Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1442/18.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/07/2022
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO CRÍTICA DA PROVA
Sumário:I - O exame crítico da prova deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu num determinado sentido e não noutro.

II – No caso, é uma aparência de fundamentação a que encontramos na sentença, pois, efetivamente, ficou por evidenciar o percurso seguido pelo Tribunal a quo para alcançar o julgamento da matéria de facto que consta da decisão.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I– RELATÓRIO

A Fazenda Pública, discordando da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por P ………………………… à execução fiscal nº………………….. e apensos que lhe foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa-3, com vista à cobrança coerciva de dívidas ficais referentes a taxas de portagens, coima e custos administrativos, no montante total de € 5.367,83, veio dela recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações que apresenta, acompanhadas de um documento, formula as seguintes conclusões:

«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Oposição Judicial apresentada nos termos do disposto no art.204º e seguintes do CPPT, por considerar que os processos de execução fiscal n.ºs …………………… e apensos foram instaurados com base em certidões de dívida extraídas dos processos de contra-ordenação no pressuposto de que tais decisões se tornaram definitivas quando, afinal, não o eram, uma vez que não haviam sido notificadas as liquidações das taxas, igualmente não se tornam exigíveis as coimas. A decisão adoptada teve ainda como fundamento a falta de notificação da decisão que aplicou a coima, o que consubstancia, em seu entendimento, a nulidade do título executivo, nos termos do disposto na alínea b) do nº1 do artº165º.

B. No entendimento da Representação da Fazenda Pública e salvo melhor opinião, a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” encontra-se inquinada parcialmente por vício formal consagrado no artigo 125º, nº1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT) e na primeira parte da alínea c) do nº1 do art.615º do Código de Processo Civil (doravante CPC) - aplicável ao processo tributário por força do disposto na alínea e) do art.2º do CPPT.

C. No caso concreto, e não obstante o Ilustre Tribunal “a quo” apreciar, na matéria de facto julgada provada (ponto M) dos factos provados), em consonância, aliás, com o que enuncia no relatório da douta Sentença e no início da fundamentação de direito da mesma, a questão controvertida da validade e eficácia das notificações das decisões de aplicação de coima efectuadas no âmbito dos processos de contra-ordenação identificados nos autos, que se prende com a exigibilidade das dívidas exequendas, conclui, em momento imediatamente anterior ao Dispositivo, no seguinte sentido: “Assim e com base nessa falta de notificação da decisão que aplicou a coima, entende-se que os títulos executivos são nulos, nos termos do artº165º, nº1 al. b)”.

D. Com efeito, não obstante a nulidade do título executivo ser de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no nº4 do art.165º do CPPT, em momento algum da douta Sentença o Ilustre Tribunal “a quo” aprecia, quer de facto, quer de direito, os pressupostos da existência de tal vício, em termos que fizessem prever a decisão que declara a nulidade do título executivo por falta dos seus requisitos essenciais.

E. No que concerne ao julgamento da matéria de facto da douta Sentença exarada, impõe-se denotar que na fundamentação de facto da douta Sentença exarada, fixa-se a matéria de facto provada, não se fazendo qualquer alusão à factualidade julgada não provada, verificando-se, portanto, salvo devido respeito por melhor opinião, falta da fundamentação da douta Sentença relativamente aos factos não provados, em violação do disposto no nº4 do art.607º do CPC.

F. Por outro lado, na douta Sentença exarada não consta qualquer motivação da decisão sobre a matéria de facto, conforme impõe os n.ºs 4 e 5 do art. 607º do CPC, não sendo possível, portanto, apreender quais as razões objectivas e racionais pelas quais tais meios obtiveram no seu espirito credibilidade, de modo a compreender-se o itinerário cognoscitivo seguido para consideração de determinado facto como provado.

G. Acresce ainda que, para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer, nos termos do nº1 do artigo 99.º da Lei Geral Tributária e nº1 do artigo 13º do CPPT.

H. Confrontadas as disposições legais do art.99º da LGT e 13º do CPPT com os artigos 6º e 7º do CPC, verificamos que, no processo judicial tributário, não compete ao juiz recusar o que for impertinente ou meramente dilatório, mas ordenar o que for útil e necessário.

I. Voltando ao caso concreto, e considerando o teor das notificações efectuadas pela Via Verde, que foram juntas aos autos pela Representação da Fazenda Pública, como documento nº1 junto com o articulado de contestação, impunha-se ao Ilustre Julgador que, se dúvidas restassem relativamente a qual a morada do ora recorrido constante da Conservatória do Registo Automóvel à data em que foram efectuadas as referidas notificações, ordenasse que fosse oficiado o Instituto de Registos e Notariado, no sentido de informar os autos de primeira instância de tal facto, assim apurando a verdade material dos factos, diligência que não foi adoptada, não obstante se revelar da mais elementar importância para a decisão de mérito a alcançar no caso concreto.

J. A este respeito se diga que, atenta a flagrante violação do princípio do inquisitório em processo tributário pelo Ilustre Tribunal “a quo”, se revelou necessário a junção às presentes alegações de recurso do documento que ora se junta, nos termos do disposto no nº1 do art.651º do CPC.

K. Considerando as disposições legais vigentes em matéria de notificação da falta de pagamento de taxas de portagens, e previstas na Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, que enunciaremos no recurso da matéria de direito, a Fazenda Pública não poderia supor a necessidade de junção do documento que ora se apresenta nas presentes alegações de recurso, sendo que apenas a decisão de primeira instância criou, pela primeira vez a necessidade de junção de tal documento, comprovativo de que o próprio recorrido declarou, junto da Conservatória do Registo Comercial, aquando da aquisição do veículo com a matrícula …………, com a qual foram praticadas as infracções que deram origem aos processos de execução fiscal objecto de Oposição à Execução, ter residência habitual na morada sita na “Travessa …….. n.º 9 R/C Esq. – ……., …….”.

L. Por outro lado, com o devido respeito e salvo melhor opinião, a Fazenda Pública entende que foram incorrectamente julgados os pontos de facto que constam dos artigos 6º, 9º, 12º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 26º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º e 35º da contestação apresentada nos autos pela Fazenda Pública, verificando-se ter ocorrido errada valoração da prova documental que integra os autos de primeira instância.

M. Do teor do documento do documento nº1 junto aos autos com o articulado de contestação, conjugado com o documento que ora se junta às presentes alegações de recurso, resulta provado que no âmbito do processo n.º……………, o ora recorrido foi notificado através de carta registada com Aviso de Recepção, datada de 31/03/2014, a que corresponde o registo dos CTT nºRN…………….PT, tendo a mesma vindo devolvida e sido reenviada através de carta simples, emitida em 10/04/2014, sendo que ambas as notificações foram remetidas para o domicílio do ora recorrido, de acordo com os dados constantes do registo na Conservatória de Registo Automóvel.

N. Do referido documento nº1, conjugado com o documento que ora se junta às presentes alegações de recurso, resulta ainda provado que, no âmbito do processo nº ……., o ora recorrido foi notificado através de carta registada com Aviso de Recepção, datada de 31/03/2014, tendo a mesma vindo devolvida e sido reenviada através de carta simples, emitida em 10/04/2014, sendo que ambas as notificações foram remetidas para o domicílio do ora recorrido, de acordo com os dados constantes do registo na Conservatória de Registo Automóvel.

O. Por outro lado, do referido documento n.º1, conjugado com o documento que ora se junta às presentes alegações de recurso, resulta ainda demonstrado que, no âmbito do processo nº………….., o ora recorrido foi notificado através de carta registada com Aviso de Recepção, datada de 24/02/2014, a que corresponde o registo dos CTT nºRN……………….PT, remetida para o domicílio do ora recorrido, de acordo com os dados constantes do registo na Conservatória de Registo Automóvel, tendo o aviso de recepção sido assinado em 28/02/2014 por terceira pessoa.

P. Do referido documento nº1 consta ainda demonstrado que no teor das notificações efectuadas pela Via Verde no âmbito dos processos n.ºs …………, …………… e …………… consta expressamente que “as notificações via postal, consideram-se efectuadas quando enviadas para o domicílio ou sede do notificando, de acordo com os dados constantes do registo na Conservatória do Registo Automóvel, relativamente ao titular do documento de identificação do(s) veículo(s) identificado(s) nos documentos anexos à presente notificação, nos termos do nº1 do art.14º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho”.

Q. Por outro lado, do teor da afirmação feita pelo ora recorrido nas alegações apresentadas nos autos de primeira instância nos termos do disposto no art.120º do CPPT (“é evidente que fica demonstrado que o oponente foi efectivamente notificado da aplicação das coimas”), conjugado com o teor dos documentos n.ºs 2 e 3 juntos aos autos com o articulado de contestação, resulta demonstrado que o ora recorrido foi notificado, nos termos do disposto no nº2 do art.79º do RGIT, no âmbito dos processos de contra-ordenação identificados no ponto A) dos factos provados na douta Sentença, através de cartas registadas remetidas para o seu domicílio fiscal, sito na R. da …………., nº60 - 3º, em ………….., tendo as mesmas sido recebidas na morada de destino, considerando-se o recorrido notificado no 3º dia útil posterior às data dos registos dos CTT.

R. Pelo supra exposto, os factos supra mencionados, porque demonstrados com base em prova documental, deverão ser aditados à factualidade julgada provada pela douta Sentença exarada.

S. No que concerne à fundamentação de direito da douta Sentença exarada, com a devida vénia, em nosso entendimento a mesma peca por insuficiente fundamentação, na medida em que não fundamenta, juridicamente a conclusão a que chega, no sentido de que o ora recorrido não foi notificado das taxas de portagem.

T. Com a devida vénia, a decisão de direito alcançada olvida por completo o regime jurídico vigente que determina as formalidades legais que devem presidir à notificação das taxas de portagem por parte das entidades concessionárias das rodovias em que as mesmas são devidas - a Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.

U. Com efeito, e em respeito às notificações previstas no art.10º da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho, estipula o nº 1 do artº14.º do mesmo Diploma Legal, na versão em vigor à data dos factos, o seguinte: “As notificações previstas no artigo 10º efectuam-se por carta registada com aviso de recepção, expedida para o domicílio ou sede do notificando”.

V. Posto isto, importa, portanto, apreciar qual a morada que o legislador considerou como correspondendo ao domicílio ou sede do notificando, sendo que essa noção é dada pela própria Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, manifestando-se desnecessária o recurso a uma interpretação supletiva.

W. Com efeito, no art.11º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho o legislador fez constar expressamente de que forma será efectuado o acesso, por parte das entidades gestoras dos sistemas electrónicos de portagem, e no caso de não ser possível identificar o condutor do veículo no momento da prática da contra-ordenação, aos dados, constantes do n.º2 do art.10º do mesmo Diploma Legal, das entidades identificadas no nº 3 do art. 10º do mesmo Diploma Legal, ou seja, aos dados do proprietário, adquirente com reserva de propriedade, usufrutuário, locatário em regime de locação financeira ou detentor do veículo.

X. Ora, o nº2 do art.10º da Lei n.º25/2006, de 30 de Junho, por referência aos dados que deverão constar da identificação do condutor do veículo, feita pelo titular do documento de identificação do mesmo, enuncia os seguintes dados, que são acessíveis às entidades concessionárias mediante protocolo a celebrar entre as referidas entidades e o Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., constantes das Conservatórias do Registo Automóvel: a) nome completo; b) Residência completa; c) Número de identificação fiscal, salvo se se tratar de cidadão estrangeiro que não tenha, caso em que deverá ser indicado o número da carta de condução.

Y. Mais se refira que não é por acaso que o legislador fez constar expressamente da norma legal do art. 11º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, mais concretamente no seu n.º 3, a competência das entidades concessionárias, subconcessionárias, às entidades de cobrança das taxas de portagem e às entidades gestoras de sistemas electrónicos de cobrança de portagens para efectuar “as notificações”, sendo que, atenta a sistemática que preside ao normativo legal em que se insere, o termo plural “notificações” apenas poderá ser interpretado no sentido de se referir às notificações efectuadas após a emissão do auto de notícia (a que se refere o nº1 do art. 11º), ou seja, às notificações previstas expressamente neste Diploma Legal, no seu artigo 10º.

Z. Assim sendo, conclui-se que a Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho é expressa e clara ao determinar que quer para efeitos de emissão do auto de notícia, quer para efeitos das decorrentes notificações previstas no art.10.º do mesmo Diploma Legal, o nome completo e a residência completa, nomeadamente, dos proprietários dos veículos automóveis com os quais foi praticada a infracção, a utilizar pelas entidades concessionárias e subconcessionárias das infra-estruturas rodoviárias, são as que se encontram inscritas nas Conservatórias do Registo Automóvel, podendo ser solicitado à Autoridade Tributária e Aduaneira o número de identificação fiscal do sujeito passivo do imposto único de circulação, no ano da prática da infracção.

AA. Posto isto, será importante atentar que, nos termos do disposto na alínea j) do nº 1 e no nº 2 do art. 5º do Código do Registo Automóvel (aprovado pelo Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro), a mudança de residência habitual ou sede dos proprietários, usufrutuários e locatários dos veículos constitui facto sujeito a registo obrigatório (vide ainda o nº 1 do art. 29º e n.º1 do art.42º, ambos do Decreto-Lei n.º55/75, de 12 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento do Registo de Automóveis, na versão em vigor à data dos factos).

BB. O nº1 do art.27º-C do Código do Registo Automóvel, na versão em vigor à data dos factos, estabelece que os dados pessoais constantes da base de dados têm por suporte a identificação dos sujeitos activos e passivos dos factos sujeitos a registo e são recolhidos do impresso do modelo próprio apresentado pelos interessados (vide ainda o nº2 do art.27º e nº 1 do art.27.º-B, ambos do mesmo Diploma Legal).

CC. É importante denotar que, não obstante a redacção do nº 2 do citado art.13º da Lei nº7/2007, de 05 de Fevereiro, que criou o cartão de cidadão e rege a sua emissão e utilização, utilizar a expressão “nomeadamente”, foi intenção do legislador manter expressamente excluídos dos Serviços da Administração Central do Estado para os quais o cidadão se tem para todos os efeitos legais por domiciliado no local mencionado no cartão de cidadão.

DD. Na verdade, quer o Código do Registo Automóvel, quer o Regulamento do Registo de Automóveis foram sofrendo algumas alterações legislativas após a entrada em vigor da referida Lei nº7/2007, de 05 de Fevereiro, sendo que, até à presente data o legislador optou por não revogar as disposições legais supra enunciadas.

EE. Assim sendo, e não obstante a alteração da morada constante no cartão de cidadão produzir automaticamente efeitos nomeadamente na morada em que se considera o cidadão domiciliado nos serviços de identificação civil, nos serviços fiscais, nos serviços de saúde e nos serviços da segurança social, ainda actualmente, para efeitos de registo automóvel, se verifica a obrigatoriedade de o interessado promover o registo, junto das competentes Conservatórias de Registo Automóvel, do facto sujeito a registo obrigatório de mudança de residência habitual, no prazo legal de 60 dias desde a ocorrência do mesmo.

FF. Pelo exposto, da conjugação das normas legais supra enunciadas resulta que o legislador determinou expressamente que o domicílio para efeitos das notificações previstas no art.10º da Lei n.º25/2006, de 30 de Junho corresponde à morada da residência habitual registada nas Conservatórias do Registo Automóvel.

GG. Por outro lado, e no que diz respeito à questão controvertida da notificação válida e eficaz das decisões de aplicação de coima proferidas no âmbito dos processos de contra-ordenação melhor identificados no ponto A) dos factos provados na douta Sentença exarada, impõe-se ressaltar que não obstante o Ilustre Tribunal “a quo” julgar provado que “o oponente foi notificado das decisões de aplicação das coimas (facto aceite por confissão)” – ponto M) da factualidade provada -, refere, na fundamentação de direito, que “no que respeita à notificação da decisão de aplicação da coima não foi feita prova do seu efectivo recebimento por parte do oponente”.

HH. Com a devida vénia, é manifesta a carente fundamentação de direito da douta Sentença também na questão controvertida da notificação válida e eficaz das notificações das decisões de aplicação de coimas proferidas pelo Serviço de Finanças no âmbito dos processos de contra-ordenação melhor identificados no ponto A) dos factos provados, reforçada pela falta de análise critica em relação à prova documental apresentada pela Representação da Fazenda Pública nos autos de primeira instância como documentos n.ºs 2 e 3 juntos ao articulado de contestação.

II. Ora, conforme mencionamos no recurso da matéria de facto, a Fazenda Pública logrou demonstrar que, efectivamente, o Oponente e ora recorrido foi notificado, de forma válida e eficaz, das decisões de aplicação de coima proferidas pelo Serviço de Finanças no âmbito dos processos de contra-ordenação melhor identificados no ponto A) dos factos provados.

JJ. Estabelece o nº2 do art.70º do RGIT que às notificações no processo de contraordenação se aplicam as disposições correspondentes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

KK. Pelo supra exposto, no caso concreto, através dos documentos juntos aos autos de primeira instância pela Fazenda Pública, estão provados: i) os dias em que foram efectuados os registos postais das notificações efectuadas no âmbito dos processos de contra-ordenação identificados no ponto A) dos factos provados na douta Sentença proferida, nos termos do disposto no nº 2 do art.º 79º do RGIT, ii) bem como quem foi o destinatário das mesmas, iii) assim como o facto de as mesmas terem sido recebidas na morada para a qual foram remetidas, o domicílio fiscal do ora recorrido nos termos do disposto no nº1 do artº. 19º da LGT, o que conduz ao funcionamento da presunção ínsita no nº 1 do art. 39º do CPPT.

LL. Por último, não poderemos deixar de manifestar total discordância da conclusão que o Ilustre Tribunal “a quo” retira da fundamentação de direito constante da douta Sentença, no sentido de que “com base nessa falta de notificação da decisão que aplicou a coima, entende-se que os títulos executivos são nulos, nos termos do art. 165º, nº 1 al. b)”.

MM. Com a devida vénia, o Ilustre Tribunal “a quo” não esclarece qual é o requisito essencial, dos constantes no nº1 do art. 163º do CPPT, que não constam dos títulos executivos que deram origem aos processos de execução fiscal que tiveram por objecto os autos de primeira instância.

NN. Por outro lado, e sobretudo, em nosso entendimento, a eventual falta de exigibilidade das dívidas exequendas nunca poderá gerar a nulidade processual insanável do processo de execução fiscal consagrada na alínea b) do nº1 do art. 165º do CPPT, pois estamos perante conceitos jurídicos distintos.

OO. Com efeito, não se poderá olvidar que vem sendo entendimento jurisprudencial unânime o de que as nulidades do processo de execução fiscal devem ser invocadas perante o próprio órgão de execução fiscal, em primeira linha, sendo a legalidade da decisão adoptada por aquele órgão susceptível de ser sindicada judicialmente através da reclamação de acto do órgão de execução fiscal, prevista nos artigos 276º e seguintes do CPPT.

PP. Assim, trazemos aqui à colação, a título de exemplo, os Arestos proferidos pelo STA em 28/02/2007, no âmbito do processo nº01178/06, e em 20/11/2002, no âmbito do processo nº01701/02, em 14/04/1999, o âmbito do processo nº22906, em 23-02- 2005, no âmbito do processo 574/04, em 28/02/2007, no âmbito do processo nº1178/06, em 14/03/2008, no âmbito do processo nº 950/06, em 23/10/2007, no âmbito do processo nº26762 e em 19/11/2008, no âmbito do processo n.º 364/08, disponíveis em www.dgsi.pt, cujo entendimento subscrevemos na íntegra.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada


JUSTIÇA!»

*



O Recorrido formalizou contra-alegação, com o seguinte quadro conclusivo:

«A. Vem a Fazenda Pública interpor recurso da sentença proferida pelo tribunal a quo que considerou totalmente procedente a oposição apresentada pelo opoente, por entender que o opoente não foi notificado não só das liquidações de taxa de portagem e custos administrativos pela entidade administrativa Via Verde mas também do projecto de decisão e decisão de aplicação das coimas no âmbito dos processos contra-ordenacionais.

B. Ora, não pode o opoente, ora Recorrido, concordar com tal iniciativa processual.

C. O opoente, por lapso manifesto, alega nas alegações escritas que apresentou que “Neste sentido, salvo melhor opinião, é evidente que fica demonstrado que o opoente foi efectivamente notificado da aplicação das coimas, como aliás já teve oportunidade de expor na Oposição.” – p. 8 das Alegações.

D. Prossegue, depois, o Opoente alegando que “Assim, não tendo havido notificação para pagamento das taxas de portagem e custos administrativos, uma notificação da decisão que aplicou a coima, o opoente está não só privado da possibilidade de impugnar aquelas decisões condenatórias como também não dispõe de elementos suficientes para poder aquilatar da falsidade/veracidade do título, verificar se estão devidamente contabilizados os juros de mora ou o montante exequendo.”

E. É, assim, manifesto que se trata de um lapso a ausência da palavra “não” antes da palavra “foi”, porquanto o opoente defendeu, desde sempre, na sua oposição e também nas alegações que apresentou que não foi notificado das decisões de aplicação das coimas nem, tão pouco, das notificações para pagamento das taxas de portagem e custos administrativos.

F. Nos termos do disposto no artigo 249º do Código Civil “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.”.

G. Acresce que dispõe o artigo 614º do Código de Processo Civil que “Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.

H. Pelo que deve o facto dado como provado na alínea M) ser eliminado, por se tratar de um lapso manifesto de escrita.

I. Com a eliminação de tal facto da matéria dada como provada, deixa de existir o vicio invocado pela Fazenda Pública de nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo certo que o opoente não aceita, mesmo com tal facto nos factos dados como provados, que exista tal vicio.

J. Decorre, igualmente, da sentença que “Por outro lado a decisão de aplicação das coimas tiveram origem em decisões condenatórias proferidas em processos de contraordenação que não foram notificadas ao opoente e, não havendo o oponente sido notificado dessas decisões, não teve possibilidade de as impugnar, ou sequer de com elas se conformar e proceder ao seu pagamento voluntário. E, considerando ainda que os processos de execução fiscal foram instaurados com base em certidões de dívida extraídas dos processos de contra-ordenação no pressuposto de que tais decisões se tornaram definitivas quando, afinal, não o eram, uma vez que não haviam sido notificadas as liquidações das taxas, igualmente não se tornam exigíveis as coimas.”, pelo que não existe contradição total entre os fundamentos e a decisão, não se verificando a nulidade da sentença.

K. Entende a Fazenda Pública que a sentença padece igualmente do vício de nulidade por falta de fundamentação. Ora, a sentença é bastante clara na fundamentação exarada no que diz respeito aos factos dados como provados – têm por base os documentos enunciados em cada um deles – tendo considerado que todos os outros factos alegados não foram provados.

L. Nem outra poderia ser a conclusão, atendendo ao facto de a oposição ter sido proposta com fundamento na alínea i) do n.º1 do artigo 204.º do CPPT, isto é, só a prova documental pode ser considerada para efeitos de discussão da referida oposição e, quanto a isso, o tribunal pronunciou-se na íntegra.

M. Pretende a Fazenda Pública juntar, com a interposição do presente recurso, o documento do Registo Automóvel, alegando que se tornou necessária a sua junção na sequência do julgamento feito em 1.ª instância.

N. Não resulta necessária a junção do referido documento em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, porquanto entendeu o tribunal a quo, na sequência do defendido pelo opoente, que a morada para a qual deveria ter sido notificado e não foi é a do seu domicílio fiscal, cujo comprovativo está junto aos autos como Documento 4 da Contestação.

O. Acresce que, entende a Fazenda Pública, que o tribunal a quo valorou incorrectamente os factos vertidos nos artigos 6º, 9º, 12º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 26º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º e 35º da Contestação.

P. Tais artigos dizem respeito às notificações para liquidação de taxas de portagem e custos administrativos e notificações de decisão de aplicação da coima pela Autoridade Tributária.

Q. Todas as notificações para liquidação de taxas de portagem e encargos administrativos de todos os processos a que se referem os referidos artigos da contestação foram enviadas para a morada Travessa de ………………, n.º9, RC esq, …………… L………….., morada que, como resulta também do Documento n.º4 junto com a Contestação e, também, da menção dos Avisos de Recepção devolvidos, não residia ali o opoente desde 3/12/2013.

R. Concretamente, resulta dos documentos em conjunto designados por “Documento n.º 1”, que quanto à primeira notificação, com a data de 31/03/2014, com o número …………., o aviso de recepção devolvido refere “destinatário mudou-se sem deixar nova morada”, tendo sido posteriormente enviada nova notificação por correio simples datada de 10/04/2014 para a mesma morada; quanto à notificação data de 1/03/2014, com o número ……………. o aviso de recepção devolvido refere “destinatário mudou-se sem deixar nova morada”, tendo sido expedida nova notificação, por correio simples, para a mesma morada; quanto à terceira notificação, com data de 24/02/2014, com o número ………. foi a mesma recebida por “V …………….”, que certamente por lapso assinou o aviso de recepção, já que a correspondência não lhe era dirigida nem a nenhum seu familiar, porquanto o Opoente efectivamente não residia ali, desconhecendo a signatária do referido Aviso de recepção.

S. Neste sentido, o opoente não foi efectivamente notificado para pagar as taxas de portagens, não lhe tendo sido dada oportunidade para identificar o condutor do veículo, ou para impugnar a decisão da entidade administrativa.

T. No que diz respeito às notificações dos processos contra-ordenacionais por parte da Autoridade Tributária, foram juntas aos Autos segundas vias das notificações alegadamente enviadas, juntando-se igualmente um “print screen” do sistema informático da Autoridade Tributária (documento n.º 3 da Contestação) que dá conta que alegadamente terão sido entregues as notificações que ali constam como tendo sido entregues.

U. Ora, consultando os códigos atribuídos pelos CTT no site (www.ctt.pt) já não é possível verificar se efectivamente tais comunicações foram efectivamente entregues, porquanto é exibida uma mensagem “objecto não encontrado”.

V. De todo o modo, o Documento n.º3 não permite identificar a que documento corresponde cada comunicação endereçada e dada como entregue, pelo que não é possível identificar que notificações do Documento 2 da contestação correspondem as referidas comunicações.

W. Concluindo-se, assim, que andou bem o tribunal a quo ao não dar como provado que o opoente foi notificado das liquidações de taxa de portagem e encargos administrativos e das decisões de aplicação de coimas.

X. A entidade administrativa “Via Verde” tomou conhecimento de que o opoente não residia na morada para a qual foram enviadas as notificações e não procurou indagar onde seria a residência efectiva do Opoente.

Y. Nos termos da legislação aplicável, em concreto a Lei 25/2006, de 30 de Junho, as notificações no âmbito do processo em apreço se efectuam por carta registada com aviso de receção, expedida para o domicilio ou sede do notificando, sendo certo que domicilio é, na acepção do artigo 82º, nº 1, do Código Civil, o lugar da residência habitual, pelo que só poderia ser a morada Rua ………………., n.º 60, 3º.

Z. Entende, também, a jurisprudência dos tribunais superiores que o facto de o artigo 11º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, prever a possibilidade de ser solicitada à Conservatória de Registo Automóvel informação sobre o domicílio do eventual infrator não significa que daí decorra uma presunção juris et de jure de que o domicílio constante do registo seja o domicílio efectivo e actual deste, onde o mesmo deva necessariamente ser notificado. Sendo certo que, no caso em apreço, se verifica o afastamento de tal presunção, na medida em que efectivamente o opoente ali não residia quando foram expedidas as notificações, como decorre, designadamente, do facto de ter sido uma terceira pessoa a assinar um dos avisos de recepção.

AA. Pelo que, estamos perante uma violação grave de direitos com dimensão constitucional do opoente que só tomou conhecimento da cobrança do pagamento das taxas de portagens e respectivos processo contra-ordenacionais com a citação para a execução fiscal. Ora, a violação do direito de audição e defesa do arguido, consagrado no artigo 13º da Lei 25/2006, de 30 de Junho, acarreta, no caso, a nulidade do procedimento e bem assim a violação de um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa. Ora, a consequência para tal falha é a nulidade do procedimento e a inconstitucionalidade material, decorrente da violação do direito de audição e de defesa do Oponente, como entendeu o tribunal a quo.

BB. Por fim, importa reiterar que não tendo havido notificações, a decisão não é exequível porque não é nem definitiva nem transitou em julgado sendo certo que a extracção da certidão de dívida foi prematura, ilegal, pelo que não confere a força executiva de que tinha aparência.

CC. Concluindo-se, assim, que andou bem o tribunal a quo na sentença objecto de recurso.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente devendo a sentença proferida ser mantida na integra, só assim de fazendo Justiça


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A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, apreciando as alegações de recurso proferiu, em 03-12-2019, despacho do seguinte teor:
Imputa a FP a nulidade por vício de oposição entre os fundamentos e a decisão.
O art.615º, nº 1, al. b), do C PC prevê a nulidade da sentença que “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
A nulidade prevista na citada al. b), tal como é pacificamente admitido, exige a ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente (Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, em anotação ao citado art. 668º).
Constitui também jurisprudência absolutamente dominante que a falta de motivação, a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 615º do C PC (anterior artigo 668º), é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão, e não a sua motivação deficiente, errada ou incompleta, sendo certo, outrossim, que uma fundamentação, apenas, incompleta ou insuficiente, não afecta o valor legal da sentença ou do acórdão (Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 04.05.2010 (Helder Roque), proc. 2990/06.0TBAC B.C1.S1,in www.dgsi.pt).
No caso em apreço, não há a menor dúvida que a sentença especificou os fundamentos de facto em que assentou a sua decisão, analisando criticamente a prova, e indicou as normas jurídicas nas quais fez assentar a sua decisão.
Daqui se poder concluir, que tendo sido dado como provado em M) que o oponente foi notificado das decisões de aplicação das coimas o que está em oposição entre este facto dado como provado e os factos levados ao probatório em C) a H), pelo que se repara o erro, dando-se como não escrito o facto assente em M), antes se tratando de erro material (artº artº 614º do CPC).
Sem quaisquer outros considerandos a sentença não enferma do vício de falta de fundamentação que lhe apontam a recorrente FP.
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Entende também a recorrente AT que a sentença padece do vício de nulidade por falta de fundamentação relativamente aos factos não provados.
Na sentença consta a motivação da matéria de facto, ainda que exígua.
Infere-se da fundamentação que os factos provados que foram elencados têm por base toda a documentação que foi junta não tendo sido elencados factos não provados.
Na verdade a fundamentação de facto abrange a discriminação dos factos provados e não provados e o exame crítico das provas/motivação (art.º 607, nº4 do CPC) e a eventual insuficiência na discriminação dos factos não provados e na motivação da decisão de facto nunca poderá conduzir à pretendida anulação.
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Da junção do documento em sede de recurso e violação do princípio do inquisitório.
Imputa a FP à sentença a sua nulidade por violação do princípio do inquisitório porquanto se impunha a junção do Registo automóvel com vista a apurar a morada aí constante.
O processo é constituído por uma série de atos dirigidos a um fim - a decisão judicial que resolve o conflito entre as partes -, devendo obedecer a formas e requisitos adequados a esse escopo. Sem regras o processo fica sujeito à indisciplina das partes e cria insegurança, e presta-se a manobras que prejudiquem a obtenção da decisão em tempo razoável e útil.
Tem portanto, o processo exigências técnicas, designadamente sujeitando as partes a um tecido de ónus necessários à boa administração da justiça.
Um dos princípios do processo civil é precisamente o da auto-responsabilidade das partes, segundo o qual estas sofrem as consequências jurídicas prejudiciais da sua negligência ou inépcia na condução do processo, que fazem a seu próprio risco.
O princípio do inquisitório traduz uma ideia de divisão subordinada de trabalhos, dominante em matéria probatória, entre o juiz e as partes (estas num primeiro plano).
Recebeu consagração legal no art. 411.º do C PC (aqui aplicável ex vi do artº 2º al e) do CPPT) ao dispor que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
O princípio do inquisitório exerce atualmente, um importante papel no processo civil português mas, a nosso ver, funciona subordinado ao princípio do dispositivo, parecendo-nos excessiva a sua configuração como um sistema processual híbrido, que se coaduna em par em torno dos dois princípios (Como defende Téssia Matias Correia, A Prova no Processo Civil, Reflexões sobre o problema da (in)admissibilidade da prova ilícita, Dissertação de Mestrado em Direito, na Área de Especialização de Ciências Jurídico - Civilísticas, Coimbra, 2015, pag. 62 e Francisco Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, Almedina, Coimbra, 2010, pag. 243).
O nosso sistema processual civil (aqui aplicável ex vi do artº 2º al e) do C PPT) é norteado pelo princípio do dispositivo, competindo-lhe o “monopólio” dos factos e dos meios de prova.
Como escreve Mariana França Gouveia esteirada nos ensinamentos dos mais ilustres processualistas, “O princípio dispositivo é a tradução processual do princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade.
Subjacente ao processo civil está um litígio de direito privado, em regra disponível, pelo que são as partes que têm o exclusivo interesse na sua propositura em tribunal. O interesse público, neste âmbito, limita-se à correta aplicação do seu Direito para que haja segurança e paz nas relações privadas. Assim, o exato limite da intervenção estadual é fixado pelas partes que não só têm a exclusiva iniciativa de propor a ação (e de se defender), como delimitam o seu objeto. O princípio dispositivo traduz-se, assim, na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da ação, sobre os exatos limites do seu objeto (tanto quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às exceções perentórias) e sobre o termo do processo (na medida em que podem transacionar). No fundo, é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz — aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão.”
O princípio do inquisitório deve ser interpretado como um poder-dever limitado, restringindo-se, em matéria probatória, na busca pelas provas dentro dos factos alegados pelas partes (factos essenciais), com vista à justa composição do litígio e ao apuramento da verdade.
Não pode o juiz ao abrigo do inquisitório e da cooperação suprir o incumprimento de formalidades essenciais pelas partes, permiti o atropelo de normas legais e nem pode, obviamente, determinar oficiosamente a junção de documentos cuja junção já foi indeferida.
Por outro lado, o disposto no artigo 411º do CPC não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil que é o do impulso processual, competindo às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligências probatórias.
Em suma, o exercício do dever de diligenciar pelo apuramento da verdade e justa composição do litígio, não comporta uma amplitude tal que o autorizem a colidir quer com o princípio da legalidade e da tipicidade que comanda toda a tramitação processual, quer com outros princípios fundamentais como o do dispositivo, da auto-responsabilidade das partes e o da preclusão, importando este que, ao longo do processo, as partes estão sujeitas, entre outros ónus, ao de praticar os atos dentro de determinados prazos peremptórios.
Acresce que não resulta necessária a junção do documento, porquanto se deu como provado que a morada para onde, o oponente foi notificado não coincide com o seu domicilio fiscal, sendo certo que todas as notificações foram devolvidas com a indicação de “mudou-se”.
Sendo inaplicável o princípio do inquisitório no caso (…)”
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A Fazenda Pública interpôs recurso desse despacho, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor:

«A. O objecto do presente recurso prende-se com a parte do despacho judicial através da qual o Ilustre Tribunal “a quo” veio tecer considerações acerca da argumentação aduzida pela Representação da Fazenda Pública em sede de alegações de recurso, no sentido de fundamentar a junção de documento, nos termos do disposto no n.º1 do art.651.º do CPC, bem como demonstrar o seu entendimento acerca da necessidade da junção do referido documento.

B. Proferida uma sentença ou um despacho, fica imediatamente esgotado o poder do juiz quanto à matéria da causa; porém, é lícito, ao Juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença quanto à condenação em custas e multas processuais, nos termos do disposto no artigo 613º e seguintes do CPC (vide n.ºs 1 e 2 do art. 613º do CPC).

C. Assim, face à imperatividade do disposto no nº1 do art. 613º do CPC, segundo o qual “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”, extensível os despachos, nos termos do seu n.º 3, a decisão jurisdicional só pode ser alterada ou substituída, para além da via de recurso, pelas excepções a tal princípio expressamente consagradas nas disposições legais supra enunciadas.

D. Com a devida vénia, o despacho ora sindicado, sendo posterior à decisão de mérito, apenas poderia pronunciar-se relativamente às excepções ao princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz de primeira instância após a prolação da decisão de mérito, prevista no n.º 2 do art. 613.º do CPC, que se prende com as nulidades de sentença arguidas nas alegações de recurso.

E. Salvo devido respeito por melhor opinião, a apreciação da oportunidade e da necessidade da junção do documento apresentado com as alegações de recurso não se enquadra em nenhuma das excepções taxativamente previstas no n.º2 do art. 613º do CPC.

F. Com efeito, é ao tribunal “ad quem” que competirá apreciar da oportunidade e da necessidade da junção do referido documento, decidindo acerca do enquadramento da situação fáctica na disposição ínsita no n.º 1 do art. 651º do CPC, o que apenas poderá ser feito através da articulação do documento com o recurso interposto da decisão de mérito (vide alínea e) do n.º 1 do art. 652.º do CPC).

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada


JUSTIÇA!»

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Não há registo de contra-alegações.

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Este recurso foi dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo, o qual, porém, declarou aquele Tribunal hierarquicamente incompetente para dele conhecer, indicando como Tribunal competente este TCA.

Com efeito, o STA, conforme resulta da decisão de 12/01/2021, considerou que «In casu, a decisão recorrida, na qualidade de despacho, ponderado o respetivo conteúdo e o alcance do decidido no conjunto da lide, não constitui uma decisão de mérito, no sentido, em primeira linha, de que não põe termo à causa ou a incidente processado autonomamente, para os efeitos do art. 280.º n.º1 do CPPT, na redação da Lei n.º 118/2019 de 17 de setembro.
Acresce, estando pendente um recurso interposto, admitido e tramitado, para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), cujo objeto é a sentença proferida nos autos e, nos termos do qual, foi junto o documento da polémica, ser, essa instância, que, aliás, conhece de facto e de direito, a decidir, em definitivo, sobre a legalidade (ou não) da junção, com as alegações, desse elemento probatório (prova por documentos), nos termos do art. 651.º do Código de Processo Civil (CPC).»

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Recebidos os autos neste Tribunal Administrativo Sul, foi dada vista ao Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP), o qual emitiu parecer sobre o recurso da sentença sustentando o não provimento do mesmo.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) Correm termos no SF de Lisboa 3 os seguintes processos de execução fiscal

«Texto no original»

B) Em 03-12-2013 aquando da emissão do cartão de cidadão o oponente mudou o seu domicílio fiscal para Rua da …………….., nº60, 3º andar, ………… ……….. (doc nº4, da contestação);

C) No âmbito do processo nº ………. instaurado pela Via verde contra o oponente foi enviada notificação, datada de 31-03-2014, para pagamento da taxa de portagem, por carta registada - registo RN……………..PT – para a morada da Travessa …………., 9 RC esqº, ………. ……….;

D) A notificação referida em C) foi devolvida com a indicação “destinatário mudou-se sem deixar nova morada”;

E) Foi lavrada cota tendo o funcionário atestado que foi enviada notificação em 10-04-2014, por carta simples para a morada identificada em C);

F) No âmbito do processo nº……….. instaurado pela Via verde contra o oponente foi enviada notificação, datada de 31-03-2014, para pagamento da taxa de portagem, por carta registada - registo RN……………PT – para a morada da Travessa ………….., 9 RC esqº, ………… …..;

G) A notificação referida em F) foi devolvida com a indicação “destinatário mudou-se sem deixar nova morada”;

H) Foi lavrada cota tendo o funcionário atestado que foi enviada notificação em 10-04-2014, por carta simples para a morada identificada em G);

I) No âmbito do processo nº…………. instaurado pela Via verde contra o oponente foi enviada notificação, datada de 24-02-2014, para pagamento da taxa de portagem, por carta registada - registo RN 4…………..PT – para a morada da Travessa ……………, 9 RC esqº, ………. …….

J) O Aviso de recepção referente à notificação referida em I) foi assinado por V ………………, em 28-02-2014;

K) Nos termos do artº79º nº2 do RGIT foram enviadas as notificações de aplicação das coimas ao oponente para a morada da Rua ……………, nº 60, 3º em ……………….;

L) Foram extraídas as certidões de dívida juntas ao PEF, que se dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais;

M) Eliminado (cfr. despacho de 03/12/19)

N) Em 20-04-2015 deu entrada a presente oposição.

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.».


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- De Direito

Importa começar por uns esclarecimentos iniciais para que melhor se perceba a nossa intervenção.

Foram interpostos dois recursos nos autos. Um primeiro, que tem como objeto a sentença que julgou procedente a oposição; um segundo, que tem como objeto o despacho de 03/12/19, proferido já depois de ter sido prolatada a sentença.

Comecemos por este último recurso, no qual a Fazenda Pública se insurgia contra a circunstância de a Mma. Juíza ter tomado posição sobre questão que não lhe compete e cujo conhecimento está reservado ao Tribunal ad quem, a saber: a oportunidade da junção de um documento com as alegações de recurso.

Sobre tal recurso pronunciou-se o STA, tendo o Senhor Juiz Conselheiro, em decisão de 29/01/21, afirmado que “estando pendente um recurso interposto, admitido e tramitado, para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), cujo objeto é a sentença proferida nos autos e, nos termos do qual, foi junto o documento da polémica, ser, essa instância, que, aliás, conhece de facto e de direito, a decidir, em definitivo, sobre a legalidade (ou não) da junção, com as alegações, desse elemento probatório (prova por documentos), nos termos do art. 651.º do Código de Processo Civil (CPC).» De resto, como também evidenciou a decisão do STA, o apontado despacho da Juíza do TT de Lisboa, “ponderado o respetivo conteúdo e o alcance do decidido no conjunto da lide, não constitui uma decisão de mérito, no sentido, em primeira linha, de que não põe termo à causa ou a incidente processado autonomamente, para os efeitos do art. 280.º n.º1 do CPPT”, sendo claro – repete-se – que a questão do conhecimento da junção do documento com as alegações de recurso deverá ser apreciada com o recurso da sentença.

Dito isto, balizado o âmbito da nossa intervenção e certos de que o recurso do despacho posterior à sentença não assume autonomia, nos termos ditados pelo STA, avancemos.

Se atentarmos nas extensas conclusões das alegações de recurso formuladas pela Recorrente, temos que, para além da questão da junção de um documento com as alegações de recurso, vêm suscitadas diversas questões, umas relacionadas com vícios formais decorrentes de erros de atividade ou de procedimento quanto à disciplina legal a observar pelo julgador (apontando-se diversas nulidades à sentença); outras atinentes a erros de julgamento (de facto e de direito), determinantes da revogação da decisão por a mesma ser desconforme com o direito aplicável.

No caso, lido atentamente o recurso, ponderadas cuidadosamente todas as questões invocadas e tendo presente a lógica e coerência da decisão a proferir nesta sede e, bem assim, o seu alcance na composição do litígio, entende-se devermos começar pelas nulidades da sentença, antes mesmo da apreciação da oportunidade da junção do documento pela Fazenda Pública.

E considerando que são várias as nulidades da sentença invocadas, iniciaremos a nossa análise por aquela que pode ter um alcance mais abrangente e que efetivamente, do nosso ponto de vista, compromete o demais decidido. Dito por outras palavras, e concretizando, impõe-se que a análise que se segue se inicie pela falta de fundamentação da sentença no que concerne à matéria de facto, etapa esta que, na elaboração da decisão, compromete definitivamente o demais.

Diga-se, desde já, que a nulidade (também) invocada respeitante à oposição entre os fundamentos e a decisão, se mostra já ultrapassada, considerando que a mesma assentava na circunstância de ter sido considerado como provado o facto correspondente à alínea M) da sentença (do qual constava inicialmente ser aceite por confissão a notificação das decisões de aplicação de coimas ao oponente), facto esse já eliminado, sem contestação, no despacho de 03/12/19.

Com isto dito, avancemos observando a ordem que estabelecemos.

Considera a Fazenda Pública, ora Recorrente, no que concerne ao julgamento da matéria de facto, “que na fundamentação de facto da douta Sentença exarada, fixa-se a matéria de facto provada, não se fazendo qualquer alusão à factualidade julgada não provada, verificando-se, portanto, (…), falta da fundamentação (…) relativamente aos factos não provados, em violação do disposto no nº4 do art.607º do CPC”. Por outro lado, acrescenta a Recorrente que na sentença “não consta qualquer motivação da decisão sobre a matéria de facto, conforme impõe os n.ºs 4 e 5 do art. 607º do CPC, não sendo possível, portanto, apreender quais as razões objectivas e racionais pelas quais tais meios obtiveram no seu espirito credibilidade, de modo a compreender-se o itinerário cognoscitivo seguido para consideração de determinado facto como provado”.

Vejamos o que dizer a este propósito.

Recuperando a análise feita no acórdão do TCA Norte de 30/04/15, no processo º 730/09.1 BEPNF, dir-se-á que “Como é sabido a exigência de fundamentação é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser. Dito de forma diversa, a fundamentação, para além de visar persuadir os interessados sobre a correcção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razões no momento do julgamento.

Logo, o julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais. De acordo com o disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigos 123.º, n.º 2, do CPPT.

Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, pags 90 e ss.

O exame crítico da prova deve consistir, assim, na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu num determinado sentido e não noutro.

Logo, o julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos (v.g. “prova testemunhal” ou “prova por documentos”), impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida. Rectius, o tribunal deve justificar os motivos da sua decisão quanto à matéria de facto, declarando por que razão deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc.

Não basta, pois apresentar como fundamentação, o mero elenco dos meios de prova, v.g., “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”, sendo necessária a indicação das razões ou motivos porque relevaram no espírito do julgador - cf. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 2ª, edição, a págs. 253 a 256.

Em suma, a fundamentação de facto não se deve limitar à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cogniscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto - assim, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Vol. II, pág. 321”.

E prosseguindo, “Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental), a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos (…).

Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária”, vide, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, vol. II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 321 e 322.

Como ensina M. Teixeira de Sousa “… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …”, vide, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lx 1997, pág. 348.

Detenhamo-nos, agora, sobre o caso concreto em apreciação.

E, visto o probatório, é para nós certo que o dever de fundamentação que vimos analisando não foi cumprido pelo tribunal a quo, designadamente no que concerne à análise crítica das provas.

Como resulta do exposto supra, aquando da transcrição do julgamento da matéria de facto, e com exceção da alínea B) dos factos provados, a Mma. Juíza a quo absteve-se de indicar, relativamente a cada facto, o que quer que seja no que respeita à prova produzida e tida em consideração para concluir relativamente às diferentes asserções da matéria de facto.

Também a motivação da matéria de facto, não ajuda a perceber o percurso seguido pelo Tribunal a quo, considerando que a Senhora Juíza se limitou, de forma singela e sem correspondência, aliás, com a realidade, a afirmar que “A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.”.

Já quanto aos factos não provados, o Tribunal pura e simplesmente não se referiu aos mesmos, não obstante, porém, pressupor a falta de prova da notificação da dívida exequenda - pressuposto da inexigibilidade da mesma – em sentido contrário ao que foi sempre defendido pela exequente, Fazenda Pública.

Vejamos.

Analisados os diversos pontos dos factos provados constata-se que – ressalvada uma ou outra exceção – não são apreensíveis, na miríade de documentos juntos aos autos (incluindo o processo instrutor), os concretos documentos que foram tidos em conta.

Assim, e relativamente à esmagadora maioria dos factos provados, resulta imperscrutável o real juízo valorativo e crítico da prova, em concreto que específicos documentos foram tidos em consideração. Está, pois, comprometida a exigência legal da explicitação mínima do exame crítico das provas, sendo certo – repete-se – que a menção aos “documentos identificados em cada ponto dos factos provados” nem sequer foi feita efetivamente. Resulta, assim, inviabilizada a compreensão dos motivos da decisão, ou seja, das razões que, do ponto de vista do Tribunal, foram decisivas para se decidir como decidiu.

Aliás, e como sem esforço se percebe, esta atuação do Tribunal a quo dificulta em muito a impugnação da matéria de facto e o cumprimento do ónus que, a este propósito, recai sobre a Recorrente.

É verdade, e não se desconsidera, que, como os Tribunais reiteradamente afirmam, apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afeta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada. Neste sentido, e como ensina Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1952, pág. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”

Contudo, como evidencia Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª edição 2011, Anotado e Comentado, Vol II, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.

Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão. Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.

No caso em análise, é uma aparência de fundamentação a que encontramos na sentença, pois, efetivamente, ficou por evidenciar o percurso seguido pelo Tribunal a quo para alcançar o julgamento da matéria de facto que consta da decisão.

Ora, como se afirmou no acórdão do TCAN, de 27/02/14, proferido no processo nº 409/06.6BEPNF “(…) a inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a mera referência genérica aos meios de prova que a terão suportado e a falta da análise crítica dos mesmos, faz com que o tribunal de recurso também fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pela recorrente. Tal decisão de facto é, assim, ininteligível, o que é equivalente à falta absoluta de fundamentação.”

No presente caso, a Recorrente assaca erro de julgamento de facto à sentença recorrida. Contudo, a ausência de fundamentação e exame crítico da matéria de facto impede que este tribunal de recurso possa sindicar tal erro de julgamento.

A reapreciação da matéria de facto não pode significar a abertura da possibilidade de realização de um novo julgamento pela Relação, objetivo que jamais esteve no horizonte das sucessivas modificações legais, antes uma medida paliativa destinada a resolver situações patológicas que emergem simplesmente de uma nebulosa que envolva a prova que foi produzida e que não foi convenientemente resolvida segundo o juízo crítico da Relação (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, pp. 241 e 245 e Acórdão do TCAS n.º 07219/13, de 29/05/2014).

A modificação da decisão de facto não deve atingir uma amplitude tal que implique todo um novo julgamento de facto, com a reapreciação de toda a prova produzida, a alteração da convicção do julgador a quo e a postergação dos princípios da livre apreciação das provas e da imediação.

Em resumo, padecendo a sentença recorrida do vício apontado, a decisão tem de ser eliminada da ordem jurídica, com a consequente remessa dos autos ao tribunal de primeira instância para prolação de nova decisão expurgada da insuficiência apontada.

O recurso merece, assim, provimento.

Em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.


*

III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e, consequentemente, ordenar a remessa do processo ao Tribunal Tributário de Lisboa, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supra o apontado vício.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 07/04/22


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)