Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 640/09.2BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 01/09/2025 |
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Relator: | CRISTINA COELHO DA SILVA |
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Descritores: | IRS ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS PROVA |
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Sumário: | I– O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sujeita a rendimentos de capitais os lucros, incluindo adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respetivos sócios e/ou associados. II– Para que se possa considerar que se encontra preenchida a estatuição legal do conceito de adiantamento por conta dos lucros previsto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS é necessário que fique demonstrado que a sociedade teve lucros no exercício e que as entregas feitas aos sócios ocorreram por conexão com os mesmos. III- Da conjugação do artigo 5º, nº 2, al. h) e do nº 4 do artigo 6º, ambos do CIRS, resulta que constituem rendimentos qualificáveis como da “categoria E” (artigo 5.º do CIRS) os lucros e adiantamentos por conta de lucro, bem como se presumem como tais rendimentos todas as quantias que sejam escrituradas em quaisquer contas correntes de sócios que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, correspondem a lucros ou adiantamento por conta de lucros. IV- De acordo com o artigo 74º, nº 1 da LGT, é sobre a AT que impende o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação o que, no caso, obrigava a que esta provasse não apenas a existência de lucros a distribuir pelos sócios antecipadamente, mas também que as quantias em questão haviam sido lançadas na contabilidade na sociedade e que as mesmas não são resultantes de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul ♣ I – RELATÓRIO M........, com os demais sinais dos autos, impugnou judicialmente a liquidação oficiosa de IRS do exercício de 2004 e respetivos juros compensatórios, no valor total de € 22.767,21. *** A Recorrente, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES A. Vem o presente Recurso contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 21/12/2020, a qual julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada nos autos à margem referenciados e, por consequência, determinou a anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2008 5004682001 e de Juros Compensatórios n.º 2008 1950702, referentes ao período de tributação de 2004, que correspondem à demonstração de acerto de contas n.º 2008 1496788, da qual resultou o imposto a pagar de 22.767,21 (vinte e dois mil, setecentos e sessenta e sete euros e vinte e um cêntimos). B. A Representação da Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal “a quo” foi baseada numa errónea subsunção dos factos ao direito aplicável, padecendo de erro de julgamento da matéria de facto e da matéria de direito. C. Com efeito, entende a Representação da Fazenda Pública que existem factos provados, constantes do referido Relatório de Inspecção, que permitem concluir de forma suficientemente consistente pela transferência de fundos próprios (a título de proveitos e resultados), da sociedade para o sócio gerente, ora recorrido, assim se demonstrando a existência de factos que conduzam ao enquadramento dos valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição do ora recorrido, na qualidade de sócio da M........, Lda., nos termos previstos no artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) do Código do IRS, tendo, portanto, a Administração Tributária logrado provar, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), os pressupostos constitutivos do direito à tributação. Senão vejamos, D. Resulta demonstrado nos autos de primeira instância que o ora recorrido era sócio-gerente da M........, Lda., bem como que a referida sociedade celebrou, na qualidade de alienante, em 28/12/2004, escritura de compra e venda da fracção “R” do imóvel inscrito na matriz predial sob o artigo ........9 da Freguesia de São Domingos de Benfica (vide teor dos pontos II – Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva e III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável do Relatório de Inspecção que se encontra junto aos autos). E. Mais se encontra demonstrado nos autos de primeira instância que a adquirente do referido imóvel emitiu, a título de pagamento parcial da referida aquisição, em 08/11/2004 e em 10/12/2004, os cheques n.ºs 9200000123 e 2900000130, nos montantes de € 33.175,00 e de € 72.370,00, respectivamente, ao ora recorrido, tendo o primeiro sido endossado, desconhecendo-se o seu verdadeiro destino, e tendo o segundo sido visado pela entidade bancária (vide teor dos pontos II – Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva e III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável do Relatório de Inspecção e anexo 1 do Relatório de Inspecção, que se encontram juntos aos autos). F. Aliás, é admitido pelo próprio Impugnante, ora recorrido, nos artigos 6.º, 10.º e 21.º, alínea d), todos do libelo inicial, que o mesmo auferiu na sua conta bancária pessoal os referidos cheques, ou seja, auferiu na sua esfera pessoal, proveitos gerados com a actividade desenvolvida pela M........, Lda., através da alienação da fracção “R”. G. Mais se encontra demonstrado nos autos de primeira instância que as correções efectuadas ao rendimento tributável em IRS do ora recorrido, por referência ao ano de 2004, se fundamentam no facto de a adquirente da referida fracção “R”, alienada pela M........, Lda., ter emitido, a título de pagamento parcial da referida aquisição, no ano de 2004, dois cheques em nome do sócio – gerente daquela Sociedade, o ora recorrido, num total de € 105.545,00, tendo os Serviços de Inspecção Tributária qualificado tais rendimentos como adiantamentos sobre lucros, enquadráveis na Categoria E de IRS, nos termos dos art.°s 5.° e 6.° do Código do IRS, não constando do Relatório de Inspecção qualquer alusão expressa à presunção ínsita no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS (cfr. teor dos pontos II – Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva e III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável do Relatório de Inspecção, que se encontra junto aos autos). H. Não se poderá olvidar, em matéria de valoração da prova produzida nos autos, que os factos constantes do Relatório de Inspecção elaborado no âmbito do procedimento inspectivo legitimado com base na Ordem de Serviço n.º OI200803964, encontram-se provados nos autos com força probatória plena, encontrando-se o princípio da livre apreciação da prova limitado na medida em que estamos perante um meio de prova cuja força probatória se encontra pré-estabelecida na lei (vide n.º 1 do art. 76.º da LGT, n.º 1 do art. 115º do CPPT e art. 371.º do Código Civil e n.º 5 do art. 607.º do CPC). I. Com efeito, não operando no caso concreto a presunção legal ínsita no n.º 4 do art. 6.º do Código do IRS, em matéria de ónus probatório funcionam as regras gerais previstas no n.º 1 do art. 342.º do Código Civil e 74.º, n.º 1 da LGT. J. Pelo supra exposto, caberia ao sujeito passivo, ora recorrido, demonstrar que os montantes por si auferidos não têm a natureza de adiantamentos por lucros, justificando e comprovando, objectiva e concretamente, o motivo de os mesmos terem entrado na sua esfera patrimonial e não na esfera da sociedade, e a que título tal aconteceu. K. Ora, no caso concreto, e conforme supra mencionamos, é o próprio Impugnante, ora recorrido, quem, nos artigos 6.º, 10.º, 11.º, 12.º e 14.º do libelo inicial, vem admitir que a contabilidade da M........, Lda. se encontra efectuada em desrespeito pelas normas contabilísticas, existindo confusão entre o património do sócio e da sociedade, que se traduz no facto de o sócio receber na sua esfera pessoal proveitos advenientes da actividade da mesma. L. Assim, sempre se dirá que presunção legal de veracidade e boa-fé das declarações dos contribuintes e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT não se verifica no caso concreto quanto à M........, Lda., conforme prevê o n.º 2 daquele normativo legal, pelo que o teor do documento n.º 3 junto aos autos com o libelo inicial não tem qualquer valor probatório quanto aos elementos nele inscritos. M. Por outro lado, o ora recorrido não apresenta quaisquer outros elementos de prova que lograssem demonstrar que efectivamente foram celebrados mútuos entre o mesmo e a sociedade, bem como que as quantias em questão nos autos são imputáveis a despesas efectuadas pelo mesmo em nome da sociedade, quantificando tais montantes, não resultando ainda demonstrado que os montantes auferidos pelo ora recorrido na sua conta bancária pessoal tenham sido devolvidos à sociedade. N. Assim sendo, com todo o respeito pela douta decisão proferida pelo Ilustre Tribunal “a quo”, entende a Representação da Fazenda que existiu erro na apreciação da prova que conduziu à decisão por procedência, fundada no entendimento de que não poderia operar no caso concreto a presunção de adiantamento de lucros, prevista no n.º 4 do art. 6.º do Código do IRS, pois que tal conclusão revela precisamente o erro de julgamento da matéria de facto, que se consubstancia na errada valoração da prova produzida nos autos, desconsiderando as regras do ónus probatório, conforme supra explanamos. O. Considerando tais factos, é importante denotar que a definição de rendimentos de capitais, ínsita no actual n.º 1 do art. 5.º do Código do IRS foi introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, 29/12, traduzindo e incorporando uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o I.R.S. P. Por outro lado, há que denotar que o elenco enumerado no n.º 2 do mesmo artigo 5.º do Código do IRS procura consagrar, a título meramente exemplificativo, a amplitude de situações abrangidas pelo seu n.º 1, o que se conclui através da expressão: “Os frutos e as vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:” – sublinhado nosso. Q. O artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do Código do IRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados. R. Por outro lado, a presunção legal prevista no n.º 4 do art. 6.º do Código do IRS, na versão em vigor à data dos factos, visou uma qualificação supletiva de quantias cuja origem não esteja expressa nas contas correntes de sócios, resolvendo a qualificação das quantias escrituradas cuja "causa" jurídica não foi expressamente declarada. S. Pelo supra exposto, a interpretação mais adequada das disposições legais do n.º 1 e n.º 2, alínea h) do art. 5.º e do n.º 4 do art. 6.º, todos do Código do IRS, na versão em vigor à data dos factos, teria, portanto, que ter em conta a distinção entre as seguintes situações: i) Aquelas em que estão, desde logo, verificados, os pressupostos de tributação ínsitos nos n.ºs 1 e 2 do art. 5.º do Código do IRS e em que, portanto, não existe qualquer necessidade de recorrer à presunção ínsita no n.º 4 do art. 6.º do Código do IRS; ii) Aquelas em que não estão verificados, os pressupostos de tributação ínsitos nos n.ºs 1 e 2 do art. 5.º do Código do IRS e em que, portanto, existe necessidade de recorrer à presunção ínsita no n.º 4 do art. 6.º do Código do IRS – caso em que é exigível, para o funcionamento da presunção legal, a prova do facto conhecido de contabilização em conta de sócios do montante presumido como adiantamento por conta de lucros. T. Da conjugação das normas legais supra mencionadas, conclui-se que, para que os rendimentos recebidos pelo sujeito passivo sejam tributados enquanto rendimentos de capitais – adiantamento por lucros – e enquadráveis nas disposições legais do n.º 1 e n.º 2, alínea h) do art. 5.º do Código do IRS, é necessário que se prove a existência de lucros e que estes foram colocados à disposição dos sócios ou titulares. U. Ora, esses pressupostos de tributação, estão, conforme supra mencionamos, presentes no caso concreto, encontrando-se demonstrado que o ora recorrido, sócio-gerente da M........, Lda., auferiu, na sua esfera patrimonial, rendimentos advenientes do exercício da actividade da sociedade. V. A situação que se nos apresenta nos autos de primeira instância configura, em termos materiais, uma apropriação de proveitos dessa sociedade, resultantes da venda de um imóvel, sendo que tais montantes constituem parte integrante do apuramento dos resultados contabilísticos da sociedade e do seu lucro tributável, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Código do IRC. W. Meramente a título de exemplo, trazemos aqui à colação o Acórdão do TCA Norte, de 08/03/2018, proferido no P.º 00865/13.6BEPRT e o Aresto proferido pelo TCA Sul no dia 27/01/2009, no âmbito do processo n.º 02476/08, disponíveis em www.dgsi.pt, cujo entendimento se subscreve. X. Na concreta situação, existindo entrada de montantes na esfera do sócio-gerente, a Administração Tributária, ao levar a cabo a tributação das mesmas em sede de IRS, como rendimento de capitais, originadas em montantes que a sociedade deveria, legalmente ter levado a resultados, obedeceu às normas legais e constitucionais que a determinam a tributar, segundo o conceito do rendimento acréscimo e tendo em conta o princípio da igualdade fiscal, na sua vertente do princípio da generalidade dos impostos (que impõe que todos os sujeitos passivos, sem excepção, estejam sujeitos a tributação) e respeitando o princípio da capacidade contributiva (vide artigos 4.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, 8.º, n.º 1 e 55.º, todos da Lei Geral Tributária, e artigos 13.º, 103.º, n.ºs 1 e 2, 104.º, n.º 1 e 266.º, n.ºs 1 e 2, todos da Constituição da República Portuguesa). Y. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida, ao determinar a anulação do acto de liquidação de IRS supra identificado, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei, nomeadamente dos artigos 1.º, n.º 1, 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) e 6.º, n.º 4, todas do Código do IRS, bem como do art. 17.º, n.º 1 do Código do IRC, bem como dos artigos 342.º, 347.º e 371.º, todos do Código Civil, bem como dos artigos 4.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, 8.º, n.º 1, 55.º, 74.º, n.º 1, 75.º, n.ºs 1 e 2 e 76.º, n.º 1, todos da Lei Geral Tributária, e artigos 13.º, 103.º, n.ºs 1 e 2, 104.º, n.º 1 e 266.º, n.ºs 1 e 2, todos da Constituição da República Portuguesa. Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!” *** O Recorrido, devidamente notificado, notificado para o efeito, apresentou contra-alegações nas quais formulou as seguintes conclusões: “IV) Conclusões I) A douta sentença apresenta-se como justa e inequívoca, atendendo aos princípios processuais que devem ser observados; II)A matéria dada como assente corresponde à integralidade da prova que o Recorrido se propunha fazer, e não pode deixar de determinar a procedência da presente acção; III) As questões controvertidas, nos presentes autos, traduzem-se em saber se o facto do recorrido ter recebido 2 cheques, este pagamento reveste ou não o caráter de adiantamento sobre lucros; IV) Decorre do ordenamento fiscal português que a tributação deverá incidir sobre o rendimento real e efectivo, pelo que a Administração Fiscal ao imputar os montantes pagos diretamente ao sócio-gerente como dividendos que ficaram a disponibilidade Recorrente para seu benefício próprio, está a violar o principio da capacidade contributiva, segundo o qual a tributação é devida pelo aferimento de rendimento real e efectivo; V) Sobre estes rendimentos, é imprescindível ter em conta a presunção do nº 4 do art.º 6º do CIRS, a qual, dispõe que os lançamentos em quaisquer conta-correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais, quando não resulte de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitas a título de lucros ou adiantamento de lucros; VI) Não pode bastar a administração tributária recolher elementos sobre uma falta praticada pelos contribuintes (depósito de valores na sua conta), para invocar o conteúdo de uma presunção legal que se aplica sobre uma outra realidade (obtenção de um rendimento real passível de tributação); VII) No n.º 1 do art.º 74.º da LT estabelece-se a regra de que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados no procedimento tributário recai sobre quem os invoque. Porém tal não significa que a administração tributaria apenas deva carrear para o procedimento, prova dos factos que aproveitem à sua posição, pois mantém-se o seu dever derivado do princípio do inquisitório de realizar todas as diligências necessárias para a descoberta da verdade, mesmo que tenham como objetivo provar facto invocados pelos interessados; VIII) - Conforme resulta do disposto no art.º 74° da LGT, é à AT, ora recorrente, que cabe fazer prova do que alega. Ora, a AT limita-se a alegar a presunção do art.º 6.º, n.º 4 do CIRS, ou seja, que foram feitos pagamentos (lançamentos) pela sociedade aos sócios. Ora, a Recorrente teria de demonstrar os elementos contidos naquele normativo; IX) A Administração Tributária não logrou demonstrar os factos que lhe permitam fazer-se valer da presunção prevista na lei; 4 X) Cabendo à AT fazer prova do que invoca e não o logrando, pretende que seja o Recorrido a fazer prova de que não se verificou o que as autoridades invocam sem provar. Procede, pois, a inversão dos termos consagrados no ordenamento fiscal, por violação do disposto no art.º 74° da LGT; XI) Não pode, pois, limitar-se a extrapolar de uma realidade (não provada - lançamentos em conta corrente) para outra (obtenção de lucros), para daí concluir que se verificou a previsão da lei - o pagamento de rendimentos de capital; XII) Competia á administração tributária provar que os montantes imputados seriam utilizados pelos sujeitos passivos em benefício próprio, por forma a lhes imputarem uma capacidade contributiva que justifique o imposto pretendido, pois não deve competir a um serviço do Estado, entidade que deve acima de tudo pautar-se pelos critérios da justiça e legalidade, a simples invocação de um direito ao imposto; XIII) A Recorrente ignorou a prova produzida pelo Recorrido e o principio do inquisitório que se justifica pela obrigação da prossecução do interesse público imposta à atividade da Administração Tributária e é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atividade (art.º 55.º da LGT e art.º 266.º da CRP); XIV) Com efeito, conforme já se pronunciou o Tribunal Constitucional, mediante Acórdão datado de 14 de Outubro de 2003, onde se referiu que não obstante o silêncio da Constituição, e entendimento generalizado da doutrina que a capacidade contributiva e um critério básico da nossa "Constituição fiscal" e que ele resulta dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103° e 104° da CRP; XV) Os elementos constantes do relatório de inspeção nada provam quanto à utilização em seu benefício próprio, nem tão pouco do seu lançamento em conta-corrente dos sócios, a favor destes, conforme exigido pela norma que prevê a presunção invocada; XVI) Ou seja, não se demonstram os pressupostos de facto que originam o seu direito a tributar (lançamento em contacorrente) e fazem-se valer de uma presunção para inverter o ónus da prova; XVII) O que se trata aqui não é, naturalmente, de contestar a existência da presunção legal, mas o recurso à sua invocação discricionariamente por parte das autoridades, que não cuida de provar que estão cumpridos os factos que a norma, do art.º 6.º , n.º 4 do CIRS, impõe para que se concretize a presunção; XVIII) Concretamente, que foram feitos lançamentos pela empresa de que o impugnante é sócio, em conta-corrente deste e em seu favor, e assim se tornar efetiva esta presunção, conforme foi já decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativa Sul – Processo n.º 592/03, de 10 de Dezembro de 2003 e em novo acórdão deste mesmo TCA Sul, no processo n.º 2371/08, de 15 de Julho de 2008, disponíveis em www.dgsi.pt; XIX) A conclusão é, assim, inevitável: seja qual for o prisma pelo qual se avalie a atuação da Administração Tributária no procedimento tributário que conduziu a emissão da liquidação adicional ora impugnada. as mesmas são manifestamente ilegais, por violação do disposto n.º 4 do art.º 6.º do CIRS; XX) Com efeito, analisando o conteúdo da norma que permite presumir o rendimento, não resulta provado como facto conhecido, fundante do facto presumido, o lançamento, em conta corrente escriturada na sociedade, de pagamentos desta aos sócios como o exige a lei; XXI) O que as autoridades revelam é o recebimento, por parte do Recorrente de dois cheques emitidos por entidades terceiras à sociedade, e por conseguinte, fora da previsão da norma do artigo 6.º aqui em causa. Assim, não é licito concluir, como o fez a Administração Fiscal, que as verbas referentes aos proveitos foram embolsadas a titulo de lucros ou de adiantamento de lucros, quando o que se demonstra é, antes, em face do saldo da conta corrente no final do ano de 2004, um assumir por parte do sóciogerente de despesas e custos da sociedade no montante total de € 365.311,11; XXII) Atenta a clareza do texto legal afigura-se que não assiste razão as autoridades, tendo tal entendimento sido já expresso jurisprudencialmente, pelo que passamos a citar o primeiro dos referidos Acórdãos do TCA Sul (processo 592/03, de 10 de Dezembro): “A presunção de adiantamentos de lucros só poderia atuar se existisse lançamento em conta-corrente do impugnante e escriturada na sociedade. Em reforço argumentativo do entendimento afirmado, vejam-se os Acs. do TCA tirados no recurso 1703/99 em 06/03/2001, de que dimana a seguinte doutrina; XXIII) Seguindo a esteira deste Acórdão do TCA Sul (processo 592/03), segundo a qual, tendo o legislador elaborado uma norma especifica para o efeito, tem de se entender que a presunção não se fará por qualquer meio de prova e só os lançamentos feitos pela sociedade a favor do sócio se presumem, face ao disposto no n° 4 do art. 6° do CIRS, feitos a título de lucros au adiantamento de lucros; XXIV) Ao considerar os montantes dos pagamentos como rendimento da categoria E, a Administração Fiscal não tem qualquer suporte legal para o efeito, uma vez que aqueles valores não constam da escrita da sociedade como atribuídos ao sócio por um qualquer modo; XXV) Voltando a citar aquele Acórdão: "o que ocorre nos autos é que aqueles valores não constam da escrita da sociedade de todo, desconhecendo-se o caminho que levaram. Tal situação permite a presunção de rendimentos obtidos e não declarados em sede de IRC, mas já não autoriza, nos termos do art0 5° e 6° do CJRS que se presuma terem os respetivos valores sido atribuídos aos administradores''; XXVI) Para tal presunção de incidência do imposto se verificar, é necessário que se mostre provada a base da presunção judicial, sob pena de a mesma não poder operar e a causa ter de ser decidida contra parte onerada com esse ónus da prova - cfr. Acórdãos do TCA Sul, de 13 de abril de 2010 (Proc.º n.º 03461/09), de 4 de junho de 2015 (Processo n.º 07246/13) disponíveis em www.dgsi.pt; XXVII) Ora, tendendo à gravidade destas situações para o sujeito passivo, seria necessário que a Recorrente provasse de forma evidente que estes adiantamentos são verdadeiros rendimentos do sujeito passivo. Importa recordar que o contencioso tributário não permite a fundamentação à posteriori; XXVIII) A fundamentação à posteriori consubstancia gritante ilegalidade, em virtude de, no contencioso de mera legalidade, o Tribunal se ter de limitar a ajuizar da legalidade do acto sindicado nos estritos moldes em que este ocorreu, ou seja, apreciando a respectiva conformidade legal em face da fundamentação contextual, contemporânea e integrante do próprio acto – cfr. no mesmo sentido, Acórdão do TCA Sul, de 10/05/2011, Rec. 3716/10, disponível em www.dgsi.pt.; XXIX) A Recorrente não lançou mão da presunção constante do art.º 6.º do CIRS, porque a quantia em apreço não estava escriturada numa conta de sócios da sociedade; XXX) Por outro lado, o facto de constar no probatório que o Recorrente depois de ter recebido um cheque no valor de 33.175,00€ da Dra. C........ o endossou, faz com que desconheça qual foi o verdadeiro destino do cheque dado como assente no facto B) do probatório; XXXI) Ou seja, analisando o probatório, não resulta provado, como indício de prova ou facto conhecido, que tivessem ocorrido lançamentos em conta-correntes escrituradas na sociedade, pelo que não pode a Recorrente concluir que as importâncias recebidas pelo Impugnante, o foram a título de lucros ou de adiantamento de lucros; XXXII) A presunção de adiantamentos de lucros só poderia atuar se existisse lançamento em conta-corrente do Impugnante e escriturada na sociedade. E não está provado que tenha existido; XXXIII) Desta feita, concluímos que o Tribunal, mediante a sentença proferida decidiu bem, quedando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, ex vi artigo 2.º al. e) do CPPT; XXXIV) Em suma: a) Cabia á Administração Tributaria fazer prova plena da imputação que faz ao Recorrente dos factos e fundamentos que permitem enquadrar legalmente a liquidação adicional ora impugnada, b) Não o logrando, deve a liquidação adicional ser anulada, nos termos do art.º 99.º do CPPT. TERMOS EM QUE deverá ser julgado improcedente, por manifesta falta de fundamento, o recurso apresentado pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos acima melhor explanados, devendo, em consequência, manter-se a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, nos autos de impugnação judicial em causa. E assim se fará JUSTIÇA” *** A Exma. Procuradora-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso. *** Foram colhidos os vistos legais. *** Delimitação do objeto do recurso Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 639º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente, nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem. No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de Direito. *** II – FUNDAMENTAÇÃO - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: “Compulsados os Autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados: A) O Impugnante é sócio gerente da sociedade “M........, Lda.” – cfr. fls. 52 do Processo Administrativo (PA), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e por confissão, artigo 3º da p.i.; B) Em 8/11/2004, a Sra. Dra. C........ emitiu o cheque n.º 9200000123 do Banco T........ no valor de 33.175,00€ a favor do Impugnante, o qual foi posteriormente endossado – cfr. fls. 55 do PA apenso aos Autos; C) Em 10/12/2004, a Sra. Dra. C........ emitiu o cheque n.º 2900000130 do Banco T........, no valor de 72.370,00€, a favor do Impugnante – cfr. fls. 56 do PA apenso aos Autos; D) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200803964, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa da DGCI, desencadearam ao Impugnante a acção de inspecção relativamente ao exercício de 2004, em sede de IRS, no âmbito da qual procederam a correcções à matéria tributável, com recurso a correcções meramente aritméticas, no valor de 52.772,50€ - cfr. fls. 51 do Processo Administrativo apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; E) Em 17/10/2008, foi elaborado pelos Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa o instrumento constante a fls. 52 a 54 Processo Administrativo apenso aos Autos, denominado de “Relatório de Inspecção Tributária”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e onde consta o seguinte: « (…) II - OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA. A - Credencial e período em que decorreu a acção. A acção de fiscalização interna teve por suporte a Ordem de Serviço n.° 01200803964, de 200809- 29, referente ao exercício de 2004. B - Motivo, âmbito e incidência temporal. A Ordem de Serviço, tem por âmbito a análise de IRS do sujeito passivo (SP) M........, com o NIF - ........7, tendo sido aberta na sequência de acção inspectiva efectuada ao S........, LDA., com o NIPC - .........6, adiante designado por M........, LDA. No decurso desta acção inspectiva verificou-se que, no exercício de 2004, conforme se desenvolve adiante, o(s) adquirente(s) de fracção(ões) procederam à emissão de cheques, em nome do sócio-gerente M........, a título de pagamento parcial da(s) aquisição(ões) efectuadas à empresa M........, LDA. Os rendimentos assim auferidos pelo referido sócio, são de qualificar como adiantamentos sobre lucros, enquadráveis na Categoria E de IRS, nos termos dos Art.°s 5.° e 6.° do respectivo Código, não os tendo, o S… - M........, feito constar da Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS, prevista no n.° 1 do Art.° 57.° do CIRS, relativa a 2004. C - Caracterização do Sujeito Passivo. O S.. - M........, entregou a sua declaração de rendimentos individualmente (Separado de facto). III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL. Resultado Fiscal para efeitos de IRS. a) Proveitos não declarados. Conforme se fez já referencia, no decurso de acção inspectiva efectuada ao S.. - M........,LDA, verificou-se que, no exercício de 2004, o(s) adquirente(s) de fracção(ões) procederam à emissão de cheques, em nome do sócio - gerente M........, a título de pagamento parcial das aquisições de fracções de imóveis efectuadas à empresa M........,LDA. Os rendimentos assim auferidos pelo referido sócio num total de € 105.545,00, são de qualificar como adiantamentos sobre lucros, enquadráveis na Categoria E de IRS, nos termos dos Art.°s 5.° e 6.° do respectivo Código, não os tendo, o S.. - M........, feito constar da Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS, prevista no n.° 1 do Art.° 57.° do CIRS, relativa a 2004. Sabendo que, nos termos do art.° 40.° - A do CIRS, os lucros devidos por pessoas colectivas sujeitas e não isentas de IRC, são apenas considerados em 50% do seu valor, haverá que acrescer ao rendimento declarado € 52.772,50. Temos assim; As situações descritas em OBSERVAÇÕES, a que correspondem a letra A, tem a seguinte correspondência com o adquirente da M........, LDA. A - Encontra-se nesta situação, o adquirente da fracção incluída no Artigo ........9 da Freguesia de São Domingos de Benfica – Fracção ……, escritura de 28-12-2004. (Anexo-1 fls. 1 e 2) (…)»; F) Em 24/11/2008, foi emitida pela AF em nome do Impugnante a liquidação n.º 20085004682001 referente ao IRS de 2004, no valor de 23.793,76€ - cf. fls. 16 dos Autos; G) Em 17/04/2009, o Impugnante ofereceu um imóvel sito na Rua Jose Afonso, Queluz, como garantia para efeitos da execução fiscal n.º .........98 – cfr. fls. 43 do PA apenso aos Autos; H) Em 1/04/2009, deu entrada no TT de Lisboa a presente impugnação - cfr. fls. 2 dos Autos. * A propósito dos factos não provados, foi exarado na sentença recorrida o seguinte:“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.” * A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:“Motivação: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos Autos e no Processo Administrativo apenso aos mesmos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, analisados à luz das regras da experiência comum e segundo juízos lógico-dedutivos.” *** - De Direito
No presente salvatério vem a Recorrente advogar que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter considerado procedente a Impugnação deduzida, pois sustenta que as quantias que foram depositadas na conta do Recorrido correspondem a adiantamentos por conta de lucros, e como tal sujeitas a tributação nos termos do disposto nos art. 5º e 6º do CIRS. * CUSTASNo que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao total provimento do recurso, as custas são da responsabilidade da Recorrente. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT]. *** Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Comum do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso em confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Lisboa, 9 de Janeiro de 2025 Cristina Coelho da Silva - Relatora Vital Lopes Ana Cristina Carvalho |