findo o exercício -, a não alusão ao mesmo na factualidade provada não consubstancia uma qualquer violação do princípio do inquisitório, pois neste enquadramento, o Tribunal a quo não estava obrigado à respetiva investigação.

Tanto é quanto basta para que se julgue improcedente o alegado neste extrato do recurso.

Alega ainda a Recorrente que em causa não está uma contribuição financeira, mas um imposto, com as consequências associadas, desde logo quanto à respetiva constitucionalidade orgânica; foi violado o princípio da legalidade; que foi violado o princípio da igualdade, e que ainda que se fosse correto classificar a CSB como uma verdadeira contribuição, esta sempre incorreria em violação do princípio da equivalência; que foi violado o princípio da não retroatividade da lei fiscal; que foram violados os princípios da tutela da confiança e da segurança jurídica.

Sucede que a Recorrente não tem razão, vindo a jurisprudência dos nossos tribunais superiores a decidir unanimemente pela legalidade e conformidade da CSB com a Constituição da República Portuguesa, tendo-se pronunciado inequivocamente neste sentido o Tribunal Constitucional nos Acórdãos n.ºs 268/2021, proc. 1010/19, proferido em 29 de abril de 2021; 332/2021, proc. 1197/19, proferido em 26 de maio de 2021; 505/2021, proc. 985/2019, proferido em 9 de julho de 2021; 533/2021, proc. 458/2021, proferido em 13 de julho de 2021, e especificamente quanto à CSB de 2017, no Acórdão n.º 765/2022, proc. 128/2022, proferido em 15 de novembro de 2022 (todos disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt).

No mesmo sentido se tem igualmente pronunciado o Supremo Tribunal Administrativo em jurisprudência constante e uniforme, designadamente, e em concreto no que diz respeito à Contribuição referente ao ano de 2017, nos Acórdãos proferidos em 2019-06-19, no proc. 02340/13.0BELRS 0683/17, em 2020-05-06, no proc. 02921/17.2BEPRT, em 2022-10-12, no proc. 0592/19.0BEPRT, em 2023-01-25, no proc. 0336/18.4BELRS, e em 2024-09-11, no proc. 0231/18.7BELRS (todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt), arestos nos quais conclui pela natureza jurídica de contribuição financeira deste tributo, e pela respetiva constitucionalidade, orgânica e material, considerando que o respetivo regime não viola os princípios constitucionais da não retroatividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, da capacidade contributiva e equivalência.

Também sobre esta matéria, e concluindo pela natureza jurídica de contribuição financeira da CSB, e pela não violação dos princípios constitucionais da legalidade, da não retroatividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, e da equivalência se pronunciou já este Tribunal Central Administrativo Sul, nos Acórdãos proferidos em 2023-01-11, no proc. 1721/18.7 BELRS, e em 2024-12-05, no proc. 811/18.0BELRS (disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

Vejamos então.

Quanto à natureza jurídica da CSB, e ao contrário do pretendido pela Recorrente, a mesma configura uma contribuição financeira, e não um imposto, pelo que não padece de qualquer inconstitucionalidade orgânica, não sendo também afrontados pelo seu regime os princípios da legalidade, ou da equivalência, aqui se acolhendo integralmente, e sem qualquer reserva, os fundamentos gizados no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2021, proc. 1010/19, proferido em 29 de abril de 2021, para se chegar a tal conclusão, fundamentos esses que se passam a citar (destacado nosso):

(…)

D.1 A questão da natureza jurídica da CSB

13. Subjaz às questões de constitucionalidade referentes à CSB suscitadas pela recorrente uma controvérsia quanto à natureza jurídica da CSB: saber se se trata de um imposto, como esta defende, ou antes de uma contribuição financeira, como foi considerado pelas instâncias que proferiram decisões nos presentes autos (cfr. supra o n.º 5).

Com efeito, a autonomização das três categorias de tributos – imposto, taxa e contribuição financeira – assume um relevo fundamental, seja quanto aos princípios da legalidade, da tipicidade e da reserva de lei parlamentar, pelas diferentes exigências que decorrem do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição – na medida em que aí se preveem dois tipos de reserva parlamentar: uma relativa aos impostos (abrangendo todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes – artigo 103.º, n.º 2), outra restrita ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras –, seja porque o princípio da igualdade tributária não reveste o mesmo significado em todas as categorias de tributos, exigindo critérios de repartição que se adequem à respetiva estrutura e finalidade – o da capacidade contributiva para os impostos e o da equivalência para as taxas e contribuições.

A qualificação jurídica da CSB é, assim, o primeiro problema a dilucidar, porquanto a resposta às questões colocadas pela recorrente depende da correspondência entre o tributo em causa e o regime constitucional de uma daquelas categorias.

A este propósito, importa recordar que tal qualificação resulta da análise do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, sendo irrelevante o nomen iuris atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo a contrapartida de uma prestação utilizada pelo sujeito passivo (cfr., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 365/2008, 539/2015, 848/2017 e 344/2019).

14. A distinção entre as três categorias tributárias parte da consideração simultânea de um critério finalístico a par de um critério estrutural ou do pressuposto e da finalidade do tributo (cfr., Cardoso da Costa, “Ainda a distinção entre «taxa» e «imposto» na jurisprudência constitucional”, in Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 549; e Sérgio Vasques, “A Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, in Fiscalidade da Energia, 2017, Coimbra, Almedina, pp. 230 e 231, respetivamente).

No mesmo sentido, escreveu-se no Acórdão n.º 344/2019 (referente à “taxa SIRCA”), fazendo apelo a jurisprudência anterior e acolhendo os traços essenciais da doutrina defendida na matéria por Sérgio Vasques (em O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, Coimbra, 2008), o seguinte:

«[7…A] qualificação de um tributo como imposto, por contraposição ao conceito constitucional de taxa, reside na análise do seu pressuposto e da respetiva finalidade: “o imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais”; diversamente, “a taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática” (Acórdãos n.ºs 365/2008, 177/2010, 152/2013, 539/2015, 320/2016, 848/2017, 418/2017, 367/2018, 379/18 e 7/2019).

O critério distintivo dos tributos reside assim na natureza unilateral ou bilateral do pressuposto do qual depende a formação da obrigação tributária e na finalidade indeterminada ou determinada das prestações a que se destina a receita com ela angariada: enquanto o pressuposto do imposto – o facto tributário – respeita exclusivamente ao sujeito passivo, não lhe correspondendo qualquer contrapartida específica da administração pública, o pressuposto da taxa ou da contribuição integra uma relação do sujeito passivo com a administração pública, correspondendo sempre à contraprestação de uma certa atividade pública que especialmente lhe é dirigida; enquanto o propósito do imposto é angariar receita destinada ao financiamento de prestações públicas indeterminadas, provendo indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, a taxa destina-se a angariar receita para compensar o custo ou valor das prestações públicas determinadas, provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo.

[…]

Uma terceira categoria de tributos públicos que foi reconhecida e autonomizada pela revisão constitucional de 1997, dando cobertura a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto, é formada pelas contribuições financeiras a favor das entidades públicas (artigo 165.º, n.º 1, alínea i). A autonomização dessa espécie tributária levou o Tribunal Constitucional a reconhecer, pela primeira vez, a existência de uma tripartição nas categorias jurídico-fiscais, ao reconduzir a taxa de regulação e supervisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ESC) a uma contribuição financeira a favor dessa entidade (Acórdãos nºs 365/08, 613/08 e 261/09).

Em rigor, esta categoria de tributos, não obstante pretender concretizar uma troca entre o Estado e o contribuinte, sem envolver uma prestação efetiva, não tem estrutura unilateral como o imposto nem estrutura bilateral como a taxa.»

O Tribunal Constitucional reconhece, portanto, a existência de contribuições financeiras, enquanto categoria tributária autónoma, dotada de relevo no sistema fiscal português. As contribuições financeiras são, neste plano, globalmente entendidas como prestações pecuniárias coativas, bilaterais, exigidas por uma entidade pública, em contrapartida de uma prestação administrativa dirigida a um grupo, e apenas presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo singular.

Refira-se que, sem prejuízo da aparente simplicidade do conceito, esta é uma categoria de contornos muito heterogéneos, em especial na ausência da aprovação pela Assembleia da República do regime geral para as demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, previsto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição. Na verdade, uma visão abrangente do sistema fiscal português revela que esta categoria integra um conjunto extenso e variado de tributos paracomutativos, com características nem sempre inteiramente coincidentes, sendo evidentes as especiais dificuldades experimentadas pela doutrina na sua delimitação precisa – v., a título de exemplo, entre outros, Ana Paula Dourado, que imputa à categoria das contribuições financeiras um caráter residual, enquadrando neste conceito todos os tributos que não apresentem as características dos impostos e das taxas e os tributos a favor de entidades públicas de base não territorial com características de sinalagma difuso (em Direito Fiscal – Lições, Almedina, Coimbra, 2015, p. 67); Sérgio Vasques, que reconhece às contribuições uma natureza fugidia, sediada num lugar intermédio entre as taxas e os impostos, integrando nesta figuras tributárias tão díspares como as contribuições para a segurança social, as taxas de regulação económica, os tributos associativos devidos às ordens profissionais e ainda os modernos tributos ambientais e impostos especiais pelo consumo (em Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 257 e 274); ou F. Vasconcelos Fernandes, para quem a categoria das contribuições financeiras integra uma ampla e diferenciada panóplia de tributos de base bilateral e grupal (em As Contribuições Financeiras no Sistema Fiscal Português, Uma Introdução, Gestlegal, Coimbra, 2020, p. 43). A razão de ser desta heterogeneidade prende-se, em parte, com a circunstância de não se tratar aqui de um conceito classificatório, mas antes de um quadro tipológico caracterizador, podendo variar o grau e modo da correspondência entre a realidade concreta e o tipo.

Concorrendo para a tipificação do tributo em apreço, afirmou-se no Acórdão n.º 539/2015 (que analisou a conformidade constitucional da “Taxa de Segurança Alimentar Mais”, aí considerada como contribuição financeira) o seguinte (n.º 2 da fundamentação):

«As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2ª edição, Coimbra Editora).»

Assim, na síntese do Acórdão n.º 255/2020 (n.º 9):

«[O] Tribunal reconhece que a criação de tributos dirigidos à compensação de prestações presumidas e a admissibilidade de um quadro amplo de incidência das taxas torna mais diluída a fronteira entre as diferentes categorias de tributos e muito mais delicada a respetiva qualificação. Daí a determinação de um critério estrutural para demarcar a “linha de fronteira” entre as diferentes categorias de tributos públicos (a natureza da prestação do ente público): “se o pressuposto de facto gerador do tributo é alheio a qualquer prestação administrativa ou se traduz numa prestação meramente eventual, estamos perante um imposto; se o facto gerador do tributo consubstancia uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada por um grupo em que o sujeito passivo se integra, estamos perante uma contribuição; se o facto gerador do tributo é constituído por uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário, ou por um facto que, de acordo com as regras da experiência, constitui um indicador seguro da existência daquela prestação, estamos perante uma taxa.” (ibidem) [Acórdão n.º 344/2019].»

O critério de distinção das contribuições financeiras em relação às demais categorias tributárias assenta, portanto, no tipo de relação jurídica que se estabelece entre o sujeito passivo e os benefícios ou utilidades que para este decorrem do tributo (critério estrutural, pressuposto), com especial destaque para a incidência e a natureza do aproveitamento esperado (geral, difuso, concreto, efetivo ou presumido). A contribuição financeira emerge, deste modo, como um tributo coletivo, fixado em função do grupo, pela utilização ou utilidade singular meramente presumida, numa relação de bilateralidade genérica. O mesmo é dizer que a qualidade de sujeito passivo de uma contribuição financeira não pressupõe a compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito, sendo a pertença ao grupo identificado pelo legislador condição necessária e suficiente para tal. Concretizando esta ideia, F. Vasconcelos Fernandes refere, a propósito da autonomização das contribuições financeiras, face aos demais tributos, no sistema fiscal português:

«[A mesma prende-se] com o facto de corresponderem a tributos que servem de financiamento a entidades públicas cuja atividade beneficia grupos tendencialmente homogéneos de destinatários, estabelecendo-se assim uma estrutura de incidência ancorada numa prestação de acordo com a qual da atividade daquela mesma entidade decorre um benefício igualmente imputável aos indivíduos ou empresas inseridos nesse mesmo grupo. Como tal, pode mesmo dizer-se que o tipo particular de aproveitamento de que os membros dos referidos grupos usufruem é, nestes casos, determinantemente condicionado pela sua condição grupal, sendo totalmente distinto caso estivessem numa relação direta ou imediata com o ente público que lhes oferece a prestação, como sucede nas taxas, ou se não houvesse qualquer tipo de relação de benefício identificável, como sucede nos impostos.» (em “As «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» no sistema fiscal português – conceito, pressupostos e regime jurídico-constitucional (incluindo a analogia com as Sonderabgaben alemãs)”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano XII, 1/4, 2019, p. 82)

«(…) a condição de sujeito passivo de uma dada contribuição financeira, quer esta respeite ao perímetro regulatório, associativo ou qualquer outro, apenas poderá despoletar-se na medida em que estejam reunidas as condições de pertença a um dado grupo homogéneo de interesses, entendendo-se por este último um conjunto institucionalmente ordenado para a expressão de objetivos de índole material e que se concretizam em benefícios concretos ao nível do referido grupo e, como tal, em benefícios presumidos para os seus membros.» (ob. cit., p. 84)

Sublinha-se, ainda quanto a este ponto, no Acórdão n.º 344/2019, que:

«Nos tributos comutativos, o ponto de referência para a fixação do custo provocado e do benefício aproveitado não é o mesmo em todos eles: nas taxas, porque se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, o custo e o benefício são reportados ao contribuinte individual (equivalência individual); nas contribuições, porque voltadas à compensação de prestações de que o sujeito passivo apenas é presumido causador ou beneficiário, o custo ou benefício é reportado ao grupo em que o sujeito passivo se integra (equivalência de grupo). (...) Nesta última espécie de tributos – contribuições – o princípio da equivalência vincula o legislador a definir o universo de sujeitos passivos que se presume provocar ou aproveitar a prestação administrativa. Não podendo dar-se por seguro que cada um dos concretos sujeitos passivos provoca ou aproveita a prestação pública – como ocorre nas taxas – exige-se que o legislador isole os grupos de pessoas às quais estejam presumivelmente associados custos e benefícios comuns. Assim, o princípio da equivalência projeta-se na estruturação subjetiva do tributo através do recorte de um grupo de pessoas que tem interesses e qualidades em comum, que tem responsabilidades na concretização dos objetivos a que o tributo se dirige, e que a prestação tributária seja empregue no interesse dos membros grupo.»

O Tribunal Constitucional deixou, assim, claro que a delimitação da base de incidência das contribuições financeiras não decorre apenas da homogeneidade de interesses, mas, bem assim, de uma autêntica responsabilidade de grupo, «que se deve ao facto de os sujeitos passivos deste tipo de tributo partilharem um ónus ou responsabilidade de custeamento ou suporte da atividade pública que não pode atribuir-se isoladamente mas apenas em face daquela que é a respetiva inserção no grupo a que efetivamente pertencem» (F. Vasconcelos Fernandes, ob. cit., p. 85).

Em linha com a conclusão que antecede, tem sido sublinhada pela jurisprudência do Tribunal a importância de atender, ainda, ao elemento teleológico do tributo (critério finalístico), na medida em que este pode constituir um indicador determinante no esclarecimento da sua natureza. Conforme esclarece Sérgio Vasques, ao contrário dos impostos, «a finalidade típica das contribuições não está na mera angariação de receitas mas em angariá-la para compensar as prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo» (em “A Contribuição Extraordinária ... cit., p. 226). Importa, por este motivo, conhecer o destino da receita obtida com o tributo em análise, designadamente, se está em causa o financiamento de prestações públicas indeterminadas ou de despesas gerais da comunidade, ou antes a compensação de custos incorridos por uma atividade pública determinada.

Nesta perspetiva, a consignação de receitas à entidade pública competente para financiar as prestações subjacentes aos tributos que as geram constitui, por regra, «uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais» (Acórdãos nºs 539/2015, 320/2016, 7/2019, 255/2020). Todavia, o Tribunal Constitucional reconhece que a consignação da receita do tributo não constitui, por si só, um elemento determinante na qualificação de um tributo – não é uma condição nem necessária nem suficiente (v. Acórdãos n.ºs 344/2019 e 255/2020). Na verdade, «dependendo do modo como seja feita, a consignação da receita tanto pode atestar a natureza comutativa de um tributo público quanto desmenti-la categoricamente. Se, por hipótese, o legislador consignar a receita do imposto sobre o tabaco ao investimento no parque escolar, a afetação da receita nega uma qualquer relação de troca entre o estado e aquele grupo, que não se pode dizer presumível causador e beneficiário das prestações administrativas a financiar, estando-se perante verdadeiro imposto. A qualificação de um tributo público como contribuição exige correspondência entre pressuposto e finalidade – nalguns casos a consignação comprova-a, noutros casos desmente-a.» (cfr. Sérgio Vasques, “A Contribuição Extraordinária ...”, cit., p. 231.)

15. Tendo presente o enquadramento já realizado (cfr. supra os n.ºs 6 a 9), verifica-se que a CSB tem como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração em território português, as filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham cá a sua sede principal e efetiva da administração e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora da União Europeia (cfr. artigo 2.º do RJCB). O mesmo é dizer, apelando às noções do RGICSF (vide supra), que através desta contribuição o legislador visa atingir os sujeitos cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria (i.e., o setor bancário). Visa, bem assim, abarcar todos aqueles que, prosseguindo a atividade enunciada, operam no sistema bancário nacional, independentemente de terem no território português a sua sede principal e efetiva ou uma filial ou sucursal (universalidade subjetiva).

Em termos objetivos, aquela Contribuição incide sobre os passivos dos bancos, concretamente sobre o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido dos fundos próprios de base (tier 1) e complementares (tier 2) e dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, e os depósitos na Caixa Central constituídos por Caixas de Crédito Agrícola Mútuo pertences ao Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo e, bem assim, sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos (cfr. artigo 3.º RJCSB), ambos calculados nos termos do artigo 4.º da Portaria CSB.

Ora, conforme resulta do contexto histórico em que é criada a CSB e da leitura das justificações político-legislativas que forem sendo apresentadas pelo legislador ao longo do tempo, as opções vertidas na delimitação das bases de incidência subjetiva e objetiva da CSB estão estreitamente relacionadas com as finalidades visadas com a criação deste tributo.

Neste quadro, começa-se por afirmar, no Relatório do Orçamento de Estado para 2011, que se «procede […] à criação de uma contribuição sobre o sector bancário na linha daquelas que foram já introduzidas noutros Estados Membros, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social.». Esclarece-se ainda no mesmo Relatório que «[o] impacto da recente crise económica e financeira internacional sobre a estabilidade financeira e o papel que o sector financeiro teve na criação do risco sistémico justificaram a introdução desta contribuição, cujo objetivo geral é o de garantir um contributo deste sector que reflita os riscos que o próprio sector gera, à semelhança do que tem vindo a acontecer em outros Estados-membros da União Europeia.».

Ressalta, deste modo, um duplo propósito originário na criação do novo tributo: reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos, em linha com aqueles que haviam sido os objetivos traçados ao nível europeu, pela Comissão, na sequência da Cimeira de Pittsburgh – garantir que é o setor bancário que suporta os encargos que ele próprio gera («limitar os encargos para os contribuintes e minimizar – ou melhor ainda, eliminar – a futura dependência de fundos provenientes das contribuintes para salvar um determinado banco»); mobilizar os montantes necessários para cobrir os custos expectáveis dos fundos de resolução («que facilitem a resolução de crises nos bancos em dificuldades de formas que evitem o contágio e que permitam a liquidação de um banco de forma ordeira e num prazo que evite a venda urgente dos ativos (“princípio da previdência”)», «contribuir para o financiamento da resolução ordeira das dificuldades em que se encontra uma entidade financeira»); e criar incentivos à adoção de comportamentos adequados pelo setor da banca, reduzindo o risco de recurso aos mecanismos de resolução de crises («aplicação, também no sector financeiro, do chamado «princípio do poluidor-pagador”»).

Salientando a conexão existente entre a incidência objetiva da CSB e o segundo propósito traçado pelo legislador nacional, relativo à mitigação dos riscos sistémicos gerados pela atividade do setor bancário, os quais se tornaram evidentes com a crise económica e financeira, explicita-se no preâmbulo da Portaria CSB, o seguinte:

«[…P]ara efeitos da aplicação da contribuição sobre o sector bancário qualificam[-se] por regra como passivo todos os elementos reconhecidos em balanço que representem dívida para com terceiros, independentemente da sua forma ou modalidade. Excluído para este efeito do passivo fica um conjunto de realidades muito circunscrito, tal como os capitais próprios ou os passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido, os passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados e os passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização, ou os passivos por provisões, atento o objetivo da mitigação de riscos sistémicos que subjaz largamente à criação desta contribuição. É também o objetivo da mitigação de riscos sistémicos que dita a desconsideração, para efeitos da base tributável, dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos na parcela do respetivo valor que seja objeto de cobertura por esse mesmo fundo. Idêntica razão explica que não se integrem na base tributável os instrumentos financeiros derivados de cobertura de risco, bem como aqueles cujas posições em risco se compensem mutuamente (back to back derivatives).»

O risco sistémico em apreço está, numa larga medida, associado à avaliação das dificuldades para superar uma crise de confiança do público quanto à solvabilidade da instituição, ou seja, quanto à sua capacidade para enfrentar uma eventual “corrida aos depósitos” recebido de terceiros, e às consequências daí advenientes para outras instituições financeiras, nomeadamente o “contágio”. O ponto de partida da análise é, por isso, a estrutura financeira da própria instituição e, muito em especial, as interdependências das várias instituições de crédito ao nível de tal estrutura.

Deste modo, e pondo igualmente a tónica no objetivo de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos, o qual está na base do regime de resolução, no seu todo, e bem assim na origem da CSB, enquanto mecanismo de financiamento do mesmo (ainda que não o único), refere-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 24/2013, de 19 de fevereiro, que estabeleceu o método de determinação das contribuições iniciais, periódicas e especiais para o Fundo de Resolução (tal diploma foi, entretanto, revogado pelo artigo 13.º, alínea d) da Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março), que:

«O regime jurídico da resolução tem por finalidade a prevenção, a mitigação e a contenção do risco sistémico que, no limite, pode decorrer do colapso de uma instituição de crédito, ainda que provocado por choques externos, poder produzir um efeito de contágio sobre as restantes instituições do sistema. Tal risco agrava-se em função da dimensão, complexidade e interconexão - com outras entidades - que a instituição que entrou em grave desequilíbrio financeiro apresente. Perante este tipo de risco e as inerentes consequências, considerou-se necessário criar novos tipos de instrumentos de intervenção que assegurem a estabilidade financeira, bem como mecanismos de financiamento sem cuja existência aqueles instrumentos perderiam grande parte da sua eficácia.

O regime instituído no RGICSF pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, estabelece que as necessidades de financiamento das medidas de resolução são asseguradas pelo Fundo de Resolução, o qual, por sua vez, é financiado essencialmente, nos termos do artigo 153.º-F do RGICSF, por via de contribuições das instituições nele participantes, a par da afetação das receitas da contribuição sobre o sector bancário.

[…]

No plano jurídico, as contribuições, embora obrigatórias, assumem natureza análoga à de um prémio de seguro destinado a cobrir o risco de uma instituição participante deixar de cumprir, ou ficar em risco sério de deixar de cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da atividade, por força da ocorrência de uma ou de várias das situações referidas no n.º 3 do artigo 145.º-C do RGICSF e, por via desse facto, contagiar outras instituições. As contribuições para o Fundo de Resolução constituem, neste contexto, a expressão de uma mutualização daquele risco.

Em caso de ocorrência do evento contra o qual as instituições participantes se querem premunir, a intervenção do Fundo de Resolução protege o conjunto das entidades nele participantes, evitando que a situação verificada numa delas alastre às restantes e as contamine. Assim, as instituições pagam as suas contribuições como forma de se protegerem contra um eventual risco sistémico originado numa delas, mas que poderia, por seu turno, induzir o colapso financeiro das restantes instituições participantes, caso não existisse um sistema de financiamento do Fundo de Resolução

[…]

Os custos da adoção de medidas de resolução advêm essencialmente da necessidade de apoiar o financiamento da eventual diferença que se verifique entre os passivos e os ativos transferidos para outra instituição de crédito ou, eventualmente, para um banco de transição. Ou seja, é da eventual insuficiência do valor efetivo, à data da aplicação da medida, dos ativos alienados ou transferidos face ao valor dos passivos a preservar, mediante aquela transferência, que emerge a necessidade de uma entrada de fundos para apoiar a aplicação de uma medida de resolução e, portanto, de uma adequada capitalização do Fundo de Resolução para fazer face, no futuro, a este tipo de necessidades.

Por esta razão, a base de incidência das contribuições periódicas e das contribuições iniciais das instituições participantes no Fundo desde o início da sua atividade é composta por determinados elementos do passivo das instituições participantes, com dedução de certas responsabilidades incluídas no balanço que não merecem proteção em sede de resolução, como é o caso das responsabilidades perante acionistas e credores subordinados. Existem também responsabilidades que já beneficiam de outras formas de proteção, nomeadamente os depósitos cobertos pela garantia proporcionada pelo Fundo de Garantia de Depósitos ou pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, que podem, a esse título, ser chamados a comparticipar no financiamento de uma medida de resolução. Por isso não se considera apropriado que sejam cobradas contribuições sobre estes elementos do balanço, embora se entenda que a definição da base de incidência deve ser o mais ampla possível, limitando a possibilidade de arbitragem na captação dos vários tipos de recursos e evitando induzir distorções artificiais na estrutura do balanço das instituições.

A utilização, como referência, da base de incidência para a contribuição sobre o sector bancário, que se encontra estabelecida na Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, alterada pela Portaria n.º 77/2012, de 26 de março, concretiza os princípios enunciados. […]»

Resulta, assim, patente da motivação aduzida pelo legislador nacional nos diplomas que desenvolvem e concretizam o regime da CSB, que daquele duplo propósito originariamente identificado no Relatório do Orçamento de Estado para 2011, é o segundo objetivo enunciado – de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos – aquele que assume preponderância e que influi na estrutura do tributo. Já a referência ao objetivo de reforço do esforço fiscal feito pelo sector financeiro, parece assumir, neste quadro, um relevo subsidiário, na medida em que ao fazer o setor bancário contribuir de forma mais intensa, custeando os encargos que ele próprio gera, reduz-se proporcionalmente a participação dos contribuintes no esforço de consolidação das contas públicas.

16. Retira-se da análise que antecede que a CSB tem a natureza de contribuição financeira. Com efeito, estão reunidas as principais notas características desta categoria tributária: é uma prestação pecuniária (i), coativa (ii), cujas receitas são consignadas subjetiva e materialmente a um ente público (iii), que assenta numa relação de bilateralidade genérica ou difusa – visando compensar uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada (iv) por um grupo homogéneo de contribuintes em que o sujeito passivo se integra (v).

Acompanha-se, por isso, o entendimento adotado pelos tribunais tributários e pelo Supremo Tribunal Administrativo, que consideram ter a CSB inquestionável natureza de contribuição financeira, devido a ter na sua base «uma contraprestação de natureza grupal». De resto, a mesma qualificação tem sido assumida pela jurisprudência arbitral no âmbito do CAAD, destacando-se pela profundidade da análise realizada – ainda que com referência particular à CSB aplicável em 2016 – o acórdão de 14 de junho de 2018, proferido no Processo n.º 347/2017-T (acessível a partir da ligação https://caad.org.pt/tributario/decisoes/; cfr., em especial, os n.ºs 77, 79, 82, 85 e 87).

A prevenção, mitigação e contenção dos riscos sistémicos (que podem advir do desequilíbrio financeiro de uma instituição de crédito), assoma como pedra angular do regime, seja com vista a produzir um efeito disciplinador do mercado, na medida em que o maior ou menor valor da contribuição devida depende, pela sua incidência objetiva, da maior ou menor exposição do sujeito passivo ao risco, seja pela criação de um mecanismo de financiamento do sistema de resolução, que resulta num reforço das garantias de intervenção pública, em caso de necessidade, assegurando a estabilidade financeira e contendo o efeito de contágio.

A CSB não pode ser qualificada como imposto porque a sua finalidade não é satisfazer os gastos gerais da comunidade; nem como taxa, porque não é contrapartida de uma prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo – visando, unicamente, contribuir para o financiamento das medidas de resolução a adotar pelo Banco de Portugal, obviando à formação de um risco sistémico no sistema bancário nacional, o que faz mediante consignação das receitas ao Fundo de Resolução que tem por missão custear esta intervenção (cfr. artigo 153.º-C, do RGICSF). Trata-se, sim, de um tertium genus, na medida em que o tributo visa a cobertura de despesas e a satisfação de necessidades especiais do setor bancário, face a situações que, em regra, gerariam custos, oferecendo condições de estabilidade financeira ao setor, de que cada instituição (filial e sucursal) há-de a título singular presumivelmente beneficiar.

O Fundo de Resolução pode, para estes efeitos, disponibilizar apoio financeiro para: subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; garantir os ativos ou os passivos da instituição de crédito objeto de resolução, das suas filiais, de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos; conceder empréstimos à instituição de crédito objeto de resolução, às suas filiais, a uma instituição de transição ou a um veículo de gestão de ativos; adquirir ativos da instituição de crédito objeto de resolução; ou pagar uma indemnização aos acionistas ou aos credores da instituição de crédito objeto de resolução caso seja determinado que os mesmos suportaram um prejuízo superior ao que suportariam caso não tivesse sido aplicada uma medida de resolução e a instituição de crédito objeto de resolução entrasse em liquidação no momento em que aquela foi aplicada (cfr. artigo 145.º-AA do RGICSF). Ou seja, tal Fundo destina-se quer ao financiamento dos custos inerentes ao serviço público de apoio à aplicação e de execução de medidas de resolução (cfr. artigo 145.º-E do RGICSF), quer à satisfação das finalidades de interesse público que, com tais medidas de resolução, se visam prosseguir (cfr. o disposto no artigo 139.º e no artigo 145.º-D do RGICSF).

Importa ainda sublinhar que a circunstância da receita fiscal da CSB ser paga diretamente ao Estado e só depois transferida por este para o Fundo de Resolução (sendo aí contabilizada como recursos próprios, conforme resulta da leitura do Relatório e Contas dos anos 2014 e 2015) em nada afeta a conclusão que antecede, na medida em que a materialidade da relação subjacente ao tributo em apreço (pressuposto e finalidade) não sai prejudicada por esta configuração regulativa, de índole meramente formal ou de contabilidade orçamental.

Pelos mesmos motivos, e pese embora se reconheça que a consignação da receita da CSB ao Fundo de Resolução constitui um indício forte da sua natureza de contribuição, cumpre referir que a circunstância de só em 2012 ter sido criado o Fundo de Resolução não compromete a posição seguida neste acórdão, pelo facto de se manter globalmente a materialidade da relação tributária, atentos os elementos constitutivos do tributo (base de incidência, base de cálculo e afetação da receita), não podendo ser a receita obtida desviada para o financiamento de despesas públicas gerais. Como refere o tribunal a quo:

«[…A] CSB visou, em primeiro lugar e desde o início, atenuar as consequências resultantes das intervenções públicas no sector financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito desse mesmo sector, reconduzindo-se a um instrumento de apoio na prevenção dos inerentes riscos sistémicos que ali então se identificaram, e não se destinando, assim, a colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado.»

Acha-se, pois, aqui, uma relação de bilateralidade genérica ou difusa, que se estabelece na ordem jurídica por referência a um grupo delimitado e homogéneo de contribuintes – as instituições de crédito que operam em Portugal (o setor bancário) e que, pela sua integração e interligação, contribuem para e enfrentam um risco de contágio em caso de desequilíbrio financeiro de uma outra instituição de crédito parte do mesmo sistema. Doutro modo, a CSB foi criada para fazer face a situações de crise financeira, das quais os seus sujeitos passivos são simultaneamente potenciais causadores e potenciais beneficiários dos valores arrecadados, seja pela possibilidade de se virem a constituir como presumíveis destinatários diretos de medidas de resolução, seja por presumivelmente beneficiarem, enquanto parte do grupo, da adoção de tais medidas e da contenção do efeito de contágio que daí poderia advir para a sua própria esfera. Contexto que justifica, aliás, que a Comissão tenha invocado na já citada Comunicação COM/2010/254-final, também no setor financeiro, o conhecido princípio do poluidor-pagador, e o legislador tenha, por seu turno, recorrido à imagem da mutualização do risco sistémico para elucidar a natureza das contribuições para o Fundo de Resolução (cfr. Decreto-Lei n.º 24/2013). A CSB destina-se a compensar uma contraprestação concreta, ainda que potencial e futura, oferecida a um grupo homogéneo (v., a este propósito, Suzana Tavares da Silva, ob. cit., pp. 89 e 90).

Em sentido próximo, reconhecendo expressamente a natureza de contribuição financeira da CSB, escreve Sérgio Vasques:

«A cobertura desses riscos [sistémicos] e as medidas de reação perante o colapso das instituições financeiras têm custos que não podem com justiça ser exigidos da generalidade dos contribuintes, servindo esta contribuição para exigi-los dos presumíveis beneficiários. A contribuição sobre o sector bancário opera, pois, à semelhança de um prémio de seguro, e por essa precisa razão a sua base de incidência é formada pelo passivo das instituições de crédito, indicador do risco que geram. Existe nisto, em suma, o mesmo fundo comutativo que encontramos em figuras mais recuadas como as contribuições para o Fundo de Garantia de Depósitos ou para o Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, criadas ainda nos anos 90.» (cfr. ob. cit., p. 231.)»

Posicionando-se igualmente em sentido favorável à aproximação da CSB às contribuições financeiras, pelo menos desde a criação do Fundo de Resolução, distinguem-se Suzana Tavares da Silva (ob. cit., p. 89) e Casalta Nabais e Matilde Lavouras (em “O imposto sobre as transações financeiras”, in Boletim de Ciências Económicas, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Volume LVII, Tomo II, 2014, pp. 2493, 2494 e 2495), para quem a configuração deste tributo como contribuição está, aliás, «em consonância com contribuições semelhantes criadas em outros Estados-Membros da União Europeia com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados» (ob. cit., p. 2495).

17. O tributo em apreciação nos presentes autos revela, em suma, uma natureza financeira paracomutativa, enquanto contrapartida das prestações públicas de vocação grupal (medidas de resolução e finalidades globais por estas visadas: salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito intervencionada e estabilidade do sistema financeiro). As medidas de resolução também visam salvaguardar os interesses dos depositantes, mas estes são in limine financeiramente assegurados pelo Fundo de Garantia de Depósitos (cfr. artigo 154.º e ss do RGICSF); são aproveitadas e/ou provocadas, presumivelmente, por cada instituição de crédito (filiais e sucursais) que integram o leque de sujeitos passivos (cfr. artigos 139.º, 145.º-C, 145.º-E, 145.º-AB 153.º-C do RGICSF). A arrecadação de receitas visada pelo tributo surge, deste modo, subordinada à prossecução da finalidade material específica de prevenção e contenção dos riscos sistémicos, daí advindo um benefício concreto imputável a um conjunto diferenciável de destinatários.

Paralelamente é ainda possível encontrar neste tributo um fito extrafiscal, de orientação de comportamentos (ainda que em sentido impróprio, sem total autonomia e como mero efeito lateral, face à natureza comutativa do tributo, como explica Sérgio Vasques, O Princípio da Equivalência…, cit., pp. 584 e 585), na medida em que, ao incidir sobre o passivo e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço, o legislador parece ter igualmente pretendido incentivar as instituições de crédito a moderar a adoção adequada e prudente de riscos no endividamento, evitando comportamentos de endividamento excessivo, que estão na base das situações de desequilíbrio financeiro das instituições, com risco de insolvência e riscos sistémicos que a manutenção da estabilidade do sistema financeiro impõe contrariar.

Em face de tudo o que antecede quanto à estrutura e finalidade da CSB, dúvidas não restam relativamente à sua natureza de contribuição financeira: tributo exigido por uma entidade pública em contrapartida de uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, nos termos acima melhor explanados no n.º 14 do presente acórdão.

D.2 A questão da legalidade fiscal

18. Na sequência da conclusão que antecede, o tema que agora se coloca é o de saber se, à luz do princípio da legalidade fiscal consagrado nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da Constituição, o regime legal de uma contribuição financeira, como a que foi criada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, pode remeter para diploma regulamentar a definição de aspetos da sua disciplina como a base de incidência objetiva ou a taxa e se a Portaria CSB pode regulamentar tais aspetos do RJCSB. Visa-se, nesta senda, tomar posição quanto às questões de constitucionalidade identificadas supra no n.º 5, alíneas ii), iii), vii) e viii).

Conforme exposto supra no n.º 8, o RJCSB integra seis artigos estruturantes (artigos 2.º a 6.º), que tratam da incidência subjetiva, da incidência objetiva, da taxa, da liquidação, do pagamento e do direito subsidiário, prevendo o artigo 8.º que a base de incidência definida pelo artigo 3.º, assim como as taxas aplicáveis nos termos do artigo 4.º (e ainda as regras de liquidação, de cobrança e de pagamento da contribuição) serão objeto de regulamentação por portaria do Ministro das Finanças, ouvido o Banco de Portugal. Tal veio a ocorrer por via da aprovação da Portaria CSB (e das suas subsequentes alterações). Resulta, assim, manifesto que, pelo menos em termos formais, os elementos constitutivos do regime, em especial os elementos essenciais do tributo (base de incidência e taxa), foram aprovados por lei da Assembleia da República (Lei n.º 55-A/2010).

Os problemas em análise prendem-se concretamente, da perspetiva da lei, com a questão de saber se o artigo 3.º do RJCSB, referente à incidência objetiva, apresenta uma densidade suficiente e, em caso de resposta negativa, se daí decorre a violação do princípio constitucional invocado; e no que respeita à taxa se, prevendo o artigo 4.º do mesmo Regime um intervalo de taxas, pode ser a taxa concretamente aplicável fixada por portaria. Da perspetiva do ato regulamentar em causa – a Portaria CSB –, questiona-se o respeito pela reserva de lei parlamentar no respeitante à regulamentação daqueles dois preceitos do RJCSB ao abrigo do respetivo artigo 8.º.

19. Cumpre começar por recordar as exigências que o princípio da legalidade fiscal coloca ao legislador ao nível das contribuições financeiras. Na síntese do Acórdão n.º 539/2015 (n.º 2 da respetiva fundamentação):

«Seguindo de perto o relato histórico feito no anterior acórdão deste Tribunal com o n.º 365/2008, a criação de impostos foi na nossa história constitucional, apesar das incertezas manifestadas entre 1945 e 1971, após o esvaziamento da competência legislativa da Assembleia Nacional resultante da Revisão Constitucional de 1945, matéria sempre reservada à aprovação parlamentar (sobre a evolução desta competência legislativa, vide JORGE MIRANDA, em “A competência legislativa no domínio dos impostos e as chamadas receitas parafiscais”, na R.F.D.U.L., vol. XXIX (1988), pág. 9 e segs. e ANA PAULA DOURADO, em “O princípio da legalidade fiscal: tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação”, pág. 50 e segs., ed. 2007, Almedina).

A fidelidade a esta exigência não deixa de ter justificação no princípio dos ideais liberais “no taxation without representation”, correspondente à ideia de que, sendo o imposto um confisco da riqueza privada, a sua legitimidade tem de resultar duma aprovação dos representantes diretos do povo, numa lógica de autotributação, a qual permitirá a escolha de tributos bem acolhidos pelos contribuintes e, por isso, eficazes (sobre uma mais aprofundada justificação da reserva de lei fiscal, vide ANA PAULA DOURADO, na ob. cit., pág. 75-84).

Foi esta a opção da Constituição de 1976, que deixou de fora desta exigência as taxas (sobre esta opção, vide o Parecer da Comissão Constitucional n.º 30/81, in Pareceres da Comissão Constitucional, 17.º volume, pág. 91, da ed. da INCM, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 205/87, e CASALTA NABAIS, em “Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria fiscal”, no B.F.D.U.C. n.º 69 (1993), págs. 407-408).

Os termos do texto constitucional, antes da Revisão operada em 1997, suscitavam uma representação dicotómica dos tributos, pelo que a doutrina e a jurisprudência procuravam equiparar os apelidados tributos parafiscais à categoria dos impostos, ou das taxas, para concluírem se a sua criação estava ou não sujeita ao princípio da reserva de lei parlamentar. No que respeita às contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas coletivas públicas não territoriais, assumia algum relevo a posição de as incluir na categoria dos impostos, exigindo que a sua previsão constasse de lei aprovada pela Assembleia da República (vide, neste sentido, ALBERTO XAVIER, em “Manual de direito fiscal”, vol. I, pág. 73-75, da ed. de 1974, JORGE MIRANDA, na ob. cit., pág. 22-24, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1239/96, relativo à taxa devida à Comissão Reguladora de Produtos Químicos e Farmacêuticos). Esta qualificação visava combater o objetivo da subtração destas receitas ao regime clássico da legalidade tributária e do orçamento do Estado, considerado um “perigoso aventureirismo fiscal”.

Contudo, a alteração introduzida na redação da alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da Constituição (anterior alínea i), do n.º 1, do artigo 168.º), pela Revisão Constitucional de 1997, veio obrigar a uma reformulação dos pressupostos da discussão sobre a existência de uma reserva de lei formal em matéria de contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas coletivas públicas não territoriais.

Onde anteriormente o artigo 168.º, n.º 1, i), da Constituição dizia que “é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…) i) Criação de impostos e sistema fiscal (…)”, passou a cons­tar que “é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…) i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas (…).

Para efeitos de submissão dos diversos tipos de tributo ao princípio da reserva de lei formal a nova redação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, autonomizou a categoria das “contribuições financeiras”, ao lado dos impostos e das taxas, como já acima se referiu.

O artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, passou a fazer depender da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, a «criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor do Estado». Configuram-se assim dois tipos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abrange todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º), outro restrito ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras, e relativamente às quais apenas se exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais e, portanto, sobre um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina desses tributos que possa corresponder a um regime comum.

Com esta alteração deixou de fazer qualquer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar, passando o regime destas a estar equiparado aos das taxas.

O princípio da legalidade, relativamente às contribuições financeiras, tal como o das taxas, apenas exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais comuns às diferentes contribuições financeiras, não necessitando de uma intervenção ou autorização parlamentar para a sua criação individualizada, enquanto que, relativamente a cada imposto, continua a exigir-se essa intervenção qualificada, a qual deve determinar a sua incidência, a sua taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

Aquele regime geral das contribuições financeiras, cuja definição compete à Assembleia da República, deve conter os seus princípios estruturantes, bem como as regras elementares respeitantes aos seus elementos essenciais comuns, sendo certo que é difícil imaginar que se consigam subordinar a um mesmo quadro normativo figuras tão diferentes quanto aquelas que se podem abrigar neste novo conceito intermédio. Daí que se preveja, pelo menos, a necessidade de elaborar diferentes regimes gerais para cada um dos tipos destas múltiplas figuras tributárias (vide, neste sentido, SÉRGIO VASQUES, em “As taxas de regulação económica em Portugal: uma introdução”, em “As taxas de regulação económica em Portugal”, pág. 38, da ed. de 2008, da Almedina).»

Partindo de uma visão tripartida dos tributos, o Tribunal dá por assente que a Lei Fundamental consagra diferentes níveis de exigência ao legislador (dois tipos de reserva parlamentar), consoante se trate de impostos ou de taxas ou contribuições financeiras. No que especialmente releva para efeitos dos presentes autos, resulta claro que a Constituição se basta, quanto ao regime das contribuições financeiras, com a fixação por lei do parlamento ou por decreto-lei autorizado de «um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina desses tributos que possa corresponder a um regime comum». Não se exige, pois, que seja o Parlamento a aprovar os elementos constitutivos de cada tributo, singularmente considerado.

Punha-se, contudo, um problema – de resto, paralelo ao das taxas antes da aprovação do respetivo regime geral (como sucede, por exemplo, em relação às taxas das autarquias locais) –, que resultava do facto de, mais de duas décadas passadas sobre a revisão constitucional de 1997, que alterou a alínea i), do n.º 1 do artigo 165.º da CRP passando a prever expressamente as contribuições financeiras, não ter sido ainda aprovado o regime geral aí referido – facto que dividiu a doutrina quanto à validade das contribuições financeiras criadas por ato legislativo do Governo sem a existência do enquadramento geral previsto no artigo 165.º, n.º 1, i), da Constituição. Enquanto Sérgio Vasques considera que até à edição de um regime geral que enquadre estas figuras tributárias, «devemos continuar a subordinar a criação das modernas contribuições à intervenção do Parlamento e a censurar como organicamente inconstitucionais aquelas que o sejam por decreto-lei simples» (em Manual ... cit., p. 283, v., no mesmo sentido Suzana Tavares da Silva, ob. cit., p. 22), Cardoso da Costa sustenta que «seria de todo inaceitável atribuir à introdução da reserva parlamentar em apreço (…) seja o efeito, seja o propósito, de paralisar ou bloquear a autonomia da ação governamental num domínio que afinal lhe é pró­prio, tornando-a dependente em toda a medida de uma intervenção parlamentar prévia: tal não seria compatível com a dinâmica e as necessidades da vida do Estado.» (em “Sobre o Princípio da Legalidade das Taxas e das demais Contribuições Financeiras”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcelo Caetano, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, p. 803).

Nos seus Acórdãos n.ºs 152/2013 (n.º 7) e 539/2015 (n.º 2 da sua fundamentação) já este Tribunal tomou posição quanto ao problema enunciado, tendo-se afirmado no segundo daqueles arestos:

«A revisão constitucional de 1997 ao prever a figura das contribuições financeiras como tributo, para efeitos de definição da competência legislativa, equiparou-a às taxas e distinguiu-a dos impostos. Enquanto a criação destes se manteve na reserva relativa da Assembleia da República, relativamente às taxas e às contribuições financeiras aí se incluiu apenas a previsão de um regime geral, ficando excluída da reserva parlamentar a criação individualizada quer de taxas quer de contribuições financeiras. E a aprovação desse regime geral não surge como ato-condição ou pressuposto necessário da criação individualizada desses tributos (Cfr. Blanco de Morais, em “Curso de direito constitucional”, Tomo I, pág. 273, nota 400, ed. 2008, da Coimbra Editora), não havendo razões para que se considere que a atribuição reservada daquela competência pelo legislador constitucional tenha procurado refletir uma aplicação mais rarefeita do princípio matriz do parlamentarismo “no taxation without representation”.

A opção constitucional por uma reserva parlamentar diferenciada entre impostos, por um lado, e taxas e contribuições por outro lado, teve em consideração a ausência de qualquer bilateralidade de prestações nos primeiros, não tendo o legislador constitucional relevado como fator merecedor de uma distinção em matéria competencial o facto de nas contribuições financeiras essa bilateralidade se apresentar muitas vezes como potencial e/ou difusa.

Se a jurisprudência constitucional anteriormente à Revisão de 1997, perante a ausência de previsão na Constituição dos tributos parafiscais, por cautela, preferiu equiparar as contribuições financeiras aos impostos, relevando aquela característica, outra foi a opção do legislador constituinte de 1997 que entendeu preferível tratar do mesmo modo as contribuições financeiras e as taxas, diferenciando estes dois tributos dos impostos, em matéria de reserva parlamentar.

Não sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional, na ausência daquele regime, estender-se a competência reservada da Assembleia da República ao ato de aprovação de contribuições financeiras individualizadas, criando-se assim uma reserva integral de regime onde esta não existe. Como afirmaram Alexandre Sousa Pinheiro e Mário João de Brito Fernandes, “na ausência de regime geral não pode o intérprete subverter a vontade do legislador (constituinte ordinário) criando uma reserva integral” (In “Comentário à IV Revisão Constitucional, pág. 417, ed. de 1999, da AAFDL).

O Tribunal Constitucional logo extraiu estas conclusões relativamente à aprovação de taxas individualizadas por ato legislativo do Governo não autorizado, sem que a Assembleia houvesse aprovado um regime geral das taxas (Acórdãos n.º 38/2000 e 333/2001), não havendo razões para que, relativamente à criação de contribuições financeiras, se estabeleça uma solução diversa, efetuando uma distinção onde o texto constitucional não distingue.

Assim, a ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais.»

20. Por outro lado, a análise detalhada dos específicos contornos do caso vertido nos autos revela a existência de normação primária constante de lei parlamentar – a Lei n.º 55-A/2010 –, que prevê e regula os elementos essenciais da incidência objetiva da contribuição financeira em causa, limitando-se a Portaria CSB à sua concretização, cumprindo, aliás, a missão regulamentar prescrita no próprio RJCSB (artigo 8.º). Deste modo, mostram-se, em qualquer caso, atingidos os objetivos visados com a exigência do regime geral a que se refere o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.

20.1. Quanto à incidência objetiva – a propósito da qual releva o disposto no artigo 3.º do RJCSB e nos artigos 3.º e 4.º da Portaria CSB –, verifica-se que os elementos que integram globalmente o passivo (valores patrimoniais negativos, representativos de dívidas, obrigações, compromissos ou responsabilidades do agente económico), apurado e aprovado pelos sujeitos passivos, deduzido dos fundos próprios de base e complementares e, bem assim, dos depósitos abrangidos por outros fundos de garantia, são, depois, concretizados para efeitos de quantificação da base tributável, por via da fixação de critérios objetivos (elenco dos elementos reconhecidos e excluídos do cálculo da base tributável, remissão para as normas de contabilidade aplicáveis e para disposições constantes de avisos do Banco de Portugal), os quais foram delineados, segundo se esclarece nos preâmbulos da Portaria CSB e do Decreto-Lei n.º 24/2013 (v. supra o n.º 15), em função quer da finalidade primordial do tributo em causa – a mitigação de riscos sistémicos –, quer da experiência levada a cabo por outros Estados-membros e da discussão técnica que entretanto teve lugar ao nível europeu em torno destas figuras tributárias.

A Portaria CSB procede, assim, à concretização de um universo descrito em termos gerais; a mesma não regula inovatoriamente o elemento essencial do tributo (cfr., concluindo pela não violação do princípio da legalidade fiscal, a propósito de casos similares de regulação primária de uma contribuição financeira em lei parlamentar, subsequentemente densificada em decreto-lei e, ou, em portaria, os Acórdãos n.ºs 365/2008 e n.º 613/2008, que se pronunciaram sobre a constitucionalidade da taxa de regulação e supervisão pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e o Acórdão n.º 152/2013, que abordou a constitucionalidade da taxa de utilização do espectro radioelétrico).

20.2. No que se refere à taxa, o problema suscitado prende-se com a circunstância de a lei ter definido apenas um intervalo para a fixação das taxas (artigo 4.º do RJCSB), sendo as taxas concretamente aplicáveis fixadas no artigo 5.º da Portaria CSB.

A solução não é nova na ordem jurídica, e foi adotada no passado no quadro do regime de fixação das taxas do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), constante do artigo 32.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, tendo sido, enquanto tal, objeto de análise no Acórdão n.º 70/2004, que se pronunciou pela não inconstitucionalidade, afirmando o seguinte:

«Ao definir o fator de quantificação do imposto traduzido na taxa apenas através da indicação das suas respetivas balizas, mínima e máxima, não deixa o legislador parlamentar de atuar, no exercício desse poder tributário, em representação política dos cidadãos contribuintes, expressando-o num consentimento de tributação que se traduz na possibilidade da taxa desde um mínimo até uma taxa máxima.

Assim quem entenda o princípio da legalidade fiscal numa tal aceção não pode deixar de concluir, imediatamente, pela conformidade com a Lei Fundamental das normas ora sindicadas.»

Recorde-se que a solução em causa é frequente na ordem jurídica portuguesa (cfr., por exemplo, a já referida taxa de utilização do espectro radioelétrico, objeto do Acórdão n.º 152/2013; ou a “taxa de segurança alimentar mais”, objeto do Acórdão n.º 539/2015).

A explicação para a validade de tal opção normativa – localizada, sublinhe-se, fora do âmbito de aplicação da tipicidade própria dos impostos – encontra-se, conforme esclareceu este Tribunal, funcionalizada à prossecução dos fins visados com o lançamento deste tributo e à necessidade de garantir maior plasticidade ao tributo, adequando-o da melhor forma à realidade mutável que visa atingir. Neste sentido, partindo de um sentido lato e abstrato da expressão «taxa de imposto» constante do artigo 103.º, n.º 2 da Constituição, e fazendo o paralelo com outros mecanismos de que o legislador lança mão em espaços de reserva de lei e que conferem à Administração uma margem de valoração, disse-se o seguinte no citado Acórdão n.º 70/2004:

«Trata-se de uma aceção cuja admissibilidade poderá ser confortada com algumas das razões que levaram a admitir como sendo constitucionalmente lícito, “guardadas certas margens de segurança”, o uso de conceitos jurídicos indeterminados, de “certas cláusulas gerais”, de “conceitos tipológicos” (Typusbegriffe), de “tipos discricionários” (Ermessenstatbestände) e de certos conceitos que atribuem à administração uma margem de valoração, os designados “preceitos de poder” (Kann-Vorschrift) (cfr. J. L. Saldanha Sanches, “A segurança jurídica no Estado social de direito”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.os 310/312, pp. 299 e segs.), na conformação das normas definidoras da incidência (cfr. Acórdão n.º 756/95, publicado no Diário da República II Série, de 27 de Março de 1996; Boletim do Ministério da Justiça, n.º 452, pp. 181 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32º volume, pp. 775), como sejam a necessidade de adequação à plasticidade da vida económica e de flexibilização do sistema “tornando-o apto a abranger circunstâncias novas, porventura imprevisíveis ao tempo de formulação da lei (cfr. Saldanha Sanches, op. cit. 297 e 299-300).»

Em anotação ao acórdão citado, vieram, entretanto, Sérgio Vasques e João Taborda da Gama – estabelecendo, por um lado, um paralelo com o Acórdão n.º 57/95, respeitante à determinação legal das taxas da Contribuição Autárquica por meio de intervalo de valores a preencher por deliberação das assembleias municipais, no qual o Tribunal Constitucional veio firmar a tese de que o princípio da legalidade tributária e a reserva de lei parlamentar podem ser limitados «num mínimo tolerável» adequado «para acolher outros valores ou princípios constitucionais» como é o caso do princípio da autonomia local; e reconhecendo, por outro lado, uma crescente relativização da reserva de lei na sua extensão e na sua intensidade, fruto de um conjunto de circunstâncias identificadas pelos mesmos Autores, entre as quais o crescente realismo com que o Tribunal Constitucional tem vindo a interpretar «a exigência de determinação legal da incidência do imposto a que se refere o art. 103.º no seu n.º 2, partindo da constatação óbvia de que a lei não a pode nunca definir de modo exaustivo», evidenciado no Acórdão n.º 236/2001, bem como no reconhecimento de que na delimitação dos impostos é inevitável o recurso a conceitos indeterminados e a conceitos tipológicos, assim como à concessão de margem de livre decisão à Administração tributária – aquiescer expressamente à possibilidade de derrogação do princípio da legalidade tributária, para fixação da taxa aplicável, na medida em que tal decorra da realização de razões extrafiscais suficientemente intensas, admitindo «sem dúvida» tal derrogação «quando esta se revele necessária, adequada e proporcionada ao ganho extrafiscal que se visa alcançar» (em “Taxas de Imposto, Legalidade Tributária e Produtos Petrolíferos: Anotação ao Acórdão n.º 70/2004, in Jurisprudência Constitucional, 2006, n.º 9, pp. 43 a 68, em especial pp. 60, 61, 64 e 65) .

Reforce-se que a matéria tratada no citado Acórdão n.º 70/2004 e comentada na anotação dos citados Autores respeita especificamente à categoria tributária dos impostos, a qual coloca ao legislador especiais exigências em matéria de reserva de lei. No caso dos autos, o tributo em análise consubstancia uma contribuição financeira, tal como acima ficou já longamente demonstrado.

Acresce que, conforme analisado supra, o Tribunal Constitucional já tomou posição, no seu Acórdão n.º 539/2015, quanto às consequências, para efeitos de reserva de lei, da inexistência de um regime geral das contribuições financeiras, tendo então concluído que a ausência da aprovação de um tal regime pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício da sua competência legislativa concorrente. Isto significa, portanto, que os dados de ponderação acima formulados não poderão ser, sem mais, aplicados ao caso vertente, devendo ser, antes, adequados à luz das exigências que a jurisprudência constitucional tem considerado em face da polaridade justiça-segurança imposta pelo princípio da legalidade fiscal no caso das contribuições financeiras.

Nestes termos, deve considerar-se, no caso concreto, que a opção metodológica do legislador de remeter para portaria do Ministro das Finanças a fixação da taxa concreta a aplicar à base tributável, dentro de um intervalo de referência fixado a priori na lei, não só não está sujeito à reserva de lei formal, como é suficiente para cumprir o essencial das exigências em matéria de legalidade fiscal aplicável às contribuições financeiras, sendo, por isso, uma opção válida do legislador.

Note-se que, mesmo para a doutrina que faz depender a validade do regime singular destes tributos da prévia aprovação do respetivo regime geral por lei da Assembleia da República, sempre se poderia defender que a fixação, em lei, do intervalo de taxas mínima e máxima, dentro das quais fica o Governo autorizado a fixar a taxa concreta a aplicar, corresponde substancialmente ao omisso regime geral.

Por outro lado, e considerando especificamente as finalidades fiscais e extrafiscais que presidem à CSB, e que acima já foram analisadas, pode ainda admitir-se que a solução encontrada pelo legislador, permite a maior adequação, em cada momento, entre o quantum do tributo e os custos que este visa cobrir, na medida em que a lei prevê que o Ministro das Finanças aprova a portaria, ouvido o Banco de Portugal (cfr. artigo 8.º do RJCSB) – entidade à qual compete desempenhar as funções de autoridade de resolução nacional, incluindo, entre outros poderes previstos na legislação aplicável, o de aplicar medidas de resolução, nos termos do disposto no artigo 145.º-AB do RGICSF, as quais são financeiramente apoiadas pelo Fundo de Resolução, ao qual está consignada a receita da CSB (cfr. artigo 17.º-A da a Lei n.º 5/98, de 31 de janeiro, na redação em vigor, e os artigos 153.º-C e 153.º-F, n.º 1, alínea a) do RGICSF). O Banco de Portugal, pelas funções que assume, estará na melhor posição para, em cada momento avaliar, o estado do sistema bancário, as ações em curso e as ações esperadas e o custo/beneficio que daí advenham para os sujeitos passivos, transmitindo isso mesmo ao Ministro das Finanças.

Assim, em resposta à alegação da recorrente de que o regime fixado pelo legislador parlamentar da CSB não confere «um mínimo de certeza quanto à determinação do quantitativo do tributo, uma vez que [...] fixa um intervalo absolutamente desrazoável, permitindo uma elevação desde um mínimo até ao seu dobro ou quíntuplo, sem qualquer indicação de critérios de orientação na opção de fixação do concreto quantitativo da taxa», cabe sublinhar dois pontos.

Em primeiro lugar, e sem prejuízo de se poder considerar perfeitamente balizada a margem de atuação do poder regulamentar, o critério de orientação a seguir pelo Governo, em sede de portaria, na ausência de previsão legal específica para o efeito, não poderá deixar de ser, naturalmente, a prossecução das finalidades visadas com a criação da CSB, no estrito respeito pela estrutura bilateral genérica em que assenta a relação jurídico-tributária formada (cfr. supra os n.ºs 15 e 16). Um indício claro de que não se trata aqui da fixação arbitrária da taxa concreta a aplicar, mas antes de um poder regulamentar orientado à realização dos objetivos traçados pelo legislador parlamentar, em especial de mitigação do risco sistémico no setor bancário, é o facto já mencionado de a lei prever que o Ministro das Finanças aprova a portaria, depois de ouvida a autoridade de resolução nacional – o Banco de Portugal.

Em segundo lugar, e no que especificamente respeita à alegada insegurança jurídica que resultaria das taxas do RJCSB, sublinha-se, por apelo às palavras deste Tribunal, no já citado Acórdão n.º 70/2004, que: «ao fixar o intervalo dentro do qual o diploma regulamentar pode proceder à fixação do valor da taxa, e, maxime, ao determinar o seu montante máximo, o legislador parlamentar está a manifestar a sua clara opção política por uma tributação efetiva futura até ao limite expresso pela taxa máxima». O sujeito passivo não poderá, pois, ser surpreendido com qualquer taxa concreta fixada no intervalo de valores definido pelo legislador, correspondendo a margem superior desse intervalo à taxa máxima com que pode contar.

Reitera-se, deste modo, a conclusão já avançada, segundo a qual a Portaria CSB (na redação dada pelas Portarias n.ºs 64/2014, de 12 de março, e 176-A/2015, de 12 de junho, que fixam as taxas vigentes nos anos de 2014 e 2015) não regula inovatoriamente qualquer elemento essencial do tributo, limitando-se a concretizar os mesmos.

Conclui-se, assim, pela não verificação da alegada violação do princípio da legalidade fiscal quanto às normas extraídas dos artigos 3.º e 8.º e dos artigos 4.º e 8.º, todos do RJCSB e, bem assim, das normas constantes dos artigos 4.º e 5.º da Portaria CSB, no sentido sindicado pela recorrente.

D.3 A questão da igualdade fiscal

21. Resta, por último, apreciar as questões de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente quanto ao critério da igualdade na repartição dos tributos.

Seguindo de perto o enquadramento deste parâmetro feito no já citado Acórdão n.º 344/2019, é de referir que a conformação legal das várias categorias de tributos está sujeita ao princípio da igualdade tributária, enquanto expressão do princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio.

A conceção puramente negativa da igualdade tributária, excluindo os casos de discriminação absurda, não garante, porém, a justiça material ou a coerência interna do sistema tributário. Impõe-se a definição de critérios materialmente adequados à repartição dos diversos tributos públicos. No caso dos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, na medida em que, exigindo-se aos membros de uma comunidade que custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 590/2015, n.º 12).

O referido critério não se mostra, porém, materialmente adequado à repartição dos tributos comutativos e paracomutativos (taxas e contribuições financeiras), na medida em que os mesmos não custeiam os encargos gerais da comunidade, mas antes prestações de que o sujeito passivo é (individualmente ou em grupo) causador ou beneficiário. A sua natureza bilateral característica exige, deste modo, que a repartição se faça em função do custo provocado pelo contribuinte ou em função do benefício de que ele se aproveita.

Resulta, nestes termos, inequívoco, no plano constitucional, que o critério de repartição dos tributos comutativos para que aponta o princípio da igualdade fiscal é o princípio da equivalência: estando em causa a remuneração de uma prestação administrativa, a solução justa é que seja paga na medida do custo que o sujeito passivo gera à Administração ou do benefício que a Administração lhe proporciona. A este propósito esclarece-se no Acórdão n.º 7/2019, que: «o princípio da equivalência resulta do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Lei Fundamental, com ele se procurando que taxas e contribuições se adequem às prestações públicas de que beneficiarão, real ou presumidamente, os respetivos sujeitos passivos», não carecendo, por este motivo, de consagração constitucional explícita.

22. No caso dos autos, e tendo por assente a qualificação da CSB como contribuição financeira (cfr. supra o n.º 17), fica, naturalmente arredada, a avaliação da conformidade material do tributo em causa com o princípio da igualdade fiscal, à luz do critério distintivo da capacidade contributiva, próprio dos impostos, subjacente às questões de constitucionalidade enunciadas supra no n.º 5, nas alíneas iv) e v) (v. também as conclusões 114.ª e 116.ª das alegações da recorrente). Com efeito, a recorrente só é – e só pode ser – sujeito passivo da CSB, na medida em que integre o grupo de entidades que poderão ser causadoras dos custos a financiar por tal contribuição financeira ou que poderão beneficiar da atuação pública que a mesma se destina a financiar. O Tribunal considerará, assim, para efeitos da referida avaliação de constitucionalidade, tão-somente, a questão enunciada na alínea vi) do citado n.º 5, à luz das exigências materiais do princípio da equivalência, enquanto critério material de igualdade adequado a contribuições financeiras.

23. Conforme resulta do anteriormente exposto, o princípio da equivalência exige que o quantum do tributo seja fixado em função do custo ou valor das prestações públicas:

«A correspondência entre o tributo e a prestação administrativa tanto pode ser aferida em função do custo que o sujeito passivo provoca (princípio da cobertura de custos) como em função do benefício que ele aproveita (princípio do benefício). Por isso, a estrutura desses tributos deve ser concebida de modo a que contribuintes que provoquem custos iguais ou que aproveitem benefícios iguais sejam chamados a pagar tributo igual e que contribuintes que provoquem custos diferentes ou aproveitem benefícios diferentes paguem tributos também diferente» (Acórdão n.º 344/2019).

Importa, contudo, sublinhar, que a relação de equivalência que se constitui, por esta via, entre a obrigação tributária e a prestação administrativa (provocada ou aproveitada) não tem que traduzir uma rigorosa equivalência económica, sendo suficiente que aquela relação traduza uma equivalência jurídica. Assim se escreveu no Acórdão n.º 344/2019:

«Para efeito de qualificação do tributo como taxa ou contribuição basta que o tributo seja cobrado em função de uma prestação provocada ou aproveitada pelo particular. Trata-se, portanto, de uma equivalência jurídica, que veda diferenciações entre contribuintes alheias ao custo ou benefício a compensar (Acórdãos n.ºs 461/87, 67/90, 640/95, 1108/96; 410/00, 115/02, 320/16).»

Acentua-se, por seu turno, no Acórdão n.º 539/2015, quanto ao caso típico das contribuições financeiras – assentes numa bilateralidade geral ou difusa, delimitada por referência a um grupo homogéneo e diferenciável de contribuintes, e não reportadas a cada sujeito passivo singularmente – que a equivalência em causa não é sinalagmática, uma vez que as contribuições financeiras respeitam a feixes de prestações difusas que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas por certos grupos de contribuintes. O custo ou benefício é reportado, neste plano, ao grupo em que o sujeito passivo se integra, sendo a contribuição uma compensação devida por prestações de que este é apenas presumido causador ou beneficiário.

Reclama-se, pois, no quadro deste tributo, uma equivalência de grupo (e não uma equivalência individual, como é próprio das taxas), assumindo especial relevo, na apreciação da validade constitucional do tributo, a delimitação operada pelo legislador quanto à base de incidência subjetiva e objetiva.

Assim, no tocante à incidência subjetiva – seguindo-se, neste ponto, as lições de Sérgio Vasques, que lança mão, para o efeito, de três noções trabalhadas pela jurisprudência alemã (em Manual... cit. pp. 311 e 312) –, considera-se que as exigências do princípio da equivalência serão respeitadas sempre que o legislador proceda à identificação e delimitação de um grupo de pessoas (universo de sujeitos passivos), que partilhe interesses e qualidades determinadas (homogeneidade de grupo, Gruppenhomogenität), que tenha especial responsabilidade na concretização dos objetivos a que o tributo se dirige (responsabilidade de grupo, Gruppenverantwortlichkeit), e ao qual estejam presumivelmente associados custos e benefícios comuns originados pelas prestações financiadas (utilidade ou aproveitamento de grupo, Gruppennützigkeit).

No que se refere à incidência objetiva, esta há-de ser fixada em função dos elementos mais capazes de revelar o custo ou valor das prestações públicas visadas, ficando excluídas diferenciações alheias à compensação que a contribuição visa financiar (como seja o valor do rendimento, património ou consumo do contribuinte) – sem prejuízo da situação particular que se constitui no caso de contribuições orientadas primordialmente à satisfação de finalidades extrafiscais (v. sobre esta hipótese e a derrogação da regra geral enunciada, Suzana Tavares da Silva, ob. cit., pp. 126 a 129, e Sérgio Vasques, Manual... cit. p. 293 e O Princípio da Equivalência ... cit., pp. 577 e ss).

Do mesmo modo, conforme sublinhado pelo Tribunal no Acórdão n.º 344/2019, a equivalência, enquanto expressão do princípio da proporcionalidade, exige que o quantitativo da prestação tributária deva corresponder ao custo ou benefício que se pretende compensar, sendo o tributo inválido se manifestamente excessivo face ao custo ou valor dos bens e serviços prestados ao sujeito passivo. Por isso, «só a provocação de custos comuns e o aproveitamento de benefícios comuns garantem a homogeneidade capaz de legitimar a sobretributação de um qualquer grupo social ou económico no confronto com o todo da coletividade, mostrando-se discriminatória uma contribuição cobrada na sua falta» (Sérgio Vasques, O Princípio da Equivalência ... cit., p. 528).

24. Analisando a CSB à luz destas considerações, verifica-se que, no plano da incidência subjetiva, a contribuição em apreço incide sobre um grupo delimitado de sujeitos, em termos precisos e homogéneos, que se caracteriza pela sua natureza de instituições de crédito. O tributo atinge, concretamente, todas as instituições de crédito (lato sensu) que integram e operam no sistema bancário nacional, independentemente da sua sede principal e efetiva se situar em território português (recorde-se que, nos termos do artigo 2.º do RJCSB, são sujeitos passivos da CSB não apenas as instituições de crédito com sede em Portugal, mas bem assim as filiais e sucursais de instituições de crédito que não tenham, respetivamente, sede em território português ou na União Europeia). Estas entidades, enquanto prestadoras de serviços financeiros de receção do público de depósitos ou outros fundos reembolsáveis e de concessão de crédito por conta própria, enfrentam, pela sua interconexão, um risco de contágio em caso de colapso financeiro de uma outra instituição de crédito parte do mesmo sistema. As instituições pagam, deste modo, a CSB como forma de se protegerem contra um eventual risco sistémico, na medida em que, na ausência de uma intervenção pública – designadamente do Banco de Portugal, no âmbito do sistema de resolução –, o desequilíbrio financeiro de uma delas poderia induzir o colapso financeiro das restantes instituições que integram o sistema. Trata-se aqui, nas palavras do legislador “de uma mutualização d[o] risco [sistémico]” (cfr. o Decreto-Lei n.º 24/2013).

Confirma-se, nestes termos, o preenchimento das três notas acima enunciadas, que indiciam a equivalência da relação jurídica subjacente ao tributo – um grupo homogéneo de entidades, diferenciável dos contribuintes como um todo; a responsabilidade cumulativa do grupo na estabilidade do sistema financeiro e a utilidade do mesmo grupo, em caso de crise e intervenção da autoridade de resolução.

Já no que respeita à incidência objetiva, destaca-se o facto de a CSB ter por base tributável elementos do passivo das instituições de crédito, que representam dívida para com terceiros (independentemente da sua forma ou modalidade), deduzidas certas responsabilidades incluídas no balanço, seja porque o legislador considera que não merecem proteção em sede de resolução (como é o caso das responsabilidades perante acionistas e credores subordinados), seja porque já beneficiam de outras formas de proteção (como é o caso dos depósitos cobertos pela garantia proporcionada pelo Fundo de Garantia de Depósitos ou pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, ou ainda dos instrumentos financeiros cujas posições em risco se compensem mutuamente back to back derivatives). A escolha do passivo como base de incidência resulta, conforme explicitado na Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Banco Central Europeu — Fundos de resolução de crises nos bancos, 26.5.2010 (COM/2010/254-final), do seguinte racional:

«Os passivos dos bancos aparentam ser os indicadores mais adequados dos montantes que poderão vir a ser necessários quando surgir a necessidade de resolver uma crise num banco. Os custos de resolução de uma crise num banco são mais suscetíveis de resultar da necessidade de apoiar determinados passivos (excluindo o capital próprio e os passivos segurados – ou seja, os depósitos).»

Em consonância, explicita-se no preâmbulo do Decreto n.º 24/2013 que a opção pelo passivo como base tributável se baseia na circunstância de os custos da adoção de medidas de resolução advirem designadamente da necessidade de apoiar o financiamento da eventual diferença que se verifique entre os passivos e os ativos transferidos para outra instituição de crédito ou, eventualmente, para um banco de transição. É, pois, da eventual insuficiência do valor efetivo, à data da aplicação da medida, dos ativos alienados ou transferidos face ao valor dos passivos a preservar, mediante aquela transferência, que emerge a necessidade de uma entrada de fundos para apoiar a aplicação de uma medida de resolução e, portanto, de uma adequada capitalização do Fundo de Resolução para fazer face, no futuro, a este tipo de necessidades.

Neste sentido, conforme reconhecido pelo tribunal a quo, o valor a pagar a título de CSB varia, para cada sujeito passivo, em função dos riscos sistémicos provocados pela sua atuação. Ou seja, incidindo sobre o valor do passivo apurado e aprovado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados, conclui-se que a taxa a pagar por cada sujeito é diretamente proporcional à intensidade do risco sistémico que as suas opções de endividamento podem presumivelmente provocar, e à medida dos encargos públicos a empregar no âmbito do sistema de resolução, em face da dimensão da lesão resultante do eventual incumprimento das responsabilidades para com terceiros, depositantes ou titulares de produtos financeiros emitidos ou garantidos pela instituição de crédito (cfr. o artigo 4.º da Portaria CSB).

Sem prejuízo das inerentes dificuldades que a circunstância de se tratar in casu de uma prestação potencial e futura, cuja dimensão e valores envolvidos são, naturalmente, desconhecidos numa perspetiva ex ante, resulta, ainda assim, patente do exposto, que a estrutura da CSB atende, pela delimitação que se faz da base de incidência subjetiva e objetiva, aos custos que, em caso de desequilíbrio financeiro, o sujeito passivo presumivelmente provoca, e simetricamente ao benefício que este presumivelmente aproveitará através da adoção de medidas de apoio financiadas pelo Fundo de Resolução, ao qual está consignada a receita desta contribuição.

Mostra-se, por conseguinte, verificada a exigência de equivalência jurídica.

Já no que respeita ao benefício adveniente da mitigação do risco sistémico, para o sistema, considerado como um todo, o reconhecimento da equivalência de grupo assenta na, já formulada, ideia de uma mutualização do risco, operando a CSB, à semelhança de um prémio de seguro, sendo o passivo das instituições de crédito indicador do risco que geram.

Por estas razões é de concluir pela improcedência da alegada violação do princípio da equivalência quanto à norma extraída dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º e 4.º do RJCSB.

(…)

Há assim que concluir, com o Tribunal Constitucional, e a jurisprudência do STA que precedeu e se seguiu ao supracitado acórdão, que a CSB é uma contribuição financeira, e não um imposto, e que o seu regime não viola o princípio da legalidade, nem da equivalência.

Também os princípios da não retroatividade da lei fiscal, da tutela da confiança e da segurança jurídica não são beliscados pelo regime da CSB, como decidiu já o Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no Acórdão proferido em 2019-06-19, no proc. 02340/13.0BELRS 0683/17, cujos fundamentos, nos quais nos revemos integralmente, e sem reserva, se passam a reproduzir (destacado nosso):

(…)

4.2. Quanto à alegada violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal (art. 103° n° 3 da CRP).

4.2.1. Como acima se viu, a sentença considera que não ocorre a alegada violação deste princípio, dado que o facto tributário não ocorreu em 2010: sendo a base de incidência calculada por referência às contas aprovadas no ano em que é devida a contribuição, o momento relevante a considerar é o dessa aprovação das contas e não o do encerramento do exercício. Ou seja, o facto tributário não ocorreu em momento anterior ao da criação do tributo em análise com o OE/2011. Além de que à mesma solução se chegará dada a distinção entre retroactividade autêntica ou de primeiro grau e a inautêntica (que abrange, designadamente, situações de rendimento ainda em formação), sendo que o Tribunal Constitucional tem entendido que apenas aquela primeira (retroactividade própria ou autêntica) está contemplada no nº 3 do 103° da CRP (a retroactividade imprópria ou inautêntica seria tutelável apenas à luz do princípio da confiança).

Mas a recorrente continua a discordar desta interpretação.

Vejamos.

4.2.2. Como se refere na sentença, no âmbito desta questão releva a distinção entre o que se vem considerando como retroactividade de 1º grau (também designada de autêntica, perfeita ou própria), retroactividade de 2º grau (também designada de inautêntica, imperfeita ou imprópria) e retroactividade de 3º grau (ou restrospectividade).

Em termos tributários, a primeira verifica-se quando se pretende que os efeitos da lei nova se projectem sobre factos que integralmente se verificaram antes da sua entrada em vigor, tendo aquele já produzido todos os seus efeitos no âmbito da lei antiga: ou seja, quando se aplica a lei fiscal nova — desvantajosa — a um facto tributário ocorrido na totalidade no âmbito da vigência da lei fiscal antiga, pretendendo retirar desses mesmos factos efeitos jurídicos distintos; na segunda — retroactividade de 2º grau ou imprópria — o facto também se verificou por inteiro ao abrigo da lei antiga (em termos semelhantes ao que sucede na retroactividade de 1º grau): porém, ao invés, «os seus efeitos não se esgotaram por inteiro à sombra da lei velha, mas continuam a produzir-se no domínio temporal da aplicação da lei nova»; na terceira — retroactividade de 3º grau retrospectividade — o facto não se verificou totalmente à sombra da lei antiga, antes se prolongando «na sua produção concreta no domínio da lei nova» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, 1981, pp. 197-202; Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5ª ed., 2009, pp. 146-147. ).

Não obstante algumas divergências doutrinais relativamente ao enquadramento em cada uma das apontadas situações, como se sublinha na sentença recorrida, a jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional (Sobre o sentido da jurisprudência do Tribunal Constitucional, sobre a proibição constitucional da retroactividade, antes e depois da Revisão Constitucional de 1997, bem como a propósito das leis interpretativas, cfr. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra editora, 2007, pp. 186 e ss. ) tem interpretado este princípio acentuando uma dupla perspectiva: (i) a proibição constitucional apenas abrange a retroactividade de 1º grau (os casos de retroactividade inautêntica serão tutelados à luz do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático — art. 2° CRP); (ii) o referido princípio constitucional aplica-se apenas aos impostos, excluindo-se as outras figuras tributárias (taxas e contribuições financeiras): para estas, mesmo perante uma situação de retroactividade autêntica, a apreciação da conformidade constitucional das normas deverá ter como parâmetro o princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica (Cfr., entre outros, os acórdãos Tribunal Constitucional nº 287/90, de 30/10/1990; nº 128/2009, de 12/03/2009; nº 85/2010, de 03/03/2010; e nº 399/10, de 27/10/2010.).

Este tem sido, igualmente, o sentido da jurisprudência desta secção do STA.

Como se viu, no caso vertente, a CSB foi criada pelo art. 141° da Lei n° 55-A/2010, de 31/12 (OGE 2011), com início de vigência em 01/01/2011, tendo sido mantida (e o respectivo regime jurídico sido sucessivamente prorrogado) nos anos subsequentes [no ano de 2012, pelo art. 182º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12 (OGE 2012); no ano de 2013, pelo art. 252º da Lei n° 66-B/2012, de 31/12 (OGE 2013); no ano de 2014, pelo art. 226º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12 (OGE 2014); no ano de 2015, pelo art. 235º da Lei nº 82-B/2014, de 31/12 (OGE 2015); no ano de 2016, pelo art. 185º da Lei nº 7-A/2016, de 30/03 (OGE 2016); no ano de 2017, pelo art. 238º da Lei nº 42/2016, de 28/12 (OGE 2017); no ano de 2018, pelo art. 279º da Lei nº 114/2017, de 29/12 (OGE 2018); e no presente ano de 2019, pelo art. 311º da Lei nº 71/2018, de 31/12].

Ora, o facto tributário correspondente à CSB do ano de 2011 (aqui em causa) é constituído pelos passivos apurados e aprovados pelo sujeito passivo (deduzidos dos fundos próprios de base (Tier 1), dos complementares (Tier 2) e dos depósitos abrangidos do Fundo de Garantia de Depósitos) no próprio ano em que é devida a contribuição (cfr. o art. 3° do regime da CSB, inserido no art. 141° da Lei n° 55-A/2010, de 31/12, bem como o art. 6° da Portaria n° 121/2011, de 30/03). Ou seja, em 2011. Daí que, ao invés do alegado pela recorrente, o facto tributário só tenha emergido na ordem jurídica com a aprovação do passivo e no ano em que a mesma ocorreu (embora respeitando ao ano económico anterior ao ano da aprovação), sendo que, para além de não se configurar, nesses termos, tributação assente em facto sucessivo, também a própria contribuição se objectiva apenas com o apuramento e aprovação do respectivo passivo e na medida deste (operações que são, aliás, da competência da respectiva entidade bancária).

E o facto tributário assim configurado verificou-se após o início da vigência do regime da CSB (01/01/2011).

Como se salienta na sentença, o momento relevante a considerar é o da aprovação das contas e não o do encerramento do exercício, sendo que nas instruções constantes da declaração modelo 26 (cfr. o anexo à Portaria) constava igualmente a indicação de que «[a] base de incidência apurada é sempre calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição.»

Não há, portanto, aplicação da lei nova a factos tributários integralmente verificados ou cujos efeitos estivessem integralmente produzidos e verificados no domínio da lei antiga, ou seja, antes da entrada em vigor da lei nova, nem ocorrendo, assim, destruição de efeitos produzidos por actos pretéritos.

E considerando, como se disse, que o Tribunal Constitucional tem entendido que apenas a retroactividade de 1º grau está contemplada no nº 3 do 103° da CRP (a retroactividade imprópria ou inautêntica será tutelável apenas à luz do princípio da confiança), concluímos que, também relativamente a esta matéria, a decisão recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe é imputado pela recorrente.

4.3. Quanto à alegada violação dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica (art. 2º da CRP).

4.3.1. A sentença considera não ter ocorrido violação destes princípios, dado que o princípio da protecção da confiança (ínsito na ideia de Estado de Direito democrático — art. 2º da CRP — só exclui a possibilidade de leis retroactivas, quando se esteja perante uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos contribuintes (ac. do Tribunal Constitucional nº 135/2012, de 07/03/2012) e, no caso, não se pode considerar que tal violação tenha ocorrido, dado que, por um lado, o tributo surgiu num contexto de crise financeira, no âmbito do qual, desde logo, se equacionavam soluções de mitigação dos riscos sistémicos, soluções essas expectáveis e perspectiváveis e, por outro lado, a criação do regime em causa teve em vista a atenuação dos efeitos da crise financeira e a criação de mecanismos para fazer face a situações passíveis de criar um risco sistémico, considerando, pois, as próprias incumbências do Estado constitucionalmente previstas em termos de organização económica (cfr. art. 81°, da CRP), afigurando-se que, no caso da CSB, face aos interesses particulares em causa, seja prevalecente a prevenção de riscos sistémicos.

Por seu lado, a recorrente sustenta que o tributo não obedece ao propósito de prevenção de riscos sistémicos pelo que nunca poderia apelar-se a um tal desígnio como sendo o interesse constitucional prevalecente e justificador da retroactividade, além de que, atendendo à existência de alternativas viáveis do mesmo tipo e que permitiam obter a mesma receita sem infringir a Constituição, designadamente a consideração do período de referência subsequente à entrada em vigor da nova lei, deveria ter concluído o Tribunal a quo que as disposições sindicadas não passam o teste da necessidade.

Vejamos.

4.3.2. Como refere a sentença, a jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional tem afirmado que, fora do âmbito dos impostos, a retroactividade de outros tributos apenas deve ser recusada em caso de violação intolerável de direitos e expectativas legitimamente fundadas dos contribuintes, sendo que relativamente ao princípio da segurança jurídica, na vertente material da confiança, exige, para que esta seja tutelada, a verificação de dois pressupostos cumulativos (cfr. o acórdão do TC n° 135/2012, citado na sentença recorrida): a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível (i) quando sejam introduzidas na ordem jurídica normas que produzam uma mutação dessa mesma ordem, com que, razoavelmente, os seus destinatários não possam contar; e (ii) quando a alteração da ordem jurídica não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes sobre os interesses particulares afectados (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n° 2 do art. 18° da CRP).

Ora, no caso, estes pressupostos não se verificam.

Com efeito, independentemente de se qualificar, ou não, a CSB como um tributo extraordinário (De acordo com o supra referido Parecer junto aos autos e com a alegação da recorrente (na Conclusão 3ª) a CSB (ao menos em 2011 e 2012) reconduzir-se-á a um tributo extraordinário. Ainda assim, se atentarmos no respectivo regime jurídico, apesar de a epígrafe da Secção IV (na qual se encontra o art. 141º) da Lei n° 55-A/2010, de 31/12, se referir a contribuição extraordinária sobre o sector bancário, tal designação não consta do respectivo nomen iuris da contribuição, a qual apenas é denominada como «Contribuição sobre o sector bancário». Mas no Relatório do Orçamento do Estado para 2015 volta a utilizar-se a epígrafe «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Bancário». De todo o modo, mesmo a aceitar-se a natureza extraordinária da CSB, não ficará excluída a finalidade desta (consolidação do esforço fiscal exigido ao sector financeiro com vista à diminuição dos riscos sistémicos que lhe estão associados) e, consequentemente, da respectiva natureza de contribuição financeira (por referência, até, ao carácter em regra mais permanente e generalista do imposto).), também não pode ignorar-se que, como igualmente se sublinha na sentença recorrida, este tributo surgiu num contexto de crise financeira, no âmbito do qual logo se equacionaram as soluções de mitigação dos riscos sistémicos do respectivo sector, as quais eram, aliás, previsíveis e expectáveis, desde que na Comunicação da Comissão Europeia de 2010 - Fundos de resolução de crises nos bancos, dirigida ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Banco Europeu (em parte supra transcrita — cfr. Ponto 4.1.4. — e da qual os sujeitos passivos da CSB tiveram conhecimento, na qualidade de instituições de créditos integrantes do sistema bancário europeu), expressamente se considerou o apoio à criação de fundos de resolução de crises ex ante, financiados por uma taxa sobre os bancos, fundos que facilitassem «a resolução de crises nos bancos em dificuldades, de forma que evitem o contágio e que permitam a liquidação de um banco de forma ordeira e num prazo que evite a venda urgente dos activos («princípio da previdência»)» e que contribuíssem «para o financiamento da resolução ordeira das dificuldades em que se encontra uma entidade financeira», devendo estar «disponíveis para a resolução dos problemas dos bancos, independentemente da sua dimensão e do seu grau de interligação».

Acrescendo que, em termos de financiamento dos fundos de resolução de crises, na apontada Comunicação também se refere o seguinte:

«A concepção dos mecanismos de financiamento de um fundo deverá ter dois objectivos: i) mobilizar os montantes necessários, em função da natureza da sua utilização (ou seja, da probabilidade e custo da resolução); ii) fazê-lo de forma que incentive um comportamento adequado, reduzindo o risco de que seja necessário recorrer aos mecanismos de resolução de crises. Os parâmetros principais são essencialmente três: a contribuição poderá ter por base os passivos da instituição, os seus activos ou os seus lucros.»

Em suma, dada a conjuntura económica e financeira ao tempo e a crise que perpassava no sector bancário, não se nos afigura que as instituições em causa não pudessem, razoavelmente, contar com a criação da CSB (até porque não seria expectável que Portugal ficasse arredado da aplicação dos novos tributos, discutidos e aceites a nível europeu pelos Estados Membros e em condições tendencialmente iguais), em termos de se considerar que ocorreu violação intolerável de direitos e expectativas legitimamente fundadas dos respectivos sujeitos passivos.

Improcedem, assim, as Conclusões do recurso, também quanto a esta matéria.

(…)

Impõe-se, assim, concluir que também os princípios da proibição da retroatividade da lei fiscal e da tutela da confiança e da segurança jurídica não são postos em causa pelo regime jurídico que enforma a CSB.

Mais alega a Recorrente, e em síntese, que a sentença fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do Direito Europeu, maxime do disposto na Diretiva 2014/59/UE, da proibição da discriminação das sucursais, e da liberdade de estabelecimento, e que deveria ser promovido o reenvio prejudicial para o TJUE.

Ora, também quanto a estas questões se pronunciou já o Supremo Tribunal Administrativo, afastando a alegada violação do direito e princípios de direito europeu alegados, designadamente nos Acórdãos proferidos em 2019-06-19, no proc. 02340/13.0BELRS 0683/17; em 2019-07-03, no proc. 02135/15.6BEPRT 0901/17; em 2022-05-18, no proc. 0783/20.1BEPRT; em 2022-07-13, no proc. 09/21.0BELRS, em 2022-10-12, no proc. 0850/17.9BELRS, em 2023-01-11, no proc. 01919/17.5BELRS, em 2022-09-21, no proc. 0938/17.6BELRS; em 2023-01-25, no proc. 0336/18.4BELRS; e em 2025-01-15, no proc. 0942/21.0BEPRT (todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt), jurisprudência cujos fundamentos aqui se acolhem.

Assim sendo, e aderindo à respetiva fundamentação, passa a citar-se a fundamentação jurídica constante do Acórdão proferido em 2022-10-12, no proc. 0850/17.9BELRS e da jurisprudência ali citada:

(…)

Nas suas alegações, a Recorrente refere que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não se verifica qualquer incompatibilidade entre o regime da CSB e o direito da União Europeia, na medida em que o cálculo da base de incidência remete-nos para as normas de contabilidade aplicáveis (“A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição”) e de acordo com as Normas Internacionais de Relato Financeiro, uma entidade reconhece os itens como activos, passivos, capital próprio, rendimentos e gastos (os elementos das demonstrações financeiras) quando satisfizerem as definições e os critérios de reconhecimento para esses elementos contidos na Estrutura Conceptual (§28 da IAS 1). E a Estrutura Conceptual para a Apresentação e Preparação de Demonstrações Financeiras (EC) define Passivo como uma obrigação presente da empresa proveniente de acontecimentos passados, da liquidação da qual se espera que resulte um exfluxo de recursos da empresa incorporando benefícios económicos e Capital próprio como o interesse residual nos ativos da empresa depois de deduzir todos os seus passivos (§49 da EC). Acrescenta que uma característica essencial de um passivo é a de que a empresa tenha uma obrigação presente, sendo que uma obrigação é um dever ou responsabilidade para agir ou executar de certa maneira e que as obrigações podem ser legalmente impostas como consequência de um contrato vinculativo ou de requisito estatutário (§60 da EC), de modo que, ao valor total do passivo apenas são expurgados elementos que o integram, de acordo com as normas de contabilidade aplicáveis. Se o valor total do passivo apurado pelos sujeitos passivos não integrar quaisquer elementos que possam ser considerados como “elementos dos fundos próprios” nenhuma importância será deduzida a esse título – quer se trate de sucursais de entidades não residentes, quer de sociedades residentes. Não se vislumbra fundamento para alegar haver discriminação de tratamento na fórmula legal para a determinação da base de incidência da CSB.

Depois, também não procede o argumento de que uma sucursal não tem elementos que possam ser reconhecidos como capitais próprios. São criadas e movimentadas contas de capital próprio, pelo menos o “capital afecto” (se existir) e os resultados transitados. Com efeito, nada impede que a sede aloque à sua sucursal em Portugal uma dotação de capital de base (“elementos do capital próprio”) registado em contas de capital próprio, caso em que tudo se assemelharia às entradas feitas pelos sócios às empresas e que não são remuneradas. Tal como é excluído da base de incidência da CSB o capital próprio dos bancos residentes, o mesmo sucede ao “capital afecto” às sucursais, quando contabilizado como tal, o que significa que o cálculo da base de incidência da contribuição sobre o sector bancário não toma como ponto de partida o valor total do passivo deduzido do valor dos capitais próprios, mas antes o valor do passivo deduzido dos elementos que, embora fazendo parte integrante do passivo que figura no balanço, têm características de capital próprio, sendo assim de refutar a ideia de que há um alargamento da base tributável das sucursais.

Finalmente, a sentença recorrida padece de erro de julgamento, no que concerne à fixação do dies à quo da contagem dos juros indemnizatórios, porquanto, tendo a Impugnação sido apresentada na sequência de decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o ato de autoliquidação da CSB, relativa ao ano de 2016 e sendo declarada a respectiva ilegalidade são reconhecidos juros indemnizatórios devidos à Impugnante, os quais se devem contar, não desde a data do pagamento considerado indevido, mas sim desde a data em que foi proferida a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada, ou seja desde 30.12.2016.

Que dizer?

A decisão recorrida concedeu abrigo à pretensão da ora Recorrida, ponderando que:

“…

No que respeita à violação da liberdade de estabelecimento, refere a Impugnante que das regras de determinação da base de incidência da CSB decorre uma situação de manifesta e inadmissível discriminação fundada na residência das entidades sujeitas àquela contribuição, o que a afeta diretamente por ser a sucursal a atuar em Portugal de uma instituição de crédito com sede principal e efectiva na União Europeia, como decorre do facto 1).

Como fundamento, refere que a CSB incide sobre o passivo deduzido dos elementos que integram os fundos próprios dos sujeitos passivos, fundos estes que não existem no caso das sucursais, implicando, assim, um tratamento diferenciado entre estas e as instituições residentes.

Ou seja, no caso das instituições de crédito residentes a CSB incide sobre o passivo depois de deduzidos os capitais próprios, ao passo que no caso das sucursais a CSB incide sobre o seu passivo sem qualquer dedução relacionada com capitais próprios, o que, alega, resulta em um tratamento discriminatório fundado apenas na nacionalidade das instituições em causa, pelo que o mesmo se mostra contrário ao Direito da União Europeia violando a liberdade de estabelecimento.

Verificando, com a alteração produzida pelo artigo 185.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprovou o Orçamento de Estado para 2016, o Regime da CSB sofreu um aditamento, passando então a prever a incidência sobre as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português na alínea c) do n.º 1 do seu artigo 2.º.

Como determina o ponto ll) da alínea gg) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), entende-se como sucursal o estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica e que efetue diretamente, no todo ou em parte, operações inerentes à atividade da empresa de que faz parte.

Desta forma, de facto, as sucursais não têm capital, nem social nem próprio, ficando todas as operações associadas e registadas na sociedade de que depende e faz parte.

Atento o exposto e nos termos do artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagra o direito de estabelecimento, são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro da União no território de outro Estado-Membro.

Para efeitos do direito de estabelecimento, o artigo 54.º TFUE equipara as pessoas singulares nacionais dos Estados-Membros às sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado-Membro e que aí tenham a sua sede estatutária, a sua administração central ou o seu principal estabelecimento.

O princípio da não discriminação proíbe, assim, as discriminações diretas ou ostensivas, baseadas na nacionalidade, mas também qualquer forma dissimulada de discriminação que, por aplicação de outros critérios de distinção, leve, de facto, ao mesmo resultado, como a residência, por exemplo.

Portanto, o direito de livre estabelecimento, que nas palavras do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) constitui uma das disposições fundamentais do direito da União, proíbe todas as medidas nacionais suscetíveis de dificultar ou tornar menos atraente a constituição e a gestão de empresas, bem como a criação de agências, sucursais ou filiais num Estado-Membro, pelas sociedades sedeadas ou estabelecidas noutro Estado-Membro (vide acórdãos Comissão/França, proc. 270/83, n.° 13, Royal Bank of Scotland, proc. C-311/97, n.º 22, e Gebhard, C-55/94, n.º 37).

Da aplicação do regime descrito, tal como invoca a Impugnante, resulta efetivamente uma diferença de tratamento entre entidades residentes e não residentes suscetíveis de dificultar ou tornar menos atraente a criação de sucursais num Estado-Membro, pelas sociedades sedeadas ou estabelecidas noutro Estado-Membro, o que, como vimos, é proibido pelo artigo 49.º do TFUE.

Por assim ser a norma prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime da CSB é ilegal, por violação do direito da União Europeia, não se podendo, consequentemente, manter na ordem jurídica os atos impugnados.

Desta forma, atento o facto descrito em 3), há lugar ao nascimento da obrigação do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos da alínea d) do n.º 3 do 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º do CPPT, desde 29-06-2016 até à restituição do valor indevidamente pago, à taxa de 4%, nos termos da Portaria n.º 291/03, de 8 de abril, segundo o n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil, aplicável por remissão do n.º 10 do artigo 35.º da LGT.

Termos em que procede totalmente a impugnação. …”.

Nesta matéria, diga-se que nos termos do Artigo 18.º do TFUE “No âmbito da aplicação dos Tratados, (…), é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.” Conforme Jurisprudência assente do TJUE aqui se incluirão as discriminações em razão da residência. Sendo que, sempre que em outro dispositivo do TFUE se dê concretização à concreta Liberdade fundamental de que se cuide no caso concreto será esse o Artigo a convocar. Nos termos do Artigo 49.º do TFUE “(...) são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro. (…)”

Nos termos do artigo 49.º do TFUE são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro.

Como já decidiu o TJUE, em matéria de tributação sobre o rendimento, uma medida fiscal que seja susceptível de afectar a liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49º TFUE só pode ser admitida se disser respeito a situações que não são objectivamente comparáveis ou se for justificada por razões imperiosas de interesse geral reconhecidas pelo Direito da União. Nesta hipótese, impõe-se ainda que seja adequada a garantir a realização do objectivo em causa e não vá além do que é necessário para alcançar esse objectivo (Acórdão de 31 de Maio de 2018, Hornbach-Baumarkt, C-382/16), sendo de notar que a CBS não constitui um tributo sobre o rendimento, mas sim uma contribuição financeira, um tributo de natureza para comutativa.

Ora, a criação da CSB tem origem num contexto de crise do sistema financeiro tendo sido criada com o objectivo de reforçar o esforço fiscal a cargo deste sector e de mitigar de os riscos sistémicos que lhe estão associados, destinando-se a ser aplicada a um grupo delimitado de sujeitos passivos que exercem actividade num determinado sector do sistema financeiro e que maiores benefícios poderão retirar do salutar funcionamento desse sistema, sendo, ao mesmo tempo, os principais causadores da sua desestabilização, ao invés dos contribuintes em geral, verificando-se ainda que a CSB é considerada uma contribuição financeira que incide sobre o sector bancário, sendo a sua receita recurso do Fundo de Resolução, pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, e cujas finalidades se prendem com o apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal que visam assegurar a manutenção da estabilidade do sistema financeiro, prevenir o alastrar do risco sistémico, evitar situações de contágio entre entidades, manter a disciplina no mercado salvaguardar os interesses dos contribuintes em geral e, assim, evitar que venha a recair sobre estes o peso da manutenção de tal estabilidade em situações de crise sistémica e sendo a Recorrida uma sucursal em Portugal de uma instituição de crédito com sede e direcção efectiva noutro Estado Membro da União Europeia, exerce actividade bancária, captando depósitos e prestando aconselhamento financeiro aos clientes, correspondendo à actividade própria do grupo que o legislador fixou como sujeito passivo da CSB, pelo que, igualmente, beneficiam das possíveis intervenções por parte do Banco de Portugal na preservação da estabilidade do sistema financeiro, no qual exerce a sua actividade, sendo susceptível de contribuir para a criação de maiores riscos no sistema bancário e crises financeiras que se pretendem prevenir, nomeadamente através de recursos financeiros especificamente destinados a esse fim.

Nesta sequência, e para cabal enquadramento da situação em apreço, crê-se pertinente ter presente o exposto no recente Acórdão deste Supremo Tribunal de 21-09-2022, Proc. nº 0938/17.BELRS, www.dgsi.pt, onde se refere que:

“…

3.2.3.1 Para que bem se compreenda porque assim o julgamos, cumprirá, antes de mais, atentar no que consta dos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março (Portaria que regulamenta e estabelece as condições de aplicação da Contribuição sobre o Sector Bancário), que estabelecem, respectivamente, a incidência objectiva e as regras de quantificação da base de incidência ou tributável

3.2.3.2. Do primeiro dos referidos preceitos consta que a contribuição sobre o sector bancário incide sobre:

- o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Directiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de Janeiro, e republicado pelo Decreto-Lei n.º 142/2009, de 16 de Junho [n.º 1, al. a)];

- o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos [n.º 1, al. b)].

3.2.3.3. No segundo normativo (artigo 4.º da identificada Portaria), o legislador “clarifica” o que deve entender-se por passivo para efeitos do preceituado na al. a) e da al. b) do mencionado artigo 3.º e, bem assim, as regras de cálculo a observar, nos seguintes termos:

- deve entender-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com excepção dos elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios [n.º 1, al. a)]; passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido [n.º 1, al. b)]; passivos por provisões [n.º 1, al. c)]; passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados [n.º 1, al. d)]; receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas [n.º1, al. e)] e passivos por activos não desreconhecidos em operações de titularização [n.º 1, al. f)];

- devem observar-se as regras seguintes: o valor dos fundos próprios, incluindo os fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, compreende os elementos positivos que contam para o seu cálculo de acordo com o disposto na Parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, tendo em consideração as disposições transitórias previstas na Parte X do mesmo Regulamento que, simultaneamente, se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior [n.º 2, al. a)]; os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Directiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis relevam apenas na medida do montante efectivamente coberto por esses Fundos [n.º 2, al. b)];

- Para efeitos do disposto na alínea b) do artigo 3.º da mesma Portaria, entende-se por instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com excepção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente (n.º 3).

3.2.3.4. Com a entrada em vigor da Portaria 165-A/2016, de 14 de Junho - que introduziu no ordenamento jurídico a terceira alteração à citada Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março, na sequência das modificações operadas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2016) e que procedeu à alteração do Regime da Contribuição sobre o Sector Bancário, designadamente ao âmbito das incidências subjectiva e objectiva, bem como ao intervalo das taxas aplicáveis à base de incidência definida pela alínea a) do artigo 3.º daquele regime, aprovado pelo artigo 141.º da Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011) - os artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março, em que estão definidas as regras de quantificação, passaram a deter, para o que ora releva, a seguinte redacção:

- Artigo 3.º

«Incidência objectiva

A contribuição sobre o sector bancário incide sobre: a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto Lei 298/92, de 31 de dezembro, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo Decreto Lei 24/91, de 11 de janeiro, e republicado pelo Decreto Lei 142/2009, de 16 de junho»

- Artigo 4.º

«Quantificação da base de incidência

«a) O valor dos fundos próprios, incluindo os fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, compreende os elementos positivos que contam para o seu cálculo de acordo com o disposto na Parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, tendo em consideração as disposições transitórias previstas na Parte X do mesmo Regulamento que, simultaneamente, se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior;

b) Os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014,ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto Lei 298/92, de 31 de dezembro, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos».

3.2.3.5. Por fim, e ainda em conformidade com as alterações preconizadas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março e Portaria 165-A/2016, de 14 de Junho, foi alterada a declaração de modelo oficial n.º 26 (através da qual os sujeitos passivos efectuam a liquidação da CSB), passando a constar das instruções de preenchimento, no ponto 5 «Base da contribuição», o seguinte:

«Campo 1 - Passivo - Deverá inscrever o montante correspondente à média anual do valor dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros reportado ao final de cada mês, constante dos respetivos Balanços elaborados de conformidade com as normas e o Plano de Contas para o setor. De notar que, no caso das sucursais, em Portugal, de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora de território nacional, de acordo com as regras contabilísticas, o respetivo passivo inclui as dívidas para com a sede (principal e efetiva fora de território nacional) e/ou outras sucursais desta, as quais são, assim, consideradas dívidas para com terceiros».

3.2.3.6. Ou seja, por força das referidas alterações, a base de contribuição, no que respeita ao passivo, passou a ser determinada pelo montante correspondente à média anual do valor dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros reportado ao final de cada mês, constante dos respectivos Balanços elaborados em conformidade com as normas e o Plano de Contas para o sector, sendo que, no caso das sucursais, em Portugal, de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora de território nacional, de acordo com as regras contabilísticas, o respectivo passivo inclui as dívidas para com a sede (principal e efectiva fora de território nacional) e/ou outras sucursais desta, as quais são, assim, consideradas dívidas para com terceiros.

3.2.3.7. Subescrevendo, sem reservas, o aduzido pela Excelentíssima Procuradora Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, podemos dizer que, estando a Recorrente sujeita ao regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras (o que é indiscutível), tem que ter nela centralizada toda a contabilidade específica das suas operações realizadas em Portugal, incluindo criação e movimentação de contas de capital próprio (capital afecto) e os resultados transitados, pelo menos o “capital afecto” (se existir) tendo, em consequência, elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios. E sendo de expurgar ao valor total do passivo apenas os elementos que o integram, de acordo com as normas de contabilidade aplicáveis, se esse passivo, apurado pelos sujeitos passivos, não integrar quaisquer elementos que possam ser considerados como “elementos dos fundos próprios” nenhuma importância será deduzida a esse título, independentemente de estarem em causa sucursais de entidades não residentes ou sucursais de sociedades residentes como resulta, desde logo, do facto de o legislador ter cuidado de utilizar a expressão «passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável”.

3.2.3.8. Em síntese, em conformidade com o que dispõe os artigos artigo 3.º, al. a) do Regime Jurídico da Contribuição sobre o Sector Bancário e 3.º, al. a) e 4.º da Portaria 121/2011, de 30 de Março (na redacção introduzida pela Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de Junho), é ao passivo [tal como delimitado pelo artigo 3.° al. a)] que são deduzidos os elementos identificados nas alíneas do n.º 1, do artigo 4º da mesma Portaria, sendo que, para efeitos do apuramento do passivo referido no artigo 3.º, al. a), por força do n.º 2 do artigo 4.º, o valor dos fundos próprios há-de calcular-se por apelo ao normativo constante a respeito do Regulamento (UE) ali referido. Ou seja,o que resulta do artigo 4° da Portaria 165- A/2016, de 14 de Junho é que o cálculo da base de incidência da contribuição sobre o sector bancário não inclui todo o valor do passivo constante do balanço pois contempla várias excepções que, embora fazendo parte integrante do passivo que figura no balanço, não inclui naquele valor. E esta exclusão da base de incidência da CSB também se aplica aos bancos residentes.

3.2.3.9. Note-se, de resto, que as sucursais tem elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios, uma vez que são criadas e movimentadas contas de capital próprio, pelo menos o “capital afecto” (se existir) e os resultados transitados, nada impedindo que a sociedade-mãe aloque à sua sucursal em Portugal uma dotação de capital de base (“elementos do capital próprio”) registado em contas de capital próprio, caso em que tudo se assemelha às entradas feitas pelos sócios às empresas e que não são remuneradas, o que significa que, tal como o capital próprio dos bancos residentes é excluído da base de incidência da CSB, o mesmo sucede ao “capital afecto” às sucursais, quando contabilizado como tal. …”.

Perante o carácter assertivo do que ficou exposto e porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, sem olvidar o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, resta apenas reiterar o que ficou ali consignado, de modo que, perante o enquadramento da figura da CSB nos termos supra descritos e tendo em atenção que o cálculo da base de incidência da contribuição sobre o sector bancário não inclui todo o valor do passivo constante do balanço pois contempla várias excepções que, embora fazendo parte integrante do passivo que figura no balanço, não inclui naquele valor, sendo que esta exclusão da base de incidência da CSB também se aplica aos bancos residentes, do mesmo modo que, tal como o capital próprio dos bancos residentes é excluído da base de incidência da CSB, o mesmo sucede ao “capital afecto” às sucursais, quando contabilizado como tal, tem de entender-se que, ao contrário do decidido, inexiste qualquer tratamento discriminatório para efeitos do artigo 18º do TFUE ou violação da liberdade de estabelecimento consagrada no Artigo 49.º do TFUE, situação que, naturalmente, determina a procedência deste recurso, a revogação da sentença recorrida e a baixa dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa para conhecimento das restantes questões suscitadas (que não foram tratadas em função da procedência do vício apontado) no âmbito da presente impugnação, ficando prejudicada nesta instância de recurso a apreciação da parte relativa aos juros indemnizatórios.

A partir daqui, cabe notar que a Recorrida, nas suas contra-alegações, aponta que, em benefício da certeza e segurança jurídica de todos os agentes do sector bancário, este Tribunal deveria lançar mão do mecanismo do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, para interpretação das normas de Direito da União Europeia invocadas, peticionando que se solicite ao Tribunal de Justiça da União Europeia que se pronuncie sobre se:

- O artigo 49.° do TFUE se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no regime doméstico português da Contribuição sobre o Sector Bancário, que tributa Instituições Financeiras residentes em Portugal, considerando uma proporção de passivos no seu balanço sistematicamente inferior à proporção dos passivos que financiam uma sucursal de uma instituição de crédito residente noutro Estado-Membro da UE, reduzindo proporcionalmente a sua base de incidência da CSB face à base de incidência das sucursais em situações similares, colocando as segundas em situação desfavorável face às primeiras?

Já na pendência desta instância de recurso, a Recorrida veio insistir no reenvio prejudicial ao TJUE, ao abrigo do artigo 267.º do Tratado da União Europeia e, subsidiariamente, ao abrigo dos artigos 269.º e seguintes do CPC (aplicáveis ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT), a suspensão da instância recursiva até ser proferida decisão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no processo C-340/22 (originado pela Decisão Arbitral de reenvio prejudicial proferida em 24-05-2022, no processo n.º 502/2021-T), onde se discute a legalidade do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (“ASSB”) aplicado a uma sucursal de instituição de crédito residente noutro Estado-Membro da União Europeia, por entender serem idênticos os vícios de que padecem a CSB e o ASSB no que toca à violação do direito europeu (interpretação do artigo 49.º do TFUE e da Directiva 2014/59/UE, de 15 de Maio de 2014) uma vez que o ASSB, aprovado pelo Orçamento do Estado Suplementar para 2020 (cfr. artigo 18.º da lei n.º 27-A/2020 de 24 de Julho) é um tributo cuja base de incidência é absolutamente idêntica à CSB conforme resulta do confronto entre o artigo 2.º do regime da CSB e o artigo 2.º do regime do ASSB (mesma incidência subjectiva), entre o artigo 3.º do regime da CSB e o artigo 3.º do regime do ASSB (mesma incidência objectiva), entre o artigo 4.º da Portaria n.º 121/2011, que estabelece as condições de aplicação da CSB e artigo 4.º do regime do ASSB (mesmas regras de quantificação da base de incidência) e entre o Modelo 26 (formulário para preenchimento e autoliquidação da CSB) e o Modelo 57 (formulário para preenchimento e autoliquidação do ASSB), bem como às respectivas instruções publicadas pela Autoridade Tributária.

No que concerne ao requerimento de 09-06-2022, tal como dá nota a Ex.ma Magistrada do Ministério Público, o ASSB é um tributo autónomo da CSB, não obstante a aparente coincidência de base de incidência objectiva e subjectiva, visando a satisfação de necessidades públicas próprias e tendo regulamentação própria, sendo que o ASSB foi criado pelo artigo 18.º e respectivo anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, que aprovou o Orçamento Suplementar para 2020, com o intuito de reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social através da consignação ao FEFSS da receita arrecadada com a respectiva cobrança, conforme resulta do n.º 2, do artigo 1.º e do artigo 9.º do citado anexo VI, verificando-se que a criação do ASSB e a sua aplicação exclusiva ao sector bancário foi justificada, de acordo com o estabelecido no n.º 2, do artigo 1.º, do referido anexo VI, enquanto forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, enquanto que a CSB foi criada pelo art. 141º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12 (OE 2011) (aí constando a incidência subjectiva e objectiva e as margens de variação das taxas aplicáveis a cada uma das componentes da base de incidência objectiva sendo que a Portaria n° 121/2011, de 30/03, se limitou à densificação das características essenciais do regime jurídico base de incidência, taxas, regras de liquidação, de cobrança e de pagamento, cumprindo o escopo regulamentar prescrito no próprio regime jurídico da CSB inserido no art. 141º daquela Lei da AR) para fazer face a situações de crise financeira, das quais os seus sujeitos passivos são simultaneamente potenciais causadores e potenciais beneficiários dos valores arrecadados, seja pela possibilidade de se virem a constituir como presumíveis destinatários directos de medidas de resolução, seja por presumivelmente beneficiarem, enquanto parte do grupo, da adopção de tais medidas e da contenção do efeito de contágio que daí poderia advir para a sua própria esfera.” (Ac. Tribunal Constitucional de 19 de Agosto de 2021, Proc. nº 523/2021, www.dgsi.pt).

Por outro lado, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 13-07-2022, Proc. nº 09/21.0BELRS, www.dgsi.pt, elencou e remeteu para vasta jurisprudência do STA e TC, em que a natureza da Recorrente é idêntica à da ora Requerente e em que também foi suscitado no recurso a incompatibilidade dos artigos 2.º e 3.º do Regime CBS aplicáveis a sucursal em Portugal de instituição de crédito com sede principal e efectiva na EU, com o Direito da União Europeia, concretamente com o artigo 49º do TFUE e com a Directiva 2014/59/EU e em que foi igualmente promovido o reenvio prejudicial para o TJUE, em conformidade com o disposto no artigo 267.º do TFUE, com o propósito de questionar esse órgão sobre a existência, ou não, de violação da liberdade de estabelecimento e da Diretiva 2014/59/EU (cfr. Conclusão XXI), sendo que não resulta que o “Juiz Nacional” tenha tido dúvidas quanto à interpretação e tratamento a dar àquelas questões que foram colocadas.

Diga-se ainda que, em relação ao impetrado reenvio, como é sabido, o processo das questões prejudiciais (reenvio prejudicial) consubstancia um incidente de instância que se desenrola a nível nacional, o qual se inicia com a suspensão da instância e a colocação de uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça (T.J.U.E.), tendo em vista a interpretação de uma norma (ou normas) comunitária ou a apreciação da validade de um acto comunitário e termina com o acórdão, retomando-se nessa altura a instância principal e incumbindo ao Juiz nacional resolver o litígio de acordo com a decisão da jurisdição comunitária.

Na verdade, a necessidade de o Direito Comunitário ser aplicado de modo uniforme em todo o território da Comunidade não se compadece com a aplicação discrepante das suas normas pelos diferentes Estados-Membros, servindo o reenvio para assegurar a aplicação do Direito Comunitário, abrindo ao Juiz nacional um meio de eliminar as dificuldades que poderia trazer a exigência de atribuir ao Direito Comunitário o seu pleno efeito, no quadro dos sistemas jurisdicionais dos mesmos Estados-Membros (art. 8º nº 4 da Constituição da República Portuguesa).

Nesta sequência, por força dos princípios da aplicabilidade directa e do primado, qualquer parte num litígio pode invocar em juízo, em apoio da sua pretensão, uma disposição comunitária e, se necessário for, solicitar a desaplicação de norma nacional com ela incompatível.

No âmbito do processo das questões prejudiciais, incumbe ao Tribunal de Justiça interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não aplicar este direito à situação de facto que está em discussão no processo principal, tarefa que incumbe ao Juiz nacional, pois que não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre as divergências de opinião na interpretação ou na aplicação das regras de direito nacional (Acórdãos deste Supremo Tribunal de 01-07-2020, Proc. nº 227/13.5BEPDL e 09-06-2021, Proc. nº 2796/12.8BELRS, disponíveis em www.dgsi.pt).

A figura do reenvio de questão prejudicial pode ter por objecto a resposta a um de dois assuntos, tudo conforme se encontra consagrado no actual artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia:

1 - A interpretação de uma disposição de direito comunitário;

2 - A interpretação e/ou apreciação da validade de um acto emanado das instituições comunitárias.

A questão prejudicial comporta, assim, duas variantes de competência prejudicial do Tribunal de Justiça.

A primeira abarca a função de fixar a interpretação das normas comunitárias e os princípios que lhe subjazem.

E a segunda o controlo da legalidade dos actos praticados pelas instituições, órgãos e organismos da União (Acórdãos deste Supremo Tribunal de 01-07-2020, Proc. nº 227/13.5BEPDL e 09-06-2021, Proc. nº 2796/12.8BELRS, disponíveis em www.dgsi.pt).

Mais se dirá que o T.J.U.E. apenas admite três excepções à obrigação de reenvio de questão prejudicial, sem prejuízo da existência de questões prejudiciais facultativas, a saber:

1 - Falta de pertinência da questão suscitada no processo;

2 - Existência de interpretação já anteriormente fornecida pelo T.J.U.E;

3 - Total clareza da norma em causa (teoria do acto claro).

Concluindo, importa referir que a questão prejudicial a reenviar só se coloca se o Juiz nacional se confronta com uma dúvida sobre os termos em que tem que aplicar o direito comunitário e se a resolução de tal dúvida contribui para a solução do litígio que tem em mãos, ou seja, mostra-se necessária para o julgamento da causa.

Já assim não será se, nomeadamente, a apreciação da legalidade das liquidações/actos em causa não convoca a aplicação de normas de direito comunitário, apenas pressupondo a interpretação e aplicação de normas de direito interno (Acórdãos deste Supremo Tribunal de 01-07-2020, Proc. nº 227/13.5BEPDL e 09-06-2021, Proc. nº 2796/12.8BELRS, disponíveis em www.dgsi.pt).

Ora, no caso dos autos, tem de entender-se que perante uma situação enquadrável na terceira excepção à obrigação de reenvio de questão, na medida em que, como se viu, resulta de forma clara das normas legais nacionais e europeias a improcedência da questão suscitada pela Impugnante no domínio apontado e, nesta sequência, o afastamento do caminho, aliás, muito simplista, trilhado pela decisão recorrida, não se justificando o reclamado reenvio prejudicial.

Na verdade, basta atentar na questão que a Recorrente propõe nesta sede para apreciação do TJUE e a resposta assertiva deste Supremo Tribunal (já com dois arestos sobre a matéria), tendo por base uma noção clara do enquadramento e alcance do princípio em causa, ou seja, deparamos com uma situação em que não subsiste qualquer dúvida razoável quanto à posição correcta a adoptar, sendo que atender este pedido de reenvio prejudicial implicaria, isso sim, o risco de comprometer a eficiência processual e a boa administração da justiça.

(…)

Donde se conclui, como na jurisprudência citada, que “Perante o enquadramento da figura da CSB nos termos supra descritos e tendo em atenção que o cálculo da base de incidência da contribuição sobre o sector bancário não inclui todo o valor do passivo constante do balanço pois contempla várias excepções que, embora fazendo parte integrante do passivo que figura no balanço, não inclui naquele valor, sendo que esta exclusão da base de incidência da CSB também se aplica aos bancos residentes, do mesmo modo que, tal como o capital próprio dos bancos residentes é excluído da base de incidência da CSB, o mesmo sucede ao “capital afecto” às sucursais, quando contabilizado como tal, tem de entender-se que, ao contrário do decidido, inexiste qualquer tratamento discriminatório para efeitos do artigo 18º do TFUE ou violação da liberdade de estabelecimento consagrada no Artigo 49.º do TFUE”.

Com efeito, e como se sintetiza no aresto citado por último, “A CBS não tem em vista o financiamento do Fundo Único de Resolução (FUR), estando, portanto, fora do âmbito da Diretiva e Regulamentos que disciplinam essas contribuições. III - Não decorre, por conseguinte, do Direito da União Europeia qualquer impossibilidade de existirem contribuições de resolução nacionais referentes a períodos subsequentes a 2 de julho de 2014 (como alega a recorrente), desde que essas contribuições sejam destinadas a possibilitar o cumprimento de obrigações assumidas pelo Fundo de Resolução Nacional (FdR) por força da prestação de apoio financeiro a medidas de resolução aplicadas até 31 de dezembro de 2014 (artigo 14.º, n.º 5 da Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março), antes, portanto, de poderem ser aplicados a Diretiva e os regulamentos da União Europeia invocados. IV - Conclui-se que a CBS não está sujeita às regras que resultam da legislação da União Europeia invocada e que não há qualquer duplicação de pagamentos com o mesmo propósito, para fundos de resolução nacionais e da União Europeia.” (cf. Acórdão proferido pelo STA em 2025-01-15, no proc. 0942/21.0BEPRT, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Também este Tribunal Central Administrativo Sul se pronunciou já no Acórdão proferido em 2024-09-12, no proc. 1576/20.1BELRS, no sentido de que, e em síntese, “I. A contribuição sobre o sector bancário devida pela sucursal de sociedade com sede num Estado-membro da União Europeia é uma contribuição financeira devida em razão dos custos derivados da função de prevenção do risco sistémico, associado ao exercício da actividade bancária por parte da sucursal, função que é exercida pelas autoridades nacionais de supervisão e resolução bancárias, às quais se encontra afecta a sua receita. II. O regime que institui tal contribuição não viola os princípios da legalidade, da equivalência, nem os princípios de Direito da União Europeia relativos à liberdade de estabelecimento, à não discriminação e à livre concorrência no mercado interno. III. No cálculo da incidência objectiva do tributo não existe tratamento discriminatório entre a sucursal em apreço e os bancos residentes, dado que os critérios de incidência objectiva do mesmo postulam que o valor a pagar a título de CSB varia, para cada sujeito passivo, em função dos riscos sistémicos provocados pela sua atuação. IV. O tributo em exame, afecto ao sistema de resolução bancária português, não colide, nem contradiz o regime de resolução bancária europeu, dado que, sendo ambos ordenados à garantia do exercício da livre concorrência no sector bancário, em condições de solvabilidade, actuam em escalas de intervenção distintas.”, jurisprudência essa que também aqui se acolhe.

Donde, e por remissão para a extensa jurisprudência pacífica já prolatada pelos nossos Tribunais Superiores sobre as questões suscitadas pela Recorrente, é de julgar improcedente o recurso, também no extrato em que suscita a violação do direito europeu, que não se verifica.

Não se justifica por isso, e como é sustentado na supracitada jurisprudência, o pretendido reenvio prejudicial, atendendo, desde logo, à circunstância de, como referido, as questões suscitadas pela Recorrente se encontrarem resolvidas de modo pacífico na referida jurisprudência.

Aqui chegados, e não se provando que o ato de autoliquidação contestado padeça de qualquer invalidade, não se verificam os requisitos previstos no art. 43.º para a condenação da Recorrida ao pagamento de juros indemnizatórios, pelo que também quanto a esta questão nada há a censurar à sentença sobre recurso.

Assim sendo, e em face do exposto, há que concluir que o presente recurso deve ser julgado integralmente improcedente.


***

Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.

Há, no entanto, que apreciar o pedido de dispensa do remanescente formulado pela Recorrente.

Vejamos então.

Dispõe-se no n.º 7 do artigo 6.º do RCP que nas causas de valor superior a EUR 275.000,00, como é o caso, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Na presente impugnação judicial encontra-se em discussão a CSB referente a 2017, no montante total EUR 2.837.916,66, a que corresponde o valor da ação e do presente recurso [cf. alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT conjugado com o disposto no n.º 2 do art. 280.º do mesmo diploma].

Tal como vem sendo consistentemente decidido pelo Tribunal Constitucional na sua jurisprudência sobre esta matéria, revela-se inconstitucional “por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, do diploma fundamental” um regime das custas “definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo ao montante das custas” sempre que no mesmo não se permita ao tribunal “que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão(cf. neste sentido os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 227/2007, de 2007-03-28, n.º 471/2007, de 2007-09-25, n.º 116/2008, de 2008-02-20, n.º 266/2010,de 2010-06-29, n.º 421/2013, de 2013-07-15 e 604/2013, de 2013-09-24, disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).

Concretamente no que se refere às custas no processo tributário, decidiu também já aquele Tribunal julgar inconstitucionais por violação do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, bem como do princípio da proporcionalidade decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP “(…) as normas contidas nos artigos 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário («CPPT»), 6.º e 11.º do Regulamento das Custas Processuais («RCP»), conjugadas com a tabela I-A anexa, do RCP, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que, face a impugnação judicial do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa visando a anulação parcial do acto de liquidação de IRC, a que corresponde a taxa de justiça de € 50 697,41 o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo(cf. Acórdão n.º 508/2015 proferido em 13 de outubro de 2015, no proc. 736/2014; cf. ainda o acórdão do STA proferido em 2012-04-26, no proc. 0768/11, e mais recentemente, o Acórdão do STA proferido em 2021-11-10 no proc. 02410/14.7BELRS, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jsta).

Tanto basta para que se considere que no caso em apreço a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida se justifica atendendo a que não só a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, como porque o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida, e calculado sobre a base tributável no montante de EUR 2.837.916,66 [cf. alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT conjugado com o disposto no n.º 2 do art. 280.º do mesmo diploma] e levando em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, revelar-se-ia de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.

Em face do exposto, deverá ser dispensado o remanescente da taxa de justiça nas custas referentes à tramitação do presente recurso, nos termos do disposto no supracitado n.º 7 do artigo 6.º do RCP.


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Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. A contribuição sobre o setor bancário relativa ao ano de 2017, tem a natureza jurídica de contribuição financeira, não padecendo de inconstitucionalidade orgânica.

II. O regime da contribuição sobre o setor bancário não padece inconstitucionalidade material por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da não retroatividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade ou da equivalência, nem o direito da União Europeia.

III. A dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se não só quando a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, mas também quando o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida - e levando ainda em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, se revelaria de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo da dispensa do remanescente.

Lisboa, 6 de fevereiro de 2025 - Margarida Reis (relatora) – Isabel Silva – Patrícia Manuel Pires.