Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:408/14.4BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:02/16/2023
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
NULIDADE DA CITAÇÃO
FALTA DE REQUISITOS ESSENCIAIS DO TÍTULO EXECUTIVO
Sumário:I - A nulidade da citação não constitui fundamento de oposição à execução, devendo ser invocada no processo de execução mediante requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal.
II - A nulidade por falta de requisitos essenciais do título executivo não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do art. 204º deste mesmo Código.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem C....... interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º …..879, instaurada por dívidas de IRS do ano de 2012, no montante de € 3.476,36.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“1) Na, aliás douta, sentença proferida no âmbito dos presentes autos, decidiu-se, além do mais, pela improcedência da oposição à execução apresentada.

2) Não pode, por isso, a recorrente conformar-se com os termos de tal douta decisão, porquanto face aos factos e ao direito aplicável, deveria a oposição à execução apresentada ter sido julgada procedente por provada.

3) Deste modo, deve o presente recurso proceder totalmente, com as demais consequências legais.

4) A ora recorrente invocou, em sede de petição inicial da oposição à execução que apresentou, fundamentos que, em seu entender, inquinavam o processo de execução fiscal contra si instaurado.

5) Porém, quanto à suscitada questão da violação do disposto no artº 188º, do CPPT, entendeu a Mmº Juiz “a quo”, pelos parcos fundamentos que expendeu na douta decisão aqui em crise que, tendo em conta que o “processo de execução fiscal em apreço configura um processo informatizado, não há lugar à imposição prevista no artº 188º nº 1, do CPPT”.

6) Salvo o devido e merecido respeito, que é muito, não se pode concordar com a posição assumida na douta decisão “a quo”, nesta parte.

7) Do teor da norma acima referida, não pode retirar-se que, não obstante, o processo executivo aqui em causa ser um processo informatizado, não tenha de haver lugar ao cumprimento do previsto no artº 188º, do CPPT.

8) À excepção do prazo a que alude o nº 1 daquele normativo, as demais imposições legais nele previstas e no nº 2, deverão ser cumpridas pelo órgão de execução.

9) Basta atentar no teor da norma constante do nº 3, daquele preceito que dispõe que, “nos processos informatizados, a instauração é efectuada electronicamente, com a emissão do título executivo, sendo de imediato efectuada a citação”.

10) Ou seja, o que esta norma consagra é a instauração electrónica da execução fiscal, através da emissão do título executivo e a efectivação imediata da citação do sujeito passivo.

11) O que, naturalmente, não invalida que a citação tenha de conter os demais elementos consagrados nos demais números daquele normativo.

12) Ou seja, a execução há-de ser instaurada nos termos do disposto no artº 188º, do CPPT, devendo haver lugar à citação do executado, a efectuar nos termos do Código de Processo Civil (CPC), por força do disposto no artº 192º, do CPPT.

13) Nos termos do disposto no artº 225º, do CPC, a citação pessoal é feita, além do mais, mediante transmissão eletrónica de dados, sendo que, a mesma está regulada no artº 191º do CPPT.

14) Sendo a citação o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, é necessário que lhe seja dado conhecimento dos termos da mesma, tendo em vista a possibilidade de defesa, nos termos do disposto nos artºs 219º nº 1, do C.P. Civil, 35º nº 2 e 189º, ambos do CPPT.

15) Razão pela qual, a mesma, não obstante o meio por que é efectivada, deve obedecer a determinado formalismo que não impeça que o citado exerça cabalmente o seu direito de defesa.

16) Caso isso aconteça, a citação é nula.

17) E, conforme se decidiu no, aliás douto, Acórdão do STA, de 02/04/2012 (in Proc. nº 0217/14, disponível em www.dgsi.pt), para que ocorra a nulidade por falta de citação basta a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a demonstração da existência de efectivo prejuízo.

18) No caso que nos ocupa, é notório, tendo em conta o teor do citação efectuada à recorrente, que a mesma, não obstante ter sido feita informaticamente, não contém os demais requisitos a que alude o disposto no artº 188º nºs 1 e 2, do CPPT.

19) Que, ao contrário do doutamente decidido, tem também aplicação em casos desta natureza, prejudicando, dessa forma os mais elementares direitos recorrente.

20) Designadamente, o seu direito de defesa.

21) Sendo, por isso, de forçosa conclusão que a citação constante do probatório está ferida de inexistência jurídica, conforme se tinha já alegado em sede de petição inicial.

21) Acresce que a, aliás douta, sentença aqui em crise, ignorou o demais alegado em sede de petição inicial, nessa parte.

22) Ou seja, a recorrente defendeu também que a citação efectuada à recorrente, é nula por falta da forma legal, prevista na alínea f) do nº 2 do artº 133º, do Código do Procedimento Administrativo, aqui aplicável “ex vi” do disposto no artº 2º, do CPPT.

23) Dando-se aqui por reproduzidos os argumentos ali plasmados, verificamos que os mesmos nem sequer foram objecto de qualquer pronúncia por parte da Mmª Juiz “a quo”.

24) Mostrando-se, assim, a douta decisão em crise ferida de omissão de pronúncia, uma vez que se não pronunciou sobre questão essencial alegada, qual seja, a existência da ilegalidade prevista e enquadrável na alínea i) do artº 204º, do CPPT.

25) Vício esse que expressamente se deixa arguido para os devidos e legais efeitos.

26) Foram também arguidos, em sede de oposição à execução, a nulidade da citação e a falta de elementos essenciais do título executivo.

27) Contudo, a Mmª Juiz “a quo”, concluiu, com os fundamentos aduzidos na douta decisão em recurso, que os mesmos não podem ser conhecidos no âmbito dos presentes autos.

28) Salvo o devido e merecido respeito, que é muito, não concorda a recorrente com a conclusão a que chegou a Mmª Juiz “a quo”.

29) É consabido e pacificamente aceite que uma execução fiscal, ou de outra natureza, tem de ter como base um título executivo, como aliás se retira do disposto no artº 162º, do CPPT.

30) No caso que nos ocupa, o título executivo em questão não foi notificado à recorrente que, não só desconhece qual foi o que serviu de base à presente execução, como também se o mesmo existe.

31) Em frontal desobediência ao disposto no artº 190º nº 1, CPPT, que dispõe que, “a citação deve conter os elementos previstos nas alíneas a), c), d) e e) do nº 1 do artigo 63º do presente Código ou, em alternativa, ser acompanhada de cópia do título executivo”.

32) Em concreto, a citação da recorrente não foi acompanhada de cópia do título executivo.

33) Acrescendo ainda que, o valor relativo aos juros ali liquidados não se encontra fundamentado em conformidade com as disposições legais que assim o impõem.

34) Face ao expendido, a conclusão só pode ser uma, ou seja, a citação remetida à recorrente está ferida de nulidade, por violação do disposto nos artºs 190º e 163º nº 1, ambos do CPPT.

35) Questão subjacente à enunciada, prende-se com a alegação de tal vício em sede de oposição à execução, integrando o fundamento constante da alínea i), do artº 204º, do CPPT.

36) A douta decisão em apreço, concluiu que os vícios acima enunciados não são passiveis de arguição em sede de oposição à execução.

37) É certo que a posição assumida pela jurisprudência tem sido a de que tais vícios, relativos a elementos essenciais do título executivo, não podem ser fundamento de oposição à execução.

38) Só o podendo ser, quando não a sua alegação não puder ser suprida por prova documental, o que constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal, nos termos do disposto no artº 165º nº 1, alínea b), do CPPT.

39) Com efeito, a oposição à execução fiscal, é espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artº 204º nº 1, do CPPT.

40) Preceito que consagra uma enumeração legal taxativa.

41) Decorrendo da alínea i) desse normativo que a oposição, além do mais, pode ter por fundamento, “quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título”.

42) Tratando-se, como refere, o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa de, “(…) uma disposição com carácter residual em que serão enquadráveis todas as situações não abrangidas pelas outras alíneas do mesmo número, em que existir um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecta a sua exigibilidade” – in Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado, 6ª Edição, vol. III, pp. 498.

43) Por isso, os fundamentos subsumíveis à previsão dessa alínea i) devem consubstanciar-se em, conforme se decidiu no Ac. do STA, de 12/02/2003 (disponível em www.dgsi.pt), “[f]actos modificativos ou extintivos da dívida, ou que afectam a sua exigibilidade, importando a sua verificação, consequentemente, a impossibilidade de prosseguimento da instância executiva, ao menos, nos precisos termos em que foi instaurada”.

44) E, de acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 165º do mesmo Código, a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal, não constituindo, a mesma, fundamento de oposição à execução.

45) Sucede, porém, que os vícios arguidos pela recorrente em sede de petição inicial, designadamente, a falta de notificação do título executivo à recorrente, constitui nulidade que pode ser suprida por prova documental e, como tal, susceptível de ser fundamento de oposição à execução.

46) Aliás, basta atentar na citação remetida à recorrente para se verificar que a mesma deveria ter vindo instruída com a competente liquidação, o que não sucedeu.

47) Dessa forma e em sentido contrário à douta decisão aqui em apreço, verificam-se, em concreto, fundamentos de oposição à execução.

48) Ao não ter decidido dessa forma, incorreu a douta decisão em crise em erro de julgamento, que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exªs, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a douta Sentença, proferida em sede de 1ª Instância”.

* *
A Recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
“ Contrariamente ao entendimento preconizado pela ora recorrente, a douta decisão recorrida não é merecedora de qualquer reparo ou censura, porquanto, efetuou uma correta interpretação e aplicação do quadro legal aos factos controvertidos.

 No caso em apreço, estando perante uma situação de facto enquadrada no citado nº 3 do artigo 188º do CPPT, não recaia sobre o órgão da execução fiscal qualquer dever/obrigação de elaborar despacho nos termos do nº 1 do mesmo preceito normativo, tanto mais, que tal atuação configuraria um ato inútil e ilegal, uma vez que o legislador no nº 3 do preceito legal em análise, estabeleceu regras especificas para os processos informatizados.

 No que à alegada nulidade da citação concerne, cumpre referir que os fundamentos da oposição encontram-se taxativamente elencados no artigo 204º do CPPT, sendo certo que a nulidade da citação não integra o cardápio que ali se encontra previsto.

 A generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, tem vindo a pronunciar-se no sentido de que o meio processual adequado à invocação de nulidades processuais em sede de processo de execução fiscal previstas no artigo 165º, nº 1 do CPPT, será fundamento de requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal e não de oposição à execução fiscal, nos termos do artigo 204º, nº 1, alínea i) do CPPT.

 Temos assim, que contrariamente ao alegado pela recorrente, a douta decisão recorrida não merece qualquer censura, porquanto, efetuou um correta apreciação e subsunção dos factos ao direito aplicável.

 No que à alegada nulidade da citação concerne, cumpre referir, que a argumentação expendida pela ora recorrente também estaria condenada ao insucesso, porquanto, os elementos probatórios constantes dos autos, evidenciam, de forma inequívoca, que a citação em apreço, foi elaborada com observância das formalidades previstas nos artigos 190º e 163º do CPPT, motivo pelo qual, a mesma não padece do alegado vício de falta de forma, prevista na alínea f) do nº 2 do artigo 133º do CPA.

 Acresce referir que, a citação em obediência ao disposto no nº 8 do artigo 190º do CPPT, refere de forma expressa e além do mais, o seguinte: “(…) as guias de pagamento poderão também ser extraídas “no sitio” da AT na Internet (www.portaldasfinancas.gov.pt) onde poderá também consultar os elementos do processo (…)” (nosso itálico e bold).


 Temos assim, que contrariamente ao que a ora recorrente tenta incutir a este Venerando Tribunal, a citação que lhe foi remetida não enferma de qualquer vicio que seja suscetível de afetar a sua validade e/ou eficácia, motivo pelo qual deve improceder a argumentação invocada pela ora recorrente.

 Nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

 Estabelece este preceito legal um dever de pronúncia do juiz, sendo que a consequência jurídica cominada pela lei processual tributária pela “falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar” é a nulidade da sentença - cfr. art. 125.º, n.º 1 do CPPT.

 Dito de outro modo, ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.

 Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. entre muitos outros, Acórdão do STA de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).

 Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Ac. do STA de 28/05/2014, proc. 0514/14).

 Nestes termos, impõe-se concluir que no caso em apreço, o invocado pela recorrente não pode sustentar a alegada omissão de pronúncia, porquanto, esta diz respeito a questões, e não a argumentos invocados pelas partes intervenientes.

 É sobre as questões suscitadas pela recorrente na petição inicial que é devida pronúncia, sob pena de nulidade da sentença, mas já não quando o que está em causa é a apreciação de argumentos de defesa.

 A jurisprudência tem entendido que esta nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respetivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão (cfr. por todos, Ac. do STA de 04/03/2015, proc. n.º 01939/13.

 Como salienta Jorge Lopes de Sousa devem “considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação”, já que esta se destina “a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão”, e, por isso, “quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, anotações 7 e 8 ao art. 125.º, pp. 357 a 361.)

 No caso em apreço, contrariamente ao alegado, a douta decisão recorrida apreciou todas as questões que a ora recorrente submeteu à apreciação e decisão do Tribunal “ a quo” , as quais conforme decorre da PI, se traduziram na omissão do despacho identificado no nº 1 do artigo 188º do CPPT e na nulidade da citação e falta de elementos essenciais o título executivo.

 Termos em que, deve improceder a alegada omissão de pronúncia, devendo manter-se a sentença recorrida.

 A douta decisão recorrida, não enferma dos vícios que lhe são imputados pela ora recorrente, motivo pelo qual não merece qualquer reparo ou censura, devendo manter-se no ordenamento jurídico, com as consequências legais dai decorrentes.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências deve ser negado provimento ao presente recurso e em consequência manter-se a decisão recorrida.”.
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A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia por não ter apreciado, a existência da ilegalidade prevista e enquadrável na alínea i) do artº 204º, do CPPT, decorrente da alegada citação sem forma legal, e ainda se padece de erro de julgamento ao ter entendido que a oposição não é o meio próprio para conhecer da alegada nulidade da citação e da falta de elementos essenciais do título executivo.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. Em 26.05.2014 foi autuado o processo de execução fiscal n.º ……879, no Serviço de Finanças de Seia, no qual é executado S......., para cobrança da quantia exequenda no valor de 3.403,12 EUR – cfr. autuação de fls. 18 do processo de execução fiscal.

2. Em 26.05.2014 foi emitida certidão de dívida em nome de S....... e C........, referente a dívida de IRS do ano de 2012, no valor de 3.403,12 EUR – cfr. certidão de dívida de fls. 19 e 20 do processo físico.

3. Em 05.06.2014 foi elaborado o ofício de citação destinado a citar a Oponente no âmbito do processo de execução fiscal melhor identificado no ponto 1 do probatório – cfr. ofício de citação de fls. 22 do processo de execução fiscal.

4. A instauração do processo de execução fiscal melhor identificado no ponto 1 do probatório foi efectuada electronicamente – cfr. informação de fls. 23 do processo físico.
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Não existem quaisquer outros factos com relevo que importe fixar como não provados.
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A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise do processo de execução fiscal que está apensado aos autos, conforme discriminado supra no probatório.”.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A Recorrente deduziu oposição ao processo de execução fiscal nº ……879, na qual formulou o pedido de extinção da execução fiscal fundamentado em omissão do despacho previsto no art. 188º, nº 1 do CPPT, falta de elementos essenciais do título executivo e nulidade da citação.

O Tribunal a quo julgou improcedente a oposição à execução tendo, quanto à omissão do despacho identificado no n.º 1 do artigo 188.º do CPPT, considerado que in casu “o processo execução fiscal configura um processo informatizado (cfr. ponto 4 do probatório), pelo que a imposição prevista no n.º 1 do citado dispositivo legal não tem aplicação ao caso dos autos”.

E quanto aos fundamentos invocados relativamente à nulidade da citação e à falta de elementos essenciais do título executivo o tribunal a quo fundamentou a sua decisão nos seguintes termos “A omissão dos requisitos essenciais do título executivo, quando não possa ser suprida por prova documental, determina a nulidade insanável do processo de execução nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º e n.º 1 do artigo 163.º do CPPT.
Sucede que a falta dos elementos essenciais do título executivo não se subsume a nenhum dos fundamentos previstos no artigo 204.º do CPPT, pelo que não pode ser invocada em processo de oposição (cfr. neste sentido, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.11.2017, proferido no âmbito do processo n.º 0833/17, disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, a referida nulidade deve ser arguida no próprio processo de execução, perante o órgão de execução fiscal, de cuja decisão cabe reclamação nos termos do artigo 276.º do CPPT.
Acresce que o processo de oposição regulado nos artigos 203.º e seguintes do CPPT visa a extinção da execução fiscal (veja-se, neste sentido, entrou outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.09.2017, proferido no âmbito do processo n.º 0296/16, disponível em www.dgsi.pt).
Sendo o acto de citação posterior à instauração do processo de execução fiscal, os eventuais vícios do mesmo apenas inquinam os actos praticados em momento posterior e que dele dependam, pelo que não conduz à extinção do processo de execução fiscal.
Deste modo, a declaração de nulidade da citação deve também ser requerida no processo de execução fiscal, junto do órgão de execução fiscal, com possibilidade de reclamação da decisão que for proferida, nos termos do artigo 276.º do CPPT (neste sentido, vejam-se os acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.02.2007, proferido no processo n.º 0803/04, e de 24.02.2010, proferido no processo n.º 0923/08, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Por fim é de notar que a falta de entrega de cópia do título executivo também não constitui fundamento de oposição (cfr. neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.05.2010, proferido no âmbito do processo n.º 0125/10, disponível em www.dgsi.pt).
Face ao exposto, e sem necessidade de mais considerações, não pode ser conhecida no âmbito dos presentes autos a falta de requisitos essenciais do título executivo nem a nulidade da citação.”.

Dissente do assim decidido vem a Recorrente em sede recursiva, alegar desde logo a nulidade da sentença por omissão de pronúncia na medida em que defendeu que a citação efectuada é nula por falta da forma legal, prevista na alínea f) do nº 2 do artº 133º, do Código do Procedimento Administrativo, aqui aplicável “ex vi” do disposto no artº 2º, do CPPT, não tendo sido objecto de qualquer pronúncia por parte da Mmª Juiz “a quo”. Considera que a sentença está ferida de omissão de pronúncia, uma vez que se não pronunciou sobre questão essencial alegada, qual seja, a existência da ilegalidade prevista e enquadrável na alínea i) do artº 204º, do CPPT.

Mais alega erro de julgamento na medida em que considera que não obstante o processo executivo seja um processo informatizado, deve ser dado cumprimento ao previsto no artº 188º, do CPPT, e à excepção do prazo a que alude o nº 1, as demais imposições legais nele previstas e no nº 2, deverão ser cumpridas pelo órgão de execução, devendo a citação conter os elementos consagrados naquele normativo, sob pena de ser nula.

Concluindo que, em seu entender e ao contrário do decidido, a nulidade da citação e a falta de elementos essenciais do título executivo constituem, em concreto, fundamentos de oposição à execução, porquanto defende que uma “execução fiscal, ou de outra natureza, tem de ter como base um título executivo, como aliás se retira do disposto no artº 162º, do CPPT (…) o título executivo em questão não foi notificado à recorrente que, não só desconhece qual foi o que serviu de base à presente execução, como também se o mesmo existe (…). a citação da recorrente não foi acompanhada de cópia do título executivo. (…) a citação remetida à recorrente está ferida de nulidade, por violação do disposto nos artºs 190º e 163º nº 1, ambos do CPPT (…) integrando o fundamento constante da alínea i), do artº 204º, do CPPT.” Mais alega que importa “atentar na citação remetida à recorrente para se verificar que a mesma deveria ter vindo instruída com a competente liquidação, o que não sucedeu.”

Decidindo.

Atentas as conclusões do presente recurso importa desde já decidir da alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

De acordo com o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT, é nula a decisão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Será nula a sentença por omissão de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, pelo que importa analisar se, no caso concreto foram apreciadas todas as questões invocadas pela Oponente. As questões de que o juiz deve conhecer são, ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.
Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” .(cfr. Acórdão do TCA Sul de 24/03/2022 - proc. 481/15.8BECTB)


Importa salientar ainda que a petição inicial é o articulado onde o oponente expõe os fundamentos da acção e formula o pedido correspondente (cfr. art. 147º do CPC e art. 204º do CPPT), é na petição inicial que o oponente deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de extinção do processo de execução fiscal, com os fundamentos taxativamente enunciados no art. 204º do CPPT, regra que só conhece as excepções previstas nos artigos 264º e 265º do CPC (alteração e ampliação da causa de pedir), bem como o art. 588º do CPC (articulados supervenientes), aplicáveis por força do preceituado na alínea e) do art. 2º do CPPT.

No caso em apreço o juiz identificou desde logo que a oposição à execução foi apresentada com base nos seguintes fundamentos:
- omissão do despacho identificado no nº 1 do artigo 188º do CPPT;
- falta de elementos essenciais do título executivo e;
- nulidade da citação.

Compulsado o teor da decisão recorrida resulta que todas as questões suscitadas pela Oponente foram analisadas, tendo o tribunal a quo considerado que a oposição à execução não seria o meio processual adequado para o seu conhecimento.

A Recorrente alega a nulidade da sentença por não ter ocorrido pronúncia sobre a citação ser “nula por falta da forma legal, prevista na alínea f) do nº 2 do artº 133º, do Código do Procedimento Administrativo, aqui aplicável “ex vi” do disposto no artº 2º, do CPPT.” pelo que não se “pronunciou sobre questão essencial alegada, qual seja, a existência da ilegalidade prevista e enquadrável na alínea i) do artº 204º, do CPPT.”

Mas sem razão, porquanto tal como acima transcrito “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. Alberto dos Reis in CPC Anotado, vol V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão) pag. 143).

Ora no caso em apreço foi invocada a nulidade da citação e aduzidos argumentos que, do ponto de vista da Oponente, permitiriam chegar a essa conclusão, sendo que a questão (nulidade da citação) foi analisada pelo Tribunal, não ocorrendo qualquer omissão de pronúncia.

Em face do exposto improcede a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

A Recorrente alega ainda erro de julgamento afirmando que ao contrário do decidido, foram invocados em concreto fundamentos de oposição à execução.

Invoca a violação do disposto no art. 188.º do CPPT para concluir que a citação seria nula, defendendo ainda que a citação seria nula por falta da forma legal prevista na alínea f) do nº 2 do art. 133º do CPA, aplicável ex vi do art. 2º do CPPT, e que a citação não foi acompanhada de cópia do título executivo, concluindo assim que a citação está ferida de nulidade por violação do disposto nos artigos 190º e 163º, nº1 do CPPT.

Em suma os fundamentos invocados pela Oponente foram, a nulidade da citação (por diversos argumentos) e a falta de requisitos essenciais do título executivo, ora como resulta do art. 204º do CPPT tais fundamentos não constam do elenco taxativo do nº 1 desta disposição legal.

No entanto tais fundamentos podem sempre ser invocados em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal, com eventual reclamação para o tribunal tributário em caso de improcedência por parte daquele órgão.

Este entendimento tem sido adoptado de forma uniforme pela jurisprudência dos tribunais superiores, afirmando-se expressamente “O meio adequado para sindicar a nulidade da citação é arguição da nulidade da citação (artº 198º, nº 2 do Código de Processo Civil) no âmbito do processo de execução fiscal, com a garantia adicional de se poder reclamar do eventual acto de indeferimento de tal arguição de nulidade nos termos dos arts. 103º, nº 2 da Lei Geral Tributária e 276º do Código de Procedimento e Processo Tributário”. (cfr. Ac. STA de 17/12/2014 – proc. 01193/13, entre outros).

Da mesma forma se entende que, em relação à alegada falta dos requisitos essenciais do título executivo, que não se subsume a nenhum dos fundamentos previstos no art. 204º do CPPT, não podendo deste modo ser invocado no processo de execução fiscal. Nesse sentido veja-se o Acórdão do STA de 22/11/2017 – proc. 0833/17 ao afirmar claramente que “A nulidade por falta de requisitos essenciais do título executivo (falta que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – art. al. b) do nº 1 do art. 165º do CPPT) não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do art. 204º deste mesmo Código.”.

Destarte se conclui que o tribunal a quo fez a correcta interpretação e aplicação das normas jurídicas à situação em apreço, sendo improcedentes todos os fundamentos invocados pela Recorrente, sendo de negar provimento ao recurso.

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V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2023
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto