Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 128/17.8BCLSB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 11/28/2019 |
Relator: | ANA PINHOL |
Descritores: | IRC, PROVA PERICIAL. |
Sumário: | I. O regime jurídico da prova pericial, no âmbito do processo judicial tributário, vem consagrado no artigo 116.ºdo CPPT.
II. O resultado da perícia pode ser objecto de reclamação e de esclarecimentos por parte do Perito, de harmonia com o preceituado nos artigos 485.º do CPC ex vi nº4 do 116º do CPPT. III. Tem de se entendido que qualquer das partes pode, também, requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, conforme preceitua os artigos 487.º do CPC ex vi nº4 do 116.º do CPPT. IV. Não tendo a Fazenda Pública lançado mão a qualquer um dos mecanismos processuais supra identificados, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, de acordo com o comando inserto no artigo 389.º do Código Civil. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I.RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA recorre para este TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO da sentença do TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada «R.........., S.A.» contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC) e correspondentes juros compensatórios dos exercícios de 1997 e 1998, [na parte que se reporta ao apuramento do valor líquido das Mais e menos valias fiscais (exercícios de 1997 e 1998) e quanto às despesas não documentadas /confidenciais, exercício de 1998]. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «l. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que, julgando a impugnação judicial procedente, determinou (i) a anulação das liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 1997 e 1998 no que respeita à correcção efectuada às mais e menos- valias, (ii) anulação, relativa ao IRC de 1998, do valor de 2.368.593$00 referente a despesas não documentadas, condenando também, e face a tais anulações, a A.T. ao pagamento de juros indemnizatórios no que respeita ao valor de imposto e juros compensatórios anulados referente ao IRC de 1997. II. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo considerou para assim decidir que: III. Ora, com tais entendimentos não nos podemos conformar, porquanto entendemos que a sentença proferida, e de que ora se recorre, padece de erro de julgamento por incorrecta apreciação da prova, razão pela qual aqui pugnamos por Acórdão que, anulando a decisão do Tribunal a quo, se conforme com a legalidade dos actos impugnados. IV. Assim, considerando que, tal como nela referido, a decisão tomada se fundamenta no teor dos documentos juntos pela impugnante assim como no relatório de peritagem solicitado a perito único pelo Tribunal, temos que, V. salvo o devido respeito por opinião contrária, é nossa convicção que a fundamentação da decisão relativa a ambas as questões analisadas, padece de falta de prova que a possibilite. VI. Isto é, em relação a primeira matéria supra analisada, ou seja, quanto ao apuramento líquido das mais e menos valias fiscais relativas aos exercícios anuais de 1997 e 1998, verifica-se que o teor da sentença fundamenta a decisão remetendo para as conclusões tomadas pelo perito. VII. Ou seja, afirma-se que "...sufragando o entendimento subjacente ao relatório de peritagem, a simplificação utilizada no cálculo da A.T. leva a distorções de cálculo e, provoca as diferenças de valores apontadas pela impugnante que se impõe corrigir." VIII. Ora do teor do relatório efectuado pelo perito unicamente se retira que este adere a posição defendida pela impugnante, afirmando que a diferença de entendimentos e respectivos valores a considerar fiscalmente se deve ao facto de o sujeito passivo ter efectuado o calculo bem a bem, enquanto que os serviços de inspecção determinaram tal valor pela aplicação de uma taxa de amortização aplicando-a de forma genérica ao valor de aquisição total dos bens deduzido das mais e menos-valias não tributadas. IX. Assim tendo sido defendido na sentença, uma vez que esta remete para o teor do relatório de peritagem, impunha-se, em nossa opinião, que quer o perito, quer o decisor que para ele remete, indicasse quais os elementos concretos dos autos que possibilitam tal conclusão. X. Ou seja, entende a RFP que a simples referencia a determinados elementos e lançamentos contabilísticos constantes de balancetes ou declarações fiscais efectuadas pela Impugnante, não tem o condão de demonstrar por si só a veracidade da realidade que se encontra subjacente a tais elementos. XI. Isto porque o acto de fiscalização tributaria é na verdade o acto de comprovação factual da correcção dos lançamentos contabilísticos, e respectivas declarações fiscais, entregues pelos sujeitos passivos quando declarantes, XII. razão pela qual se impõe que ao decisor que decida pela ilegalidade das correcções efectuadas pela AT a indicação de prova factual e concreta que vá para alem da simples conclusão de que a Impugnante tem razão nas suas alegações porquanto assim o declarou e fez constar nos seus documentos contabilísticos. XIII. Nomeadamente, afirmando-se no teor do relatório de peritagem, a que adere a sentença e nele encontra a sua fundamentação, que "Efectivamente foram alienados bens que incorporavam mais valias reinvestidas assim como bens que não incorporavam (ver Anexo III). Uma vez que existem bens com taxas de amortização diferentes entre si, a simplificação utilizada no cálculo da A.T. Induziu a distorções de cálculo e, em última analise, à diferença evidenciada...", impunha-se, em nossa opinião, a identificação de quais os bens que incorporavam mais valias reinvestidas a que alegadamente foi aplicada uma taxa de amortização erradamente calculada, porquanto só assim seria passivel de se verificar da existência de incorrecções na determinação do valor das mais valias calculadas. XIV. Ora, tal não se verifica na sentença recorrida, e se a tal facto acrescermos que dos elementos constantes nos autos não consta qualquer documento externo a sociedade que possibilite verificar da correcção dos lançamentos contabilísticos juntos aos autos, XV. Concluímos pelo entendimento de que a sentença, no que a matéria agora analisada, padece de erro de apreciação da prova, dado que a decisão não encontra, em nossa opinião, respaldo na prova efectivamente produzida nos autos. XVI. Também de igual forma se verifica que quanto à segunda matéria analisada, isto é, no que importa a correcção relativa as despesas não documentadas/confidenciais relativas ao exercício de 1998, que a decisão se fundamenta tão só no facto de, alegadamente, existirem evidencias de que, contrariamente ao referido pela A.T., a impugnante efectivamente acresceu na sua declaração de rendimentos de 1998 o valor considerado em falta pela AT relativo a despesas não documentadas. XVII. O Tribunal a quo assim o conclui porquanto entendeu que "Decorre dos documentos juntos pela impugnante balancetes (doc. 3 e 4) e das listagens de bens, bem com da Dec. Mod. 22 IRS/98 que no quadro 17, linha 16, foi declarada a importância de € 58.844.388$00 que incorpora já o valor de 2.368.593$30 referente a despesas não documentadas (cfr. Pontos 18,19 e 20 do probatório), o que significa que a impugnante acresceu esse valor na sua declaração de rendimentos de 1998...”. XVIII. Ou seja a decisão pela ilegalidade da correcção é tomada, porquanto se considera existirem evidências da inclusão do valor em causa na declaração da autora. XIX. No entanto tais evidenciais não são concretizadas, ou seja, o Tribunal a quo não identifica quais os concretos elementos de prova que possibilitam afirmar que o valor que a AT afirma não ter sido acrescido ao rendimento tributável da sociedade se encontra incluído na sua "...Dec. Mod. 22 IRS/98 que no quadro 17, linha 16, foi declarada a importância de €58.844.388$00 que incorpora já o valor de 2.368.593$30 referente a despesas não documentadas...". XX. Ora, é nossa convicção que dos elementos probatórios constantes dos autos, e sendo que eles são somente resumo de lançamentos contabilísticos da impugnante, não existem prova suficiente e concretamente identificada na sentença que possibilite a decisão tomada, sendo que antes pelo contrario, XXI. a prova efectivamente existente nos autos não possibilita concluir pela correcção de tais lançamentos, e assim sendo, e por maioria de razão, em nossa opinião, não possibilita concluir como fez o decisor, XXII. impondo-se decisão que considerando não provados a correcção de tais elementos, determinasse a legalidade das correcções efectuadas pela AT. XIII. Ora, perante o que se deixa dito, forçoso é, reiteramos, salvo melhor entendimento, concluir que a sentença recorrida padece de erro julgamento por incorrecta apreciação da prova contida nos autos. XIV. Sendo que importa ainda, e por fim, requerer acórdão que, anulando a decisão tomada, se conforme com a legalidade da liquidação efectuada com base nas correcções efectuadas determine em consequência a anulação da condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser substituída por acórdão que declare a Impugnação Improcedente, porém, V.Exªs. decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.» ** A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo as mesmas da forma seguinte: «A) Os actos tributários impugnados resultaram de correcções ao lucro tributável da Recorrida em sede de IRC, referentes aos valores de aquisição relevantes para o cálculo das mais-valias realizadas com a venda de bens do activo imobilizado em 1997 e 1998 e à alegada falta de declaração de despesas não documentadas de 1998; B) Tendo em conta os documentos de fls. 6 a 672 dos autos e o Relatório do Perito Independente a fls. 770 dos autos, o Tribunal a quo concluiu que as correcções às mais-valias da Recorrida são ilegais porque a Administração Tributária apurou os correspondentes valores de aquisição ao abrigo do artigo 44º, nº6, do CIRC, não obstante a Recorrente ter realizado mais-valias com a venda de bens que não tinham sido adquiridos ao abrigo desse regime; C) O Tribunal a quo e o Perito Independente indicam concretamente, por remissão para os documentos a fls. 6 a 672, 791 e 792 dos autos, bens vendidos pela Recorrida que não foram adquiridos ao abrigo do regime de reinvestimento do artigo 44º do CIRC; D) Tendo em conta os documentos juntos aos autos e o Relatório do Perito Independente, o Tribunal a quo concluiu que a Recorrida incluiu todas as suas despesas não documentadas do exercício de 1998 na sua declaração Modelo 22; E) A posição defendida pelo Digno Representante da Fazenda Pública não merece acolhimento, inexistindo qualquer erro de julgamento na Sentença recorrida.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exªs doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo esse Douto Tribunal ad quem a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, tudo comas demais consequências legais.» ** Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls.1081/1085 dos autos, no qual, a final, se pronuncia no sentido da improcedência do recurso. ** Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. ** II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO De acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. No caso dos autos, face às conclusões das alegações da Fazenda Pública a questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por incorrecta apreciação da prova, porquanto « não encontra, (…), respaldo na prova efectivamente produzida nos autos». ** III. FUNDAMENTAÇÃOA. DOS FACTOS Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos: «1. Pela Direção-Geral dos Impostos, ora A.T., foi determinado procedimento interno de inspeção ao exercido de 1997, à R.........., SA., sociedade com actividade de Venda de Veículos Automóveis- cfr. fls.8 a 34 do processo administrativo em apenso aos autos; 2. Com referência ao exercício de 1997, entre outras, foram efetuadas as seguintes correções à declaração Mod. 22 de IRC:
- cfr. fls. 9 a 34 do processo administrativo em apenso aos autos; 3. Da fundamentação subjacente as correções efetuadas e identificadas no ponto 2, supra, a AT apresenta a seguinte fundamentação: 4. Em cumprimento da Ordem de Serviço nº…/2002, de 13/03/2002, foi realizado procedimento de inspeção externo de âmbito parcial à R.........., SA., o qual foi iniciado em 25/03/2002 e concluído em 09/05/2002 - cfr. fls. 36 a 48 do processo administrativo em apenso aos autos; 5. Com referência ao exercício de IRC/1998, entre outras, a A.T. concluiu quanto ao resultado do lucro consolidado e concernente às despesas não documentadas que, não foram acrescidas pela impugnante, por não serem dedutíveis para efeitos fiscais o valor de €11.814,49 - cfr. fls. 36 a 48 do processo administrativo em apenso aos autos e que se considera aqui como integralmente reproduzido; 6. Ainda, relativamente ao exercício de IRC/1998, a A.T. concluiu que o saldo das mais-valias fiscais não acrescido pela impugnante para efeitos de determinação do lucro tributável consolidado, respeita ao diferencial não dedutível de €438.959,04 - cfr. fls. 36 a 48 do processo administrativo em apenso aos autos; 7. Em 15/01/2002, a A.T. efectua a liquidação adicional de IRC do exercício de 1997 com nº..........19, tendo apurado a coleta de imposto no valor de €216.325,59, e juros compensatórios no valor de €57.102,28 - cfr. fls. 52 e 53 do processo administrativo em apenso aos autos; 8. Em 06/03/2002, a impugnante procede ao pagamento do valor de €216.325,59 - cfr. fls. 54 do processo administrativo em apenso aos autos; 9. Em 22/05/2002, a A.T. procede à liquidação adicional ao IRC/98, com nº..........35, tendo apurado o valor de imposto de €19.219,19, o qual inclui juros compensatórios no valor de €3.279,98 - cfr. fls. 57 do processo administrativo em apenso aos autos; 10. A liquidação adicional referente ao IRC/98, referida no ponto anterior, não foi paga dentro do prazo de pagamento voluntario tendo sido extraída certidão de divida nº..........75, a qual deu origem ao processo de execução fiscal nº..........46 com quantia exequenda no valor de €19.219,19 - cfr. fls.1 e ss. do processo de execução fiscal em apenso aos autos; 11. Em 14/04/2003, foi junta aos autos a garantia prestada pela impugnante no âmbito do processo de execução fiscal nº..........46 pela R.........., SA. (Grupo R.....) no valor de € 26.324,61 - cfr. fls. 54 do processo de execução fiscal em apenso aos autos; 12. Em 21/ 04/ 2003, o processo de execução fiscal nº..........46, foi suspenso - cfr. fls. 48 do processo de execução fiscal em apenso aos autos; 13. Em 17/09/ 2008, foi proferido despacho judicial que julgou a caducidade da garantia prestada no âmbito do processo de execução fiscal nº..........46 - cfr. fls. 51 a 53 do processo de execução fiscal em apenso aos autos; 14. Em 27/ 07/2016, é entregue neste Tribunal o Relatório de Perícia efetuada, do qual consta a seguinte fundamentação: "(...) A metodologia seguida para dar resposta às questões determinadas pelo Tributária consistiu, verificadas as informações que constam do processo, em validar a correcção aritmética dos cálculos, quer da impugnante, quer da A.T. (Autoridade Tributária), de forma a determinar qual das partes o fez da forma mais correcta e em conformidade com a lei. (...) 15. Há uma divergência de cálculo entre a contabilidade da impugnante e os valores apurados pela A.T., no que respeita às amortizações aceites contabilizadas nos exercidos de 1997 e 1998 e, consequentemente, sobre as variáveis subsequentes, dado que a A.T. pressupôs que todos os bens alienados teriam sido objecto de benefício fiscal ao reinvestimento, o que não se verificou, tendo sido alienados bens que incorporavam mais -valias reinvestidas, assim como bens que as não incorporavam - cfr. relatório de peritagem a fls. 770 a 775 e, docs. de fls. 6 a 672 dos autos não impugnados pela Fazenda Público. 16. Para o cálculo das mais e menos-valias, a impugnante teve em conta cada bem de per si - cfr. relatório de peritagem a fls. 770 a 775 e, docs. de fls. 6 a 672 dos autos não impugnados pela Fazenda Pública; 17. Para o mesmo efeito, referido no ponto anterior, a Fazenda Pública determinou uma troca de amortização média e aplicou-a de forma genérica ao valor de aquisição deduzido das mais e menos-valias não tributadas de todos os bens alienados nos exercidos em questão de forma a obter as amortizações aceites - cfr. relatório de peritagem a fls. 770 a 775 e, docs. de fls. 6 a 672 dos autos não impugnados pela Fazenda Pública; 18. Para o cálculo das mais e menos-valias, verificam-se diferenças de cálculo entre o valor apontado pela impugnante e pela A.T. que se traduz para os exercícios de 1997 em (Esc. 17.632.405400) e 1998 em (€193.982,92). 19. Da Dec. Mod. 22 IRC/98, quadro 17, linha 16 foi declarada pela impugnante a importância de € 58.844.388$00 - cfr. fls. 132 dos autos; 20. No balancete, Conta 6229803, na rúbrica "despesas não documentadas", do exercido de 1998 da impugnante, consta o valor de Esc. 2.368.593$30, o qual está acrescido na dec. Mod. 22 de IRC/ 98, no montante de Esc. 58.844.388$00 - cfr. relatório de peritagem a fls. 770 a 775 e, docs. de fls. 6 a 672 dos autos não impugnados pela Fazenda Pública e fls. 795 a 799 dos autos; 21. O resultado para efeitos fiscais, do exercício de 1998 é de [-184.032.469$00, ou seja, € 917.950,09] - cfr. fls. 800 dos autos. II. 2- Dos FACTOS NÃO PROVADOS Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados. II. 3 - MOTIVAÇÃO ** B. DE DIREITO A Impugnante (ora Recorrida) apresentou junto do Tribunal Tributário de Lisboa impugnação judicial visando a anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC) n.ºs ..........19, ..........35 e respectivos juros compensatórios, na parte que tiveram origem nas correcções efectuadas ao lucro tributável referente, à Mais – Valia dos exercícios de 1997 e 1998 (corrigida quanto aos valores de aquisição relevantes para o cálculo das Mais - Valias realizadas com a venda de bens do activo nos exercícios de 1997 e 1998) e falta de declaração de despesas não documentadas do exercício de 1998, suportadas respectivamente nos artigos 42.º, n.º 2 e 44.º, n.º 6 do CIRC e artigo 41.º, n.º1, al.h) do CIRC. Nos presentes autos foi realizada uma perícia, oficiosamente determinada (fls 734 a 737), tendo como objecto: «1) Resposta à questão: da legalidade das correcções efectuadas pela AT, quanto ao apuramento das mais – valias, nomeadamente se devem ser atendidas as diferenças suscitadas pela impugnante, relativas aos exercícios de 1997 e 1998; 2) Resposta à questão: existe ou não duplicação de colecta como referência às “despesas não documentadas” – correcção feita pela AT, ao exercício de 1998.» Instruídos os autos foi proferida sentença, na qual se decidiu dar razão à Impugnante, com base no julgamento da matéria de facto suportada, como da mesma se extrai, na prova documental e pericial produzida. Foi então interposto o presente recurso. Dito isto, analisemos, então, cada uma correcções sindicadas. Mais - Valias [Exercícios de 1997 e 1998] A Administração Tributária, com base nos elementos constantes dos Mapas Mod. 31., procedeu ao cálculo do valor do saldo das Mais - Valias para efeitos de determinação do lucro tributável, tendo apurado o montante de 16.107,682,94€, em vez 15.668.723,90€, correspondente ao valor apurado pela Impugnante. Está em causa, pois, a correcção atinente ao cálculo das Mais - Valias realizadas com a alienação (elementos do activo imobilizado) de bens adquiridos no âmbito do regime de reinvestimento de valores de realização nos exercícios de 1997 e 1998. Entendeu o Tribunal de 1.ª Instância que esta correcção é ilegal, com a seguinte fundamentação: « (…) sufragando o entendimento subjacente ao relatório de peritagem, a simplificação utilizada no cálculo da A.T. leva a distorções de cálculo e, provoca as diferenças de valores apontadas pela impugnante que se impõe corrigir. Com efeito, resulta dos autos que foram alienados bens que não incorporavam mais-valias reinvestidas e outros que as incorporavam, por outro lado, há bens com taxas de amortização diferentes entre si, pelo que estas variáveis deveriam ter sido tidas em conta no cálculo das mais e menos-valias efetuado pela A.T. aos exercidos de 1997 e 1998. Nestes termos, a liquidação adicional deve ser corrigida, devendo julgar-se procedente a impugnação quanto às diferenças apontadas pela impugnante e decorrentes do apuramento das mais e menos - valias fiscais para os exercícios de 1997 (Esc. 17.632.405400) e 1998 (€ 193.982,92).». Alega a Recorrente, em síntese útil, que a sentença padece de erro de julgamento por incorrecta apreciação da prova, isto porque « impunha-se (…) que quer o perito, quer o decisor que para ele remete, indicasse quais os elementos concretos dos autos que possibilitam tal conclusão». Face à posição assumida pela Recorrente é necessário, por isso, começar pelo regime enquadramento jurídico aplicável à prova pericial. Vejamos, então. O regime jurídico da prova pericial no âmbito do processo judicial tributário vem consagrado no artigo 116º. do CPPT, nos termos do qual «1-Poderá haver prova pericial no processo de impugnação judicial sempre que o juiz entenda necessário o parecer de técnicos especializados.2- A realização da perícia é ordenada pelo juiz, oficiosamente ou a pedido do impugnante ou do representante da Fazenda Pública, formulado, respectivamente, na petição inicial e na contestação.». À prova pericial prevista no normativo parcialmente transcrito aplica-se o disposto nos artigos 467.º a 489.º (anteriores artigos 568.º a 591.º) do CPC (cfr. nº4 do artigo 116.º do CPPT). Em termos conceptuais e jurídicos a perícia é um meio de prova cuja finalidade é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível. Daí que, e como sublinha o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.03.2010, proferido no processo n.º 949/05.4TBOVR-AL1-8, na parte que ora nos interessa: « O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação. A perícia tem como finalidade auxiliar o julgador na percepção ou apreciação dos factos a que há-de ser aplicado o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt). No caso vertente, a perícia realizada concluiu que:« [a] metodologia utilizada pela A.T. pressupõe que todos os bens alienados teriam sido objecto de benefício fiscal ao reinvestimento, o que não se verificou. Efectivamente foram alienados bens que incorporavam mais - valias reinvestidas assim como bens que não incorporavam (ver Anexo III). Uma vez que existem bens com taxas de amortização diferentes entre si, a simplificação utilizada no cálculo da A.T. induziu a distorções de ca1culo e, em última análise, à diferença evidenciada no quadro anterior.». No tocante ao valor da perícia, de harmonia com a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos peritos, vigora o princípio da livre a apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do juiz (cfr. artigo 389.º do Código Civil). Neste contexto, se a Recorrente entendia que o Relatório Pericial padecia de falta de fundamentação, por ausência de elementos concretos e capazes de sustentar a conclusão a que chegou, poderia ter lançado mão da reclamação prevista no artigo 485.º do CPC (correspondente ao 587.º nº1 do anterior CPC) ou solicitado a realização de 2ª perícia, nos termos do artigo 487.º do CPC (correspondente ao artigo 589.º do CPC), alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao Relatório Pericial apresentado. Não o tendo feito, e continuando a não assacar qualquer crítica à metodologia seguida pelo perito naquele Relatório, não restava ao Tribunal de 1.ª Instância, perante o fundamentado Relatório Pericial, outra solução que não fosse declarar a ilegalidade da correcção ora em causa. É que, como se pode ler no Retório Pericial « (…) foram alienados bens que incorporavam mais valias reinvestidas assim como bens que não incorporavam (ver Anexo III). Uma vez que existem bens com taxas de amortização diferentes entre si, a simplificação utilizada no cálculo da A.T. Induziu a distorções de cálculo e, em última analise, à diferença evidenciada (...)». Deste modo e em conclusão, impõe-se a improcedência do recurso quanto a este concreto fundamento. Despesas não documentadas [Exercício de 1998] A Recorrida invocou na presente impugnação a ilegalidade da correcção efectuada ao lucro tributável do exercício de 1998, referente ao acréscimo do montante de 11.814,49€, a título de despesas não documentadas, alegando para tanto, que o referido montante já tinha sido relevado no quadro 17, linha 16, na sua Declaração Mod. 22 de 1998 e, nessa medida, acrescido ao lucro tributável do exercício. O Tribunal de 1.ª Instância concluiu que o valor declarado pela Recorrida inclui o valor de 11.814,49€, referente a despesas não documentadas. Lidas as conclusões XVI. a XXI., constata-se que a Recorrente se, por um lado, entende que a sentença não identifica quais os concretos elementos de prova que suportaram a decisão, por outro lado, não deixa de considerar que os elementos probatórios por se tratarem de um resumo de lançamentos contabilísticos da impugnante, não constituem prova suficiente que possibilite a decisão tomada. Mas não lhe assiste razão. Com efeito, não apenas o Tribunal de 1ª Instância efectuou o julgamento da matéria de facto com suporte na prova documental que concretamente identificou (fls. 132, 6 a 672 e fls. 795 a 799 dos autos) e prova pericial (fls. 770 a 775 dos autos), como a Recorrente não contrariou e continua a não contrariar, a fundamentação constante no Relatório Pericial, a qual serve, a par da prova documental, de suporte fáctico à decisão que ora contesta. Reitera-se, por conseguinte, o que já a este propósito se vertera aquando da apreciação da primeira correcção. Tanto mais que, conforme supra dissemos, a prova pericial está sujeita ao princípio da livre apreciação, no caso, a mesma revelou-se concludente (cfr. pontos 14, 18, 19 e 20 do probatório). Neste conspecto, não resta senão concluir, sem necessidade de outros considerandos, que nenhuma censura nos merece a sentença recorrida. Improcedendo o presente recurso também nesta parte. IV.CONCLUSÕES I. O regime jurídico da prova pericial, no âmbito do processo judicial tributário, vem consagrado no artigo 116.ºdo CPPT. II. O resultado da perícia pode ser objecto de reclamação e de esclarecimentos por parte do Perito, de harmonia com o preceituado nos artigos 485.º do CPC ex vi nº4 do 116º do CPPT. III. Tem de se entendido que qualquer das partes pode, também, requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, conforme preceitua os artigos 487.º do CPC ex vi nº4 do 116.º do CPPT. IV. Não tendo a Fazenda Pública lançado mão a qualquer um dos mecanismos processuais supra identificados, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, de acordo com o comando inserto no artigo 389.º do Código Civil. V.DECISÃO Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se na Ordem Jurídica a sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente, sendo que delas está isenta, atenta a data da instauração da presente impugnação judicial. Lisboa, 28 de Novembro de 2019 [Ana Pinhol] [Isabel Fernandes] [Catarina Almeida e Sousa] |