Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 932/09.0BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 10/17/2019 |
Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
Descritores: | 78.º LGT REVISÃO ATO TRIBUTÁRIO INJUSTIÇA GRAVE NOTÓRIA ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS |
Sumário: | I-A revisão por iniciativa da Administração Tributária, ainda que desencadeada por requerimento do contribuinte, tem lugar sempre que exista erro imputável aos serviços, injustiça grave ou notória, sendo que tais revisões não diferem apenas quanto aos fundamentos, tendo igualmente prazos distintos e entidades decisoras diferentes (78.º da LGT).
II-A errada quantificação da matéria coletável por, alegada, desconsideração de custos não consubstancia uma situação de injustiça ostensiva não resultando, outrossim, de forma evidente, uma tributação desproporcionada com a realidade. III-Existindo uma determinação da matéria coletável por métodos indiretos a discussão do erro de quantum estava dependente da adoção expediente processual contemplado no artigo 91.º da LGT, o qual representa uma condição de procedibilidade. IV-Tendo a Impugnante sido validamente notificada do Relatório de Inspeção Tributária, e não tendo apresentado pedido de revisão da matéria coletável, claudica, desde logo, a subsunção normativa no nº 4, do artigo 78.º da LGT por a situação se dever a uma atuação negligente da parte. V- Inexiste erro imputável aos serviços passível de enquadramento no artigo 78.º da LGT, quando a própria Recorrente assume, de forma clara, no seu articulado inicial que a contabilidade padece de irregularidades quanto aos custos. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | I-RELATÓRIO
J........, Lda, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida tendo por objeto o indeferimento do pedido de revisão que, por seu turno, versou sobre as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), respeitantes aos exercícios de 2003 e 2004. A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “ 1. A Recorrente não concorda com a tese vertida na Sentença Recorrida que julgou mal de facto e de direito. 2. Na verdade, da concatenação da prova documental junta aos autos e da produção da prova testemunhal arrolada pela Recorrente resulta com clara evidência que a matéria colectável determinada por métodos indirectos sofre de injustiça grave e notória. 3. Por isso a decisão da sentença, a final, é totalmente contrária à prova produzida e à legislação legal aplicável. 4. Como é entendimento comum, quer na doutrina, quer na jurisprudência, ocorre a chamada injustiça grave e notória, quando qualquer tributação é manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade tributária da generalidade dos contribuintes. 5. Daí que tal tributação, além de exageradamente ostensiva e gritantemente injusta, também viola o princípio da capacidade contributiva, segundo o qual cada um deve pagar de acordo com as suas capacidades determinada pelos seus rendimentos e pelos seus encargos. 6. Tal princípio, deve ser combinado com os princípios da igualdade, da justiça e da legalidade tributárias, cujos princípios, caso tivessem sido abraçados na Sentença recorrida, da sua aplicação facilmente se concluiria que a Recorrente tem razão... aliás muita razão. 7. Por isso o pedido deveria ter procedido o que se pretende com a interposição do presente Recurso. Assim, nestes termos e nos demais de direito que V.as Ex.as doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser considerado procedente e provado e por via dele, ser revogada a douta Sentença.” *** A Recorrida FAZENDA PÚBLICA, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações. O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão. *** II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos: 1) Foi outorgada, a 10.07.2000, perante o ajudante principal do 24.º Cartório Notarial de Lisboa, escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, na qual surge como primeira outorgante a sociedade F..... & M......, SA, e como segunda outorgante a impugnante, tendo a primeira outorgante declarado vender à segunda e esta declarado comprar-lhe, pelo preço de 200.000.000$00, o lote de terreno para construção, denominado A…. B……, O…., Rua…, lote…., freguesia de C….., concelho de Oeiras, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º 6…… e inscrito na matriz respetiva sob o n.º 10……. (cfr. fls. 48 a 67). 2) Foram emitidos pela impugnante os seguintes cheques, da conta n.º 0415….., do Banco I……..: a) N.º 1455…., à ordem de M......, datado de 10.07.2000, no valor de 50.000.000$00; b) N.º 14554……, à ordem de Jo….., datado de 10.07.2000, no valor de 55.000.000$00; c) N.º 1455….., à ordem de J……., datado de 10.07.2000, no valor de 85.000.000$00; d) N.º 1455……, ordem de M…., datado de 10.07, no valor de 85.000.000$00 (cfr. fls. 71 e 72). 3) A impugnante tinha registado, por referência a 31 de dezembro de 2007 e 2008, na sua contabilidade, na conta 35 “produtos e trabalhos em curso”, o saldo devedor de 1.289.212,05 Eur. (cfr. fls. 76 a 85). 4) A impugnante foi objeto de ação inspetiva, em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI2007…. e OI2007…., pela Direção de Finanças de Lisboa (cfr. fls. 1 A, do processo administrativo – Vol. II). 5) No âmbito da ação inspetiva mencionada em 4) deu entrada, nos serviços da AT, a 12.09.2007, ofício, no qual foram apostas as assinaturas de C….. e J…… e do qual consta designadamente o seguinte: “… [P]or razões várias, não nos é possível estar presente no dia e hora assinalados. Contudo tal não nos impede de prestar os esclarecimentos que nos queiram pôr (…) relativamente à actividade da sociedade J........, Lda, nos anos de 2003 e 2004. Embora nos pareça sem sentido ou despropositado, solicitar-nos esclarecimentos sobre a actividade da n/empresa, quando a mesma (…) dedica-se à construção de imóveis para venda, actividade essa que exerceu regularmente naqueles anos, como V.ª Ex.ª teve oportunidade de amplamente se certificar através da respectiva contabilidade” (cfr. anexo 19, do processo administrativo – Vol. II). 6) Da ação inspetiva referida em 4) resultou um RIT, datado de 31.10.2007, do qual consta designadamente o seguinte: “… (…) “(texto integral no original; imagem)” 7) Foi remetido, pelos serviços da AT, à impugnante, oficio, via correio postal registado, para efeitos de comunicação do RIT mencionado em 6) (cfr. fls. 62 e 63 , do processo administrativo – Vol. I – pedido de revisão). 8) Os serviços da AT, através de funcionário, dirigiram-se, a 13.11.2007, ao domicílio fiscal da impugnante, com o objetivo de lhe comunicar o teor do RIT mencionado em 6) (cfr. fls. 106, do processo administrativo – Vol I, em consonância com os factos I), da sentença proferida nos autos n.º 772/08.2BELRS, e 15), da sentença proferida nos autos n.º 773/08.2BELRS). 9) Na sequência do referido em 8), não tendo sido encontrado ninguém, foi afixado, por funcionário da AT, na porta do domicílio fiscal da impugnante, documento, indicando o dia 14.11.2007, pelas 16h00, para efetuar a notificação (cfr. fls. 106, do processo administrativo – Vol I, em consonância com os factos I), da sentença proferida nos autos n.º 772/08.2BELRS, e 15), da sentença proferida nos autos n.º 773/08.2BELRS). 10) Na sequência de mencionado em 9), foi emitido documento, pelos serviços da AT, datado de 14.11.2007, intitulado “certidão de verificação hora certa” (cfr. fls. 106 e 107, do processo administrativo – Vol I, em consonância com os factos J), da sentença proferida nos autos n.º 772/08.2BELRS, e 16), da sentença proferida nos autos n.º 773/08.2BELRS). 11) Na sequência do RIT mencionado em 6), a impugnante não apresentou pedido de revisão da matéria tributável, ao abrigo do art.º 91.º, da LGT (facto não controvertido). 12) Na sequência do RIT mencionado em 6) foram emitidas, pela AT, em nome da impugnante, as seguintes liquidações adicionais de IRC: a) N.º 2007 8310….., relativa ao exercício de 2003, no valor de 275.947,37 Eur.; b) N.º 2007 8310….., relativa ao exercício de 2004, no valor de 66.084,76 Eur. (cfr. fls. 24 a 28). 13) Através de documento que deu entrada nos serviços da AT a 20.05.2008, a impugnante apresentou pedido de revisão do ato tributário, ao abrigo do art.º 78.º, n.º 4, da LGT, tendo por objeto as liquidações mencionadas em 12), constando do mesmo designadamente o seguinte: “… “(texto integral no original; imagem)” “(texto integral no original; imagem)”
(…) “(texto integral no original; imagem)” (…) “(texto integral no original; imagem)” “(texto integral no original ;imagem)” “(texto integral no original; imagem)” …” (cfr. fls. 37 a 72, dos autos, e fls. 13 a 49, do processo administrativo – Vol. I – pedido de revisão). 14) No âmbito do procedimento de revisão a que respeita o requerimento mencionado em 13), foi elaborada informação, pelos serviços da AT, datada de 16.06.2008, da qual consta designadamente o seguinte: “…
“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)” “(texto integral no original; imagem)” …” (cfr. fls. 7 a 10, do processo administrativo – Vol. I – pedido de revisão). 15) Sobre a informação mencionada em 14) e após parecer de concordância, foi proferido despacho, pela diretora de serviços do imposto sobre o rendimento, a 30.10.2008, para efeitos de notificação da impugnante para exercício do direito de audição (cfr. fls. 7, do processo administrativo – pedido de revisão). 16) No âmbito do procedimento de revisão a que respeita o requerimento mencionado em 13), foi elaborada informação, pelos serviços da AT, datada de 18.12.2008, da qual consta designadamente o seguinte: “… “(texto integral no original; imagem)” …” (cfr. fls. 11 verso, do processo administrativo- Vol. I – pedido de revisão) 17) Sobre a informação mencionada em 16) e após parecer de concordância, foi proferido despacho, pela diretora de serviços do imposto sobre o rendimento, a 19.12.2008, de indeferimento do pedido de revisão mencionado em 13) (cfr. fls. 11, do processo administrativo – Vol. I – pedido de revisão). *** A decisão recorrida considerou não provados os seguintes factos: “Com interesse para a decisão, consideram-se não provados os seguintes factos: A) Os valores referidos em 3) foram contabilizados por lapso na conta aí mencionada, devendo ter sido contabilizados na conta de trabalhos acabados. B) A impugnante pagou pelo imóvel mencionado em 1) o preço de 375.000.000$00. *** Não existem outros factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa. *** A motivação da matéria de facto da decisão recorrida assentou no seguinte: ”[n]o que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, bem como na posição assumida pelas partes, conforme indicado em cada um desses factos. Quanto ao facto não provado A), a prova produzida não permitiu concluir pela sua verificação, sendo que a prova testemunhal, concretamente os depoimentos das testemunhas A......., contratado em 2008/2009 para fazer uma peritagem às contas da sociedade, e M……, contabilista certificado, que representou a impugnante na comissão de revisão do exercício de 2005, foi vaga e conclusiva, insuscetível de demonstrar o alegado. O mesmo se refira quanto ao facto não provado B), dado que os elementos documentais apresentados não permitem concluir nesse sentido (não obstante o teor do documento particular designado de contrato-promessa apresentado, os demais documentos tratam-se de extratos bancários e de cópias cheques emitidos à ordem de pessoas singulares, que não o vendedor – cfr. fls. 65 a 72), não tendo suficientemente esclarecedora a prova testemunhal, que foi meramente conclusiva. *** III.) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento do pedido de revisão que, por seu turno, versou sobre as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), respeitantes aos exercícios de 2003 e 2004. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se, in casu, o ato impugnado em crise padece de ilegalidade, porquanto se estar perante uma situação de injustiça grave e notória, que implica a procedência do pedido de revisão formulado. A Recorrente alega que a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, relevando, para o efeito, que da concatenação da prova documental junta aos autos e da produção da prova testemunhal arrolada pela Recorrente resulta com clara evidência que a matéria coletável determinada por métodos indiretos sofre de injustiça grave e notória. Concretiza, neste particular, que ocorre injustiça grave e notória, quando a tributação é manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade tributária da generalidade dos contribuintes. Convoca, outrossim, a violação do princípio da capacidade contributiva, segundo o qual cada um deve pagar de acordo com as suas capacidades determinada pelos seus rendimentos e pelos seus encargos, o qual tem de ser concatenado com os princípios da igualdade, da justiça e da legalidade tributárias, cujos princípios, caso tivessem sido abraçados na decisão recorrida, adviria uma solução diferente. Assim não o entendeu o Tribunal a quo, relevando que toda a argumentação da Recorrente radica na existência de erros e omissões na sua contabilidade, ao nível dos custos, que, se corrigidos, implicariam uma menor carga tributária o que, per se, afasta o conceito de injustiça notória ou grave, não só por não ser uma realidade ostensiva, mas também por não resultar da mesma e de forma evidente uma tributação desproporcionada com a realidade. Mais sublinha que, de todo o modo, sempre a situação em causa não poderia fundar-se em uma atuação negligente da parte, visto que a Recorrente não lançou uso dos meios processuais ao seu dispor para sindicar a errada quantificação da matéria coletável, concretamente, o pedido de revisão da matéria coletável. Acentua, in fine, que, de todo o modo, o caso vertente não poderia configurar erro dos serviços, visto que a Administração Tributária aceitou os custos inscritos na contabilidade da Recorrente, sendo que, no limite, se a contabilidade padecia de irregularidades trata-se de uma circunstância que não pode ser imputada à Administração Tributária. Apreciando. Importa, desde já, relevar que a Recorrente não procede à impugnação da matéria de facto, cumprindo os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC. Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida. No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.”(1) Note-se que, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo, naturalmente, do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, conforme decorre do artigo 662.º do CPC(2), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT. In casu, conforme se extrai com clareza do teor das conclusões das alegações de recurso coadjuvado com as alegações, a Recorrente não cumpriu o ónus a que estava adstrita, pois ainda que convoque a prova testemunhal, a verdade é que não indica passagens concretas do depoimento das testemunhas, nem tão-pouco procede à transcrição de excertos que poderiam inferir pela necessidade de aditamento por via de substituição ou de complementação. O mesmo sucede quanto ao alegado erro de julgamento em função da prova documental constante dos autos, e isto porque a Recorrente limita-se a remeter, em bloco, para a prova documental junta aos autos, nada evidenciando, nem tão-pouco densificando com alusão específica a cada alínea do probatório qual o documento concreto que permitia valorar de forma distinta a prova constante dos autos e por que motivo existia esse erro de julgamento. Aduza-se, em abono da verdade, que a Recorrente limita-se a evidenciar que “da concatenação da prova documental junta aos autos e da produção da prova testemunhal arrolada pela Recorrente resulta com clara evidência que a matéria colectável determinada por métodos indirectos sofre de injustiça grave e notória”, sendo que não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo(3). Ademais, não se afigura, de todo, que o Tribunal a quo tenha valorado de forma incorreta a realidade fáctica constante no acervo probatório, bem pelo contrário, tendo efetuado um correto exame crítico da prova produzida (documental e testemunhal, tanto provada, como não provada), permitindo-nos concluir pela inexistência de injustiça grave e notório determinante de revisão do ato tributário. Mas, atentemos, então, nas razões que nos permitem concluir pelo total acerto da decisão recorrida. Comecemos, então, por convocar o quadro jurídico que releva para o caso vertente. De harmonia com o disposto no artigo 78.º da LGT, sob a epígrafe de “revisão dos atos tributários” “1 - A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. (…) 4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. 5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”. Do teor do citado normativo legal resulta que a revisão por iniciativa da Administração Tributária, ainda que desencadeada por requerimento do contribuinte, tem lugar sempre que exista erro imputável aos serviços, injustiça grave ou notória, sendo que tais revisões não diferem apenas quanto aos fundamentos, tendo igualmente prazos distintos e entidades decisoras diferentes. In casu, como visto, a Recorrente entende que a questão se subsume normativamente no artigo 78.º, nº4 por se traduzir numa injustiça grave e notória. Neste particular, importa atentar no âmbito e alcance dos aludidos conceitos, socorrendo-nos, para o efeito, do citado nº5 do artigo 78.º, o qual adjetiva de notória “a injustiça ostensiva e inequívoca” e grave a “resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”. Ora, visto o direito que releva para a presente lide, e transpondo-o para o acervo fático dos autos, conclui-se que não merece qualquer censura o julgamento do Tribunal a quo, visto que interpretou adequadamente o quadro jurídico aplicando-o, com correção, à realidade fática dos autos, fundamentando, de forma clara, porque motivo as liquidações impugnadas não podiam ser revistas à luz do citado normativo. Senão vejamos. Atentando nas suas alegações, verifica-se que o acento tónico da injustiça grave e notória assenta na circunstância de que a matéria coletável que serve de base à liquidação não acolhe todos os custos evidenciados na contabilidade e que relevariam para o apuramento da coleta final, mas a verdade é que conforme bem evidenciou a decisão recorrida a Recorrente incorre num erro de raciocínio basilar, uma vez que parte de uma premissa que não se verificou, ou seja, a desconsideração dos custos suportados em sede de ação inspetiva. Como claramente esclarece a decisão recorrida “[a] impugnante centra a sua argumentação nos custos que entende que a AT deveria ter considerado, quando do RIT não constam correções significativas em torno dos custos [há apenas duas correções, respeitantes a despesas de representação e seguros – cfr. ponto V.5.3., do RIT – facto 6)]. Ou seja, os custos constantes da contabilidade da impugnante, à exceção desta parcela, foram considerados pela AT (pelo que nunca se verificaria a tal rentabilidade de 100% referida). Ademais, a existência de erros e omissões na sua contabilidade, ao nível dos custos, que, se corrigidos, poderiam, alegadamente, acarretar uma menor carga tributária não se subsume no conceito de injustiça notória ou grave. Com efeito, a aludida errada quantificação da matéria coletável não consubstancia, de todo, uma situação de injustiça ostensiva e por outro lado, não resulta, de forma evidente, uma tributação desproporcionada com a realidade. Note-se que, conforme doutrina José Maria Fernandes e Pires(4) “[p]ara se estar perante uma situação de injustiça, não basta a existência de qualquer ilegalidade na liquidação. Se assim fosse, conhecida a ilegalidade essa seria inequívoca, pelo que o fundamento de “qualquer ilegalidade”, previsto na primeira parte do nº1 deste artigo, passaria a ser invocável num prazo alargado, retirando qualquer utilidade àquele segmento do nº1 do artigo 78.º. O nº4 não pode ser entendido como uma derrogação dos prazos de reclamação e impugnação. Servirá, isso sim, para corrigir os casos chocantes de injustiça fiscal”. Acresce, outrossim, conforme dimana do teor literal do citado nº 4 do artigo 78.º da LGT, para que seja excecionalmente autorizada a revisão do ato tributário com fundamento em injustiça grave e notória importa que “o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”, e a verdade é que, in casu, existindo uma determinação da matéria coletável por métodos indiretos a discussão do erro de quantum estava dependente da adoção expediente processual contemplado no artigo 91.º da LGT, conforme dimana expressamente dos n.ºs 2 e 5, do artigo 86º, da LGT, e no n.º 14, do citado artigo 91º. Com efeito, resulta inequívoco do acervo probatório dos autos, que a Recorrente foi validamente notificada do Relatório de Inspeção Tributária (factos 6 a 10) e que na sequência da notificação do mesmo não apresentou pedido de revisão da matéria coletável ao abrigo do artigo 91.º da LGT (facto 11), sendo que, como é consabido o mesmo representa uma condição de procedibilidade(5) Portanto, em face do exposto, sempre claudicaria a subsunção normativa no citado nº 4 do artigo 78.º da LGT por, in casu, a situação se dever a uma atuação negligente da parte. In fine, e no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, importa, igualmente, relevar que a situação fática dos autos não lograria enquadramento no artigo 78.º, nº1 da LGT, dado que a questão não radica em qualquer erro “imputável aos serviços”. Neste particular, e em termos de densificação do conceito “erro imputável aos serviços” a Jurisprudência vem entendendo que “erros”, abrangem não só o erro material e o erro de facto, como, também, o erro de direito ou erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetada pelo erro(6) Porém, in casu, a situação não é passível de ser qualificada como erro imputável aos serviços, pois, conforme evidencia a decisão recorrida, “[o]s custos não foram objeto de correções, senão pontuais, por parte da AT, no âmbito da ação inspetiva, como resulta do RIT, sendo que as correções efetuadas não puseram em causa a presunção de veracidade da contabilidade no que respeita aos custos (cfr. art.º 75.º, n.º 1, da LGT). Ou seja, genericamente a AT aceitou os custos inscritos na contabilidade da impugnante, que, nessa parte, foi considerada. De resto, é a própria Recorrente a assumir, de forma clara, no seu articulado inicial que a contabilidade padecia de irregularidades quanto aos custos, pelo que, como é bom de ver, tal circunstância não podia ser imputada à Administração Tributária. De todo o modo, e como bem sublinha o Tribunal a quo “excetuando uma pequena parcela de custos que foi desconsiderada e a que a impugnante não faz referência, nesta parte a AT aceitou como boa a contabilidade da impugnante.” Note-se que, a circunstância de se recorrer à tributação por métodos indiretos não significa que a contabilidade da Recorrente tenha de ser desconsiderada, in totum, mas tão-só na parte que se considera não refletir a realidade e cuja presunção de veracidade é, por isso, afastada. Ora, no caso vertente, foi exatamente isso que sucedeu, bastando, para o efeito, uma leitura atenta do Relatório de Inspeção Tributária do qual dimana, de forma perentória, que foi afastada a presunção de veracidade apenas quanto aos proveitos, mas não enquanto aos custos, donde, não se pode apontar qualquer ilegalidade à atuação em causa, na medida em que a contabilidade em causa, nessa parte dos custos, foi considerada. Ademais, e conforme já evidenciado anteriormente, o Tribunal não pode descurar que não foi lançado mão do meio processual atinente para o efeito, “[n]ão se verificando os pressupostos para o pedido de revisão de acto tributário ao abrigo do art. 78.º da LGT, o tribunal não poderá conhecer do invocado excesso na quantificação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos. Com efeito, o conhecimento dessa questão depende da admissibilidade do pedido de revisão (que como vimos não se verifica), pois não poderá ser conhecido de outro modo, posto que a Recorrente não apresentou (cfr. conclusão n.º 88 das alegações de recurso) qualquer pedido de revisão da matéria colectável apurada por métodos indirectos ao abrigo do art. 91.º da LGT.(7)." A final, importa relevar que não procede a alegação da Recorrente que a manutenção da tributação implica uma clara violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade, da justiça e da legalidade tributária, desde logo, porque a Recorrente não substancia, com rigor e como era seu ónus, de que forma existe a violação de tais princípios constitucionais basilares. De todo o modo sempre se dirá que não se vislumbra qualquer violação do princípio da capacidade contributiva e dos demais princípios convocados. Ademais, sendo o princípio da capacidade contributiva caracterizado consensualmente pela doutrina e pela jurisprudência do Tribunal Constitucional como um princípio estruturante do sistema fiscal, o qual exprime e materializa o princípio da igualdade tributária, com assento implícito nos artigos 103.° e 104.° da CRP, e em face da atuação da Administração Tributária sopesada com a atuação da Recorrente nos moldes supra expendidos e que nos eximimos de repetir, é por demais evidente que a manutenção da tributação em nada colide com os aludidos princípios. É certo que, em sede de alegações, concretamente no ponto 16.º é evidenciada uma violação do princípio da igualdade, aduzindo-se que “em casos iguais ao apresentado pela Recorrente, a ATA aceitou e deduziu…custos que só mais tarde foram trazidos ao conhecimento do Fisco”, mas a verdade é que não só a aludida alegação é demasiada vaga e genérica como, em rigor, para ocorrer uma inequívoca violação do princípio da igualdade é imperioso que estejamos a falar de situações exatamente com os mesmos contornos, exigindo-se, assim, a apelidada igualdade vertical e horizontal. O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado diversas vezes sobre o princípio da igualdade tributária, convocando-se, neste particular, o Acórdão n.º 590/2015(8) que se transcreve na parte que para os autos releva: “O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edição, pág. 261). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto a matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).” Ora, em face de todo o exposto, e sem necessidade de outros considerandos, não se vislumbra, de todo, qualquer violação dos aludidos princípios, pautando-se a atuação da Administração Tributária pelo cumprimento dos invocados princípios constitucionais, mormente, pela legalidade, igualdade e justiça tributária. Destarte, em face de tudo o que vem sendo dito, nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida, que, assim, deve ser integralmente confirmada. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: -NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica. Custas pela Recorrente. Lisboa, 17 de outubro de 2019 (Patrícia Manuel Pires) (Mário Rebelo) (Anabela Russo) --------------------------------------------------------------------------------------------- (1) Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015, 1060/07. |