Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2081/13.8BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 06/19/2024 |
Relator: | CRISTINA ALEXANDRA PAULO COELHO DA SILVA |
Descritores: | IUC INCIDÊNCIA SUBJETIVA REGISTO PRESUNÇÃO ILISÃO |
Sumário: | I– Não obstante o IUC estar configurado para funcionar em articulação com o registo automóvel a presunção constante do art. 3º do CIUC é ilidível, nos termos do disposto no art. 73º da LGT. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul ♣ I – RELATÓRIOB.........., S.A., melhor identificado nos autos, impugnou judicialmente as liquidações de IUC relativo a Abril de 2013 e aos veículos indicados na PI, no montante de € 4.144,28. O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 22 de Novembro de 2023, julgou a impugnação procedente. Não concordando com a decisão, a Fazenda Pública vem dela interpor recurso. *** A Recorrente nas suas alegações de recurso, formulou as seguintes conclusões que aqui se reproduzem:“Conclusões: a) Atendendo a todos elementos probatórios que integram os autos, deveria resultar in casu diferente julgamento e valoração da matéria de facto; b) Como também na apreciação dos demais factos relevantes, promoveu o douto Tribunal a quo uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos; c) Anulando assim um conjunto de atos tributários que se afiguram sãos para permanecer no ordenamento jurídico; d) Da conjugação do disposto no n.º 1 do artigo 3.º n.º 1 do artigo 6.º ambos do CIUC, resulta que o sujeito passivo do IUC é, em primeira linha, o proprietário do veículo; e) Considerando-se como tal, aquele em nome do qual se encontre registada a propriedade do veículo no Registo Automóvel; f) O n.º 2 do artigo 3.º do CIUC o Legislador, por opção, determinou que nos casos de locação financeira ou aquisição com reserva de propriedade fossem os locatários (e não os proprietários) os sujeitos passivos do imposto; g) Por serem aqueles os utilizadores das viaturas, em consonância com o princípio da equivalência que enforma este imposto e que se encontra consagrado no artigo 1.º do CIUC; h) Todavia, são-no, nos mesmos termos que o proprietário, de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC; i) O que releva é que o apontado contrato produza efeitos, como válido, na data em que se venceu a obrigação de liquidar o IUC, já que com a extinção do contrato, extinguem-se as obrigações dele decorrentes; j) Assim, a interpretação do n.º 2 do artigo 3.º do CIUC só permitirá perspetivar o locatário como o responsável pelo pagamento do IUC; k) E o supramencionado preceito deve ser conjugado com o disposto no artigo 19.º do mesmo Código, entretanto revogado pela alínea f) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, mas em vigor à data do facto tributário; l) De acordo com a jurisprudência, pacífica e dominante, relativamente à obrigação do artigo 19.º do CIUC, o incumprimento de tal obrigação, tida por acessória, não pode determinar a incidência subjetiva do imposto, estritamente sujeita como está ao princípio da legalidade tributária - Cf. N.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa e n.º 1 do artigo 3.º do CIUC - a não ser que tal se encontre claramente determinado na Lei; m) O n.º 3 do artigo 6.º do CIUC, determina que “o imposto se considera exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.º”, que se inicia, portanto, na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários; n) Tal como determina o n.º 2 do artigo 4.º do CIUC, para o qual o n.º 3 do artigo 6.º do mesmo Diploma remete; o) Da conjugação dos referidos normativos resulta que o IUC deve configurar-se como um tributo de natureza periódica e anual, correspondendo o período de tributação ao ano que se inicia a data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários; p) Sendo um imposto devido por inteiro em cada ano a que respeita até ao cancelamento da matrícula ou registo em virtude de abate efetuado nos termos da Lei; q) E o IUC está legalmente configurado para funcionar em integração com o registo automóvel, o que se infere da letra do citado n.º 1 do artigo 3.º do CIUC; r) O registo definitivo constitui, assim, presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial; s) A não atualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, deverá ser imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na da Administração Tributária, enquanto sujeito ativo deste Imposto; t) Segundo o entendimento maioritário da jurisprudência, do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC resulta que se trata de uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível por força do artigo 73.º Lei Geral Tributária (LGT); u) Consistindo o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC uma norma nos termos da qual se define o sujeito ativo do IUC, não nos pode oferecer dúvida que estamos em presença de uma norma de incidência tributária que, enquanto tal, nos termos do citado artigo 73.º LGT, admite prova em contrário; v) De acordo com o prescrito no artigo 350.º do Código Civil a existência de presunção legal, que constitui prova plena, dispensa a parte a favor da qual a mesma se constitui da prova do facto a que tal presunção conduz; w) Daí resultando um ónus probatório a cargo da parte contrária, reconduzido à prova efetiva de que o facto presumido (presunção legal) não é verdadeiro, de modo a que não subsista qualquer dúvida, conforme exigido pelo disposto no artigo 347.º do Código Civil; x) O que significa que não basta opor a mera contraprova - a qual se destina a lançar dúvida sobre os factos (Cf. artigo 346.º Código Civil), que torne os factos presumidos duvidosos; y) A parte contrária tem de demostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer dúvida de que os factos resultantes da presunção não são reais; z) Sobre esta temática a Jurisprudência já se pronunciou e acompanhando o seu entendimento do Acórdão do Tribunal Administrativo Sul, processo 08300/14, de 19-03-2015; aa) A norma de incidência subjetiva do IUC consagra uma presunção ilidível, e não se colocando em causa nos autos que, à data do facto tributário (abril de 2013); bb) Todos os veículos se encontravam registados em nome da Impugnante; cc) Contrariamente ao entendimento sufragado na douta sentença, é entendimento da Fazenda Pública não ter a Impugnante logrado produzir prova capaz de afastar tal presunção, não se reconduzindo os factos dados como provados pelo Tribunal a quo a factos suscetíveis de sustentar o julgamento improcedente da impugnação; dd) Dos correspondentes contratos de locação financeira e declarações de entrega dos veículos, apenas poderia resultar a conclusão de que os veículos tinham sido objeto de contrato de locação financeira com términus em data anterior à da ocorrência do facto gerador do imposto; ee) Tendo sido entregues aos respetivos locatários em datas próximas da celebração dos mesmos (em regra em data anterior à data dos respetivos contratos); ff) Pelo que, salvo o devido respeito, mal andou o douto Tribunal ao fixar como provado tal facto, pois partiu de uma presunção de detenção/posse que não resulta dos documentos juntos aos autos; gg) E saliente-se que a posse não tem qualquer relevância para efeitos de incidência subjetiva do IUC, conforme resulta do artigo 3.º do Código do IUC; hh) Apesar dos veículos terem sido objeto de contrato de locação financeira, sendo efetuada a sua entrega ao abrigo de tais contratos, daí não resulta a prova, que se impunha, de que tais contratos se encontravam em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto; ii) Impunha-se que a Impugnante alegasse e provasse que, não obstante se ter verificado o termo [inicial] de tais contratos, os mesmos se encontravam em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto, isto é, em abril de 2013; jj) Por efeito de uma prorrogação do seu termo [inicial], ou de uma renovação dos referidos contratos, o que não fez; kk) Teria de alegar e provar que, em abril de 2013, os contratos de locação financeira estavam em vigor, por exemplo, juntando os comprovativos de pagamento da renda paga, nessa data, pelo locatário, o que não fez; ll) Teria que alegar e provar que a propriedade dos veículos já tinha sido transferida para os locatários, por efeitos de opção de compra mediante o pagamento do valor residual, mediante a junção de qualquer recibo, documento de quitação demonstrativo do pagamento do preço na compra, o que também não fez; mm) Assim, como não o faz a douta sentença, demitindo-se de fixar factos dos quais se retire tal conclusão; nn) A Impugnante reconhece que relativamente a algumas viaturas, à data da ocorrência do facto gerador do imposto, os locatários em causa estavam em falta com a obrigação de pagamento das respetivas rendas; oo) Efetivamente, como se decidiu em tribunal arbitral em funcionamento no CAAD, concretamente no Processo CAAD n.º 534/2017-T de 01.06.2018, «[n]ão basta alegar que existe determinado contrato de locação financeira que incida sobre o veículo objeto de IUC»; pp) É necessário alegar e provar que tal contrato se encontrava em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto; qq) Como se trata de facto constitutivo do direito invocado pela Impugnante - Cf. N.º 1 do artigo 342.º do CC, é sobre esta que impende o respetivo ónus da prova, que não logrou fazer; rr) Não basta alegar que o contrato de locação financeira se encontrava em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto, é necessário provar; ss) Nos presentes autos ficou provado que os veículos foram entregues em locação financeira em data anterior à da ocorrência do facto gerador do imposto; tt) Mas daí não resulta a prova, que se impunha, de que tais contratos se encontravam em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto; uu) Não tendo a Impugnante logrado provar que os contratos de locação financeira se encontravam em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto, daqui resulta que a Impugnante não fez prova de factos capazes de ilidir a presunção do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, sendo, portanto, o sujeito passivo de imposto; vv) Resulta, assim, que mal andou o douto Tribunal ao considerar como provado de que os ditos veículos se encontravam entregues aos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira válidos no momento em que se tornou exigível o IUC em crise nos presentes autos; ww) A douta sentença ao julgar procedente a presente impugnação fê-lo incorrendo em erro de julgamento de facto, atenta a errónea apreciação dos factos pertinentes para a decisão no que se refere à alegada prova de que os veículos se encontravam entregues aos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira válidos no momento em que se tornou exigível o IUC em crise nos presentes autos, mais incorrendo em erro de julgamento de direito por violação do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC e do n.º 1 do artigo 1.º do Código de Registo Automóvel. Termos em que, com o mui douto suprimento de Vs. Ex.ªs, e atento a motivação e conclusões supra enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, sendo substituída por Acórdão que julgue improcedente, in totum, por não provada, e, em consequência mantenha vigente no ordenamento jurídico-tributário, por legal, o ato impugnado.” * A Recorrida apresentou as suas contra-alegações tendo concluído do seguinte modo:“IV CONCLUSÃO Em conclusão, portanto, o recurso improcede, na medida em que a sentença recorrida fez correcta e exacta interpretação e aplicação da matéria de facto provada na instância, e interpretou e aplicou correctamente a Lei, nenhuma censura merecendo consequentemente a sentença recorrida que, como se requer, deverá ser confirmada, julgando-se o recurso improcedente desta forma se fazendo JUSTIÇA” *** O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.*** Foram colhidos os vistos legais. *** Delimitação do objeto do recursoConforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 639º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem. No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber: - Se a sentença incorreu em erro de julgamento de Direito ao concluir que o artigo 3º, nº 1, do Código do Imposto Único de Circulação estabelece uma presunção ilidível e que o impugnante, aqui recorrido, logrou ilidir essa presunção de propriedade dos veículos sobre os quais incidiu o IUC, na data em que o mesmo se tornou exigível, a saber: Abril 2013. - Se a sentença padece de erro de julgamento de facto por errónea apreciação dos factos pertinentes para a decisão no que se refere à alegada prova de que os veículos se encontravam entregues aos locatários no momento em que o IUC se tornou exigível, nem que tais contratos se encontravam válidos na mesma data. *** II – FUNDAMENTAÇÃO- De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: “Com relevância para a decisão da causa, tendo em atenção as diversas soluções de direito plausíveis, considero provados os seguintes factos: 1) O Impugnante realizou, na posição de locador, os seguintes contratos de locação financeira de veículos automóveis: “(Texto integral no original; imagem)” - cf. contratos juntos com o Processo de Reclamação Graciosa (RG), em apenso aos autos. 2) Juntamente com os contratos de locação operacional, a que se alude no ponto anterior, o Impugnante celebrou com os respetivos locatários e, na qualidade de promitente-vendedor, contratos-promessa de compra e venda dos veículos aí identificados, cuja execução ficou sujeita à condição de o promitente comprador cumprir integralmente o respetivo contrato de locação operacional - cf. contratos juntos com o processo de RG, em apenso aos autos. 3) Em Abril de 2013 os veículos identificados em 1), encontravam-se em poder dos locatários – cf. depoimento da testemunha R........... 4) Em 26/04/2013 foram emitidas em nome do Impugnante as liquidações de imposto único de circulação (IUC), referentes ao mês de Abril de 2013, referentes ao veículos referidos em 1), no valor total de € 5.177,38, assim apurado: “(Texto integral no original; imagem)” Cf. listagem a fls. 38 do processo de RG, em apenso aos autos. 5) Em Abril de 2013, o Impugnante figurava no registo automóvel como proprietário dos veículos identificados em 1) - cf. listagem a fls. 38 do processo de RG, em apenso aos autos. 6) O Impugnante procedeu ao pagamento das liquidações do IUC mencionadas em 4) - cf. listagem a fls. 38 do processo de RG, em apenso aos autos. 7) Em 30/07/2013 deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 7, a petição de reclamação graciosa, apresentada pelo Impugnante contra as liquidações de IUC, identificadas em 4), que foi autuada sob o processo 3239201304002776 - cf. fls. 1 seg. do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos. 8) Em 13/08/2013 foi elaborado projeto de decisão no processo de reclamação graciosa mencionado no ponto precedente, no sentido de deferimento parcial do pedido, do qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) “(Texto integral no original; imagem)” -cf. Informação de fls. 40 e 41 do processo RG, em apenso; 9) Por despacho do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, de 24/092013, exarado sobre a informação referida no ponto anterior, foi aprovado o projeto de decisão da reclamação graciosa e ordenada a notificação do sujeito passivo para exercício de direito de audição – cf. informação a fls. 39 do processo de RG, em apenso e doc. 2 da PI. 10) Pelo ofício 66157 de 26/09/2013, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, foi enviado ao Impugnante o projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa e concedido o prazo de 15 dias para exercício do direito de audição – cf. fls.43 do processo de RG, em apenso. 11) Em 09/10/2013, deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa, a exposição do Impugnante para exercício do direito de audição - cf. fls. 45 a 50 do Processo de RG, em apenso e doc. 2 da PI. 12) Em 16/10/2013, após o exercício do direito de audição, foi elaborada a informação no processo de reclamação graciosa, no sentido do deferimento parcial do pedido, com a anulação das liquidações relativas aos veículos com as matrículas 43-….., 92…., 10-…., 31-…., 18-…, 10-…, 09-…., 36-…, 75-…, 77-…., 51-…., 38-…., por se ter concluído que o imposto foi indevidamente pago, devendo ser restituído ao reclamante o montante de € 1.033,10 – cf. informação a fls. 52 a 54 do processo de RG. 13) Em 18/10/2013, por despacho Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, exarado na informação referida no ponto anterior e com os fundamentos dela constantes, a reclamação graciosa foi parcialmente deferida – cf. informação a fls. 51 do processo de RG e doc. 4 da PI. 14) Os veículos com as matrículas constantes da tabela seguinte foram recuperados pelo impugnante para o seu património, nas datas aí mencionadas, por incumprimento dos respetivos contratos - cf. depoimento da testemunha R........... “(texto integral no original; imagem)” A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:*** “III.2 – Factos não Provados Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.” *** A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:
*** III . Da Fundamentação De DireitoNo presente recurso a Fazenda Pública coloca em causa a sentença proferida onde se encontram em dissidio as liquidações de IUC’s referentes ao mês de Abril de 2013, alegando que a mesma enferma de erro de julgamento de direito e de facto por ter considerado que a circunstância de os veículos terem sido entregues em locação financeira não se poder retirar que tais veículos se encontravam na posse dos locatários à data da ocorrência do facto gerador do imposto, nem de que tais contratos se encontravam válidos na mesma data. Apreciemos. A primeira questão que urge dirimir no presente recurso é a de saber o Tribunal a quo errou no julgamento de Direito que efectuou ao ter considerado que estando vigentes os contratos de locação financeira, a responsabilidade pelo pagamento do IUC pertence ao locatário e não ao proprietário constante do registo. Esta matéria não é nova e tem vindo a ser tratada, de forma uniforme pela jurisprudência deste Tribunal, designadamente nos Acórdãos de 28/11/2019, no proc. 2126/13.1BELRS, de 15/02/2024, tirado no proc. nº 2025/16.5BELRS e de 11/01/204, no processo nº 1460/16.3BELRS, na qual nos revemos sem reservas, e que vai no sentido de considerar que a presunção constante do art. 3º, nº 1 do CIUC é ilidível mediante prova efectuada pelo impugnante de que não é quem detém a posse titulada do veículo automóvel. Na verdade, a Lei nº 22-A/2007, de 29/06, que procedeu à reforma da tributação automóvel, veio aprovar o Código do Imposto sobre Veículos e o Código do Imposto Único de Circulação tendo abolido o imposto automóvel, o imposto municipal sobre veículos, o imposto de circulação e o imposto de camionagem. Este novo imposto Único de Circulação tem subjacente o princípio da equivalência e foi desenhado no sentido de onerar os contribuintes em função dos custos que a sua circulação provoca, tanto em termos ambientais como em termos de desgaste da rede viária. Estamos perante um tributo de natureza periódica e anual, sendo que o período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula e em cada um dos anos subsequentes, no mês da referida matrícula, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E, e ao ano civil relativamente aos veículos das categorias F e G (cfr. artigos 4º, nºs 1 e 2 do Código do IUC). De acordo com o art. 3º do CIUC, os sujeitos passivos deste imposto são, desde logo, os proprietários dos veículos, podendo ainda ser equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação (nº 2). Por outro lado, o artigo 6º, nº 1 do Código do IUC estabelece que “o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”. Do cotejo do disposto nos dois preceitos citados resulta que o sujeito passivo do IUC é, em primeira linha o proprietário do veículo em causa, considerando-se, como tal, aquele em nome do qual se encontre registada a propriedade do veículo na Conservatória do Registo Automóvel. Importa também não olvidar que a propriedade dos veículos automóveis está sujeita a registo obrigatório, nos termos do disposto no art. 5º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 54/75 de 12/02, sendo que esta obrigação recai sobre o comprador, na qualidade de sujeito ativo do facto sujeito a registo [vide artigo 8º-B do Código do Registo Predial, aplicável ao Registo Automóvel, por força do artigo 29º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12/02, conjugado com o artigo 5º, nº 1, alínea a) deste último diploma]. No mencionado art. 3º, nº 1, do CIUC, o legislador consagrou uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário. No entanto, esta presunção é uma presunção “juris tantum”, ou seja, ilidível por força do disposto no art. 73º da LGT e do nº 2 do art. 350º do Código Civil. Significa isto que não basta à parte contrária vir opor uma mera contraprova, lançando apenas a dúvida sobre os factos (art. 346º do Código Civil); é indispensável que esta alegue e prove que não é verdadeiro o facto presumido. Nesta situação, a ilisão da presunção obedece à regra constante do artigo 347º do Código Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto. Daqui decorre que não basta à parte contrária produzir prova que torne os factos presumidos duvidosos, ou seja, e pelo contrário, ela tem de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais, impondo-se recordar que as presunções legais são provas legais ou vinculadas, que não dependem da livre apreciação do Tribunal, pois que a sua força probatória, legalmente tabelada, proporciona ao juiz uma verdade formal [v. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.215 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 500 e seg.]. Na verdade, a própria presunção registral, é ilidível por prova em contrário, por força do disposto no artigo 7º do Código do Registo Predial (aplicável ex vi artigo 29º do Decreto-Lei nº 54/75 de 12.12) donde decorre que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. A sentença recorrida que, aliás, se encontra bem fundamentada, sustentou a sua posição, discorrendo do seguinte modo: “A questão controvertida nos autos centra-se na determinação da qualidade de sujeito passivo do IUC, devido na vigência de um contrato de locação financeira, estando os veículos em poder dos locatários, conforme alegação do Impugnante. Apelando à lei, a incidência subjetiva do IUC está definida no artigo 3.º do seu Código no qual, à data dos factos, dispunha o seguinte: "I - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados. 2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.". Este preceito deve ser conjugado com o artigo 19.º do Código do IUC, no qual se estabelece que "Para efeitos do disposto no artigo 3. ° do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respetiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direção- Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.” Entende a AT, que em matéria de locação financeira e para efeitos da ilisão do artigo 3.º do Código do IUC, forçoso é que os locadores cumpram a obrigação ínsita no artigo 19.º daquele Código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto, ou seja, que procedam ao registo obrigatório da situação jurídica da locação financeira e de quem é o locatário, o que o Impugnante não fez. Todavia, como já supra descrito, o artigo 3.º do Código do IUC estabelece uma presunção legal iuris tantum, ou seja, suscetível de prova em contrário, tendo a jurisprudência decidido que: “O I.U.C. está legalmente configurado para funcionar em integração com o registo automóvel, o que se infere, desde logo, do art°.3, n.º l, do C.I.U.C., norma onde se estabelece que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, mais acrescentando que se consideram como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados. O citado art°.3, n°.l, do C.I.U.C., consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do art°.73, da L.G.T". [...] A ilisão da presunção legal obedece à regra constante do art°.347, do C.Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. O que significa que não basta à parte contrária, opor a mera contraprova - a qual se destina a lançar dúvida sobre os factos (cfr.art°.346, do C.Civil) que torne os factos presumidos duvidosos. Pelo contrário, ela tem de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais". (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.° 01341/17, de 2305-2018, disponível em www.dgsi.pt). Face a este entendimento, e, não obstante não ter procedido ao registo a que alude o artigo 19.º do Código IUC, pode o Impugnante fazer prova que não é o sujeito passivo do imposto, sendo este devido pelos locatários financeiros dos veículos. Neste ponto, importa chamar à colação o Acórdão do TCAS, de 25/03/2021, no processo n.º 1347/14.4BELRS, de cuja fundamentação ressalta o seguinte: “Nos presentes autos, resulta do probatório que os veículos em causa estão na posse de terceiros, que não o impugnante. Mais resulta do probatório que: i) Anexo a todos e cada um dos contratos, denominados de locação operacional, identificados na alínea f), consta um contrato autónomo, designado por contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual, caso o locatário(a) e promitentecomprador(a) cumpra integralmente o contrato de locação operacional, poderá comprar o veículo alugado por um preço residual, descontado da caução já paga, em sede daquele contrato e cujo valor por vezes é igual a zero; bem assim como é matéria assente a de que: Em todos os contratos, identificadas na alíneas f), inclusive aqueles cujo contrato de locação operacional havia terminado, os respectivos veículos encontravam-se na posse dos seus locatários, por já haverem sido vendidos ao respectivo locatário ou por estes os não terem devolvido no termo do contrato, forçando o impugnante a intentar contra os locatários os competentes procedimentos judiciais. De onde se infere que o impugnante ilidiu a presunção de propriedade dos veículos em apreço, na data em que o mesmo é exigível (Fevereiro de 2014), tornando inaceitável a exigência do imposto a entidade que, por não estar investida na posse titulada do veículo, na data do completamento do facto tributário, não preenche a previsão da norma de incidência subjectiva do imposto. Pelo que a exigência do imposto àquele que figura no registo como proprietário, constitui violação do disposto no artigo 3.º/ 1 e 2, do CIUC, corretamente interpretados. Não é o incumprimento da obrigação acessória da identificação dos locatários/possuidores do veículo que transforma o impugnante em sujeito passivo do imposto. Mais se refere que tal obrigação de identificação dos locatários/possuidores de cada veículo em causa foi suprida nos presentes autos.” Face à jurisprudência, supra, citada, considera-se que a inscrição como proprietário no registo automóvel não é suficiente, só por si, para garantir o preenchimento da norma de incidência subjetiva do imposto. Tratando-se de presunção, a mesma pode ser ilidida se a viatura se encontrar na posse titulada de terceiro. E, no caso dos autos, face à prova produzida em 1), 2), 3) e 14) do probatório, efetivamente o Impugnante logrou ilidir a presunção que sobre ele incidia, tendo ficado demonstrado que os veículos cujas liquidações aqui se impugnam estavam na posse efetiva dos seus locatários financeiros na data da ocorrência do facto gerador do imposto. Ou seja, uma vez que em abril de 2013, aqueles veículos estavam abrangidos por contratos de locação financeira e na posse dos respetivos locatários, são estes – e não o Impugnante – os sujeitos passivos do imposto. Donde resulta que a decisão da reclamação graciosa que assim não o entendeu é ilegal, sendo também ilegais as liquidações impugnadas, por erro sobre os pressupostos de direito, uma vez que o sujeito passivo do imposto não é o Impugnante, mas antes, os locatários dos veículos a que aquelas dizem respeito.” Como decorre do excerto transcrito, entendeu-se na sentença recorrida ilidida a presunção legal que decorre do artigo 3º nº 1 do CIUC, com base na prova dos factos vertidos nos pontos 1), 2) 3) e 14 dos factos provados. Também não é controverso, pois a Fazenda Pública não impugnou a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida de forma adequada (ou seja, cumprindo o ónus imposto pelo art. 640º do CPC) que os veículos se encontravam na posse dos locatários e que se mantinham na sua posse à data a que respeita o IUC. Assim, ficou demonstrado que apesar de os veículos automóveis nela identificados permanecerem na titularidade da Impugnante e ora Recorrida estavam, no período em causa, em poder de locatários, a quem estavam entregues em regime de locação financeira titulada por contrato, pelo que a sentença sob escrutínio não enferma do erro de julgamento de Direito que lhe vem imputado. Vem ainda a Recorrente advogar que tendo a recorrida incumprido a obrigação declarativa imposta pelo art. 19º do CIUC, pelo que deverá ser sujeito passivo do imposto o proprietário do mesmo tal como consta do registo automóvel, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do mesmo diploma legal. Também aqui sem qualquer razão. É certo que o art.º 19.º do Código do IUC, entretanto revogado pela alínea f) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, estabelecia que “Para efeitos do disposto no artigo 3.º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados”. No entanto, como bem se nota no ac. deste TCAS, de 03/25/2021 tirado no proc.º 1347/14.4BELRS, “Não é o incumprimento da obrigação acessória da identificação dos locatários/possuidores do veículo que transforma o impugnante em sujeito passivo do imposto”, salientando-se que tal obrigação de identificação dos locatários de cada um dos veículos em causa foi suprida nos presentes autos. Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, tendo o Tribunal a quo julgado ilidida a presunção da propriedade dos veículos constante do registo, a mesma não enferma do erro julgamento que lhe vem imputado, pelo que deve ser confirmada. Finalmente argui ainda a Recorrente que a sentença sob recurso enferma de erro de julgamento de facto por ter considerado que a circunstância de os veículos terem sido entregues em locação financeira não se pode retirar que tais veículos se encontravam na posse dos locatários à data da ocorrência do facto gerador do imposto, nem de que tais contratos se encontravam válidos na mesma data. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de Direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. acórdão deste T.C.A.Sul-2ª.Secção, de 11/6/2013, no proc. nº 5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, in C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72). Baixando ao caso dos autos verificamos que sobre os vários veículos automóveis havia sido celebrado um contrato de locação financeira e que os mesmos se encontravam todos na posse dos locadores com os quais havia sido celebrado um contrato-promessa de compra e venda. Para tanto, a sentença sob recurso considerou com base no depoimento da testemunha ouvida que todos os veículos automóveis a que se reporta o IUC aqui em dissido se encontravam na posse das pessoas com quem tais contratos haviam sido celebrados. A posse não constitui facto gerador do imposto, só por si, sobretudo quando estamos a falar de posse não titulada, por incumprimento do dever de restituir o veículo no final do contrato. No entanto, a verdade é que no caso concreto ficou provado existirem contratos-promessa celebrados com os locatários que titulariam essa posse destes. A Recorrente, repete-se, não impugnou a matéria de facto assente. Ora, tendo ficado provado que todos os veículos se encontravam na posse titulada dos titulares dos contratos de locação financeira, tal significa que, como decorre de toda a jurisprudência mencionada e com a qual concordamos sem reservas, que ficou ilidida a presunção resultante do registo automóvel pelo que a aqui recorrida não pode ser considerada como sujeito passivo do IUC que lhe foi liquidado. Assim, e sem necessidade de mais considerações, improcede o alegado erro de julgamento da matéria de facto, rejeitando-se, também nesta parte o recurso, pelo que será de manter a sentença recorrida. * CUSTASNo que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao total decaimento da recorrente, as custas são da sua responsabilidade. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT]. *** III- Decisão Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto confirmando-se a sentença recorrida. Custa pela recorrente. Lisboa, 19 de Junho de 2024 Cristina Coelho da Silva (Relatora) Ana Cristina Carvalho Tânia Meireles da Cunha |