Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1872/24.9BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:04/10/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:ISENÇÃO DE CUSTAS
ARTICULADOS DO PROCESSO DE INTIMAÇÃO
DIREITO À INFORMAÇÃO NÃO PROCEDIMENTAL
SEGREDO COMERCIAL
Sumário:I - Ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1 al. f) do RCP as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos apenas estão isentas de custas nos processos respeitantes às suas especiais atribuições e nas ações que tenham por fim direto (e não apenas instrumental) a defesa dos interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos;
II - Sem prejuízo de o requerimento inicial e a resposta serem os únicos articulados admissíveis no processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, mostrando-se necessário assegurar o contraditório deve admitir-se a pronúncia do requerente da intimação quando esta se destine ao exercício do contraditório quanto à defesa por exceção do réu ou à pronúncia quanto a documentos juntos na resposta;
III - O incumprimento pelo recorrente dos ónus impugnatórios, previstos no art.º 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, impede que a 2.ª Instância possa conhecer da impugnação do julgamento da matéria de facto operada, determinando a imediata rejeição do recurso quanto a essa impugnação (n.º 1, do art.º 640.º do CPC);
IV - A circunstância de a informação não procedimental (administrativa) requerida se destinar a instruir um processo judicial – e poder aí consubstanciar um meio de prova -, não configura per si um limite ao direito de acesso, apenas o sendo quando o direito à informação em causa esteja sujeito a uma das restrições previstas na LADA ou em legislação que especificamente regule esse direito;
V - Recai sobre a entidade que recusa o acesso à informação com fundamento no artigo 6.º, n.º 6 da LADA o ónus de consubstanciação dos pressupostos da restrição, o que não se basta pela mera afirmação por esta dessa natureza confidencial, nem com o mero elenco dos documentos requeridos que, sendo certo reportarem-se à sua atividade comercial e à execução contabilística e financeira de um determinado projeto, não evidenciam em termos de notoriedade o seu enquadramento na restrição.
VI - Nos termos do artigo 15.º, n.º 3 da LADA afasta-se a obrigação de satisfação de pedidos de informação e acesso a documentos administrativos quando tais pedidos sejam “manifestamente abusivos”, o que sucederá em face do seu “carácter repetitivo e sistemático” ou do “número de documentos requeridos”.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

Fundação Museu Nacional Ferroviário Armando Ginestal Machado, F.P. (doravante Recorrente, Requerida ou ER) instaurou recurso da sentença proferida em 29.1.2025 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente o pedido de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, que contra si foi instaurado por T… & M…, Lda, e L…. Lda. (doravante Recorridas, Requerentes ou AA..), condenando a Entidade Requerida a fornecer às Requerentes, no prazo máximo de 10 dias, toda a informação peticionada e discriminada no requerimento datado de 13 de novembro de 2024 sendo que, caso a Requerida não tenha em sua posse algum dos documentos pretendidos deverá emitir, em igual prazo, uma certidão negativa quanto aos mesmos, especificando quanto a estes os motivos para a impossibilidade de emissão de cópia ou reprodução autenticada e improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de sanção pecuniária compulsória.

Apresentou alegações nas quais formulou as seguintes conclusões,

“Cumpre, desde logo, sublinhar que andou mal o Tribunal a quo, ao não considerar a isenção de custas da recorrente, na medida em que o objeto do litígio não só se enquadra, inequivocamente, no âmbito das suas especiais atribuições, como também se revela essencial para a tutela dos interesses que lhe são conferidos pelo estatuto e pela legislação aplicável.

O “Comboio Presidencial”, conjunto de veículos ferroviários de 1890, integra o acervo patrimonial da recorrente e foi cedido para a realização do “Comboio Presencial ByChakall”, que visa promover e dinamizar o Comboio Presidencial, a linha ferroviária histórica do Douro e a gastronomia local, o que se enquadra nas especiais atribuições da recorrente.
O presente pedido de intimação judicial tem por objeto a obtenção de informações, certidões e documentos relativos ao projeto “Comboio Presidencial byChakall”.
A recorrente veio recusar o acesso à informação administrativa não procedimental em causa, por considerar que está a defender interesses legalmente protegidos, que se trata de informação confidencial, privilegiada sobre a sua vida e gestão interna, estando intrinsecamente ligada à prossecução do interesse público, bem como das suas especiais atribuições.
Entende o Tribunal recorrido que a intimação judicial não se encontra conexa com as atribuições da recorrente, mas antes com a mera “disponibilizaçdo ou não de documentos/informações relacionados com a sua atividade”.
Acolher este entendimento, significaria concluir que todas as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, com estatuto de utilidade pública, nunca teriam direito ao regime de isenção de custas em processos desta natureza, atendendo, precisamente, ao seu objeto.
O regime de isenção de custas, como tem sido amplamente defendido pela jurisprudência e doutrina, não pode ser afastado quando estejam em causa atuações necessárias ou instrumentais à execução das atribuições especiais da respetiva entidade, pelo que a aplicabilidade deste regime deverá ser analisada caso a caso.
A disponibilização de informações e certidões relativas à realização do “Comboio Presidencial by Chakall” decorre diretamente da prossecução das atribuições específicas da recorrente e, ainda que assim não fosse, sempre constituiria uma atuação necessária ou instrumental à defesa dos seus interesses no âmbito da sua atividade, beneficiando, por isso, do regime consagrado na alínea f) do n.° 1 do artigo 4.° do RCP.
Se não vejamos: quando é que uma entidade como a recorrente atua em defesa dos interesses que lhe são confiados? Excluindo tudo o que se afasta do núcleo essencial dos interesses em questão, o que permanece?
10°
Existem assuntos que decorrem naturalmente, a montante ou jusante, do núcleo essencial dos interesses da recorrente, e que são ainda necessários à prossecução das suas atribuições.
11°
A recorrente quando litiga para defesa dos seus interesses, mesmo em questões laterais, mas conexas com o projeto “Comboio Presidencial by Chakall”, está, no limite, a praticar atos indispensáveis e instrumentais à concretização das suas especiais atribuições, o que se enquadra na alínea f) do n.° 1 do artigo 4.° do RCP.
12°
Nestes termos, o Tribunal o quo deveria ter reconhecido que a recorrente está isenta de custas, com todas as consequências legais.
13°
Quanto à admissibilidade da resposta das recorridas à matéria de exceção, o Tribunal a quo não fundamenta, em momento algum, quais as concretas que alegações que a recorrida faz que podem impedir, modificar ou extinguir o direto invocado pelas recorridas, concluído, de forma genérica e conclusiva, que a recorrente também se defendeu por via de exceção.
14°
Salvo douta opinião, entende a recorrente que apenas apresentou defesa por impugnação, ainda que seja motivada e que negue a factualidade articulada pelas recorridas.
15°
Poder-se-á, no limite, admitir que o facto da recorrente alegar que, para efeitos do disposto no n.° 3 do artigo 15.° da LADA, não está obrigada a satisfazer pedidos manifestamente abusivos, desproporcionais ou irrazoáveis, que isso configura matéria de exceção.
16°
Ora, nesse cenário, as recorridas apenas poderiam responder à matéria de exceção especificamente invocada pela recorrente, ou seja, quanto à defesa alicerçada no n.° 3 do artigo 15.° da LADA, sendo que tudo o extravasasse esse âmbito, teria de ser considerado pelo Tribunal a quo como não escrito.
17°
Quanto ao objeto central do presente litígio, estamos perante um pedido intimação judicial (Cf. art.° 104.° do CPTA) para assegurar, por via jurisdicional, o invocado direito à informação administrativa não procedimental.
18°
O direito à informação administrativa não procedimental (materializado no acesso a arquivos e registos administrativos) está constitucionalmente consagrado no n.° 2 do artigo 268.° da CRP.
19°
A nível infraconstitucional, o acesso à informação administrativa, na sua vertente não procedimental, é regulado pela LADA.
20°
Embora o artigo 5.° n.° 1 da LADA disponha que todos os cidadãos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, tem direito de acesso aos documentos administrativos (Cf. princípio da administração aberta), a verdade é que este não é um direito absoluto, tendo de ser confrontado com as restrições também previstas na CRP, no CPTA, na LADA e, ainda, em legislação especial que venha a ser aplicável.
21°
Desde logo, e em contraposição ao vertido na sentença, importa esclarecer que a recorrente não recusou, de forma arbitrária ou infundada, a satisfazer o pedido das recorridas de acesso à informação administrativa não procedimental.
22°
A recusa da recorrente assentou num juízo legítimo e fundado de que a pretensão formulada pelas recorridas se subsume à restrição consagrada nos n.°s 5 e 6 do artigo 6.° da LADA, traduzindo-se, ainda, num pedido, manifestamente, abusivo, desproporcional e destituído de qualquer razoabilidade, para efeitos do artigo 15.° do mesmo diploma.
23°
Da análise da sentença, a recorrente não pode deixar de concluir, com o devido respeito, que o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento, pela evidente falta de exame crítico da prova documental e da factualidade alegada na resposta apresentada à intimação judicial.
24°
Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, a recorrente não se limitou a invocar, de forma genérica, a legislação aplicável. Na realidade, respondeu, na medida do possível, adotando as medidas necessárias para salvaguardar o interesse público e preservar informação da sua gestão e vida interna, confidencial e privilegiada, bem como os segredos comerciais, sem prejudicar a produção de prova nos processos judiciais - quer de âmbito criminal, quer de âmbito cível - os quais ainda estão em curso.
25°
O Tribunal a quo, salvo devido respeito, não considerou prova carreada para os autos, especialmente a petição inicial do processo n.° 333/24.OTYLSB, junta sob o Doc. n.°4, nem confortou essa prova com a factualidade alegada pela recorrente.
26°
Efetivamente, o Tribunal a quo não teve em conta que a informação administrativa não procedimental em causa pode estar diretamente relacionada com o processo n.° 152/16.8TELSB, que corre termos no DIAP Regional de Lisboa - l.ª Secção - Lisboa - Crime Económico-Financeiro e Crime Violento (Cf. artigo 21° do Doc. 4 junto pelas recorridas).
27°
Embora a recorrente não conheça os contornos do referido processo-crime, não se afigura razoável que a mesma se veja compelida a conceder acesso à informação em causa, sob pena de comprometer as suas garantias de defesa constitucionalmente consagradas.
28°
Até porque “o acesso a documentos elaborados pela entidade ou recebidos por ela no âmbito exclusivo de processo judicial pendente, não é regido pela LADA, antes pelas respetivas provisões processuais, a ser solicitado, pois, no respetivo processo e à aí entidade competente” (Cf. parecer n.° 418/2022 (Processo n.° 698/2022) da CADA).
29°
Com efeito, entende a recorrente que o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos deve ser restringido, uma vez que ocorre uma colisão com direitos e garantias (nomeadamente, o direito à não autoincriminação e as garantias de defesa em processo penal), constitucionalmente protegidos, que prevalecem, à luz de um juízo de proporcionalidade, sobre o referido direito de acesso à informação administrativa.
30°
Além disso, a pretensão formulada pelas recorridas constitui matéria controvertida no processo n.° 333/24.0YHLSB que corre termos no juízo de propriedade intelectual de Lisboa, sendo que para o efeito de obtenção de prova, quando a essa matéria, terão de observar o regime probatório especial estabelecido no Código de Propriedade Industrial.
31°
Na PI do processo n.° 333/24.OYHLSB (cf. Doc. n.° 4), as recorridas alegaram que a recorrente, em decorrência do projeto “Comboio Presidencial byChakall”, não só “usurparam os sinais distintivos da marca e sinais distintivos das [recorridas]”, bem como “praticaram atos” suscetíveis de configurar responsabilidade pré-contratual e concorrência desleal.
32°
Ainda no âmbito do referido processo, alegaram que a recorrente “imitou” a “ideia” de negócio das recorridas com o propósito de se aproveitam dos seus investimentos, o que é desconforme com os usos e regras comerciais de concorrência livre e angariação/desvio de clientela.
33°
É manifesto, e resulta do próprio pedido de intimação judicial, que as recorridas procuram aceder a informação administrativa não procedimental, diretamente relacionada com a matéria controvertida no processo em curso, na expectativa de inverter o ónus da prova, que, como é sabido, recai sobre quem alega os factos.
34°
Deste modo, competia ao Tribunal a quo, em qualquer caso, apreciar se o acesso à documentação aqui em questão estava submetido a legislação especial, o que, notoriamente, não fez.
35°
Isto porque, “se o documento requerido for efetivamente um documento administrativo, cumpre averiguar se acesso ao mesmo obedece, ou não a um regime especial, diferente do estabelecido na LADA. Nessa pesquisa pode utilizar-se a enumeração exemplificativa prevista no n.° 4 do artigo 1° da LADA”, sendo que “Caso se conclua que documento requerido está sujeito a um regime especial, aplicar-se-ão então as regras traças pela legislação especifica" (Cfr. Sérgio Pratas, A (nova) Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, 2.a edição, Almedina, 2020, pp. 66) - sublinhado nossos.
36°
Por conseguinte, não podemos concordar com o Tribunal recorrido quando refere que “as restrições ao acesso à informação estão necessariamente previstas no artigo 6° da LADA”, desde logo, porque o n.° 4 do artigo l.° do mesmo diploma “abre a porta” às restrições previstas em legislação especial (que, como se sabe, derroga a norma geral).
37°
Ora, considerando que informação não procedimental em causa constitui, como vimos, objeto e matéria controvertida no processo n.° 333/24.0YHLSB, o seu acesso terá de ter lugar através das medidas de obtenção de prova inscritas no artigo 339.° do CPI.
38°
Prescreve o artigo 339.° do CPI que:
“1 - Sempre que elementos de prova estejam na posse, na dependência ou sob o controlo da parte contrária ou de terceiro, pode o interessado requerer ao tribunal que os mesmos sejam apresentados, desde que para fundamentar a sua pretensão apresente indícios suficientes de violação de direitos de propriedade industrial ou de segredos comerciais.
2 - Quando estejam em causa atos praticados à escala comercial, pode ainda o requerente solicitar ao tribunal a apresentação de documentos bancários, financeiros, contabilísticos ou comerciais que se encontrem na posse, dependência ou sob controlo da parte contrária ou de terceiro.
3 - Em cumprimento do previsto nos números anteriores, o tribunal, assegurando a proteção de informações confidenciais, notifica a parte requerida para, dentro do prazo designado, apresentar os elementos de prova que estejam na sua posse, promovendo as ações necessárias em caso de incumprimento.”
39°
O citado artigo exige que o interessado apresente indícios suficientes de violação de direitos de propriedade industrial ou de segredos comerciais, de forma a justificar o acesso aos elementos de prova que se encontrem na posse, dependência ou sob o controlo da parte contrária ou de terceiro.
40°
Pois bem, caso se adote o entendimento do Tribunal a quo, questiona-se qual é razão de ser da exigência prevista quer no artigo 339.° do CPI, quer das exigências probatórias previstas em outra legislação especial?
41°
É manifesto que, nesse cenário, estaríamos perante um completo esvaziamento do regime de obtenção de prova previsto no CPI, desvirtuando, assim, as suas exigências e finalidades. Pior, tal significaria deixar “entrar pela janela” aquilo que o legislador não quis deixar “entrar pela porta”.
42°
Não obstante, o Tribunal a quo sempre deveria ter concluído que a informação não procedimental a que as recorridas pretendem aceder está abrangida pelo segredo comercial e industrial, bem como pela informação confidencial sobre a gestão e vida interna das empresas, nos termos do artigo 6.°, n.°s 5 e 6 da LADA.
43°
De facto, o Tribunal o quo fez uma leitura isolada da resposta apresentada pela recorrente e dissociada da prova documental junta aos autos, tendo concluído que “a proteção do segredo comercial/industrial e da informação sobre a vida interna das empresas, encontra-se intrinsecamente ligada às práticas de concorrência desleal, constituindo, aliás, a finalidade daquela proteção evitar a prática de atos desta natureza que possam colocar em risco e provocar consequências graves às empresas”.
44°
Ainda que se entenda que o enquadramento da informação peticionada não seja o da concorrência desleal, a fundamentação estabelecida pelo Tribunal a quo revela-se manifestamente contraditória e, por isso, incoerente.
45°
Contraditória, desde logo, porque se o Tribunal recorrido entende que a existência de matéria comercial está intrinsecamente ligada às práticas de concorrência desleal, então, à luz da matéria alegada na resposta da recorrente, conjugada com a factualidade decorrente da PI (Cf. Doc. 4), só poderia ter concluído que o acesso à informação administrativa não procedimental em causa confere às recorridas a possibilidade de praticar tais atos.
46°
De facto, impunha-se que Tribunal o quo, em coerência e contraponto, face à imputação de atos de concorrência desleal pela recorridas à recorrente na PI (cf. Doc. 4), considerar que o acesso à informação peticionada colocaria, no mínimo, as recorridas numa posição privilegiada, abrindo a possibilidade de virem a praticar de atos de concorrência desleal contra a recorrente.
47°
Além disso, “persistimos” em que não é necessário “grande esforço argumentativo e lógico para concluir” que a informação administrativa não procedimental aqui em causa, constitui, até pela sua natureza, informação que contém dados nominativos, confidencial e privilegiada relativa aos métodos de gestão e organização interna da recorrente, bem como da sua relação com parceiros comerciais, podendo o seu acesso por parte de terceiros “gravemente afetar a respetiva capacidade ou interesse concorrencial”.
48°
As recorridas pretendem, desde logo, acesso a documentos que contém dados nominativos, dado que peticionam, nomeadamente, a “Cópia de todos os contratos/protocolos de cooperação celebrados por relação ao projecto “Comboio Presidencial by Chakall", nomeadamente e sem limitar: • Contratos/Acordos celebrados entre a Requerida e E…• Contratos/Acordos celebrados com fornecedores utilizados (incluindo gerador e cozinhas); • Contratos/Acordos celebrados com os patrocinadores; • Cópia das comunicações digitais entre a Requerida e os fornecedores e patrocinadores do projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, e por relação a este”.
49°
Como é notório, não só os contratos, como também as comunicações digitais contêm, naturalmente, dados pessoais das partes que os celebraram ou que intervieram nas referidas comunicações digitais, confirmando, sem margem para dúvida, que se referem a documentos nominativos sujeitos ao regime previsto no n.° 5 do artigo 6.° da LADA, bem regime do RGPD e do DL n.° 135/99, de 22 de abril, na sua redação atual.
50°
Ademais, a informação relativa às relações mantidas, não apenas entre as partes envolvidas no projeto “Comboio Presidencial by Chakall”, mas também com os respetivos fornecedores e patrocinadores, é suscetível de revelar a estratégia comercial e a alocação de meios às mesmas, dados confidenciais e privilegiados da recorrente e das suas contrapartes em tal projeto.
51°
O que permitiria desvendar, em detalhe, não apenas os produtos adquiridos para a confeção das refeições, mas também, e sem limitar, os termos acordados com os patrocinadores, os contratos celebrados, as necessidades operacionais para a circulação do comboio, as parcerias estabelecidas com as quintas envolvidas e até os critérios que presidiram à sua seleção.
52°
Ou seja, conceder às recorridas acesso a tal informação equivale a expor, em pormenor, a estrutura e os contornos negociais do projeto, revelando a totalidade da sua conceção, desenvolvimento e implementação, o que se afigura manifestamente desproporcional e prejudicial, e por isso inadmissível.
53°
Acresce que por ser uma prática habitual da recorrente em assuntos desta índole, apenas as pessoas diretamente envolvidas na realização e implementação do projeto têm acesso a essa informação, não se tratando de informação acessível a qualquer pessoa, nem de conhecimento público.
54°
Diga-se que, só o facto de a recorrente pugnar nos presentes autos pela preservação da confidencialidade informação em causa, é indício bastante de que a mesma tem natureza confidencial e secreta, tendo por isso valor comercial para a recorrente, tratando-se de segredo comercial.
55°
A recorrente sempre tratou este assunto com a máxima reserva, quer no que respeita à informação digital (confidencialidade das comunicações), quer no âmbito das reuniões do Conselho Diretivo da recorrente, bem como nas relações externas, nas quais apenas participam pessoas devidamente apresentadas à recorrente e diretamente envolvidas na realização e implantação do referido projeto.
56°
Além disso, a informação referente ao “Custo de manutenção do comboio; Custo de aluguer das locomotivas (incluindo combustível e motorista); Custo da operação de fiscalização e acompanhamento das marchas; Custo das marchas; Custo das salas de apoio (nomeadamente em Contumil e São Bento, incluindo custos com segurança do comboio); Custos de limpeza e reparações do comboio”, sem conceder, quanto à respetiva existência e realidade, será, sempre, de acesso restrito determinado pela contraparte no referido projeto, a CP - Comboios de Portugal E.P.E.
57°
Os documentos/informações em causa dariam acesso a informação privilegiada relativa aos métodos de gestão e organização interna da recorrente, bem como a sua relação com parceiros comerciais, o que é, manifestamente, suscetível de causar danos, bem como “gravemente afetar a capacidade ou interesse concorrencial”.
58°
Assim, impunha-se ao Tribunal a quo uma conclusão diversa, a que contemplasse que a informação administrativa não procedimental peticionada está abrigada pelo disposto no n.° 6 do artigo 6.° da LADA.
59°
Diga-se, ainda, que o Tribunal a quo também não teve em devida em consideração a alegação de que existe um histórico de litigância entre as recorridas e a recorrente, o qual, por si só, é condição suficiente para invocar a hipótese prevista no artigo 15.°, n.° 3, da LADA.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo assim
JUSTIÇA!”

As Requerentes/Recorridas apresentaram contra-alegações ao recurso interposto pela Requerida/Recorrente, concluindo nos seguintes termos,
“A. As presentes Contra-Alegações são apresentadas na sequência da interposição do Recurso de Apelação da Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 29.01.2025, nos termos da qual foi julgada parcialmente procedente a presente Acção e em consequência foi a Recorrente condenada a fornecer às Recorridas, no prazo máximo de 10 dias, toda a informação peticionada e discriminada no Requerimento datado de 13 de Novembro de 2024, junto sob DOC. 5, com a Petição Inicial, tendo, no mais, sido julgado improcedente o pedido de condenação daquela no pagamento de sanção pecuniária compulsória.
B. Através das presentes Contra-Alegações as Recorridas demonstram a necessária improcedência do Recurso de Apelação interposto pela Recorrente, seja porque a sentença recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento que determine a sua revogação, seja porque a Recorrente vem, de forma processualmente inadmissível, proceder à invocação de verdadeiras questões novas subtraídas do conhecimento do Tribunal a quo, e as quais não são de conhecimento oficioso.
C. A título prévio, as Recorridas lograram demonstrar, nas presentes Contra- Alegações, que a Recorrente não beneficia de qualquer isenção de custas processuais, atendendo a que, não obstante a mesma se tratar de uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos, é certo que in casu não actua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições, ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo estatuto ou lei.
D. Nomeadamente no âmbito do estudo, a conservação e a valorização do património histórico, cultural e tecnológico ferroviário português, nem com a instalação e a gestão do Museu Nacional Ferroviário e dos respectivos núcleos museológicos (cfr. artigo 4.°, do Decreto-Lei n.° 38/2005, de 17 de Fevereiro.
E. A este propósito, veja-se que, na presente Acção, não estamos perante qualquer litígio emergente das relações jurídicas estabelecidas com vista à prossecução das atribuições especiais da Recorrente, por não se tratar de uma decorrência natural daquelas, não tendo a materialidade e substância discutida neste litígio qualquer conexão, directa ou instrumental, e muito menos exclusiva, com as especiais atribuições da Recorrente.
F. Estamos sim, ao invés, perante uma Acção onde se discute a existência da obrigação de disponibilização da documentação e informação pela Recorrente e o correspondente direito das Recorridas à obtenção da mesma, isto é, in casu discute-se o direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo (cfr. artigos 268.°, da CRP, artigos 2.°, 3.°, 4.° e 5.° da LADA, e ainda 17.°, do CPA).
G. Pelo que, não se encontrando em causa qualquer litígio que incida sobre a gestão propriamente dita da Recorrente, nem tão pouco qualquer litígio que se relacione directa ou indirectamente com os actos de desenvolvimento, implementação ou execução do projecto ou com eventuais vicissitudes relativas ao referido projecto, não haverá, pois, lugar à isenção de custas processuais nos termos e para os efeitos do disposto na alínea f), do n.° 1, do artigo 4.°, do RCP, como de resto doutamente decidido pelo Tribunal a quo.
H. No mais, as Recorridas demonstraram, ainda, que também, no âmbito da presente acção, a Recorrente não age em defesa de posições inerentes à prossecução das atribuições conferidas pela lei, desde logo, porque também por identidade de razões, a defesa dos interesses de gestão e organização interna da Recorrente não corresponde à prossecução de qualquer finalidade e atribuição especial da mesma.
I. Assim, em face do não preenchimento do pressuposto inerente à isenção subjectiva, em virtude de aquela não actuar, na presente Acção, no âmbito as suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação aplicável, deve o Recurso ser julgado improcedente, por não provado, quanto ao concreto segmento relativo à "Da isenção de custas", devendo ser mantida a Sentença recorrida, a qual não merece qualquer censura e/ou reparo.
J. Ainda a título prévio, fica demonstrado que o Requerimento de contraditório das Recorridas, datado de 22.01.2025, revela-se processualmente admissível e legal, atendendo a que, através do mesmo, as Recorridas mais não fazem do que exercerem o seu direito de contraditório quanto às excepções peremptórias deduzidas pela Recorrente em sede de Resposta, agindo, no mais, em estrito cumprimento do Despacho proferido, em 20.01.2025, fls. 500, dos autos, pelo Tribunal a quo.
K. Fica assim demonstrado que a Recorrente vem pretender afastar o direito alegado pelas Recorridas - em concreto, a existência de direito respectivo direito de informação - através da invocação de factos que o impedem, o modificam ou o excluem, como faz nos artigos 33.° a 59.°, da Resposta, consubstanciando esta uma defesa por excepção peremptória, - cfr. neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 25.02.2014, no Processo n.° 6958/12.0TBSXL.L1-7).
L. Sintomático disso mesmo é o facto de a Recorrente não negar o direito das Recorridas, admitindo apenas que o mesmo está sujeito à compatibilização com outros direitos de igual valia, propugnando por uma pretensa legítima recusa, tratando-se assim de uma defesa de negação indirecta assente na alegação de factos novos tendentes a repelir a pretensão do autor, (cfr. o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 08.02.2018, no Processo n.° 435/14.1TBTMR-A.E1).
M. Acresce que, sintomático disso mesmo é o facto de a Recorrente invocar precisamente o regime legal previsto no artigo 6.°, da Lei n.° 26/2016, de 22 de Agosto, com a epígrafe "Restrições ao direito de acesso", sendo que este propósito, a Jurisprudência mais autorizada na matéria tem efectivamente se pronunciado no sentido de a invocação das restrições ínsitas no artigo 6.°, da LADA, entre as quais a invocação da existência de um segredo comercial, configurar uma verdadeira defesa por excepção que admite o exercício do direito de contraditório da requerente (cfr. neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 01.10.2015).
N. Por fim, sempre se constata que afigura-se legitimo e legal, ao abrigo das regras do processo civil e contencioso administrativo, o exercício do direito de contraditório pelas Recorridas nos termos do Requerimento apresentado em 22.01.2025, sem prejuízo da natureza urgente do processo, a qual, por sua vez, não impede a observância e cumprimento dos princípios estruturais de processo, nomeadamente o direito ao contraditório, igualdade das partes e ainda efectivo direito de acesso à justiça (cfr. neste sentido, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 09.03.2006, no âmbito do Processo n.° 01409/06 e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 03.12.2003, no âmbito do Processo n.° 01744/03).
O. Assim, fica igualmente demonstrado que a Sentença recorrida não enferma de qualquer insuficiência de apreciação - em virtude da pretensa ausência de identificação das concretas excepções deduzidas -, nem tão pouco enferma de erro de julgamento quanto à douta apreciação da admissibilidade do Requerimento de Resposta das Recorridas, datado de 22.01.2025, motivo pelo qual deverá a mesma ser mantida nos exactos termos proferidos. 
P. Pelo que, também pelo exposto supra não pode deixar de ser julgado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso sob escrutínio quanto ao concreto segmento impugnatório da "Admissibilidade da resposta das recorridas".
Q. Ora, certo é que a Recorrente procede ainda à invocação de novas questões através do presente Recurso, pois que a mesma em momento algum, seja extrajudicial, seja judicial, recusou a disponibilização da documentação e informação aqui em apreço com o fundamento no facto de a mesma conter "dados nominativos" e/ou "dados pessoais" ou com fundamento na existência de um alegado processo crime e, por consequência, na necessidade de tutela dos direitos e garantias especialmente conferidos no âmbito do processo penal e CRP, a este propósito.
R. Factos e questões que configuram verdadeiros factos novos (e essenciais) à tese agora perfilhada pela Recorrente em sede de Recurso, e que nunca foram alegados ao longo dos articulados, nem trazidos à luz do Tribunal a quo, motivo pelo qual o mesmo não apreciou tal matéria em sede de Sentença recorrida.
S. A este propósito, as Recorridas demonstraram que os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas - e não criar decisões sobre matéria nova e proceder a um novo julgamento da causa - por se tratar de instrumento de reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, permitindo a discussão sobre determinados pontos concretos que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente julgados.
T. Motivo pelo qual este Venerando Tribunal não pode ser chamado a pronunciar- se sobre matéria que não foi alegada pela Recorrente na instância recorrida, nomeadamente os factos relativos à existência de "dados nominativos" e os factos relativos à existente de "um processo crime" em que a Recorrente "poderá, se for caso disso, assumir a qualidade de interveniente processual".
U. Ainda a este propósito, as Recorridas demonstraram que as sobreditas questões não configuram questões de conhecimento oficioso, por se tratar de uma verdadeira defesa por excepção peremptória de natureza disponível, abrangidos pela livre invocação e vontade do interessado, aqui Recorrente, motivo pelo qual, não tendo as mesmas sido invocadas em sede de Contestação/Resposta o seu conhecimento terá precludido.
V. Não podendo, por isso, o Tribunal ad quem conhecer as questões agora invocada, seja porque estas estão excluídas do âmbito da matéria decisória vertida na Sentença recorrida; seja porque as mesmas não configuram questões de conhecimento oficioso que este Venerando Tribunal ad quem deva conhecer sem que as partes as invoquem (cfr. Acórdão proferido por este Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, em 20.06.2024, no âmbito do Processo n.° 3056/11.7BELSB; o Acórdão também proferido por este Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, em 19.06.2024, no âmbito do Processo n.° 154/10.8BELRS; e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 08.10.2020, no âmbito do Processo n.° 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1).
W. Termos em que, devem as sobreditas questões novas agora invocadas pela Recorrente - relativas à existência de "dados nominativos" e à existência de "um processo crime" em que a Recorrente possa, eventualmente "caso disso" ser interveniente -, ser desconsideradas por pura ausência de objecto susceptível de Recurso quanto a estas (cfr., neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 08.11.2018, no âmbito do Processo n.° 212/16.5T8PTL.G1),
X. E, em consequência, com o devido respeito, deve este Venerando Tribunal recusar o conhecimento das novas questões invocadas pela Recorrente em sede de Recurso, julgando-se assim o mesmo improcedente, o que desde já se requer para todos os efeitos e demais consequências legais.
Y. Acresce que, em relação ao segmento da "Ilegalidade da Sentença", as Recorridas lograram demonstrar que inexiste qualquer erro de julgamento e/ou de apreciação de prova pelo Tribunal a quo, tendo sistematicamente dividido as suas Contra-Alegações nos seguintes segmentos: (i) Da restrição quanto à pendência de processos (crime e judicial); (ii) Das alegadas restrições de segredo comercial e da presença de dados nominativos; e (iii) Do pretenso exercício abusivo pelas recorridas: artigo 15.°, n.° 3, da LADA.
Z. No que concerne ao primeiro segmento - relativo à pretensa restrição de acesso em virtude da pendência de processos (crime e judicial) - as Recorridas começaram por demonstrar que não corresponde à verdade que os direitos de defesa da Recorrente, constitucionalmente e processualmente consagrados, se encontrem em risco em virtude da existência daquele processo-crime e da obrigação de disponibilização do acesso aos documentos administrativos em causa.
AA. A este propósito, as Recorridas, cabalmente, esclareceram que os contratos apreendidos à ordem do Processo n.° 152/16.8TELSB, no DIAP Regional de Lisboa e protestados juntar em sede de Petição Inicial, no âmbito do Processo n.° 333/24.0YHLSB, reportam-se ao projecto " The Presidential' o qual foi desenvolvido pelas Recorridas e pela Recorrente em conjunto com a CP - Comboios de Portugal E.P.E., e não ao projecto "The Presidential Train by Chakall", aqui em apreço.
BB. Ou seja, a documentação e informação pretendida pelas Recorridas nem sequer se encontra apreendida à ordem de qualquer processo-crime em curso, como pretende a Recorrente fazer crer este Venerando Tribunal, em evidente desespero de causa. 
CC. Sendo que, no mais, naquele processo-crime, nunca esteve em causa a investigação das relações contratuais entre as aqui Partes ou a investigação sobre o projecto " The presidenta! desenvolvido pelas Recorridas e pela Recorrente em conjunto com a CP - Comboios de Portugal E.P.E., nem tão pouco - segundo o conhecimento das Recorridas - esteve em causa a investigação do projecto sobre o qual o pedido de informação em apreço incide.
DD. Assim, não corresponde à verdade que a Recorrente poderá ser visada nesse processo-crime, tendo ficado demonstrado, a este propósito, que nenhuma das partes (nem os terceiros envolvidos no projecto “The Presidential” e no projecto “The Presidential Train by Chakall”) foi acusada no âmbito daquele processo-crime, não assumindo os mesmos a qualidade de Arguidos.
EE. Nem tão pouco corresponde à verdade que a informação requerida pelas Recorridas esteja relacionada com o sobredito processo-crime em curso, uma vez que as relações contratuais no âmbito dos distintos projectos acima referidos e entre as relações entre as respectivas Partes não se confundem.
FF. Pelo que, sempre se constata que inexiste qualquer possibilidade de as aqui Partes e aqueles terceiros intervenientes, na documentação/informação pretendida pelas Recorridas, assumirem a qualidade de interveniente processual que beneficie do "direito à não autocriminação e/ou garantias de defesa em processo penal', inexistindo, por conseguinte, qualquer necessidade de salvaguarda de eventuais e hipotéticos direitos da Recorrente prevalecentes sobre o direito das Recorridas ao acesso à informação e documentos administrativos.
GG. No mais, as Recorridas demonstraram ainda que os documentos e informação pretendida através da presente Acção não se reportam à matéria controvertida no âmbito do Processo n.° 333/24.0YHLSB, tendo apenas conexão com a matéria aí discutida, não se encontrando a documentação em apreço em discussão agora em curso, onde apenas se irá apurar a existência da referida violação e a existência (ou não) do direito de indemnização e compensação das Recorridas.
HH. Certo é que, a documentação em causa poderá apenas ser relevante para efeitos de quantificação dos montantes relativos à referida indemnização pela violação do direito de propriedade intelectual das Recorridas, a qual apenas será devida em caso de vencimento na Acção e a quantificar em sede de Incidente de Liquidação de Sentença.
II. Assim, pretendem assim as Recorridas obter toda a documentação relativa à execução do "novo" projecto pela Recorrente, para que, de forma informada e esclarecida, possam prosseguir a via mais adequada e idónea à protecção e defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, encontrando-se legitimado o acesso pelas Recorridas,
JJ. Sendo que, a disponibilização da documentação em apreço em nada contende com as regras e normas processuais relativas à produção de prova no âmbito do processo civil ou no âmbito da aplicação das regras ínsitas no Código da Propriedade Industrial, nem tão pouco contraria e/ou viola as regras de distribuição do ónus da prova no âmbito daquele processo, como pretende fazer crer a Recorrente.
KK. No mais, certo é que mesmo que assim não fosse, o que não se concede, certo é que o simples facto de as Recorridas reivindicarem algo em sede judicial, para a qual a documentação requerida é ou poderá ser pertinente, constitui motivo suficiente e bastante para demonstrar o legítimo interesse na obtenção das informações e/ou documentos em causa, sendo fundamento idóneo a preencher o requisito da legitimidade das Recorridas na obtenção da informação e documentação em apreço.
LL. Assim, as Recorridas demonstraram que assiste às mesmas o direito a haver da Recorrente os elementos documentais por si peticionados, de forma a prosseguir numa via informada, para de acordo com a sua motivação, vir a utilizá-los em processos judiciais ou extrajudiciais, instaurados ou a instaurar, relacionados com a matéria neles em apreço o que de facto, não é ilegítimo, nem abusivo (cfr. neste sentido, o Acórdão proferido por este Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, em 21.04.2022, no âmbito do Processo n.° 684/21.6BELSB; o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 12.09.2014, no âmbito do Processo n.° 00431/14.9BEPRT; e ainda o Tribunal Central Administrativo Norte, em 17.05.2007, no âmbito do Processo n.° 01273/06.0BEBRG).
MM. Sintomático disso mesmo, é o facto de inexistir qualquer disposição legal - seja ao abrigo da LADA, seja ao abrigo do CPA - que estabeleça uma qualquer restrição ao acesso a documentos que se reportem a matéria conexionada (ou mesmo directamente relacionada) com matérias controvertidas em sede de processo judicial, tal como doutamente decidido na Sentença recorrida, devendo operar in casu o princípio basilar de direito segundo o qual onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.
NN. Em face de tudo o quanto fica exposto e provado, sempre se conclui que nenhuma censura e/ou reparo merece a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, pois que efectivamente estamos no âmbito de aplicação da regra geral ínsita no artigo 5.°, n.° 1, da LADA, sendo, por isso, legítimo às Recorridas o recurso a este processo de Intimação para obtenção de documentação e/ou informações administrativas em causa, não podendo o seu direito ser coarctado com o fundamento aventado pela Recorrente a este propósito.
OO. No que concerne ao segundo segmento supra referido, relativos às alegadas restrições em virtude da pretensa existência de dados nominativos e do segredo comercial, as Recorridas começaram que os actos de concorrência desleal imputados à aqui Recorrente, no âmbito do Processo n.° 333/24.0YHLSB, reportam-se às alíneas a) e c), do n.° 1, do artigo 311.°, do CPI, isto é, à criação de uma situação de confusão entre as empresas e os projectos aqui em causa e à utilização abusiva e usurpação da marca e nome das Recorridas, não sendo aí discutida a materialidade vertida nos documentos e informações administrativas pretendidas pelas Recorrida.
PP. Motivo pelo qual, a conclusão inicialmente extraída pela Recorrente, no sentido de estas possibilitarem a prática de tais actos de concorrência desleal por se relacionarem com um processo em que se discute precisamente a violação do direito de propriedade industrial não pode senão ser julgada totalmente improcedente.
QQ. Quanto à alegada restrição de acesso em virtude da pretensa existência de dados nominativos - e sem prejuízo da impossibilidade de conhecimento de tal questão apenas invocada em sede de Recurso -, fica ainda demonstrado que não cumpre o ónus de alegação e prova, também, em relação a esta restrição, pois que limita-se apenas a referir que os documentos pretendidos contêm dados nominativos,
RR. Sem contudo, alegar que dados pessoais estão em causa, nem em que medida é que os mesmos não seriam susceptíveis de expurgação nos termos do n.° 8, do artigo 6.°, da LADA, o que, de facto, é manifestamente insuficiente para a aplicação da restrição ínsita no n.° 5, do artigo 6.°, da LADA (cfr. neste sentido, Acórdão proferido por este Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, em 13.04.2023, no âmbito do Processo n.° 3381/22.1 BELSB).
SS. O que, por si só, determina a necessária improcedência do Recurso de Apelação quanto a este segmento, e, em consequência, deve este Venerando Tribunal decidir pela não verificação da restrição ínsita no n.° 5, do artigo 6.°, da LADA, o que desde já se requer para todos os efeitos e demais consequências legais.
TT. Sem prejuízo, certo é que a documentação em apreço não contém qualquer apreciação ou juízo de valor, isto é não tem qualquer informação depreciativa ou valorativa, não colocando sequer em causa a intimidade da vida privada dos cidadãos a que respeitam, não se tratando de verdadeiros dados nominativos em sentido estrito.
UU. No mais, é certo que por não estarem em causa documentos que contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, sempre se presume que o pedido em apreço se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 9, do artigo 6.°, da LADA.
VV. Acresce que, a este propósito, as Recorridas demonstraram que o pedido em apreço não visa o conhecimento, por aquelas, de qualquer dado pessoal, nem pretendem assim o nome dos outorgantes dos contratos, ou os dados de identificação fiscal dos mesmos, ou qualquer outra informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável, pelo que a expurgação de todas estas informações sempre seria admissível nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 8, do artigo 6.°, da LADA.
WW. Não obstante, é certo que a restrição invocada pela Recorrente - diga-se, apenas nesta sede - apenas é susceptível de abranger os documentos em que pessoas singulares sejam visadas, pelo que, também por este motivo, não se afigura legítima a recusa de todos e quaisquer acordos, protocolos e acordos, bem como todas e quaisquer comunicações electrónicas, como é feita pela Recorrente.
XX. Por fim, ainda a este propósito, as Recorridas demonstraram que, em qualquer caso, numa ponderação entre os interesses em apreço, o interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido das Recorridas sempre se sobreporia ao interesse invocado pela Recorrente, devendo assim operar o disposto na alínea b), do n.° 5, do artigo 6.°, da LADA.
YY. Nestes termos, deve ser julgado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso de Apelação e, em consequência, deve este Venerando Tribunal decidir pela não verificação da restrição ínsita no n.° 5, do artigo 6.°, da LADA, — o que desde já se requer para todos os efeitos e demais consequências legais.
ZZ. No que concerne à alegada sujeitação da documentação em apreço a um segredo comercial ou ao facto de esta, alegadamente, se reportar à vida interna da Recorrente, sempre se constata que a mesma mais não faz do que invocar de forma vaga, genérica e conclusiva que a informação/documentação pretendida se encontra sujeita a segredo comercial, incumprindo de forma flagrante o ónus de alegação e prova que sobre si impende, tal como de resto constatado pelo Tribunal a quo no âmbito da Sentença recorrida, a qual não merece qualquer censura.
AAA. Certo é que a Recorrente alegou, nem provou, em que termos a divulgação das informações pretendidas afecta de forma grave/séria o interesse concorrencial, ou sequer alegado e demonstrado quais as diligências promovidas para a protecção de tais informações como "secretas", alegação esta que constitui um pressuposto necessário para a aplicação da restrição ínsita no n.° 6, do artigo 6.°, da LADA, sob pena de impossibilidade de aproveitamento da mesma,
BBB. Neste sentido, veja-se o Acórdão proferido por este Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, em 27.02.2020, no âmbito do Processo n.° 2232/18.6BELSB; e ainda pelo mesmo Venerando Tribunal em 08.09.2022, no âmbito do Processo n.° 399/22.8BESNT; e o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 13.07.2012, no âmbito do Processo n.° 00354/12.6BEPRT.
CCC. Nestes termos, deve o Recurso de Apelação ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, deve ser mantida a Sentença recorrida nos seus exactos termos, o que se requer para todos os efeitos e demais consequências legais.
DDD. No mais, e sem prejuízo da necessária improcedência em virtude da ausência de alegação dos factos essenciais subjacentes à restrição ínsita no n.° 6, do artigo 6.°, da LADA, e flagrante incumprimento do ónus de alegação que sobre a Recorrente impendia, certo é que os documentos pretendidos não se encontram a coberto de qualquer segredo comercial, nem tão pouco não integram a vida interna da empresa.
EEE. A este propósito, as Recorridas demonstraram que toda a documentação em apreço se reporta a documentos contabilísticos e financeiros, nomeadamente relativos às receitas obtidas e os custos incorridos pela Recorrente, os quais foram obtidos e incorridos pela Recorrente na qualidade e enquanto fundação pública e beneficiária de estatuto de utilidade pública, 
FFF. E no âmbito da execução de contratos igualmente de natureza pública e celebração de parcerias que se reportam à gestão de património com especial interesse público, isto é à gestão orçamental e financeira da mesma (tendo por referência o projecto em causa).
GGG.Com efeito, resulta evidente do elenco dos documentos peticionados no âmbito da presente Acção que os mesmos não se reconduzem informação comercial que se reporte aos métodos de organização, estratégias, metodologias de produção, planeamento e estrutura aplicada ao âmbito da execução do fim comercial em apreço,
HHH. Nem tão pouco se reporta a informação relativa à gestão interna da própria Recorrente, ou técnicas de captação de clientes, modelos de projecção financeira, aspectos relativos ao "segredo do negócio" e do sucesso do mesmo, como pretende a mesma fazer crer, estamos, sim, ao invés perante informação comercial que demonstra e reflecte os resultados da aplicação dos supra referidos métodos comerciais,
III. Sem que para o efeito tais "métodos" comerciais, de gestão e de comercialização e trabalho sejam revelados, pois que, no essencial, o que as Recorridas pretendem é o acesso aos resultados no âmbito da aplicação daqueles e que se produzem no âmbito da contratação pública promovida pela Recorrente, a qual se encontra precisamente sujeita a um princípio de transparência.
JJJ. Pelo que, sempre se conclui que, contrariamente ao que a Recorrente pretende perpassar, não corresponde à verdade que as Recorridas pretendem aceder aos "segredos do negócio", à confecção das receitas, ou aos produtos utilizados na confecção, ou a toda a estrutura e contornos negociais, mas tão só aos resultados contabilísticos e financeiros, bem como aos contratos celebrados, entre outros, no âmbito da execução do projecto, não se vislumbrando em que medida possam os mesmos conter segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna da empresa.
KKK. Motivo pelo qual, sempre se conclui que a pretensão das Recorridas, efectivamente, se encontra efectivamente tutelada nos termos do disposto no artigo 2.° e 5.°, da LADA, e ainda nos termos do artigo 268.°, da CRP, e do disposto no artigo 17.° do Código de Procedimento Administrativo ("CPA"), inexistindo qualquer causa de exclusão e/ou restrição do direito de acesso os arquivos e registos administrativos, nomeadamente ao abrigo do disposto no n.° 6, do artigo 6.°, da LADA.
LLL. No mais, ainda em sede de ponderação dos interesses das Partes, não se vislumbra a existência de qualquer interesse e/ou direito protegido que deva merecer maior protecção em relação ao direito fundamental à informação administrativa, no caso, na vertente não procedimental ou de arquivo aberto, atendendo a que mesma tem na sua génese o direito constitucionalmente consagrado no artigo 268.°, da CRP.
MMM. Com efeito, o sacrifício do sobredito direito constitucional só se justifica quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia - como são os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas -, pelo que não estando perante um qualquer direito e/ou interesse constitucionalmente consagrado da Recorrente, nomeadamente os já referidos, não pode o direito das Recorridas ao acesso à documentação administrativa em apreço ser recusado (cfr. neste sentido, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 06.01.2010, no âmbito do Processo n.° 0965/09).
NNN. Assim, sempre se conclui que, perante um juízo de proporcionalidade, necessidade e adequação, entre os direitos em apreço - i.e., o direito fundamental à informação administrativa das Recorridas e um eventual e meramente hipotético direito da Recorrente ao segredo comercial, sempre se imporia dar prevalência ao direito das aqui Recorridas em aceder à documentação em apreço,
OOO. Atendendo à dignidade constitucional do direito das Recorridas e à ausência de tutela constitucional de um qualquer pretenso direito ao segredo comercial da Recorrente, motivo pelo qual a recusa da Recorrente na disponibilização da documentação e informação em apreço se revela manifestamente ilegal e contrária aos princípios basilares subjacentes a qualquer Estado de Direito Democrático.
PPP. Nestes termos, deve o Recurso de Apelação ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, deve ser mantida a Sentença recorrida nos seus integrais termos, o que desde já se requer para todos os efeitos e demais consequências legais.
QQQ. Por fim, e quanto ao último segmento relativo ao pretenso exercício abusivo do direito de acesso à informação administrativa pelas Recorridas, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 3, do artigo 15.°, da LADA, importa salientar que, também a este propósito, a Recorrente incumpre o ónus de alegação e prova que sobre si impende, nenhum facto alegando quanto à conclusão de que o exercício do direito das Recorridas se afigura abusivo, desproporcional ou irrazoável, tal como doutamente decidido pelo Tribunal a quo, em sede de Sentença recorrida.
RRR. Pelo que, devia a este propósito a Recorrente ter alegado todos os factos caracterizadores dos pressupostos da aplicação da norma invocada, i.e., todos os factos inerentes a uma situação de pedido "manifestamente abusivo", "por terem carácter repetitivo e sistemático" ou por respeitarem a um considerável "número de documentos requeridos", o que efectivamente a Recorrente não fez, nem em sede de Resposta/Contestação, nem em sede de Recurso.
SSS. Certo é que, como é consabido, o enunciado normativo em apreço não contempla qualquer pedido "abusivo" quando este incida sobre documentação relativa a relações comerciais ou a matéria que se encontra a ser discutida em litígio judicial, pelo que o preceito normativo invocado pela mesma não tem qualquer aplicabilidade in casu.
TTT. No mais, fica ainda demonstrado que inexiste qualquer "histórico de litigância entre as Partes", não assumindo a presente Acção qualquer carácter persecutório pelas Recorridas, tratando-se a presente Acção, única e exclusivamente, de um reflexo directo do exercício de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva pelas Recorridas, tal como previsto no artigo 20.°, da CRP.
UUU. Nestes termos, deve o Recurso de Apelação ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, deve ser mantida a Sentença recorrida nos seus integrais termos, o que desde já se requer para todos os efeitos e demais consequências legais.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO,
a) Deve este Venerando Tribunal abster-se de conhecer as questões novas invocadas pela Recorrente apenas em sede de Recurso (relativas à existência de "dados nominativos" e à existência de "um processo crime"), atenta a ausência de objecto susceptível de Recurso;
b) Deve o Recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente por não provado, nos termos e com os fundamentos supra expostos;
c) E, em consequência, deve este Venerando Tribunal manter o já decidido pelo Tribunal a quo em sede de Sentença recorrida, nos seus exactos termos;
Fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!”

O Tribunal a quo admitiu o recurso interposto pela Entidade Requerida/Recorrente, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer defendendo a improcedência do recurso.

Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


2. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Tendo em conta o exposto, a este Tribunal cumpre apreciar se,
a. O despacho que não reconheceu o direito à isenção de custas da Recorrente padece de erro de julgamento de direito;
b. O despacho que admitiu o articulado de resposta das Recorridas padece de erro de julgamento de direito;
c. A sentença proferida em 29.1.2025, na parte que julgou procedente o pedido de intimação e condenou a Recorrente “a fornecer às Requerentes, no prazo máximo de 10 dias, toda a informação peticionada e discriminada no requerimento datado de 13 de novembro de 2024 sendo que, caso a Requerida não tenha em sua posse algum dos documentos pretendidos deverá emitir, em igual prazo, uma certidão negativa quanto aos mesmos, especificando quanto a estes os motivos para a impossibilidade de emissão de cópia ou reprodução autenticada”, padece de erro de julgamento de facto e de direito.


3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

“Com relevo para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. A 1.ª Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto a “Prestação de serviços na área de estratégias de Relações Públicas e Comunicação; Assessoria de Marketing e Organização de Eventos. Elaboração de planos estratégicos de comunicação, organização de conferências de imprensa, desenvolvimento de ferramentas de marketing, elaboração de press releases, criação e gestão de sites, gestão de patrocínios, serviços inerentes à prática de relações públicas, criação e implementação de políticas de comunicação, desenvolvimento de ferramentas de comunicação interna e desenvolvimento de ferramentas de comunicação externa, gestão de projetos de comunicação nacionais e internacionais, prestação de serviços de clipping, prestação de serviços de consultoria na área da comunicação e relações públicas, prestação de serviços de design, prestação de serviços de marketing político. Organização de viagens turísticas, venda de viagens, de percursos turísticos, de reserva de transportes e alojamento a particulares e a empresas; atividades de marketing e de promoção de serviços para convenções, visitas e outras atividades de reserva associadas às viagens — (cfr. Certidão permanente, junta ao requerimento inicial, sob documento n.° 1);
2. A 2.ª Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto social a mesma atividade que a 1.a Requerente, acrescida ainda de: “Venda a retalho de produtos na internet. Agência de publicidade. Atividades de produção de filmes, de vídeos e de programas de televisão; Atividades técnicas de pós-produção para filmes, vídeos e programas de televisão; Distribuição de filmes, de vídeos e de programas de televisão; Projeção de filmes e de vídeos; Atividades de gravação de som e edição de música; Atividades das artes do espetáculo; Atividades de apoio às artes do espetáculo; Criação artística iliterária; Exploração de salas de espetáculos e atividades conexas; Atividades dos museus; Atividades dos sítios e monumentos históricos — (cfr. Certidão permanente, junta ao requerimento inicial, sob documento n.° 2);
3. Em 18 de janeiro de 2017, a 1.ª Requerente e a Requerida celebraram um “acordo de cedência”, nos termos do qual a segunda cedeu temporariamente à primeira a utilização da composição designada “Comboio Presidencial” no âmbito do projeto “The Presidential”, encontrando-se a sua utilização limitada a duas edições a realizar no decurso dos meses de abril e outubro de 2017, tendo sido objeto de dois aditamentos — (cfr. Acordo, junto ao requerimento inicial, sob documento n.° 3);
4. Em 29 de julho de 2024, as Requerentes intentaram ação judicial contra a Requerida que corre termos no Juízo da Propriedade Intelectual do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa sob o n.° 333/24.0TYLSB, no âmbito da qual peticionaram o seguinte: “NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, a. Deve a presente Acção ser julgada totalmente procedente, por provada, E, em consequência, b. Devem os Réus ser condenados a absterem-se de usar a expressão "The Presidential” ou "The Presidential Train”, para designar serviços de exploração turística, independentemente do meio e/ou forma que esse uso possa revestir, nomeadamente, mas não exclusivamente, marca, logótipo, publicidade e merchandising, contas de "social media” como por exemplo no Facebook e Instagram, etc.; c. Mais devem as Rés ser condenadas a indemnizar os Autores nos termos do disposto no artigo 347° do CPI, por danos patrimoniais, não patrimoniais e vantagens económicas obtido pelas mesmas, enquanto infractoras, e cujo cálculo final será a liquidar em posterior Incidente de Liquidação; d. Mais devem as 1.a e 2.a Rés ser condenadas, solidariamente, no pagamento do montante global de € 200.000,00 (duzentos mil euros) a título de indemnização aos Autores, a título de danos emergentes, por responsabilidade civil pré-contratual, tudo nos termos e com os fundamentos supra expostos; e. No mais, devem as 1.a e 2.a Rés ser condenadas, solidariamente, no pagamento de lucros cessantes em valor nunca inferior a € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros), a título de responsabilidade civil pré-contratual, e cujo cálculo final será a liquidar em posterior Incidente de Liquidação.” — (cfr. Certidão junta ao requerimento inicial, sob documento n.° 4);
5. No dia 13 de novembro de 2024, as Requerentes apresentaram requerimento dirigido à ora Requerida, através do qual peticionaram o seguinte:

“(…) c. Do Pedido (...)
9. Assim, nas diversas campanhas de divulgação e promoção do projeto “inovador” que foi implementado em Maio do presente ano, foram ainda efectivamente utilizados de forma abusiva e ilegítima, e assim usurpados, os sinais distintivos da marca e sinais distintivos das Requerentes.
10. Motivo pelo qual, não restou outra hipótese às Requerentes se não a de intentar a competente Ação de Condenação, a qual corre os seus normais termos sob o Processo n.0 333/24.0YHLSB, no Juízo de Propriedade Intelectual, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
(...)
12. Na medida em que a referida documentação será relevante e imprescindível para efeitos de junção na Acção de Condenação e efetivo exercício do direito e tutela jurisdicional efetiva das Requerentes, i.e, para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nos termos do disposto no artigo 20. °, da CRP.
13. Afigurando-se a informação pretendida imprescindível para a descoberta da verdade material no âmbito da referida Acção e prossecução do interesse público, encontrando-se assim efetivamente justificado o interesse e a legitimidade das Requerentes na obtenção das informações pretendidas.
(...)
25. Em concreto, pretendem as Requerentes obter cópia ou reprodução autenticada dos seguintes documentos: (i) Documento onde resulte os custos actuais do projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, já incorridos por relação às Edições ocorridas em Maio, Setembro e Outubro de 2024; (ii) Documento onde resulte os custos a assumir no projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, por relação às Edições a realizar em Abril, Maio, Setembro e Outubro de 2025; (iii) Documento contabilístico/financeiro relativo às receitas obtidas no âmbito do projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, por relação às Edições ocorridas em Maio, Setembro e Outubro de 2024, com a identificação das rubricas e dos valores respectivamente associados, nomeadamente e sem limitar, por relação a receitas obtidas com a venda de bilhetes e outras receitas não resultantes da mesma; (iv) Receitas estimadas no âmbito do projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, por relação às Edições a realizar ainda em Abril, Maio, Setembro e Outubro de 2025, com a identificação das rubricas e dos valores respectivamente associados, nomeadamente e sem limitar, por relação a receitas obtidas com a venda de bilhetes e outras receitas não resultantes da mesma; (v) Informação sobre a capacidade e lotação do comboio para o projecto “Comboio Presidencial by Chakall”; o número de bilhetes vendidos e o número de bilhetes oferecidos a título de convite por relação às Edições já realizadas em Maio, Setembro e Outubro de 2024;
(vi) Custos incorridos e responsabilidades/obrigações assumidas por cada uma das partes na parceria do projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, nomeadamente e sem limitar: • Custo de aluguer de comboio; • Custo de manutenção do comboio; • Custo aluguer locomotivas (incluindo gasolina e motorista) • Custo operação de fiscalização e acompanhamento das marchas pela Requerida; • Custo marchas; • Custo de salas de apoio (nomeadamente em Contomil e São Bento, incluindo custos com segurança do comboio); • Custos seguros; • Custos de limpeza e reparações comboio.
(vii) Cópia de todos os contratos/protocolos de cooperação celebrados por relação ao
projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, nomeadamente e sem limitar. •
Contratos/Acordos celebrados entre a Requerida e E…; •
Contratos/Acordos celebrados com fornecedores utilizados (incluindo gerador e
cozinhas); • Contratos/Acordos celebrados com os patrocinadores; • Cópia das comunicações digitais entre a Requerida e os fornecedores e patrocinadores do projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, epor relação a este. (viii) Custos incorridos com a aquisição de serviços de assessoria na área de estratégia, relações-públicas, comunicação, marketing do projecto/operação e imprensa para promoção do projecto/operação “Comboio Presidencial by Chakall”, nomeadamente e sem limitar. • Informação sobre o stand e activação da Bolsa de Turismo de Lisboa; • Custos em campanhas marketing digital; • Lista completa de keywords para campanhas google ads. (ix) Meios próprios colocados à disposição do projecto/operação “Comboio Presidencial by Chakall”, nomeadamente e sem limitar, identificação dos meios de recursos humanos, materiais, logísticos e espaços publicitários, no âmbito do projecto/operação “Comboio Presidencial by Chakall.
26. Caso a Requerida não tenha em sua posse documentos referidos supra deverá emitir uma certidão negativa quanto a tais documentos ou categorias de documentos, especificando os motivos para a impossibilidade de emissão de cópia ou reprodução autenticada relativa aos mesmos, nos termos epara os efeitos da alínea d) do n.° 1 do artigo 15.0 da LADA.
(...)
28. As cópias, reproduções autenticadas ou certidão referidas supra deverão ser emitidas no pra%o máximo de 10 (dez) dias úteis desde receção da presente, nos termos do disposto no artigo 84.0 do CPA. (...).” — (cfr. Requerimento, junto ao requerimento inicial, sob documento n.° 5);
6. O requerimento referido no ponto anterior foi rececionado pela Requerida no dia 14 de novembro de 2024 — (cfr. aviso de receção assinado, junto ao requerimento inicial, sob documento n.° 6);
7. Através do ofício datado de 27 de novembro de 2024, a Requerida levou ao conhecimento das Requerentes o seguinte: “(...) Relativamente ao pedido referenciado em epígrafe, cumpre dar nota que o mesmo versa, em particular, sobre relações comerciais e matéria que está controvertida no processo n.° 333/24.0TYLSB, do Juiz 3 do Tribunal da Propriedade Intelectual, sujeita ao regime especial probatório do Código de Propriedade Industrial, pelo que, face ao disposto no n.º 3 do artigo 15.º da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), a Fundação Museu Nacional Ferroviário Armando Ginestal Machado não poderá atender à pretensão dos V/ Constituintes” — (cfr. Ofício, junto ao requerimento inicial, sob documento n.° 7);
8. O ofício referido no ponto anterior foi rececionado pelas Requerentes no dia 28 de novembro de 2024 — (cfr. Registo CTT, junto ao requerimento inicial, sob documento n.° 8);
9. A presente intimação foi remetida a este Tribunal no dia 13 de dezembro de 2024 via Sitaf — (Cfr. fls. 1 do Sitaf);”

3.2. Quanto aos factos não provados consignou-se na sentença recorrida.

“Não ficaram por provar quaisquer outros factos com relevância para a boa decisão da
causa.

3.3. Foi a seguinte a motivação quanto à matéria de facto:

“Os factos que foram considerados provados resultaram da análise dos documentos supra identificados, constantes dos autos, nos termos referidos no final de cada ponto do probatório e, igualmente, posição adotada pelas partes.”

4. Fundamentação de direito

4.1. Do erro de julgamento quanto à isenção de custas

A Recorrente, embora não diferenciando devidamente o despacho que antecede a sentença desta última, imputa erro de julgamento à decisão (contida nesse despacho) de considerar que não beneficia da isenção de custas prevista na al. f) do n.º 1 artigo 4.º do RCP.
Sustenta, em suma, que em face das suas funções e atribuições previstas nos artigos 4.º, 5.º, n.º 1 al.s c) e m) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 38/2005, de 17 de fevereiro, e, estando subjacente ao pedido de informação os documentos relativos à relação contratual estabelecida entre a Requerida, a CP – Comboios de Portugal EPE e E…, cuja finalidade consiste na promoção, a nível nacional e internacional, de experiências gastronómicas a bordo do Comboio Presidencial, inserindo-se na estratégia de valorização turística e cultural promovida pela recorrente, com particular incidência na projeção e dinamização do Comboio Presidencial e da linha ferroviária histórica do Douro, o pedido de intimação judicial visa a obtenção de prestações materializadas em informações, certidões ou no acesso a documentos que dizem respeito à prossecução das especiais atribuições da recorrente, nomeadamente, de promoção e divulgação dos seus bens culturais e das linhas históricas.
Entende que o Tribunal a quo faz uma interpretação restritiva da isenção, excluindo-a em processos para a prestação de informações e a emissão de certidões, porquanto aí nunca estariam as entidades a prosseguir as suas especiais atribuições, mas, antes, a discutir judicialmente a disponibilização de informações ou certidões “relacionadas com a sua atividade”. Pelo que o regime de isenção de custas deve ser interpretado no sentido de abranger as atuações necessárias e instrumentais à concretização das atribuições da respetiva entidade, englobando assuntos que decorrem do núcleo essencial dos interesses da recorrente, e que são ainda necessários à prossecução das suas especiais atribuições, como no caso dos autos, em que se discute a disponibilização de informações e certidões relativas à realização do “Comboio Presidencial by Chakall”, que decorre da prossecução das especiais atribuições da recorrente.
Assim, porque questões, ainda que laterais, no âmbito do conceção, desenvolvimento, implementação e execução do projeto “Comboio Presidencial by Chakall”, configuram atos indispensáveis e instrumentais à concretização das suas especiais atribuições, entende que estão preenchidos os pressupostos previstos na alínea f) do n.° 1 do artigo 4.° do RCP, devendo ser reconhecida a isenção de custas, com todas as consequências legais.
Resulta da alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais que estão isentas de custas as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.
A questão dos autos coloca-se não quanto ao âmbito subjetivo da norma – ou seja, ao enquadramento da Recorrente no conceito de pessoa coletiva privada sem fins lucrativos -, que não é questionado e o Tribunal a quo assume-o remetendo para o Decreto-Lei n.° 38/2005, de 17 de fevereiro, mas sim quanto ao preenchimento dos pressupostos respeitantes ao âmbito objetivo, qual seja estar em causa a atuação de tais entidades exclusivamente no âmbito das suas especiais competências ou na defesa direta dos interesses que lhe estão especialmente conferidos.
Refira-se que a respeito do âmbito objetivo desta isenção, “não obstante alguns sectores da doutrina, e jurisprudência, virem entendendo que a «isenção de custas» da citada alínea f) também se aplica às atuações das entidades em causa que sejam instrumentais das suas atribuições, cremos que esta extensão não se compagina com a exigência limitativa imposta pelo legislador. De facto, ao limitar a isenção de custas à atuação desenvolvida exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições o legislador arreda, a nosso ver, essa hipótese” (Ac. do STA de 8.8.2018, proferido no processo 0394/18, disponível em www.dgsi.pt).
Importa dar nota que grande parte da jurisprudência que admitia que a isenção se aplicava a atuações instrumentais às atribuições das entidades por ela abrangidas assentava a sua posição no anterior entendimento de Salvador da Costa, a que a própria Recorrente se reporta indicando a 2.ª edição datada de 2009 da obra Regulamento das Custas Processuais. Sucede que também este autor, já na 5.ª edição de 2013, a páginas 159, assume ter reponderado, propendendo “em considerar que esta isenção não abrange as ações que não tenham por fim direto a defesa dos interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos.”. E neste sentido, como se dá nota na sentença recorrida, na obra As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7.ª edição, Almedina, 2018, pp. 108 e 109, afirma que “é uma isenção restrita, na medida em que só funciona nos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respetivo estatuto ou pela própria lei coincidentes com o bem comum. O reconhecimento desta isenção depende da demonstração pelas impetrantes das suas especiais atribuições legais ou estatutárias. Neste contexto, esta isenção não abrange as ações cujo fim direto não seja a defesa dos interesses especialmente confiados às referidas pessoas coletivas pela lei ou pelos estatutos, ou seja, não envolve litígios derivados de contratos que celebrem a fim de obterem meios para o exercício das suas atribuições.”.
Ora, considerando o próprio teor literal da norma – que, como sabemos, constitui limite negativo, no sentido de que afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão) e positivo da interpretação, privilegiando-se, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem - entendemos que as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos apenas estão isentas de custas nos processos respeitantes às suas especiais atribuições e nas ações que tenham por fim direto (e não apenas instrumental) a defesa dos interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos, pois só assim se compreende a previsão de tais requisitos (neste sentido, entre outros, o referido Ac. do STA de 8.8.2018, proferido no processo 0394/18, e o Ac. do STJ de 25.5.2023, proferido no processo 1572/21.1T8CVL-C.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Não se detetando, e verdadeiramente não o sustentando a Recorrente, nos demais elementos da interpretação jurídica, designadamente os lógicos (histórico, sistemático e racional), dados que suportem o entendimento de que esta isenção de custas abrange atuações meramente instrumentais à concretização das atribuições da respetiva entidade. O que significa que este resultado da interpretação não é, a nosso ver, restritivo – no sentido de que o legislador teria adotado um texto em que diz mais do que pretendia dizer -, mas sim declarativo, porquanto é elegido o sentido que o texto direta e claramente comporta.
Aliás, importa dar nota que, mesmo aqueles que defendem uma interpretação extensiva da norma, no sentido de a isenção “abranger as ações das quais delas resulte em concreto que tais pessoas coletivas visam através delas, quer por via direta, quer por via indireta ou conexa/ instrumental, a defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pela lei ou pelos seus estatutos e particularmente garantir/assegurar, por uma dessas vias, a prossecução dos fins que nortearam a sua criação” (Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10.12.2019, proferido no processo 1817/19.8T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt), não deixam de reconhecer que “(…), falar-se simplesmente de uma “instrumentalidade”, como bastante, implicará colocar na norma aquilo que o legislador não pretendeu aí colocar. Tratando-se de pessoa coletiva que não distribui lucros, facilmente se encaixaria todo o tipo de ações nos pressupostos necessários à isenção, inutilizando o carácter limitado prescrito na norma. Se o legislador assim o tivesse pretendido, bastaria conceder a isenção subjetiva tout court.
Importará caso a caso verificar se o assunto sub judice é “decorrência natural” do atuar da pessoa na prossecução daquelas atribuições e/ou interesses, quer porque, a jusante, decorrentes dessa prossecução; quer porque, a montante, necessário à mesma.”
Na sentença recorrida considerou-se que “[s]e à primeira vista poderá parecer que a situação da Requerida se subsume ao artigo atrás referido, porquanto surge no âmbito da discussão atinente à disponibilização ou não de documentos/informações relacionados com a sua atividade, certo é que após uma análise mais atenta se pode concluir pela não aplicação do mesmo, porquanto este se encontra direcionado para os casos em que aquelas entidades atuam exclusivamente no âmbito das suas atribuições, de acordo com o princípio da especialidade.
[…]
No caso concreto, a Requerida não litiga nos presente autos na defesa ou prossecução direta das suas especiais atribuições, mas, antes, com vista a defender e negar o direito ao acesso das Requerentes a determinada informação que apenas de forma indireta se encontra relacionada com as suas especiais atribuições.
Com efeito, a presente intimação não visa qualquer questão concretamente relacionada com o estudo, a conservação e a valorização do património histórico, cultural e tecnológico ferroviário português, nem com a instalação e a gestão do Museu Nacional Ferroviário e dos respetivos núcleos museológicos, mas apenas com o acesso a informação produzida no âmbito da sua atividade, o que determina, desta feita, a inaplicabilidade in casu.”
Entendemos que com acerto. Como dissemos, seguindo o entendimento jurisprudencial que reputamos mais consonante com os elementos interpretativos da lei, a isenção prevista no artigo 4.°, n.° 1, alínea f) do RCP encontra-se limitada à atuação das entidades abrangidas pela norma desenvolvida direta e exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições.
Ora, nestes autos está em causa a apreciação do direito da Recorrida à informação. Informação essa que, é certo, respeita à atividade da Recorrente, concretamente ao projeto/operação por esta desenvolvido designado “Comboio Presidencial by Chakall” e que se aceita que se insere no âmbito dos seus fins estatutários de valorização do património histórico, cultural e tecnológico ferroviário português.
Mas se assim é, ou seja, se como dá nota a Recorrente o projeto/operação “Comboio Presidencial by Chakall” visando a promoção de experiências gastronómicas a bordo do Comboio Presidencial se reconduz aos fins de valorização turística e cultural promovida pela recorrente, o que já não se verifica é que na ação a Recorrente atue em prossecução/defesa direta dos interesses que lhe estão especialmente confiados. Na realidade, nos autos a Recorrente atua (apenas) em defesa do seu alegado “direito” a não prestar a informação que se relaciona com a sua atividade, “direito” esse que naturalmente não é específico às atribuições e aos interesses que prossegue.
Ou seja, estamos perante uma atuação que não respeita exclusivamente às suas especiais atribuições ou à defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos, mas apenas se relacionando com estas de forma indireta na medida em que o objeto da informação que lhe é requerida, esse sim, integra o âmbito das suas especiais atribuições e dos interesses que lhe estão especialmente conferidos.
Donde há que confirmar o sentido decisório de que não beneficia a Recorrente nos autos da isenção de custas prevista no artigo 4.°, n.° 1, alínea f) do RCP.

4.2. Do erro de julgamento quanto admissibilidade da resposta

A Recorrente sustenta, ainda, que não era admissível o articulado de pronúncia das Recorridas à sua resposta ao pedido de intimação. Aduz que o Tribunal se limita a, conclusivamente, considerar que a Recorrente se defendeu por exceção, sem fundamentar que concretas alegações são essas que impedem, modificam ou extinguem o direito das Requerentes e que, apenas, se defendeu por impugnação ou, no máximo, representaria matéria de exceção a invocação da inexistência do dever de satisfazer pedidos manifestamente abusivos, desproporcionais ou desrazoáveis.
Ora, a este respeito, depois de diferenciar a defesa por impugnação da defesa por exceção, considera que “compulsada a resposta da Requerida resulta que esta não se limita a negar a versão dos factos apresentada pelas Requerentes, invocando, sim, matéria que afasta o direito por aquelas alegado, mais concretamente, da existência de fundamentos que afastam o direito à informação no caso concreto, ou seja, produz alegações que podem impedir, modificar ou extinguir o efeito jurídico dos factos que foram alegados pelas Requerentes.”.
Ou seja, como dá nota a Recorrente, admite o articulado sem concretizar as razões pelas quais entende que a matéria alegada na resposta da Requerida consubstancia defesa por exceção, antes formulando tal juízo conclusivamente.
Vejamos, pois, se nessa conclusão ajuizou com acerto.
Importa, desde logo, considerar que o processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulado nos artigos 104.º e ss. do CPTA, apenas prevê o requerimento inicial e a resposta da entidade demandada e dos contrainteressados (artigos 104.º, 105.º e 107.º, n.º 1 do CPTA), sendo que “[a]presentada a resposta ou decorrido o respectivo prazo e concluídas as diligências que se mostrem necessárias, o juiz profere decisão no prazo de cinco dias” (artigo 107.º, n.º 2 do CPTA).
Como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Almedina), “[e]ncontrando-se legalmente tipificada a tramitação processual, com admissão de apenas duas peças processuais, uma destinada a definir os termos em que é formulada a pretensão do requerente e outra a permitir o exercício do contraditório pelos demandadas, não há lugar, como decidiu o acórdão do TCA Sul de 24 de fevereiro de 2005 (Proc. n.º 400/04), a qualquer dos outros articulados próprios do processo declarativo comum, seja a réplica, sejam quaisquer articulados supervenientes.
Tal não obsta, porém – como se também se ponderou nos acórdãos do TCA Sul de 21 de outubro de 2004 (proc. n.º 268/04) e de 9 de março de 2006 (proc. n.º 1409/06) – a que, tendo sido oferecidos documentos com a resposta, não deva ser notificada a parte para sobre eles se pronunciar, em cumprimento do disposto no artigo 427.º do CPC, subsidiariamente aplicável. (…) Não se trata aqui da admissão de novos articulados, mas de assegurar o contraditório.”
Por outro lado, o artigo 3.º, n.º 3 do CPC determina expressamente que “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, estabelecendo-se no artigo 4.º do mesmo CPC que «[o] tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.
Refira-se que o princípio do contraditório no plano das questões de direito exige que antes da sentença, seja facultada às partes a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie (Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, outubro de 2013, p. 133).
Ou seja, “impõe-se ao juiz o dever de fazer cumprir o princípio do contraditório em relação às questões de direito, mesmo de conhecimento oficioso, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade, evitando-se a formação de decisões sobre questões de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente sem que tenham sido previamente consideradas pelas partes” (Ac. do TCA Norte de 28.1.2022, p. 00821/20.8BEPNF, disponível em www.dgsi.pt).
Daí que, sem prejuízo de o requerimento inicial e a resposta serem os únicos articulados admissíveis no processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, mostrando-se necessário assegurar o contraditório deve, nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do CPC, admitir-se a pronúncia do requerente da intimação quando esta se destine ao exercício do contraditório quanto à defesa por exceção do réu ou à pronúncia quanto a documentos juntos na resposta.
De facto, como se sumariou no Ac. deste TCA Sul de 1.10.2015, proferido no proc. 12458/15, disponível em www.dgsi.pt,
“I - Em processos de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões é admissível – atentos os princípios do contraditório e da igualdade das partes, previstos nos arts. 3º e 4º, ambos do CPC de 2013, ex vi do art. 35º n.º 2, do CPTA - a existência de um articulado suplementar para o requerente poder responder às excepções suscitadas pelo requerido na contestação.
II – Se na contestação são invocados factos novos que servem de causa impeditiva do direito (à informação) invocado pelo requerente (concretamente, alegação da existência de segredo comercial), tal corresponde à dedução de defesa por excepção - cfr. art. 571º, do CPC de 2013.
III – Assim sendo, deve ser revogado o despacho que determina o desentranhamento do articulado apresentado pelo requerente em resposta a tal defesa por excepção.”
No que respeita à distinção entre defesa por impugnação e por exceção, dispõe o n.º 2 do artigo 571.º do CPC que “[o] réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor; defende-se por exceção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido.”
Refira-se que a defesa por impugnação é consensualmente considerada uma defesa direta ou frontal ao pedido, que “[t]anto consiste em contrariar, refutar ou contradizer os factos alegados pelo autor como em afirmar que tais factos têm um significado jurídico diferente do pretendido pelo demandante. […] Na oposição de facto, o réu não aceita (total ou parcialmente) os factos articulados pelo autor. Tal oposição pode fazer-se de dois modos: negando rotunda e genericamente os factos visados (negação direta); negando-os indiretamente, isto é, apresentado uma outra versão dos mesmos (negação indireta). Estes dois modos de impugnar factos, apesar de material e tecnicamente distintos, têm um denominador comum, qual seja o de, por via deles, o réu não aceitar como verdadeiros os factos aduzidos pelo autor, ora porque não ocorreram, ora porque se terão passado de forma diversa da alegada. […]
Na oposição de direito, o que está em causa é a qualificação ou significação que o autor atribui aos factos narrados. Neste caso, aceitando embora os factos alegados na petição, o réu sustenta que deles não emergem os efeitos jurídicos pretendidos (o que equivale a afirmar a inconcludência da pretensão).” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luis Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, p. 664 e 665).
Por sua vez, a defesa por exceção é entendida com um ataque lateral ou de flanco, com a alegação de factos novos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos alegados pelo autor, socorrendo-se o réu de factos diversos daqueles em que se funda a petição.
A defesa por exceção pode realizar-se pela alegação de exceções dilatórias - defesa meramente processual - ou de exceções materiais ou substantivas - perentórias -, ou seja, mediante a alegação de factos que sirvam de causa modificativa, extintiva ou impeditiva do direito alegado pelo autor
“Na defesa por exceção (que pode ser deduzida em termos subsidiários), o réu aceita a narração fáctica apresentada pelo autor, alegando, porém, novos factos suscetíveis de obstar à apreciação do mérito da causa (gerando a absolvição da instância ou a remessa do processo para outro tribunal) ou de impedir, modificar ou extinguir o direito que o autor pretende fazer valer ao intentar a ação (assim gerando a improcedência total ou parcial daquela). Trata-se de uma defesa lateral ou indireta, pois o réu não discute os factos alegados pelo autor nem o seu efeito jurídico, aportando ao processo outros factos a partir dos quais pretende obter certo resultado. Em função do significado e alcance desta via de defesa, há duas categorias de exceções: dilatórias e perentórias (art. 576.º).” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luis Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, p. 664 e 665).
Feito este enquadramento importa considerar que as Requerentes deduziram a sua pretensão de intimação sustentando, em suma, que apresentaram à Requerida pedido de fornecimento de cópia ou reprodução autenticada de um conjunto de documentos relativos, no essencial, ao projeto “Comboio Presidencial by Chakkal” alegando que a Requerida na implementação e desenvolvimento deste projeto, de forma abusiva e ilegítima, usurpou sinais distintivos da marca e sinais distintivos das Requerentes o que as levou a instaurar a ação de pendor indemnizatório que corre os seus termos sob o Processo n.º 333/24.0YHLSB, no Juízo de Propriedade Intelectual, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. Sustentam que os documentos e informações solicitadas destinam-se a ser utilizados em processo judicial, instaurado e a instaurar, relacionado com tal matéria. Aduzem ter o direito de acesso a tal informação e que o mesmo foi ilegitimamente negado pela Requerida.
Na resposta ao requerimento de intimação a aqui Recorrente sustentou que as Requerentes procederam à liquidação da taxa de justiça pelo valor da linha 1 da tabela I-B mas atribuíram à causa o valor de 30.000,01 € pelo que devem ser notificadas para proceder ao pagamento da taxa de justiça em falta, acrescida de multa e que a Requerida beneficia de isenção de custas nos termos do art.º 4.º, n.º 1 al. f) do RCP.
A respeito da pretensão de intimação alega que às Requerentes não assiste o direito à informação pretendida porquanto se está perante um pedido manifestamente abusivo, desproporcional e irrazoável (artigo 15.º, n.º 3 da LADA) e na medida em que,
(i) O pedido encontra-se sujeito à restrição prevista no artigo 6.º, n.º 6 da LADA, por estarem em causa documentos que contêm segredos comerciais ou sobre a vida interna de uma empresa, cujo acesso é suscetível de causar danos à requerida e afetar gravemente a capacidade ou interesse concorrencial, pelo que cabia às Requerentes o ónus de demonstrar estarem munidas de autorização escrita ou serem titulares de interesse direto, pessoal, legitimo e constitucionalmente protegido que, após ponderação, no quadro de proporcionalidade, justifique o acesso à informação;
(ii) A intimação destina-se a obter meios probatórios para fundamentar processo judicial em curso, relativamente a matéria controvertida no processo n.º 333/24.0TYLSB, sujeita ao regime especial probatório do Código da Propriedade Intelectual, pelo que sob pena de se frustrar as garantias de defesa e subverter as regras do ónus da prova, a intimação não pode ser utilizada para obter documentos destinados a instruir processos de natureza cível ou crime.
Notificadas pelo Tribunal para se pronunciar, as Requerentes apresentaram articulado no qual, se pronunciaram,
· Quanto ao valor da causa e ao montante da taxa de justiça (pontos 6 a 42);
· Nos pontos 43 a 53 sustentam a admissibilidade do articulado por visar responder a matéria de exceção;
· Quanto a (i) pronunciam-se nos pontos 54 a 87 e quanto a (ii) nos pontos 88 a 119.
No que respeita ao valor atribuído à causa e ao consequente montante da taxa de justiça, a questão não deixa de se reconduzir a um incidente de verificação do valor da causa, o qual sempre admitiria contraditório nos termos do artigo 293.º, n.º 1 e 2 do CPC, sem prejuízo da aplicação subsidiária do artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
E o mesmo se diga quanto à invocação de que os documentos contêm informações que correspondem a segredos comerciais ou sobre a vida interna. Isto é, neste caso, a Entidade Requerida/Recorrente alega novos factos, respeitantes ao conteúdo dos documentos, que impedem o efeito jurídico pretendido pelo autor, porquanto traduzem uma restrição ao direito de informação invocado por aquele. Ou seja, nesta parte porque a Entidade Requerida/Recorrente, efetivamente, se defendeu por exceção perentória, o articulado de pronúncia era admissível.
Mas o mesmo já não sucede quanto a (ii). Com efeito, a este respeito a Recorrente/Requerida não alegou nova factualidade impeditiva, obstativa ou extintiva do direito das Requerentes. Antes se limitou a negar o direito invocado por aquelas, aduzindo que a factualidade (já) alegada por aquelas de a informação se destinar a um processo judicial tem à luz do quadro normativo aplicável como significado, e opostamente ao entendimento veiculado no requerimento inicial, de que não lhes assiste o direito à informação peticionada. Ou seja, defende-se a Requerida/Recorrente por impugnação (oposição de direito) direta.
Do exposto resulta que o referido articulado de pronúncia à resposta não era admissível quanto ao ali veiculado nos pontos 88 a 119, pelo que sendo em parte admissível não havia lugar ao seu desentranhamento, mas (apenas) cabia, relativamente a tais pontos, dar tal matéria como não escrita.
Assim, impõe-se considerar que apenas ocorre, parcialmente, erro de julgamento, porquanto ao Tribunal a quo cabia dar por não escritos os pontos 88 a 119 do articulado apresentado pelas Requerentes/Recorridas em 22.1.2025.

4.3. Do erro de julgamento de facto

A Recorrente aduz que o Tribunal a quo não procedeu ao exame crítico da prova, errando na valoração da prova documental, não considerando prova carreada para os autos, concretamente a petição inicial do processo n.°333/24.0TYLSB, junta sob o Doc. n.°4, confrontando essa prova com a factualidade por si alegada, quanto à informação administrativa não procedimental em causa poder estar diretamente relacionada com o processo n.° 152/16.8TELSB, que corre termos no DIAP Regional de Lisboa - l.ª Secção - Lisboa - Crime Económico-Financeiro e Crime Violento.
Primeiramente coloca-se a questão de saber se o recurso da matéria de facto deve ser admitido por cumpridos os ónus previstos no art.º 640.º, n.º 1 do CPC, questão que é de conhecimento oficioso deste tribunal ad quem, na medida em que o incumprimento pelo recorrente dos ónus impugnatórios, previstos no art.º 640.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, impede que a 2.ª Instância possa conhecer da impugnação do julgamento da matéria de facto operada, determinando a imediata rejeição do recurso quanto a essa impugnação (n.º 1, do art.º 640.º do CPC).
Atento o disposto no art.º 640.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.
Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição total ou parcial do recurso:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC. Ou seja, “ b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…)” (cf. Ac. do TCAN de 17.11.2023, proc. n.º 00464/10.4BECBR, disponível em www.dgsi.pt);
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. c), do CPC], entendendo-se que o recorrente deve expressar “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.” (cf. Ac. do TCAN de 17.11.2023, proc. n.º 00464/10.4BECBR, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, é patente que a Recorrente não cumpre os ónus impugnatórios. Com efeito, limita-se a invocar que o Tribunal não terá considerado prova junta aos autos, concretamente o documento 4, e analisado criticamente a prova, e valorou erroneamente a prova documental, sem, em momento algum, indicar qual ou quais os factos que, dessa desconsideração do meio de prova, falta de apreciação crítica ou errónea valoração dos meios de prova, terão resultado incorretamente julgados, seja porque foram omitidos do probatório, seja porque foram erroneamente considerados provados.
Isto é, evidencia-se o incumprimento dos ónus previstos nas als. a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, o que conduz à rejeição do recurso da matéria de facto.

4.4. Do erro de julgamento de direito quanto ao mérito da intimação

A Recorrente imputa à sentença erro de julgamento sustentando, em suma, que a sua recusa se funda num juízo legítimo de que a pretensão das Recorridas se subsume à restrição consagrada nos n.°s 5 e 6 do artigo 6.° da LADA, traduzindo-se, ainda, num pedido, manifestamente, abusivo, desproporcional e destituído de qualquer razoabilidade, para efeitos do artigo 15.° do mesmo diploma.
Alega estarmos perante uma situação em que o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos deve ser restringido por ocorrer uma colisão com o direito à não autoincriminação e/ou as garantias de defesa em processo penal, que entende prevalecerem, à luz de um juízo orientado pelo princípio da proporcionalidade, sobre o direito que as recorridas invocam no presente litígio, porquanto a informação relativa ao projeto poderá estar correlacionada com um processo-crime em curso, pelo que não se afigura razoável ver-se compelida a conceder acesso a tais elementos, sob pena de comprometer as suas garantias de defesa constitucionalmente consagradas.
Considera que, opostamente ao entendimento veiculado na sentença, as recorridas pretendem obter informação relacionada com a matéria controvertida no processo n.° 333/24.0YHLSB, pretendendo inverter o ónus da prova, pelo que encontra-se sujeita ao regime probatório especial estabelecido no Código de Propriedade Industrial, só podendo ser obtida nos termos do artigo 339.° do CPI, enquadrando-se no n.° 4 do artigo l.° da LADA em que o regime de obtenção da prova do CPI sendo lei especial prevalece sobre a LADA.
Acrescenta que o Tribunal a quo deveria ter concluído estarmos perante informação administrativa não procedimental abrangida pelo segredo comercial e industrial, bem como pela informação confidencial sobre a vida interna das empresas, nos termos do artigo 6.°, n.° 6, da LADA, porquanto se as próprias recorridas, na petição inicial do processo n.° 333/24.0YHLSB, alegam que, em decorrência da realização do “Comboio Presidencial by Chakall”, a recorrente praticou atos suscetíveis de serem qualificados como concorrência desleal, então o acesso à informação peticionada coloca as recorridas numa posição privilegiada, abrindo a possibilidade de que sejam estas a praticar atos que se enquadrem em concorrência desleal.
Assim, aduz que a informação não procedimental em causa contém dados nominativos, confidencial e privilegiada relativa aos métodos de gestão e organização interna da recorrente, bem como da sua relação com parceiros comerciais, podendo o seu acesso por parte de terceiros “gravemente afetar a respetiva capacidade ou interesse concorrencial”, pois é notório que não só os contratos, como também o teor das comunicações digitais que são visadas pelas recorridas contêm dados pessoais das partes que os celebraram ou que intervieram nas referidas comunicações digitais e, bem assim, respeitam às relações mantidas entre as partes envolvidas na realização do “Comboio Presidencial by Chakall” e respetivos fornecedores e patrocinadores, que é suscetível de revelar estratégia comercial e alocação de meios às mesmas, dados confidenciais e privilegiados, da recorrente e das suas contrapartes em tal projeto, permitindo desvendar, em detalhe, não apenas os produtos adquiridos para a confeção das refeições, mas também, e sem limitar, os termos acordados com os patrocinadores, os contratos celebrados, as necessidades operacionais para a circulação do comboio, as parcerias estabelecidas com as quintas envolvidas e os critérios que presidiram à sua seleção.
Entende que conceder às recorridas acesso a tal informação equivaleria a expor, em pormenor, a estrutura e os contornos negociais do projeto, revelando a totalidade da sua conceção, desenvolvimento e implementação, o que se afigura manifestamente desproporcional e prejudicial, e por isso inadmissível.
Pugnando que os documentos contabilísticos/financeiros ou relativos à gestão orçamental e financeira de recursos humanos do projeto “Comboio Presidencial by Chakall” consubstanciam informação privilegiada e confidencial que, naturalmente, se refere à gestão interna, tanto da recorrente como dos seus parceiros neste projeto e que a informação referente aos custos relacionados com o comboio, caso tenha sido produzida e se encontrem na posse da recorrente é de acesso restrito, pois a operadora de transportes ferroviários responsável mantém reserva quanto à sua divulgação.
Conclui que as recorridas pretendem obter informação privilegiada relativa aos métodos de gestão e organização interna da recorrente, bem como a sua relação com parceiros comerciais, o que é, manifestamente, suscetível de causar danos, bem como “gravemente afetar a capacidade ou interesse concorrencial”.

Em primeiro lugar, verifica-se que apenas em sede de recurso – não o tendo invocado aquando da recusa (facto provado 7), nem na resposta que apresentou nestes autos - veio a Recorrente sustentar a inexistência do dever de prestar a informação requerida assente nas circunstâncias de o direito à informação das Recorridas colidir com o seu direito à não autoincriminação e/ou as garantias de defesa em processo penal na medida em que a informação se relacionaria com um processo-crime em curso e, bem assim, por conter dados nominativos.
Como se escreveu no Ac. deste TCA Sul de 29.2.2024, proferido no proc. 1584/21.5BELSB, disponível em www.dgsi.pt
“12. Ora, como é manifesto, os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão, mas não para obter decisões sobre questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido (neste sentido, cfr. os acórdãos do STJ, de 7-1-1993, in CJ STJ 1/93.5, da RL, de 7-10-93, in CJ 4/93.142, da RL, de 7-5-87, in CJ 3/87.78, da RL, de 2-11-95, in CJ 5/95.98, da RL, de 27-11-81, in CJ 5/81.158, da RP, de 4-6-87, in CJ 3/87.182, da RE, de 7-5-87, in CJ 3/87.265, e do STJ, de 8-10-2020, proferido no âmbito do processo nº 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1).
13. Por conseguinte, sendo de excluir dos mesmos os meros argumentos ou raciocínios expostos na defesa da tese de cada uma das partes, os recursos visam modificar apenas as decisões de que se recorre, e não criar decisões sobre matéria nova, razão pela qual não é lícito invocar neles questões que não tenham sido objecto das decisões impugnadas. Tais questões, atenta a sua novidade, não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos que, como se afirmou, se destinam a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, em prejuízo da parte vencida.
14. Do que ficou dito, uma conclusão se impõe: este TCA Sul, enquanto tribunal de apelação, está impedido de se pronunciar sobre questões novas, apenas suscitadas nas alegações de recurso, com excepção das que sejam de conhecimento oficioso do tribunal, o que não prefigura o caso dos autos (cfr. artigos 608º, nº 2 e 627º, nº 1, ambos do CPCivil) […].”
Ora, o alegado pela Recorrente nas conclusões 26.ª a 29.ª e 47.ª a 49.ª, quanto à informação contender com alegados direitos da Recorrente à defesa e não autoincriminação em processo-crime e conter dados nominativos não correspondem a questões de conhecimento oficioso, pelo que, naturalmente, porque apenas invocadas neste recurso, não tendo sido apreciadas pelo Tribunal a quo, não são, nem podem ser, objeto de apreciação por este Tribunal ad quem.

Em segundo lugar, importa reter que não se mostra controvertida a asserção alcançada pelo Tribunal a quo de que, não se encontrando em curso um procedimento administrativo, estamos perante o exercício pelas Recorridas do direito ao acesso a arquivos e registos administrativos, previsto no n.º 2 do artigo 268.º da CPR, que corresponde a um direito à informação não procedimental porque “respeita a documentos contidos em arquivos ou registos administrativos, aí se incluindo os documentos existentes em procedimentos administrativos já findos” (cf. Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., pág. 903).
O dissídio centra-se em saber se o direito de acesso à informação não procedimental solicitada pelas Requeridas se encontra sujeito ao regime probatório especial estabelecido no Código de Propriedade Industrial, só podendo ser obtida nos termos do artigo 339.° do CPI ex vi n.° 4 do artigo l.° da LADA (Lei n.º 26/2016 de 22 de agosto), se encontra sujeito à restrição de acesso regulada no artigo 6.°, n.° 6, da LADA por estarem em causa documentos administrativos que contêm segredos comerciais ou sobre a vida interna de uma empresa ou se se traduz num pedido, manifestamente, abusivo, desproporcional e destituído de qualquer razoabilidade nos termos do artigo 15.º da LADA.
Situamo-nos no seio do exercício do direito à informação não procedimental que é conferido a todas as pessoas, tendo natureza análoga aos direitos liberdades e garantias e só podendo estar sujeito às restrições expressamente previstas na Constituição e na lei (cfr. art. 268º, nº 2 da CRP e arts. 5º, 6º, 7º da LADA), dispensando a invocação ou demonstração de qualquer interesse relevante no acesso às informações ou documentos em causa.
Sucede que o direito de informação não procedimental - direito de acesso aos arquivos e registos administrativos constitucionalmente –, tal como o direito à informação procedimental, não é um direito absoluto. Antes se encontra sujeito a restrições e limitações, designadamente previstas na Constituição, que no n.º 2 do seu artigo 268.º as identifica como relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, e no regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos (LADA).

Entende a Recorrente que uma dessas restrições, aplicável à situação dos autos em que as Requerentes/Recorridos sustentaram que os documentos em causa “destinam-se a ser utilizados em processo judicial e/ou extrajudicial, instaurados ou por instaurar, relacionados com a matéria em apreço” (artigo 12.º do requerimento inicial), concretamente o processo n.º 333/24.0YHLSB que instauraram, além do mais, contra a Requerida no Juízo de Propriedade Intelectual, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (facto 4), corresponde ao disposto no artigo 339.º do Código da Propriedade Industrial que prevê, sob a epígrafe “Medidas para a obtenção da prova” que,
“1 - Sempre que elementos de prova estejam na posse, na dependência ou sob o controlo da parte contrária ou de terceiro, pode o interessado requerer ao tribunal que os mesmos sejam apresentados, desde que para fundamentar a sua pretensão apresente indícios suficientes de violação de direitos de propriedade industrial ou de segredos comerciais.
2 - Quando estejam em causa atos praticados à escala comercial, pode ainda o requerente solicitar ao tribunal a apresentação de documentos bancários, financeiros, contabilísticos ou comerciais que se encontrem na posse, dependência ou sob controlo da parte contrária ou de terceiro.
3 - Em cumprimento do previsto nos números anteriores, o tribunal, assegurando a proteção de informações confidenciais, notifica a parte requerida para, dentro do prazo designado, apresentar os elementos de prova que estejam na sua posse, promovendo as ações necessárias em caso de incumprimento.”
No n.º 4 do artigo 1.º da LADA prevê-se que “[a] presente lei não prejudica a aplicação do disposto em legislação específica, designadamente quanto:
a) Ao regime de exercício do direito dos cidadãos a serem informados pela Administração Pública sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados e a conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, que se rege pelo Código do Procedimento Administrativo;
b) Ao acesso a informação e a documentos relativos à segurança interna e externa e à investigação criminal, ou à instrução tendente a aferir a responsabilidade contraordenacional, financeira, disciplinar ou meramente administrativa, que se rege por legislação própria;
c) Ao acesso a documentos notariais e registrais, a documentos de identificação civil e criminal, a informação e documentação constantes do recenseamento eleitoral, bem como ao acesso a documentos objeto de outros sistemas de informação regulados por legislação especial;
d) Ao acesso a informação e documentos abrangidos pelo segredo de justiça, segredo fiscal, segredo estatístico, segredo bancário, segredo médico e demais segredos profissionais, bem como a documentos na posse de inspeções-gerais e de outras entidades, quando digam respeito a matérias de que resulte responsabilidade financeira, disciplinar ou meramente administrativa, desde que o procedimento esteja sujeito a regime de segredo, nos termos da lei aplicável.”
O que resulta deste normativo é que existindo legislação que regule especificamente o acesso a determinado tipo de informação, exemplificativamente a elencada naquelas alíneas a) a d), será essa legislação específica a aplicável que não é afastada (prejudicada) pela LADA.
Sucede que, para efeitos deste artigo 1.º, n.º 4 da LADA, a legislação que regula a tramitação processual, designadamente no que respeita aos meios de obtenção de prova em sede de processos judiciais, não consubstancia legislação específica, porquanto, tal como a respeito dos artigos 417.º, 429.º e ss. do CPC, também no artigo 339.º do CPI “não está em causa, portanto, e pelo menos de modo directo, o direito fundamental do administrado a ser informado pela administração, mas antes, e de uma forma reflexa [na medida em que pode ser ele, enquanto parte, a propor ao tribunal a solicitação dos documentos] o seu interesse, como parte em determinado processo judicial, em ver os autos instruídos com meios de prova considerados necessários para o apuramento da verdade, para que se faça justiça.” (Ac. do TCA Norte de 12.9.2014, proferido no processo 00431/14.9BEPRT, disponível em www.dgsi.pt).
Ou seja, quando o n.º 4 do artigo 1.º da LADA se refere a legislação específica está a reportar-se à legislação que, de forma excecional ou especial, regula o direito à informação administrativa. Já os normativos processuais que regulam a obtenção de meios de prova em sede de processo judicial, designadamente em litígios judiciais em matéria de propriedade industrial como é o caso do artigo 339.º do CPI, embora o meio de prova possa coincidir com o objeto do direito à informação (procedimental ou não procedimental) administrativa, regulam matérias ou assuntos diversos. Não são, pois, tais regras processuais, para efeitos daquele n.º 4 do artigo 1.º da LADA, lei especial no sentido defendido pela Recorrente de que se sobreporiam ao regime geral da LADA.
Não se trata de, como alega a Recorrente “esvaziar” o sentido do artigo 339.º do CPI, pois que, não só, nem sempre os elementos de prova a que este respeita coincidem com o objeto do direito à informação administrativa, como o que sucede é que esta norma o que regula é o direito à prova ou à obtenção de meios de prova no âmbito de processo judicial e não o direito à informação administrativa.
Daí que não acompanhamos o Ac. do STJ de 25.5.2016, proferido no proc. 11/16.4YFLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt, referido pela Recorrente que, em nosso entender, confunde os pressupostos e limites do direito à informação administrativa com a regulação processual da obtenção de meios de prova em sede de processo judicial que não se destina à efetivação desse direito.
Assim, a circunstância de a informação não procedimental (administrativa) requerida se destinar a instruir um processo judicial – e poder aí consubstanciar um meio de prova -, esteja ele ou não pendente, não configura per si um limite ao direito à informação (não procedimental) administrativa, apenas o sendo quando o direito à informação em causa esteja sujeito a uma das restrições previstas na LADA ou em legislação que especificamente (excecional ou especialmente) regule esse direito.
O que significa que o artigo 339.º do CPI que demanda que, no âmbito das medidas e procedimentos que visam garantir o respeito pelos direitos de propriedade industrial e pelos segredos comerciais, quando os elementos de prova estejam na posse, na dependência ou sob o controlo da parte contrária ou de terceiro, o interessado possa requerer ao tribunal que os mesmos sejam apresentados, desde que “para fundamentar a sua pretensão apresente indícios suficientes de violação de direitos de propriedade industrial ou de segredos comerciais.”, não consubstancia um limite ou restrição ao direito de acesso aos documentos administrativos regulado na LADA.
Refira-se, ademais, que assentir no entendimento da Recorrente, fazendo limitar o direito à informação administrativa à finalidade dos documentos – concretamente, in casu, à instrução de processo judicial – não encontra, sequer, acolhimento na ratio subjacente às previsões legais que enunciam as restrições ou limites a esse direito (vg. artigos 268.º, n.º 2 da CRP e 6.º da LADA) que, como é patente, se relacionam com o objeto e conteúdo dessa informação, visando salvaguardar valores como a segurança interna e externa, a investigação criminal, a intimidade e privacidade das pessoas e o segredo comercial.
Impõe-se, assim, concluir no sentido do tribunal a quo, ou seja, de que “independentemente de se destinarem a instruir o processo judicial pendente referido no ponto 4 do probatório ou um processo judicial futuro (mormente no âmbito do incidente de liquidação, como alegam as Requerentes), a verdade é que não existe qualquer fundamento legal para restringir tal acesso”.

Cumpre, pois, analisar se, como alega a Recorrente, o Tribunal a quo erra quando à decisão de considerar que, in casu, o direito à informação não procedimental das Recorridas não se encontrava sujeito à restrição a que se reporta o artigo 6.º, n.º 6 da LADA.
No artigo 6.º da LADA, epigrafado “Restrições ao direito de acesso”, e no que aos autos releva, dispõe-se,
6 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.
8 - Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada.
Quanto aos documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa importa considerar que «o relevo dado ao segredo das empresas se funda na convicção de que "o segredo é a alma do negócio", cobrindo, por isso, tal segredo aquela informação cuja divulgação poderia provocar consequências gravosas. Integram o conceito de segredos comerciais, industriais ou sobre a vida das empresas, por exemplo, "os aspetos particulares de financiamento, as previsões de viabilidade e de rendibilidade específicas de uma empresa (privada), as estratégias de captação de clientes ou de desenvolvimento futuro, a identificação de modelos ou de técnicas a seguir no desenvolvimento da atividade" (cfr. parecer da CADA n° 38/2005)» (Ac. do STA de 8.7.2009, proc. n.º 0451/09, disponível em www.dgsi.pt).
A respeito do que constituem segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa extrai-se do Acórdão deste TCA Sul de 2.7.2020, proferido no processo 2139/18.2BELSB, disponível em www.dgsi.pt, que
«O segredo comercial englobará “todas as informações não indiferentes à concorrência, segredos de dados económicos e financeiros ou das estratégias comerciais, segredos dos agentes do fisco sobre a situação económico–financeira das empresas, segredos de negócios, procedimentos e técnicas de fabrico, operações e métodos de trabalho, dados estatísticos confidenciais, ficheiros de clientes, informações sobre lucros e encargos, inventários, resultados de investigação, relações comerciais, relatórios sobre ocupação de mercado, etc.” (Fernando Condesso, O direito à informação administrativa, in Legislação: Cadernos de Ciência de Legislação, 1996, p. 93). Bem como as “técnicas específicas de captação de clientes, os modelos de projeção de rendimentos ou de lucros, aspetos particulares das atividades desenvolvidas por uma empresa (...) as fórmulas ou receitas para preparação de certos produtos intermediários ou finais, (...) os avanços obtidos por uma entidade em qualquer sector económico e que não se encontrem ainda compreendidos nos conhecimentos comuns entre os especialistas da área (...), os desenhos e outras representações de novos produtos ou protótipos” (José Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, 2002, p. 137).».
E no Ac. deste TCA Sul de 10.5.2018, proferido no processo 1502/17.5BELRA, disponível em www.dgsi.pt, considerou-se que
«[…] segredo comercial e segredo sobre a vida interna de uma empresa, na LADA, refere-se a
(i) informação secreta com valor comercial e
(ii) objeto de medidas internas para a manter secreta - cf. Ac. deste TCA Sul de 16-06-2016, p. nº 13191/16; Ac. deste TCA Sul de 30-04-2015, p. nº 12046/15; Ac. deste TCA Sul de 12-04-2012, p. nº 08676/12; Ac. do STA de 09-04-2015, p. nº 0263/12.
E secretos são os métodos de gestão, comercialização e de trabalho utilizados pelas empresas (a “alma do negócio”).
As informações secretas são as detidas por uma entidade pública ou privada respeitantes, nomeadamente, a (i) métodos de avaliação dos custos de fabrico e de distribuição, (ii) segredos e processos de fabrico, (iii) fontes de aprovisionamento, (iv) quantidades produzidas e vendidas, (v) quotas de mercado, (vi) ficheiros de clientes e distribuidores, (vii) estratégia comercial, (viii) estrutura do preço de custo, (ix) política de vendas, (x) informações de estratégia empresarial de uma unidade produtiva, (xi) técnicas que podem não ter nível inventivo, mas que sejam apanágio de uma empresa.
A vida interna da empresa reporta-se à forma como cada empresa, internamente, organiza, executa e planifica a sua atividade. Por exemplo, a situação contributiva face à segurança social e o fisco (a menos que, por lei, tenha que ser revelada), a escrituração comercial e a planificação de reestruturações internas (cf. os Pareceres da CADA nº 23/2013, nº 170/2013 e nº 226/2013).
3.6.
No sentido do acabado de expor, podemos ainda invocar:
- o artigo 2º da Diretriz ou Diretiva nº 2016/943 do P.E. e do C.E.: são segredo comercial as informações que cumpram cumulativamente os requisitos seguintes: a) serem secretas, no sentido de, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, não sejam geralmente conhecidas pelas pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão, ou não sejam facilmente acessíveis a essas pessoas; b) terem valor comercial pelo facto de serem secretas; c) terem sido objeto de diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, para serem mantidas secretas pela pessoa que exerce legalmente o seu controlo;
- existe, por natureza, um dever acrescido de -transparência na chamada contratação pública “in house”.
E, por isso, aquilo que é referido na conclusão nº 23 do recurso da C-I (No plano interno, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos tem sido chamada por diversas vezes a pronunciar-se sobre esta matéria, considerando que: “(…) podemos afirmar que segredos comerciais ou industriais (“segredos de negócios”) são as informações secretas, que por esse facto tenham valor comercial (atual ou potencial) e sejam objeto de medidas no sentido de as manter secretas. As informações secretas são as detidas por uma entidade (pública ou privada) respeitantes, nomeadamente, a «métodos de avaliação dos custos de fabrico e de distribuição, de segredos e processos de fabrico, de fontes de aprovisionamento, de quantidades produzidas e vendidas e de quotas de mercado, de ficheiros de clientes e distribuidores, de estratégia comercial, da estrutura do preço de custo e de política de vendas”) deve ser entendido em abstrato, referido a um todo, que só se torna atuante ou bloqueante em certas circunstâncias.».
Mas estabelecido o âmbito de proteção desta restrição ao direito de acesso, o certo é que “não basta à entidade requerida invocar a restrição, pertencendo-lhe o ónus de o fazer de forma consubstanciada, isto é, exteriorizando os motivos que permitem preencher os conceitos das previsões normativas que contemplam a excepção, sob pena de não ser possível sindicar a correcção da sua decisão” (Ac. do TCA Sul de 13.4.2023, proferido no processo 3381/22.1BELSB, disponível em www.dgsi.pt).
Ou seja, a recusa de acesso «deverá fazer-se “(…) sempre de um modo fundamentado, isto é, não poderá, simplesmente, referir que o conhecimento dessa documentação por parte de um requerente bole com determinado tipo de valores. Haverá, pois, que indicar o "porquê" dessa decisão, que o mesmo é dizer que haverá que apontar os motivos pelos quais tal revelação, se fosse feita, afetaria esses valores. Mais: essa fundamentação há-de ser de molde a permitir ao requerente conhecer não só os pressupostos em que assentou o (hipotético) ato de denegação do acesso, bem como aquilatar se foram (ou não) cumpridas as normas do procedimento administrativo, se a decisão reflete (ou não) a exatidão material dos factos, se houve (ou não) erro manifesto de apreciação e se existiu (ou não) desvio de poder. Em suma, a fundamentação deverá revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da entidade requerida e autora do ato e, a montante, os pressupostos em que radicou por forma a permitir ao requerente conhecer as razões da medida adotada» (Ac. do TCA Sul de 24.2.2016, proferido no processo 12672/15, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, tratando-se de documentos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa, a mera alegação de que “contêm segredos comerciais, traduz-se numa invocação completamente genérica, vaga e conclusiva, já que destituída, por um lado, de qualquer concretização quanto à informação cuja divulgação é suscetível de pôr em causa “segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa” (o que implica a identificação de cada um dos documentos em causa, bem como da informação neles contida cujo acesso deve ser restringido) e, por outro lado, da indicação dos motivos pelos quais tal revelação, se fosse feita, afetaria tais valores” (Ac. do TCA Sul de 24.2.2016, proferido no processo n.º 12672/15, disponível em www.dgsi.pt).
Feito este enquadramento cabe recordar que (cf. facto 5.) as Requerentes/Recorridas
“(…) pretendem obter cópia ou reprodução autenticada dos seguintes documentos:
(i) Documento onde resulte os custos actuais do projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, já incorridos por relação às Edições ocorridas em Maio, Setembro e Outubro de 2024;
(ii) Documento onde resulte os custos a assumir no projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, por relação às Edições a realizar em Abril, Maio, Setembro e Outubro de 2025;
(iii) Documento contabilístico/financeiro relativo às receitas obtidas no âmbito do projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, por relação às Edições ocorridas em Maio, Setembro e Outubro de 2024, com a identificação das rubricas e dos valores respectivamente associados, nomeadamente e sem limitar, por relação a receitas obtidas com a venda de bilhetes e outras receitas não resultantes da mesma;
(iv) Receitas estimadas no âmbito do projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, por relação às Edições a realizar ainda em Abril, Maio, Setembro e Outubro de 2025, com a identificação das rubricas e dos valores respectivamente associados, nomeadamente e sem limitar, por relação a receitas obtidas com a venda de bilhetes e outras receitas não resultantes da mesma;
(v) Informação sobre a capacidade e lotação do comboio para o projecto “Comboio Presidencial by Chakall”; o número de bilhetes vendidos e o número de bilhetes oferecidos a título de convite por relação às Edições já realizadas em Maio, Setembro e Outubro de 2024;
(vi) Custos incorridos e responsabilidades/obrigações assumidas por cada uma das partes na parceria do projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, nomeadamente e sem limitar:
• Custo de aluguer de comboio;
• Custo de manutenção do comboio;
• Custo aluguer locomotivas (incluindo gasolina e motorista)
• Custo operação de fiscalização e acompanhamento das marchas pela Requerida;
• Custo marchas;
• Custo de salas de apoio (nomeadamente em Contomil e São Bento, incluindo custos com segurança do comboio);
• Custos seguros;
• Custos de limpeza e reparações comboio.
(vii) Cópia de todos os contratos/protocolos de cooperação celebrados por relação ao projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, nomeadamente e sem limitar,
Contratos/Acordos celebrados entre a Requerida e E…;
Contratos/Acordos celebrados com fornecedores utilizados (incluindo gerador e cozinhas);
Contratos/Acordos celebrados com os patrocinadores;
Cópia das comunicações digitais entre a Requerida e os fornecedores e patrocinadores do projecto “Comboio Presidencial by Chakall”, e por relação a este.
(viii) Custos incorridos com a aquisição de serviços de assessoria na área de estratégia, relações-públicas, comunicação, marketing do projecto/operação e imprensa para promoção do projecto/operação “Comboio Presidencial by Chakall”, nomeadamente e sem limitar,
Informação sobre o stand e activação da Bolsa de Turismo de Lisboa;
Custos em campanhas marketing digital;
Lista completa de keywords para campanhas google ads.
(ix) Meios próprios colocados à disposição do projecto/operação “Comboio Presidencial by Chakall”, nomeadamente e sem limitar, identificação dos meios de recursos humanos, materiais, logísticos e espaços publicitários, no âmbito do projecto/operação “Comboio Presidencial by Chakall.”
A respeito da restrição de acesso a que se reporta o n.º 6 do artigo 6.º da LADA, a Recorrente recusou o pedido de acesso aos documentos em causa limitando-se a sustentar que o mesmo versa sobre relações comerciais (facto provado 8.)
Na resposta à intimação invocou que as Requerentes pretendem obter informação privilegiada relativa aos métodos de gestão e organização interna da recorrente, bem como a sua relação com parceiros comerciais, o que seria suscetível de causar danos, bem como “gravemente afetar a capacidade ou interesse concorrencial” e que, indubitável e notoriamente, estão contidos nos documentos solicitados - designadamente nos relativos aos custos, receitas, capacidade e lotação do comboio, número de bilhetes vendidos e oferecidos, contratos e protocolos celebrados relativos ao projeto segredos comercial, meios humanos e materiais colocados à disposição do projeto – segredos comerciais ou sobre a vida interna da empresa.
Neste recurso, a alegação é idêntica, ou seja, faz decorrer da mera circunstância de os documentos incidirem sobre o projeto “Comboio Presidencial by Chakall”, relativamente ao qual as Requerentes em sede judicial alegam que a Recorrente praticou atos de concorrência desleal, e consubstanciarem documentos referentes a contratos, acordos, protocolos e comunicações com outras entidades, incluindo fornecedores e patrocinadores, elementos financeiros e contabilísticos da execução do projeto, incluindo relativos a custos e receitas, a conclusão de que estamos perante informação confidencial e privilegiada relativa aos métodos de gestão e organização interna da recorrente e à sua relação comercial, expondo a estrutura e os contornos negociais do projeto, revelando a totalidade da sua conceção, desenvolvimento e implementação, de tal forma que o seu acesso afeta a respetiva capacidade ou interesse concorrencial.
Sucede que há que concordar com o expendido na sentença recorrida no sentido de que os fundamentos invocados eram, e permanecem, manifestamente insuficientes para cumprir os ónus que impendem sobre a entidade requerida de concretizar, de modo fundamentado, que os documentos contêm segredos comerciais, industriais e dados internos da vida da empresa, que não se basta com a mera alegação, vaga e genérica, desprovida de qualquer concretização fáctica.
Com efeito, como se dá nota na sentença recorrida “ao contrário do que parece entender a Requerida, não basta que se trate de informação comercial para se estar perante um segredo comercial, industrial ou sobre a vida interna da empresa, para efeitos da restrição prevista no artigo 6.°, n.° 6 da LADA.
De facto, a Requerida não avança as razões pelas quais a informação pretendida pelas Requerentes é secreta, nem indica os concretos atos/diligências que adotou no sentido de manter tais informações secretas, não se podendo, ainda olvidar que sendo a LADA aplicável à ora Requerida esta encontra-se sujeita a uma obrigação de divulgação ativa da informação, a qual versa sobre um conjunto de documentação, nomeadamente planos de atividades, orçamentos, relatórios de atividades e contas, balanço social e outros instrumentos de gestão similares e todos os documentos, designadamente despachos normativos internos, circulares e orientações, que comportem enquadramento estratégico da atividade administrativa (cfr. artigo 10.°, n.° 1 da LADA).”
Isto é, a Recorrente permanece em considerar que a mera circunstância de estarmos perante informação de natureza comercial - contratos, acordos, protocolos e comunicações com outras entidades -, financeira e contabilística - incluindo relativos a custos e receitas -, tem como significado tratar-se de informação abrangida por segredo comercial ou protegida enquanto vida interna de uma empresa.
E é aqui que (também) não se acompanha a posição da Recorrente quando afirma a incoerência e contrariedade que aponta à sentença recorrida.
Com efeito, é que o que na sentença se diz é que “a proteção do segredo comercial/industrial e da informação sobre a vida interna das empresas, encontra-se intrinsecamente ligada às práticas de concorrência desleal, constituindo, aliás, a finalidade daquela proteção evitar a prática de atos desta natureza que possam colocar em risco e provocar consequências graves às empresas”, mas assim sendo o que também se dá nota é que “as informações de índole comercial, por si só, podem não constituir matéria sujeita a segredo”. Assim o entendendo porque “na legislação internacional, europeia e nacional o segredo comercial/industrial ou as informações relativas à vida interna das empresas pressupõem a existência de informações que cumulativamente reúnam os três requisitos” previstos no artigo 39.º, n.º 2 do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (Acordo TRIPS/ADPIC), replicado no artigo 2.°, n.° 1 da Diretiva (EU) 2016/943, de 8 de junho e transposta esta para o artigo 313.º do Código da Propriedade Industrial, a saber, as informações que (a) sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão, (b) tenham valor comercial pelo facto de serem secretas e (c) tenham sido objeto de diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas.
Portanto, de forma coerente, o que o Tribunal a quo entendeu é que, ainda que se estivesse perante informação de natureza comercial, a sua proteção pelo segredo comercial – enquanto forma de proteger de práticas de concorrência desleal – dependeria da concretização, consubstanciação e demonstração pela Recorrente de estarmos perante informação que, cumulativamente, reunisse aqueles três requisitos. O que, com acerto, considerou não suceder nos autos.
O erro da Recorrente, veiculado igualmente nesta sede recursiva, incide em considerar que a informação comercial, contabilística e financeira seria, por natureza, secreta, de tal forma que no seu entender seria notório e evidente do mero elenco da documentação recorrida ser de aplicar a restrição de acesso vertida no n.º 6 do artigo 6.º da LADA.
Mas o raciocínio é, evidentemente, o oposto. Isto é, integrando a Recorrente o âmbito subjetivo da LADA o princípio porque se regula a sua atividade é o da administração aberta (artigo 2.º), em que é primordial a garantia da transparência da atividade administrativa, prosseguida, além do mais, pela consagração de um amplo direito de acesso à informação administrativa (artigo 5.º).
Do que decorre exigir-se à Recorrente uma cabal consubstanciação do objeto e conteúdo dos documentos que, ao contrário do pugnado, não se basta pela mera afirmação por esta dessa natureza confidencial, nem com o mero elenco dos documentos requeridos que, sendo certo reportarem-se à atividade comercial da Requerida e à execução contabilística e financeira de um determinado projeto, não evidencia em termos de notoriedade o seu enquadramento na restrição de acesso a que se reporta o n.º 6 do artigo 6.º da LADA.
Acrescente-se que também não se pode aceitar que a circunstância de, no âmbito do processo judicial a que (alegadamente) se destinam os documentos requeridos, as Recorridas aduzirem como facto ilícito a prática pela Recorrente de atos de concorrência desleal, possa significar que os documentos cujo acesso pretendem se encontrem abrangidos pelo segredo comercial ou respeitem, nos termos daquele n.º 6 do artigo 6.º, à vida interna da empresa. É que daí nada se adianta quanto ao concreto objeto ou conteúdo dos documentos requeridos, novamente estando em causa uma mera conclusão da Recorrida de que o acesso a estes conduziria a possibilitar que fossem as Requerentes a alegadamente praticar atos de concorrência desleal.
Na realidade, o que sucede é que a Recorrente permanece sem verdadeiramente invocar factos que permitam considerar preenchida a previsão normativa constante do artigo 6.º, n.º 6 da LADA para o efeito de fazer recair sobre as Recorridas, com vista a que lhes seja garantido o direito à informação não procedimental, que disponham de autorização escrita ou demonstrem fundamentadamente serem titulares de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.
Isto é, é de um juízo formulado pela própria Recorrente, sem suporte em qualquer facto que por si tenha sido alegado e que possibilite asseverar a correção dos pressupostos em que assenta a conclusão alcançada, que pretende que o Tribunal considere verificado o pressuposto da restrição de acesso contemplada no n.º 6 do artigo 6.º da LADA.
Assim, perante o incumprimento pela Recorrente do ónus de alegação consubstanciado da factualidade que possibilitasse ao Tribunal alcançar a conclusão de que os documentos em causa contêm segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa, o que daí emerge é que o direito de acesso aos documentos administrativos se faz de modo irrestrito, nos termos do artigo 5.º da LADA.
Daqui resulta que, opostamente, ao alegado há que considerar que o Tribunal a quo não errou no julgamento que fez quanto à inaplicabilidade da restrição de acesso contemplada no artigo 6.º, n.º 6 da LADA.

Por último, refira-se que a Recorrente (também) nada concretiza quanto à alegação de que não estaria obrigada a satisfazer o pedido por este ser manifestamente abusivo nos termos do artigo 15.º, n.º 3 da LADA, nem o caráter desrazoável ou desproporcional se afirma em termos de notoriedade.
Com efeito, retenha-se que o que se determina naqueles dispositivos é que “[a]s entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente”. Ou seja, afasta-se a obrigação de satisfação de pedidos de informação e acesso a documentos administrativos quando tais pedidos sejam “manifestamente abusivos”, o que sucederá em face do seu “carácter repetitivo e sistemático” ou do “número de documentos requeridos”.
Como vem sendo entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores “[a] alegação de desproporcionalidade e exercício abusivo do direito à informação deve alicerçar-se em factos concretos, também alegados pelo requerido, ou em factos notórios, de conhecimento oficioso” [veja-se, a título de exemplo, o Acórdão deste TCA Sul de 27.2.2020, proferido no processo n.º 2232/18.6BELSB, disponível em www.dgsi.pt].
Ora, além de a Recorrente nada ter adiantado quanto ao carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, considerando os factos provados e o elenco de documentos requeridos também não constitui um facto notório a desrazoabilidade ou desproporcionalidade do pedido apresentado.
O que significa que a Recorrente não se encontra dispensada, com tal fundamento, de prestar às Recorridas a informação que por estas lhe foi solicitada.

Em suma, há que concluir que a sentença não padece do erro de julgamento que lhe é apontado.

Da condenação em custas

Vencidas, são a Recorrente e as Recorridas condenadas nas custas na proporção do seu decaimento que se computa, respetivamente, em 99% e 1% (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).


V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção administrativa comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Negar provimento ao recurso quanto ao despacho que não reconheceu o direito à isenção de custas;
b. Conceder parcial provimento ao recurso quanto ao despacho que admitiu o articulado de pronúncia das Recorridas, apenas na parte em que admitiu os pontos 88 a 119 de tal articulado;
c. Rejeitar o recurso da sentença proferida em 29.1.2025 quanto à matéria de facto;
d. Negar provimento ao recurso da sentença proferida em 29.1.2025;
e. Condenar a Recorrente e as Recorridas nas custas na proporção do decaimento que se computa, respetivamente, em 99% e 1%.
Mara de Magalhães Silveira
Marcelo Mendonça
Lina Costa