Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2314/07.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS;
ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS.
Sumário:Pretendendo lançar mão da presunção legal consagrada no artigo 6.º n.º 4 do CIRS, é sobre a ATA que impende o ónus de alegar e comprovar que as quantias recebidas em contas de que os sócios são titulares estão escrituradas, ainda que sem menção de origem, na conta corrente dos sócios existentes na sociedade.
Votação:Voto de vencido
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M........e outra, contra o acto tributário de liquidação adicional de IRS respeitante ao ano de 2003, na parte em que o mesmo reflecte as correcções relativas a adiantamentos por conta de lucros, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

A Recorrente formulou as seguintes conclusões:

Não foram apresentadas contra-alegações.


*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de este Tribunal ser hierarquicamente incompetente, defendendo que o recurso jurisdicional versa unicamente matéria de direito.

*

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

a) Os Impugnantes foram sujeitos a uma acção inspectiva, que teve por suporte a ordem de serviço n.º OI200….. de 27/09/2006, referente ao exercício de 2003 e que teve por âmbito a análise do IRS, na sequência de acção inspectiva efectuada ao sujeito passivo M........& F…. Ld.ª, NIF 501 ….- Relatório de Inspecção de fls. 21 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

b) Na sequência da acção de inspecção, descrita na alínea antecedente, em 10/04/2007, foram emitidas as liquidações adicionais de IRS n.ºs 20075……, e 2007….., referentes, respectivamente, a Imposto de IRS e a juros compensatórios desse Imposto, do ano de 2003, no montante global de € 162.824,50 (cento e sessenta e dois mil, oitocentos e vinte e quatro euros e cinquenta cêntimos), as quais foram devidamente notificadas aos ora impugnantes - demonstração de liquidações de fls. 17 e 18 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

c) As liquidações, referidas na alínea antecedente, resultaram da alteração aos rendimentos declarados pelos impugnantes referentes ao ano de 2003, conforme relatório da Inspecção Tributária e Parecer constantes de fls. 22 a fls. 49 dos autos, que mereceu o despacho de concordância proferido pelo Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, (por subdelegação do Director de Finanças Adjunto), em 16/03/2007, conforme fls. 21 dos autos - citado Relatório de Inspecção.

d) Com relevância para os autos, consta do referido Relatório de Inspecção, que aqui se dá por reproduzido, além do mais, o seguinte: “(…) No decurso dessa acção inspectiva verificou-se que, no exercício de 2003, conforme se desenvolve adiante, os adquirentes de diversas fracções procederam à emissão de cheques, em nome do sócio gerente M……, a título de pagamento parcial das aquisições efectuadas à empresa M….. Lda. Os rendimentos assim auferidos pelo referido sócio, são de qualificar como adiantamentos sobre lucros, enquadráveis na categoria E de IRS, nos termos dos artigos 5.º e 6.º do respectivo Código, não os tendo, o sujeito passivo M……, feito constar da declaração de rendimentos modelo 3 prevista no n.º1 do artigo 57.º do CIRS relativa a 2003.

Sabendo que, nos termos do artigo 40.º-A do CIRS, os lucros devidos por pessoas colectivas sujeitas e não isentas de IRC, são apenas considerados em 50% do seu valor, haverá que acrescer ao rendimento declarado 357.480,15 € - citado Relatório de Inspecção.

e) Não se encontram contabilizados nem escriturados na empresa M........& F… Ld.ª, também designada por M…. Ld.ª, quaisquer lançamentos na conta corrente dos sócios da sociedade que reflictam a colocação de lucros à sua disposição - extracto de conta corrente, relativa ao ano de 2003, junta pelos Impugnantes de fls. 50 a fls. 55 dos autos, que aqui se dá por reproduzida para todos os legais efeitos e citado Relatório de Inspecção e demais documentos juntos ao PA, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

f) Não constitui objecto da presente impugnação, a correcção efectuada pela AT em sede da mesma inspecção tributária e relativa ao mesmo exercício fiscal, na parte relativa às despesas de saúde apresentadas pelos impugnantes (não considerou dedutíveis à colecta despesas no montante de € 431,11) - leitura da douta p.i. de impugnação e citado Relatório de Inspecção.

4.2.

FACTOS NÃO PROVADOS:

1 - Não se provou que os ora Impugnantes tenham prestado garantia e para suspender a execução, nem se provaram os encargos que suportaram com a sua prestação.

2 - Não se provaram quaisquer factos, que estejam em contradição com os supra elencados.

4.3.

MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Resultou a convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto assente, do exame dos documentos e informações oficiais, juntos aos autos, bem como dos documentos juntos ao PA, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado por qualquer das partes.

Quanto ao facto não provado referido em 4.2.1. a convicção do Tribunal decorreu de nenhuma prova ter sido feita sobre a alegada prestação de garantia e sobre os prejuízos suportados.


*

2.2. De direito

Recuperando, para já, o que dissemos sobre a posição avançada pelo EMMP junto deste Tribunal, impõe-se, em primeiro lugar, que nos detenhamos sobre a questão suscitada relativamente à alegada incompetência deste Tribunal em razão da hierarquia.

Com efeito, entende o EMMP que “a matéria em recurso é exclusivamente de direito, pelo que para dela conhecer é competente a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”.

Salvo o devido respeito, não acompanhamos tal posição.

Efectivamente, nos termos do artigo 280º, nº1 do CPPT, das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

No caso concreto, interpretando as conclusões da alegação de recurso, entendemos que nas conclusões VI) e IX) se vislumbra, ainda, uma discordância com os juízos fáctico-conclusivos retirados pelo julgador da factualidade apurada e, bem assim, a menção a factualidade que, na tese da Recorrente, deveria ter sido demonstrada para que se pudesse justificar a sentença que aqui critica.

E, assim sendo, tanto basta para que consideremos que, in casu, o presente recurso não versa exclusivamente matéria de direito.

Razão pela qual, não acompanhando o entendimento expresso pelo EMMP, consideramos este TCA competente para o conhecimento do presente recurso jurisdicional.

Apreciada esta primeira questão, passemos, então, à análise do recurso interposto pela Fazenda Pública.


*

A impugnação judicial deduzida visou a anulação parcial do acto de liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2003, no valor de € 162.824,50, na parte em que o mesmo reflectiu as correcções relativas a “adiantamentos por conta dos lucros”, no montante global de € 357.480,15.

Como a sentença bem autonomizou, os impugnantes defendiam que o acto impugnado violava o disposto no artigo 6.º, n.º4 do CIRS, já que não resultava provado o lançamento em conta corrente, escriturada na sociedade, de pagamentos desta aos sócios, como legalmente se exigia. Nesta medida, não seria lícito concluir, como fez a Administração Tributária, que as verbas em causa foram recebidas a título de lucros ou de adiantamentos por conta de lucros. Para os Impugnantes, “não se pode ter verificado (nem sequer presumido) a existência de uma real e efectiva distribuição ou antecipação dos lucros, pois, para tal, teria que ter ficado provado, de forma inequívoca, que os montantes estavam na disponibilidade dos impugnantes e que estes ficaram com aqueles “lucros”, para si, o que não sucedeu”.

A Mma. Juíza deu razão aos Impugnantes e anulou a liquidação impugnada, na parte contestada.

Para assim concluir, o TT de Lisboa, após fazer o devido enquadramento jurídico da questão (leia-se, artigos 5º, nºs 1 e 2 e 6º, nº4 do CIRS), adoptou o seguinte discurso fundamentador que, na parte relevante, se transcreve:

“(…)

Da conjugação das disposições, supra transcritas, resulta assim que apenas se pode fazer uso da presunção contida no n.º4 do artigo 6.º do CIRS (presumir adiantamentos por conta dos lucros), nas situações em que as quantias recebidas pelos sócios se encontrem escrituradas em quaisquer contas correntes dos sócios de sociedades comerciais e desde que as mesmas não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais (neste sentido vide os acórdãos do TCA Sul de 10/12/2003, em sede do processo n.º 592/03, de 13/10/2009, em sede do processo n.º 3221/09 e o recentíssimo acórdão de 31/03/2016, em sede do processo n.º 06368/13).

Ora, in casu e, tendo resultado provado que não se encontravam escriturados quaisquer lançamentos na conta corrente dos sócios da sociedade, que reproduzissem a colocação dos lucros à sua disposição, não podia a Administração Tributária presumir que os montantes directamente depositados nas contas particulares do sócio, ora impugnante, respeitavam a um adiantamento por conta da participação nos resultados da sociedade.

Efectivamente, poderiam aqueles montantes advir da prestação de um ou vários mútuos à sociedade ou da remuneração da prestação de trabalho ou ainda do exercício de cargo social na empresa.

Aliás, os Impugnantes sindicam a ilegalidade da liquidação, ressaltando a referida ausência de registos contabilísticos.

Isto é, não existindo qualquer escrituração na conta corrente dos sócios, por parte da sociedade, não é aplicável a presunção que suporta a liquidação adicional (citado artigo 6.º, n.º 4 do CIRS), por não haver fundamento de facto para a fazer operar e, consequentemente, não há fundamento legal para a liquidação.

A Administração Fiscal parece defender a tese contrária, alegando que compete aos impugnantes alegar e provar que as quantias recebidas nas suas contas e provenientes de terceiros, que com a sociedade desenvolveram negócios, não constituem quaisquer adiantamento por conta dos lucros, para afastar a presunção legal contida no artigo 6.º n.º 4 do CIRS.

Mas sem razão.

Efectivamente, é sobre a Administração Tributária, que impende o ónus de alegar e comprovar que as quantias recebidas em contas tituladas pelos Impugnantes estavam escrituradas, ainda que sem menção de origem, na conta corrente dos sócios, caso pretendesse beneficiar da presunção legal contida no n.º4 do artigo 6.º do CIRS.

E, conforme decorre do probatório, nomeadamente do conteúdo do Relatório de Inspecção e da posição assumida pela Administração Tributária no procedimento de inspecção, esta não o fez, na convicção de que para beneficiar daquela presunção legal lhe bastava comprovar o recebimento dos montantes em causa, que os mesmos resultaram da actividade comercial da sociedade e que nesta não tinham sido objecto de tributação.

(…)

Em conclusão, a presunção de adiantamentos por conta dos lucros só poderia operar se existissem lançamentos em conta-corrente dos Impugnantes, escriturados na sociedade, pois só estes se presumem, face ao disposto no n.º 4 do art. 6.º do CIRS, o que, in casu, não ocorre.

Vejamos, então.

Sob a epígrafe de “Rendimentos da categoria E” dispõe o artigo 5.º do CIRS, na redacção que aqui importa ter em conta, que «Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias” (nº1), compreendendo aqueles “frutos e vantagens económicas”, designadamente, os “lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º» (nº2, alínea h).

Por sua vez, o artigo 6.º, n º 4, do mesmo Código, sob a epígrafe «Presunções relativas a rendimentos da categoria E» estatui que «Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros».

Resulta, assim, dos normativos transcritos quais os rendimentos qualificáveis como da “categoria E” (artigo 5.º do CIRS) e quais as situações eleitas pelo legislador cuja comprovação legitima a presunção de que houve rendimentos daquela categoria: todas as quantias escrituradas em quaisquer contas correntes dos sócios de sociedades comerciais, que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, correspondem a lucros ou adiantamento por conta de lucros.

Como se esclarece no acórdão do TCA Norte, de 08/03/18, processo nº 00865/13.6 BEPRT, e na linha daquilo que deixámos dito, “Este artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.

Mas para que tal suceda é necessário que se prove a existência de lucros e que estes foram colocados à disposição dos sócios ou titulares, sendo que não existe qualquer presunção de que no caso de haver lucros estes sejam recebidos pelos sócios ou titulares.

Com efeito, a única presunção legal que se conhece, neste âmbito, é a que decorre da norma do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, na redacção então em vigor, segundo a qual os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

E para esta presunção operar pressupõe-se, efectivamente, o registo na conta corrente do sócio”.

Aproximando-nos agora do caso concreto, e não perdendo de vista que no RIT se fez expresso apelo ao artigo 6º do CIRS, respeitante a presunções relativas a rendimentos da categoria E, deve dizer-se que são diversos os casos com contornos idênticos ao que aqui se discute que têm vindo a ser discutidos nos Tribunais Superiores.

Chamamos à colação o acórdão deste Tribunal, proferido em 31/03/16, no processo nº 6368/13, cujo discurso fundamentador (e sentido da decisão) é aqui inteiramente aplicável. Assim, pode ler-se em tal aresto que:

“(…)

Como se disse já por diversas vezes em arestos deste Tribunal Central, “com esta presunção, procede-se a uma qualificação supletiva de quantias cuja origem não esteja expressa nas contas correntes em causa (…), constituindo essa qualificação das quantias escrituradas, cuja "causa" jurídica não foi expressamente declarada, precisamente o objectivo a que o legislador se propôs com a consagração da presunção em apreço. (2)

Perante os elementos literal, lógico e sistemático dos normativos que regem a tributação dos rendimentos da categoria E, mais especificamente os casos em que podem ser presumidos os rendimentos dessa categoria, as únicas situações em que são consentidas presunções quanto a tais rendimentos são as tipificadas no art° 7°, concretamente e ao que ao caso importa, os nºs 4. Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros.

É precisamente na ausência de qualquer registo contabilístico que os Impugnantes alicerçam de forma mais impressiva a sua defesa de ilegalidade da liquidação: não havendo qualquer escrituração na conta corrente dos sócios por parte da sociedade, não há lugar à presunção que suporta a liquidação adicional, isto é, não há fundamento de facto para fazer operar a presunção do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS e, consequentemente, não há fundamento legal para a liquidação.

Tendo presente a noção de presunção acolhida no artigo 349.º do Código Civil (“Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”), a distinção, também legalmente estabelecida, entre presunções legais e presunções judiciais (conforme a indução ou inferência é feita pela própria lei, que do facto conhecido presume a existência do facto desconhecido, sem dependência de apreciação do juiz, ou é feita por este através das regras da vida - cfr. artigo 350.º e 351.º do Código Civil) e a relevância ou distinto tratamento de que uma e outra podem ser objecto ao nível da sua infirmação (as presunções legais para serem destruídas, nos casos em que a lei o permite, têm de ser ilididas mediante prova em contrário, no caso de presunção natural, não é necessário fazer a prova do contrário do facto presumido, bastando abalar a convicção resultante da presunção, e não, necessariamente, fazer prova do contrário do facto a que ela conduz – cfr. artigos 350.º,n.º 2 e 351.º do Código Civil) (3), não nos assistem dúvidas quanto a que a presunção de que a Administração Tributária lançou mão constitui uma presunção legal. Isto é, o próprio legislador qualifica como “rendimentos da categoria E”, adiantamentos por conta dos lucros, os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucro. Ou seja, só nos casos ali expressamente previstos é que podem ser presumidos os rendimentos dessa categoria, são estas as únicas situações em que são consentidas presunções quanto a tais rendimentos, resultando esta conclusão inequivocamente dos elementos literal, lógico e sistemático dos normativos que regem a tributação dos rendimentos da categoria E.

Acontece porém que, no caso concreto, o facto conhecido, isto é, o facto em que o legislador faz assentar a presunção não está comprovado. Alias, está provado precisamente o seu contrário, já que o Tribunal a quo deu como provado que não havia qualquer registo contabilístico, qualquer escrituração relativa aos montantes recebidos pelos Impugnantes, o que significa que a presunção legal, que constitui o fundamento da presente impugnação, não é legitima.

Em suma, a presunção de adiantamentos por conta dos lucros só poderia operar se existissem lançamentos em conta-corrente dos Impugnantes, escriturados na sociedade, pois só estes se presumem, face ao disposto no nº 4 do art. 7º do CIRS, feitos sob aquele título.

O que, in casu, não acontece.

Daí que, perante este quadro, forçoso é concluirmos que aos Impugnantes não se impunha, contrariamente ao que parecem indiciar as suas conclusões, em especial a identificada sob o n.º Iv in fine (“restava ao impugnante a prova de que tais importâncias haviam sido recebidas a outro título ou que as mesmas verbas tinham sido posteriormente pagas pelo impugnante á sociedade, prova que não logrou fazer”) alegar ou provar que as quantias recebidas nas suas contas e provenientes de terceiros que com a sociedade desenvolveram negócios não constituíam qualquer adiantamento por lucros ou, sequer, demonstrar a sua origem para afastar a presunção legal contida no artigo 6.º n.º 4 do CIRS, uma vez que é sobre a Administração Tributária, pretendendo lançar mão da presunção legal consagrada no artigo 6.º n.º 4 do CIRS, que impende o ónus de alegar e comprovar que aquelas quantias recebidas em contas de que os Impugnantes (sócios) eram titulares estavam escrituradas, ainda que sem menção de origem, na conta corrente dos sócios existentes na sociedade. O que, como bem se vê dos factos apurados, do próprio Relatório e da posição desde o inicio por si assumida, a Administração Tributária não fez, nem tentou fazer, convicta, como vimos, de que para beneficiar daquela presunção legal lhe bastava comprovar o recebimento dos montantes em causa, que os mesmos resultaram da actividade comercial da sociedade e que nesta não tinham sido objecto de tributação”.

No mesmo sentido, se extrai do acórdão do TCA Norte, de 27/11/14, proc. nº 279/09.2BEPRT, que “E se apelarmos ao disposto no n.º 4 do art. 6º do CIRS, parece claro que a norma em causa não contempla a previsão de que os depósitos na conta bancária do sujeito passivo se presumem feitos a título de adiantamento dos lucros. O que a norma diz é que os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, o que é algo muito diferente do invocado pela AT”.

No mesmo sentido, e por nós relatado, o acórdão deste TCA, de 08/02/18, processo nº 06934/13.

No caso concreto, o que temos são cheques emitidos “em nome do sócio gerente, (…) a título de pagamento parcial das aquisições efectuadas à empresa M….. Lda”, sendo certo que, de acordo com os factos provados (cfr. alínea e), não se encontram contabilizados, nem escriturados na empresa M........& F…. Ld.ª, (…), quaisquer lançamentos na conta corrente dos sócios da sociedade que reflictam a colocação de lucros à sua disposição.

Ora, tal circunstancialismo não equivale à base da presunção contida do nº4 do artigo 6º do CIRS, ou seja, lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial.

No caso, não tendo a AT provado a base dessa presunção não pode, então, a mesma fundar a liquidação na presunção que dela resultava, que assim é ilegal, por inexistência de facto tributário.

E isto é assim, sem que para aqui importe apurar se os ditos depósitos para os sócios em causa se poderiam subsumir em outra norma de incidência ou se existiria outra factualidade relevante que de forma diversa permitisse qualificar tais entregas de valores, questões que se encontram fora do âmbito do conhecimento do presente recurso e mesmo do objecto da impugnação judicial, já que não fazem parte do concreto acto de liquidação de IRS impugnado.

Tanto basta, pois, para julgar improcedentes as conclusões da alegação do recurso jurisdicional e negar provimento ao mesmo.

Mantém-se, assim, a sentença recorrida.


*

3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 30/09/19.


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês) - com voto de vencido

------------------------------------------------------------------------------
Voto de vencido


Concederia provimento ao recurso e julgaria improcedente a impugnação, pelas razões que enuncio de imediato:

A fundamentação da correcção assenta na percepção de rendimento por parte do impugnante, traduzido no recebimento de quantias pagas por clientes da sociedade de que é sócio-gerente, a título do pagamento do preço pelas fracções adquiridas, quantias essas destinadas à sociedade, mas que não estão escrituradas na contabilidade da mesma (V. pág. 4 do RIT). Nessa medida, a AT entendeu que as quantias em causa deram entrada na esfera jurídica do sócio gerente em causa, pelo que correspondem a adiantamentos por conta de lucros; tributáveis, nos termos dos artigos 5.º e 6.º do CIRS. Deste rendimento o impugnante não deu conta na sua declaração de rendimentos em sede de IRS.

Uma vez assentes os pressupostos do acto tributário, cabia ao impugnante demonstrar que os mesmos não têm aderência à realidade, o que no caso não logrou comprovar.

Pelo que a impugnação improcede.


Jorge Cortês