Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1044/18.1BELSB |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 10/15/2020 |
Relator: | JORGE PELICANO |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; ATRASO NA JUSTIÇA; ILICITUDE |
Sumário: | I. A nulidade da sentença por falta de fundamentação apenas se verifica quando a mesma não contém, em absoluto, os fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão proferida. II. As questões que o tribunal tem de decidir, sob pena de cometer a nulidade por omissão de pronúncia prevista no art.º 615.º, n.º1, al. d) do CPC, não se confundem com os fundamentos ou considerações invocadas pelas partes. III. Para aferir da violação do direito à obtenção de decisão em prazo razoável, há que considerar todo o tempo decorrido na primeira instância e nas instâncias de recurso. IV. Há ainda que atender às particularidades do processo, nomeadamente, à sua complexidade, ao comportamento das partes, à actuação das autoridades competentes no processo, à importância da questão em discussão para o interessado. V. Tendo o processo registado uma demora excessiva para a sua decisão de dois anos e sete dias, é de fixar, no presente caso, uma indemnização de dois mil euros. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: O ESTADO PORTUGUÊS vem, no âmbito da presente acção administrativa que contra si foi intentada pela L.... – S.... Ldª, recorrer da sentença que o condenou a pagar a esta sociedade a quantia de três mil quatrocentos e quarenta e oito euros e sessenta e três cêntimos, a título de indemnização pela demora excessiva registada na decisão do proc. n.º 1927/08.7BELSB. Apresentou as seguintes conclusões com as alegações do recurso: 1- O instituto da responsabilidade civil extracontratual pressupõe a existência de um facto ilícito, de um dano, da verificação do nexo de causalidade entre aquele facto e o dano e da culpa do agente (art.º 483º. nº 1 do CC e Lei nº 67/2007, de 31/12). Contudo o Tribunal "a quo” sem sequer se debruçar sobre a existência de um facto ilícito, invoca, desde logo a suposta alegação da existência de danos morais, encerrando assim o litígio. 2- Sucede que a verificação de danos decorrentes da violação do direito fundamental a decisão judicial num prazo razoável, depende intrinsecamente da existência de tal violação, e que no caso não foi minimamente demonstrado 3- O Tribunal "a quo" não conheceu dessa violação, e portanto da existência do facto ilícito e culposo, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, aqui em causa. 4- Só depois de objetivamente provada e fundamentada essa violação, é que funciona a presunção natural ou judicial de dano moral. 5- Termos em que o Juiz "a quo" deveria necessariamente ter aferido da existência de facto ilícito, antes de analisar os danos enquanto pressuposto da responsabilidade civil. 6- Verificando-se no caso sub judice. uma verdadeira omissão de pronúncia pelo Tribunal "a quo”, que desde já se invoca e que determina a nulidade da sentença recorrida, nos termos do art.º 615º. nº 1, al. d) do CPC. 7- Já que, o Tribunal "a quo” não conheceu em absoluto de todas as considerações feitas pelas partes, por as refutar desnecessárias para a produção de prova e consequente resolução da causa. 8- Isto é, no caso vertente, não apreciou os motivos e considerações invocadas pelas partes em sustentação do seu ponto de vista. 9- Nem sequer foram apreciadas as teses do Réu Estado, apresentadas na sua contestação. 10- A sentença recorrida carece do objectividade já que não está minimamente fundamentada, socorrendo-se, de apreciações para além de opinativa, teóricas e jurisdicionais. 11- Não decorre da lei que as acções ou omissões praticadas no exercício das "funções públicas, e por causa desse exercício, geram sempre” e automaticamente responsabilidade civil e por isso, um dano. 12- Termos em que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento. 13- Violando ainda o disposto no artº 615o, n° 1, als. b) e d) do C.P.C.” A Recorrida apresentou recurso subordinado, em que concluiu: 1) Conforme resulta de fls., a Autora/Recorrente interpôs a presente ação, pedindo a condenação do Réu no pagamento de € 15.000,00, alegando o que supra se transcreveu;
O Recorrente apresentou Resposta, em que pugna pela improcedência do recurso subordinado e pede que se dê provimento ao recurso por ele interposto. * O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº 2, e 146º, nº 4, do CPTA e dos artigos 5º, 608º, nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi art.º 140º do CPTA. Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões de recurso, se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia e ainda por falta de fundamentação. Não se verificando tal nulidade, há que decidir se a sentença deve ser revogada por incorrer em erro de julgamento ao ter condenado o Recorrente a pagar à Recorrida o montante indemnizatório de três mil quatrocentos e quarenta e oito euros e sessenta e três cêntimos, ou se, pelo contrário e conforme defende a Recorrida no seu recurso, esse montante dever ser fixado em quinze mil euros, por terem de se considerar ainda, no computo da demora excessiva na decisão do processo n.º 1927/08.7BELSB, os dois anos em que o mesmo tramitou na primeira instância, bem assim como a circunstância de, segundo alega a Recorrida, existirem outros danos a considerar por não lhe terem sido entregues os bens existentes nas lojas que explorava no aeroporto, tendo ficado impossibilitada de os comercializar. * FundamentaçãoDe facto Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto: 1) Em 26 de Agosto de 2008, a Autora apresentou, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção administrativa especial de anulação e declaração de nulidade - processo 1927/08.7BELSB (documento n.° 1 da PI e acordo das partes), tendo pedido: “1) A anulação e declaração de nulidade, da Deliberação tomada no dia 21/05/2008, pelo Conselho de Administração da Ré, tendo em conta o que acima se alegou, nomeadamente: ilegalidade, vício de forma, falta de fundamentação, tanto de facto como de direito, falta de quórum, incompetência, Inconstitucionalidade, violação do contrato e das licenças em vigor, e nulidade; 2) A anulação e declaração de nulidade, e todos os actos praticados pela Ré e seus representantes, no dia 01/06/2008, e acima descritos; 3) E em consequência de tal anulação e declaração de nulidade: A) A condenação da Ré, a retirar todos os tapumes e restante material que colocou a fechar a loja da Autora, e ainda ser condenada a permitir que a Autora exerça a sua a actividade comercial na loja, até ao Trânsito em julgado da Sentença Final a proferir nesta acção, entregando-lhe todas as mercadorias, objectos, móveis, etc., que retirou na loja, colocando-os no mesmo local onde se encontravam; B) A condenação da Ré, em liquidação de execução de sentença, a pagar à Autora todos os prejuízos que já sofreu com o fecho da loja desde o dia 1/06/2008, bem como aqueles que irá sofrer até à sua abertura, ou sentença transitada em julgado a proferir no âmbito desta acção; C) A Ré de ser condenada a pagar à Autora, nos termos do disposto no artigo 829°-A do Código Civil, uma indemnização provisória, a título de sanção pecuniária compulsória, no montante de 5.000,00 € diários, devendo a Ré ser condenada de igual montante a favor do Estado - n° 3 da mesma disposição legal - visto que este era o lucro diário em média, que a Autora tirava daquela loja, e deixou de podê-lo receber, em virtude do fecho da mesma, desde o dia 1/06/2008, derivado exclusivamente ao comportamento da Ré, até à data do trânsito em julgado da sentença final a proferir nesta acção ou até à entrega efectiva da loja pela Ré, à Autora, caso a Ré no decorrer desta acção, não permita a utilização da loja pela Autora; D) Deverá condenar-se também a Ré a pagar à Autora, a referida quantia indicada no n° anterior, acrescida dos juros à taxa prevista, no n° 4 do artigo 829-A do CC.; E) Deve ainda a Ré ser condenada a título de abuso de direito, nos termos do disposto no artigo 334° do Código Civil, em indemnização a fixar pelo Tribunal, a favor da Autora, mas que nunca deve ser inferior a 2.000,00 € diários, tendo em conta que a Ré tem lucros anuais superiores de 10.000.000,00 de Euros, e paga vencimentos, prémios, quantias a título de representação, etc., aos seus Administradores, superiores ao ordenado do Exmo. Sr. Presidente da República; F) Tem ainda a Ré, bem como os seus legais representantes que tomaram parte na deliberação, ou fizeram a sua minuta, ou contribuíram para o fecho da loja da Autora, serem condenados solidariamente, como litigantes de má fé, em quantia a fixar pelo Tribunal, que não deverá ser inferior a 10.000,00 €, nos termos do disposto nos artigos 456° e 457°do CPC, aplicável ao caso em concreto em virtude do disposto no artigo 1° do CPTA, acrescido das quantias que a Autora terá de suportar, com esta acção, nomeadamente: a) Taxas de justiça; b) Fotocópias; c) Cartas Registadas; d) Correio electrónico; e) Faxes; f) Deslocações dos gerentes da Autora ao Tribunal; g) Deslocações do Mandatário da Autora ao Tribunal; h) Estacionamentos dos carros aquando das deslocações; i) Preparos para Perícias, ou peritagens, que se venham a realizar, no âmbito do processo; j) Honorários ao Mandatário da Autora; k) Todas as despesas que comprovadamente a Autora suportar com esta acção, e que não estejam incluídas nas rubricas anteriores; l) Etc. 4) Custas a cargo da Ré.”; 2) Em 21 de Outubro de 2008, a Ré veio deduzir contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação, pugnando pela improcedência da acção (acordo das partes); 3) Em 2 de Dezembro de 2008, a Autora respondeu às excepções deduzidas Ré (documento 2 da PI acordo das partes); 4) Em 2 de Fevereiro de 2010 foi proferido Despacho Saneador, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde se decidiu pela incompetência material, nos seguintes termos: “A presente ação prosseguirá, assim, apenas para conhecimento das referidas invalidades, assacadas à deliberação de 21.05.2007 e para conhecimento do pedido formulado na alínea 1) do petitório (...) Não tendo sido requerida a dispensa de alegações finais (cf. Artigos 78° n° 4 e 91o, n° 4 do CPTA), o que permitiria conhecer desde já o pedido nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 87° do CPTA, notifiquem-se as partes para, querendo, apresentarem alegações sucessivas, no prazo de 20 dias para cada parte, nos termos e para os efeitos nos n° 4 e 5 do art. 91°do CPTA”. (documento n.° 3 da PI e acordo das partes); 5) Em 22 de Fevereiro de 2010 a Autora interpôs recurso solicitando a revogação do Despacho recorrido (Documento n.° 4 da PI e acordo das partes); 6) Em 5 de Maio de 2010 foi indeferida a pretensão da Autora (documento n.° 5 da PI e acordo das partes); 7) Em 17 de Maio de 2010 a Autora reclamou da decisão para o Presidente do Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul no qual requereu a revogação do Despacho reclamado (documento n.° 6 e acordo das partes); 8) Em 17 de Janeiro de 2011 foi proferida decisão pelo Presidente do TCA Sul a qual teve como conclusão: “Em face ao exposto, decide-se desatender a presente reclamação, devendo os presentes autos baixarem à 1a Instância para aí prosseguirem os seus termos (...)” (documento n.° 7 da PI e acordo das partes); 9) Em 24 de Agosto de 2010 foi proferida Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa no qual se concluiu o seguinte: “com os fundamentos expostos julga-se totalmente improcedente a presente ação” (documento n.° 8 da PI e acordo das partes); 10) Em 15 de Setembro de 2010 a Autora interpôs recurso para o TCA Sul (documento n.° 9 e acordo das partes); 11) Em 16 de Janeiro e 2012 a Autora foi notificada para apresentar alegações sintéticas, nos seguintes termos “Fica por este meio devidamente notificado(a) V. Exª nos termos e para os efeitos do disposto no art.°685.°-A, n.°3, do Código de Processo Civil’ (documento n.° 10 da PI e acordo das partes); 12) Em 23 de Janeiro de 2012 a Autora apresentou novas alegações (documento11 da PI e acordo das partes); 13) Em 22 de Junho de 2012 foi proferido acórdão pelo TCA Sul, concluindo o seguinte: “Em face de todo o exposto, acordam os juízes que compõem a secção de Contencioso Administrativo, 2.° Juízo, deste TCAS, em rejeitar o recurso jurisdicional interposto da sentença do TAC de Lisboa e não conhecer do seu objecto”. (documento n.° 12 da PI e acordo das partes); 14) Em 3 de Setembro de 2012 a Autora interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), tendo concluído o s seguinte: “pelos fundamentos acima expostos, requer-se a REVOGACÃO do Acórdão recorrido’’ (documento n.° 13 da PI e acordo das partes); 15) Em 30 de Abril de 2015 foi admitido o recurso apresentado pela Autora, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (documento n.° 14 da PI e acordo das partes); 16) Em 28 de Maio de 2015 foi proferido Acórdão do STA, onde foi decidido não admitir o recurso, afirmando que não havia clara necessidade da revista para melhor aplicação do direito (documento n.° 15 e acordo das partes); 17) Em 14 de Julho de 2015 foi proferido complemento ao Acórdão, fixando as custas com o processado (documento n.° 16 da PI e acordo das partes); 18) Em 2 de Setembro de 2015, tal decisão foi comunicada à Autora (documento n.° 16 e acordo das partes); 19) Em 12 de Setembro de 2015, a decisão final transitou em julgado. * DireitoDa nulidade da sentença recorrida. Defende o Recorrente que a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação e ainda por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º1, als. b) e d) do CPC. Alega que a sentença não conheceu do pressuposto relativo à ilicitude e entende que não se pode dar por demonstrada a violação do direito à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável. Diz que a sentença não ponderou os motivos e as considerações que as partes apresentaram no processo, nomeadamente as relacionadas com as particulares condições de serviço existentes no tribunal, as especificidades do processo, ou a duração deste imposta pelo cumprimento de formalismos legais, acabando por defender que a sentença não se encontra fundamentada. Não lhe assiste razão. Quanto à alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação, há que ter presente que essa nulidade apenas se verifica quando a sentença não contém, em absoluto, os fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão proferida – cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, vol. V, pág. 140. Fernando Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 2003, 5ª Edição, págs. 48 e 49, refere que “A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso. Para que haja falta de fundamentos de facto, como causa de nulidade de sentença, torna-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que considere provados, de harmonia com o que se estabelece no n.° 3 do art. 659.°, e que suportam a decisão. No que concerne aos fundamentos de direito, duas notas se impõe destacar: à uma, o julgador não tem que apreciar todas as razões jurídicas produzidas pelas partes, se bem que não se encontre dispensado de resolver todas as questões por elas suscitadas; à outra, não é forçoso que o juiz indique as disposições legais em que baseia a sua decisão, bastando que mencione as regras e os princípios jurídicos que a apoiam.”. No caso, refere-se na sentença recorrida que o proc. n.º 1927/08.7BELSB esteve pendente durante sete anos e dezasseis dias desde a data da sua interposição até à data do trânsito em julgado da sentença do STA que lhe pôs fim. Diz-se aí que não se registaram na primeira instância “momentos mortos”, apenas se tendo verificado atrasos violadores do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável aquando da tramitação do processo no TCA e no STA e que o atraso indevido do processos nas instâncias de recurso foi de dois anos, nove meses e sete dias Entendeu-se, por isso, existir violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável consagrado no art.º 20.º, n.º 4 da CRP e no art.º 6.º, n.º 1 da CEDH, tendo-se dado por preenchidos os pressupostos de que depende o nascimento da obrigação de indemnização, incluindo o relativo à ilicitude e à culpa. Há, assim, que concluir que a sentença recorrida contém os fundamentos de facto e de direito que sustentam a decisão aí tomada, pelo que não é nula - art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC. Relativamente à nulidade da sentença por omissão de pronúncia deve ter-se presente que o tribunal não tem de tomar posição perante todos e cada um dos fundamentos ou raciocínios que são invocados pelas partes para a sustentação das posições que se apresentam a defender. O Tribunal está obrigado a conhecer, de forma fundamentada, das questões colocadas no processo, conforme determina o art.º 95.º, n.º1 do CPTA. As questões que o tribunal tem de decidir, sob pena de cometer a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º1, al. d) do CPC, não se confundem com os fundamentos ou considerações invocados pelas partes. Conforme se refere no cfr. ac. do STA, datado de 12/09/2018, proc.º n.º 01411/16, acessível em www.dgsi.pt., «O conceito de «questões» abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e das causas de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem», motivo por que, «[p]ara se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 10 b) ao art. 125.º, págs. 363/364). (…)”. Há nulidade por omissão de pronúncia “quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio”. Ora, no caso, o Recorrente não aponta qualquer questão que tenha ficado por decidir. Apenas diz que não foram considerados fundamentos que invocou. Tal situação não importa a nulidade da sentença. Do mérito. O Recorrente defende que a sentença recorrida sofre de erro de julgamento ao ter considerado que foi violado o direito à obtenção de decisão em prazo razoável. Alega que não se provou qualquer facto ilícito. Estatui o art.º 9.º, aplicável por força da remissão efectuada pelo art.º 12.º, ambos do regime jurídico da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que: “1 - Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos. 2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”. No caso, o facto ilícito consubstancia-se na violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, consagrado no art.º 20.º, n.º 4 da CRP e no art.º 6.º, n.º 1 da CEDH. Para aferir da existência da referida ilicitude enquanto pressuposto constitutivo da obrigação de indemnização, há que atender às particularidades do processo, nomeadamente, à sua complexidade, ao comportamento das partes, à actuação das autoridades competentes no processo, à matéria em causa no litígio, à importância da questão em discussão para o interessado – confiram-se os casos Frylender c. France [GC], n.º 30979/96, § 43, CEDH 2000-VIII, Ferreira Alves c. Portugal, queixas n.ºs nº 13912/08, 57103/08 e 58480/08 e Valada Matos das Neves c. Portugal, queixa n.º 73798/13, in http://cmiskp.echr.coe.int.. Na jurisprudência nacional, vejam-se, entre outros, os acórdãos do STA de 28.11.2007, proc. n.º 308/07, e de 13/07/2016, proc.º n.º 0783/14, acessíveis em www.dgsi.pt. Provam os autos que a P.I. do proc. n.º 1927/08.7BELSB foi remetida para o Tribunal a 26/08/2008. Nesse processo, a Recorrida impugnou, com fundamento em vários vícios, a deliberação de 21/05/2008 do Conselho de Administração da A.... – A...., S.A., que determinou a entrega livre e desocupada da loja que explorava no aeroporto de Lisboa e ainda os actos praticados pelos “representantes da Ré” no dia 01/06/2008, que fecharam a loja e se “apropriaram” da mercadoria e móveis ali existentes. Formulou aí os vários pedidos de anulação e indemnizatórios que constam do ponto 1) da matéria de facto. Foi apresentada Contestação em 21/10/2008; resposta à matéria excepcionada em 02/12/2008. O despacho saneador, com conhecimento de várias excepções, incluindo a ineptidão parcial da P.I., foi proferido em 02/02/2010. Em 22/02/2010 foi deduzido recurso desse despacho; em 05/05/2010 foi proferido despacho de não admissão desse recurso; em 17/05/2010 foi apresentada reclamação desse despacho para o Presidente do TCAS, que a decidiu em 17/01/2011, desatendendo-a. A sentença, que conheceu de mérito, foi proferida em 24/08/2010. Em 15/09/2010 foi deduzido recurso da sentença; em 16/01/2012 foi proferido despacho a convidar ao aperfeiçoamento das alegações de recurso. Em 23/01/2012 foram apresentadas novas alegações. Em 22/06/2012, o TCA notificou o acórdão que rejeitou o recurso interposto por as conclusões de recurso se apresentarem complexas, prolixas, envoltas numa “nebulosidade expositiva” que não permitia determinar se o recurso tinha por objecto a sentença proferida na primeira instância ou os actos impugnados. Em 03/09/2012 foi deduzido recurso para o STA, tendo sido admitido em 30/04/2015. A 28/05/2015 o STA proferiu acórdão que não admitiu o recurso, tendo ainda complementado essa decisão em 14/07/2015 com novo acórdão que fixou as custas. A notificação desse acórdão à aqui Recorrida ocorreu a 02/09/2015, tendo o trânsito em julgado ocorrido a 12/09/2015. Para a complexidade apresentada pelo processo em muito contribuíram as deficiências da P.I. (bem evidenciadas no despacho saneador, em que se concluiu, entre o mais, pela ineptidão parcial da P.I.), bem assim como as prolixas e nebulosas alegações de recurso apresentadas para o TCAS pela ora Recorrida, que acabaram por levar à sua rejeição. Não podemos, por isso, acompanhar a sentença recorrida quando afirma que as partes não litigaram com especial imperícia, pois não é essa a conclusão a retirar perante o teor da P.I. e do referido recurso interposto pela ora Recorrida para o TCAS. Por outro lado e contrariamente ao que defende o Recorrente, não relevam as supostas dificuldades existentes no tribunal, ou as condições em que o juiz ali prestou serviço, pois cabe ao Estado dotar os tribunais dos meios suficientes para estes poderem decidir os processos atempadamente, em observância do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável – cfr. Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, 2005, 3ª Edição, págs. 148 e 149 e ainda, entre outros, o ac. do STA de 21/5/2015, proc. n.º 72/14, www.dgsi.pt. Como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág 417, “A não observância do princípio da razoabilidade temporal na duração do processo só poderá ser justificada nos casos de particular dificuldade ou extensão, mas dificilmente poderão considerar-se causas justificativas do «atraso» as insuficiências materiais e humanas (tribunais, pessoas, organizações) ou as deficiências regulativas do processo”. Isabel Celeste M. Fonseca, “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! – Ac. do STA de 9.10.2008, P. 319/08”, in CJA n.º 72, págs. 45 e 46, dá conta que a jurisprudência do TEDH tem entendido que, para aferir do prazo razoável, há que ter presente qual é a duração normal do tipo processual em causa e que “a duração em média em 1ª instância deve corresponder a 3 anos, ou dois anos e sete meses, se atendermos às causas em matéria laboral ou relativas a pessoas. E a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, sublinhe-se de novo, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais, em que 2 anos pode significar duração excessiva, tendo em conta a particularidade de certas situações jurídicas litigiosas”. Na sentença recorrida entendeu-se que o prazo razoável para decidir o proc. n.º 1927/08.7BELSB, é de quatro anos. A Recorrida entende que na primeira instância registaram-se períodos mortos, em que o processo esteve parado, os quais devem ser considerados para o cálculo da indemnização que lhe deve ser atribuída e que diz ascender a 15.000,00€, alegando que a sentença recorrida sofre, por isso, de erro de julgamento. Para aferir da violação do direito à obtenção da decisão em prazo razoável, há que considerar todo o tempo decorrido na primeira instância e nas instâncias de recurso. No caso, entre a data em que foi interposta a acção e a data do trânsito em julgado do acórdão do STA que não admitiu o recurso, decorreram sete anos e dezasseis dias. Tal prazo, como vimos, ultrapassa a duração média que um processo desta natureza, com as concretas particularidades por este evidenciadas, deve ter. Considerando a tramitação processual observada no presente processo, acima indicada, de que se destaca a complexidade do despacho saneador, para que muito contribuíram as deficiências da P.I. e a ininteligibilidade das alegações de recurso para o TCAS e atendendo ainda a que houve lugar à apresentação de uma reclamação para o Presidente do TCAS, um recurso para o TCAS, bem assim como um recurso de revista para o STA, que não foi admitido, entende-se que a duração razoável do processo n.º 1927/08.7BELSB é de cinco anos. Há, assim, que concluir que o prazo de sete anos e dezasseis dias que decorreu entre a data de interposição da acção e a data do trânsito em julgado do acórdão do STA que lhe pôs fim, viola o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, garantido pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e pelo artigo 6.º, § 1.º, da CEDH, pelo que a sentença recorrida não errou ao dar por preenchido o pressuposto relativo à ilicitude. Não há, no presente caso, que determinar ainda os atrasos que atomisticamente se terão verificado aquando da tramitação do processo na primeira instância. Tais atrasos já foram considerados no juízo que se efectuou sobre a duração global que o processo poderia atingir para que fosse respeitado o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável – cfr. o ac. do STA, datado de 09/10/2008, proc. n.º 0319/08, acessível no sítio www.dgsi.pt. Quanto ao pressuposto relativo à culpa e contrariamente ao defendido pelo Recorrente, também há que o dar por verificado, tal como decidiu a sentença recorrida. Provada a ilicitude, que, no caso, resulta da demora excessiva do processo imputada ao mau funcionamento do serviço há que concluir pelo preenchimento do pressuposto relativo à culpa (artigos 7.º, n.ºs 3 e 4, 9.º, n.º 2 e 10.º da Lei sobre a responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas), uma vez que esta “resulta da ilicitude e do próprio facto de o serviço não funcionar de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e que constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos” - cfr. Acórdão do STA, de 09-10-2008 (Processo n.º 0319/08), disponível em www.dgsi.pt Relativamente ao montante indemnizatório, a Recorrida vem alegar que sentença recorrida errou ao fixar esse montante em 3.448,63€ e defende que o mesmo deve ser de 15.000,00€. Para tanto alega que se dedica ao comércio de calçado, vestuário, ourivesaria/filigranas, artigos e produtos tradicionais e nacionais, actividade essa que desenvolvia nas lojas que explorava nos aeroportos de Lisboa e de Faro, de onde diz ter sido despejada ilegalmente e que, a procederem os pedidos que deduziu no Processo n.° 1927/08.7BELSB, voltaria a trabalhar e a explorar a loja em que, há décadas, desenvolvia a sua actividade no aeroporto de Lisboa, obtendo o correspondente lucro. Diz que, “desde o início do processo até ao seu encerramento, data em que ficou definitivamente conhecedora do resultado judicial”, suportou a incerteza do seu desfecho, o que provocou: -problemas na gestão de pessoal, nomeadamente na gestão e integração de quem trabalhava nas lojas (que foram despejadas pela A…..), nos armazéns (que forneciam o stock dessas lojas) e no escritório (que tratavam de tudo o que tinha a ver com recursos humanos e contabilidade); -problemas na aquisição de artigos (para venda naquelas lojas) aos fornecedores que já tinham encomendas realizadas (e que mais tarde vieram a ter de ser canceladas) pelo facto de, no decorrer do tempo, os produtos ficaram obsoletos e fora de moda (ou seja, não comercializáveis); - impossibilidade de receção dos artigos (e restantes bens) que ficaram na posse da A.... . na sequência dos despejos ilegais (nomeadamente artigos para venda, mobília, ar condicionado, caixas registradoras, computadores, etc.). Refere que, ainda hoje, não tem na sua posse os referidos bens. Estatui o artigo 563.º, do Código Civil, que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”. Verifica-se que os danos que a Recorrida invoca não foram dados como provados na sentença recorrida. Tal decisão não foi objecto de recurso. No entanto, isso não significa que inexistam danos a indemnizar. Conforme se refere na sentença recorrida, ao chamar à colação a doutrina do caso C…., S.A., contra Portugal, as sociedades comerciais também podem sofrer danos de natureza não patrimonial com a excessiva demora do processo, tendo aí o TEDH decidido que os danos não patrimoniais sofridos pelas sociedades comerciais podem incluir a respectiva reputação, a incerteza no planeamento da decisão, a ruptura na gestão da empresa e, por último, ainda que em menor grau, a ansiedade e incómodos causados aos membros da equipa de gestão. Na sentença recorrida decidiu-se que “no caso dos autos, apenas serão de considerar os danos que se presumem resultar da violação do direito à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável, nos termos propugnados pelo TEDH no acórdão proferido em 29 de Março de 2016, no âmbito do processo n.° 62361/00 (caso Riccardi Pizzati v. Italy), e já não aqueles que foram expressamente alegados pela Autora, os quais não foram demonstrados, por qualquer forma, nos presentes autos. Por seu turno, importa destacar ainda que dos autos não resulta, uma qualquer especial urgência na obtenção dessa decisão pela Autora, que não aquela que é inerente à expectativa de uma qualquer pessoa que intenta uma acção judicial. (…)”. A Recorrida insurge-se contra a parte da sentença que limita a indemnização aos danos de natureza não patrimonial “comuns”. É certo que a Recorrida é uma sociedade comercial e que, ao que tudo indica, estava pendente do resultado dos autos para poder vir a retomar a sua actividade nas lojas que foram encerradas. Contudo, não resultam provados quaisquer outros danos. Pelo que a indemnização apenas pode considerar os que se presumem ocorrer no âmbito de qualquer sociedade que se encontre na mesma situação a aguardar pelo resultado do processo. Veja-se, quanto à admissibilidade de indemnização deste tipo de danos sofridos por sociedades, o ac. do TCAS, datado de 22/5/2014, proc. n.º 07822/11, acessível no sítio www.dgsi.pt.
Relativamente ao montante indemnizatório, a sentença recorrida fixou-o em 3.448,63€. Invocou a doutrina expressa no ac. do TCAS de 12 de Maio de 2011, proferido no processo n.° 07472/11, em que se considera que a “(...) grelha estabelecida pelo TEDH no “caso Musci C. Itália ” (P. 64699/01) variável entre 1000 e 1500 Euros por cada ano de demora do processo”, constitui “uma mera base de partida, susceptível de ser aumentada ou diminuída, de acordo com os danos concretos, a importância dos interesses em jogo e o comportamento do requerente eventualmente justificativo da demora». Na sentença recorrida considerou-se que o período a atender para efeitos da apreciação da responsabilidade do Réu pela violação do direito à obtenção de decisão em prazo razoável, é de dois anos, nove meses e sete dias e que “considerando os danos não patrimoniais sofridos pela Autora e visando a reparação compensar essencialmente o lesado pelos prejuízos causados pela delonga processual, e que seria razoável que a tramitação do processo n.° 1927/08.7BELSB não tivesse ultrapassado o prazo devido, afigura-se, com recurso à equidade, adequado o montante de €1.250,00, por ano de atraso, para ressarcir os danos não patrimoniais sofridos pela Autora, tendo, assim, direito a receber do Réu uma indemnização no valor de € 3.448,63 (três mil quatrocentos e quarenta e oito euros e sessenta e três cêntimos) - €1.250,00 por cada ano de atraso, acrescido do proporcional pelos restantes dias). Considerando, contudo, que se entende que o prazo de duração razoável do processo n.º 1927/08.7BELSB é de cinco anos, há que alterar o montante indemnizatório fixado na sentença recorrida. Lisboa, 15 de Outubro de 2020. O relator consigna que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento. Jorge Pelicano Celestina Castanheira Ricardo Ferreira Leite |