Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:848/14.9 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:03/24/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:AUDIÇÃO PRÉVIA
FORMALIDADES DA NOTIFICAÇÃO
PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:I - A impugnação judicial não tem como objecto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, razão pela qual em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, sendo esta questão do conhecimento oficioso.
II - Não se dispondo dos elementos necessários para aferir da prescrição da dívida decorrente da liquidação em causa e não existindo a obrigação da realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na impugnação judicial, o Tribunal pode dela legitimamente não conhecer.
III - Provando-se que a notificação para audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório se fez por carta registada dirigida para o domicílio fiscal comunicado pelo sujeito passivo e constante do cadastro de contribuintes, perante a devolução das cartas ao serviço remetente opera a presunção do art.º 43/1 do RCPIT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL



1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por P… no seguimento do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IMT no valor de 79.288,95 euros, relativa à aquisição, em 26/03/2006 e 24/10/2006, das fracções “CP” e “P”, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 12..... da freguesia de Quarteira.

A Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«

a) A liquidação em causa nos autos derivou de acção inspectiva, efectuada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2013….
b) Do projecto do RIT, o Recorrido foi notificado para efeitos do exercício do direito de audição previsto nos arts. 60º da LGT e 60º do RCPIT através da remessa, por carta registada, do ofício n.º 15670 de 10/09/2013 (RM96…PT) e posteriormente, após a sua devolução pelos CTT, do ofício n.º 17005 de 01/10/2013 (RM96…PT), o qual veio igualmente devolvido.
c) As notificações foram remetidas para o domicílio fiscal declarado, pelo Recorrido, à Autoridade Tributária e Aduaneira: “M…– Casa Nova – Apartado 31 – Alcantarilha”.
d) Sendo obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à AT é ineficaz qualquer mudança não comunicada, conforme disposto no art. 19º n.ºs 3 e 4 da LGT, a referida notificação deveria ter sido considerada pelo Tribunal a quo como validamente efectuada.
e) O Recorrido não nomeou representante fiscal (art. 19º n.º 6 da LGT).
f) O art. 60º n.º 4 da LGT exige como formalidade da notificação para o exercício do direito de audição, a utilização de registo simples e o envio da carta para o domicílio fiscal.
g) A AT assim fez, enviou a notificação para o exercício do direito de audição através de carta registada endereçada para o domicílio fiscal do Recorrente, comunicando-lhe o projecto da decisão e sua fundamentação (n.º 5 do mesmo art. 60º).
h) Mais, apesar da lei não o impor para o caso de carta registada, a AT deu mais uma oportunidade do Reclamante exercer o seu direito, enviando uma segunda notificação através da remessa de nova carta registada, a qual veio igualmente devolvida por não ter sido levantada.
i) A este respeito, versa o art. 39º do CPPT, aplicável ex vi do art. 39º do RCPIT, e a norma especial contida no art. 43º n.º 1 do RCPIT, presumindo-se a notificação do SP em caso da carta registada vir devolvida.
j) Assim, da conjugação das disposições legais em causa, deve-se concluir que o Recorrente foi regularmente notificado para efeitos do direito de audição antes da conclusão do RIT, pelo que, contrariamente ao referido na douta sentença recorrida, foi-lhe dada oportunidade de se pronunciar sobre o mesmo, não existindo violação do direito de audição.
k) O Recorrido foi, ainda, notificado do Relatório de Inspecção Tributária, através de carta registada, a qual veio igualmente devolvida e, mais tarde, da liquidação de IMT decorrente do procedimento de inspecção, através do envio de duas cartas registadas com aviso de recepção, as quais vieram novamente devolvidas.
l) Ou seja, foram enviadas, pela AT, pelo menos 5 cartas, as quais vieram devolvidas, apesar de remetidas para o domicílio declarado pelo Recorrido.
m) Como se referiu na contestação dos presentes autos, da execução fiscal instaurada para cobrança coerciva do imposto aqui em causa, o Recorrente apresentou, com os mesmos fundamentos, processo de Oposição, o qual correu igualmente termos no TAF de Loulé, sob o n.º 316/14.9BELLE, com sentença transitada em julgado em 14/07/2016, a qual foi julgada improcedente por se entender ter sido a notificação da liquidação validamente efectuada e que a AT “a mais não estava obrigada” uma vez que o SP não nomeou representante legal nem provou a existência de justo impedimento.
n) Face ao exposto, invoca-se aqui a excepção dilatória do caso julgado (cfr. arts. 577º i), 580º e 581º do CPC), a qual é do conhecimento oficioso e deveria ter sido apreciada (art. 578º do CPC). Tudo ex vi do art. 2º e) do CPPT.
o) Considerando a existência de caso julgado, tal obstava a que o tribunal a quo conhecesse do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, cfr. estabelecido no art. 576º n.º 2 do CPC.
p) Invoca-se aqui o Acórdão proferido, em 07-12-2011, pelo STA, no Processo 0419/11.
q) Efectivamente, a excepção do caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior (art. 580º n.º 2 do CPC), e foi exactamente o que aconteceu no caso em análise.
r) Caso assim não se entenda, sempre se acrescentará, ao que já foi invocado, o seguinte:
s) Com a douta sentença recorrida, o tribunal a quo contrariou de forma flagrante o entendimento por si vertido na referida sentença de Oposição, na qual considerou cumpridos os formalismos legais da notificação da mesma liquidação, concluindo, pois, pela exigibilidade da dívida.
t) À questão levantada na douta sentença recorrida, “Há que verificar se foi dada oportunidade de exercício do direito de audição prévia em todo este procedimento, antes da emissão da liquidação”, a resposta terá que ser positiva.
u) Foram enviadas duas cartas registadas para o domicílio fiscal do Recorrido, as quais não foram levantadas pelo mesmo, não tendo sido alegado e provado qualquer justo impedimento. O mesmo acontece relativamente à notificação da liquidação.
v) Nem se diga, salvo o devido respeito, que a AT sabia que o domicílio do Recorrido era o constante das escrituras públicas de compra e venda porque as mesmas datam de 2006, tendo as notificações sido enviadas em 2013 e 2014, ou seja, decorridos mais de 7 anos.
w) O Recorrente não alegou quaisquer factos que o impedissem de receber/levantar as notificações enviadas para o seu domicílio fiscal, nem, tão pouco, que residia em morada diferente da constante das bases de dados da AT, nomeadamente em Inglaterra, tendo inclusivamente declarado à AT ser residente em Portugal.
x) A sentença recorrida vai, pois, além do alegado pelo próprio Recorrido, considerando-o residente na morada constante das escrituras públicas e indicando que a AT deveria tê-lo notificado para a mesma.
y) Dado o lapso temporal entre a celebração das escrituras e a data das notificações, bem como as regras legais relativas ao domicílio fiscal, não cabia à AT proceder de forma diversa daquela que foi adoptada para as notificações em causa, não lhe sendo exigido procedimento diferente.
z) O próprio art. 60º n.º 4 da LGT impõe que a notificação para o exercício do direito de audição seja enviada para o domicílio fiscal do contribuinte e não para qualquer outra morada, sendo que a presunção de notificação (art. 43º n.º 1 do RCPIT) só se verifica em caso de carta registada remetida para o domicílio fiscal.
aa) No sentido aqui exposto invoca-se, a título exemplificativo, o Acórdão proferido, em 15/06/2016, pelo STA, no Processo 01863/13.
bb) Não tendo o Recorrido ilidido a presunção contida no art. 43º n.º 1 do RCPIT, a notificação deve-se considerar como validamente efectuada por se verificarem os respectivos pressupostos e a AT ter feito prova do envio da mesma através de carta registada para o domicílio fiscal do contribuinte.
cc) A douta sentença ora recorrida não valorou os factos anteriormente descritos, nem aplicou devidamente as normas legais referidas, pelo que, salvo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito.
dd) Nestes termos, o tribunal recorrido deveria ter concluído pela existência de caso julgado e, caso assim não se entenda, pelo cumprimento das formalidades legais de notificação para o exercício do direito de audição, bem como da liquidação de IMT em causa.
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que absolva a Fazenda Pública da instância e, caso assim não se entenda, que julgue improcedente a presente Impugnação Judicial, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação de IMT, como é de JUSTIÇA».

O Recorrido apresentou contra-alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
















».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso merece provimento, devendo a decisão recorrida ser revista.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.
2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), as questões a dirimir consistem em indagar (i) se foram preteridas as formalidades legais da notificação para audição prévia antes da liquidação e (ii) se se verifica a excepção do caso julgado na medida em que no processo de oposição à execução fiscal n.º 316/14.9BELLE já havia sido proferida sentença com trânsito em julgado, concluindo que a notificação da liquidação (aqui impugnada) fora validamente efectuada ao contribuinte.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
(…) Factualidade provada:
Dos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão da causa, de acordo com as soluções plausíveis de direito, julgo provada a seguinte factualidade:

A) Em 15/07/2005, foi publicado no DR 2ª Série, o Aviso de que por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 02/06/2005 foi atribuída a utilidade turística a título prévio a um empreendimento qualificado como Conjunto Turístico (The Lake) (cfr. fls. 56 dos autos);
B) Em 18/12/2006 foi emitida pela Câmara Municipal de Loulé, o alvará de utilização turística em nome de Espaço Urbano – Investimentos Imobiliários, S.A. para o Conjunto Turístico (The Lake) (cfr. fls. 49 dos autos);

C) Em 28/03/2006, o Impugnante celebrou com Espaço Urbano – Investimentos Imobiliários, S.A. contrato de compra e venda através do qual adquiriu a fracção autónoma designada pelas letras “P”, do prédio urbano sito em Vilamoura, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, inscrito na matriz sob o artigo 1…, que constitui o empreendimento “The Lake”(cfr. fls. 32 a 39 dos autos);

D) No contrato referido na alínea anterior, consta “Esta transmissão encontra-se isenta do pagamento do IMT, nos termos do disposto no art. 20º do Dec. Lei nº 423/83)” (cfr. fls. 37 dos autos);

E) A morada do Impugnante constante da escritura referida na alínea B) é Esmeralda C…, L 18 8… Liverpool, Inglaterra (cfr. fls. 32 dos autos);

F) Em 24/10/2006, o Impugnante adquiriu por escritura pública, a fracção autónoma designada pelas letras “CP”, do prédio urbano sito em Vilamoura, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, inscrito na matriz sob o artigo 1…, que constitui o empreendimento “The Lake”(por acordo);

G) Através da Ordem de Serviço nº OI2013…, emitida em 16/07/2013, respectivamente, foi realizada acção de inspecção interna de âmbito parcial, com referência ao ano de 2006, tendo sido iniciada em 21/08/2013 e concluída em 30/08/2013 (cfr. fls. 78 a 87 dos autos);

H) Foi efectuado projecto de relatório de inspecção tributária e enviado em 10/09/2013, através do ofício nº 15670, ao Impugnante mediante carta registada para a morada M…– C…– Apartado 31 – 8365-000 Alcantarilha que veio a ser devolvido (cfr. 13 do processo de reclamação graciosa);

I) Em 01/10/2013, foi repetida a notificação referida na alínea anterior mediante ofício nº 17005 e que veio a ser devolvido (cfr. fls. 14 do processo de reclamação graciosa);

J) Em 09/10/2013, foi feito relatório de inspeção tributária que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 7 a 14 do p.a.);

K) Em 10/10/2013, foi aposto, sobre o relatório de inspeção tributária, o despacho de “Concordo” (cfr. fls. 7 do p.a.);

L) Em 11/10/2013, foi enviado ao Impugnante através do ofício nº 17784 o relatório de inspecção tributária, mediante carta registada que veio a ser devolvido (cfr. fls. 21 e 22 do p.a.);
M) Em 18/02/2014, foi emitida a liquidação adicional de IMT no valor de €79.288,95 (cfr. fls. não numeradas do p.a.);

N) A liquidação referida na alínea anterior foi enviada ao Impugnante através do ofício nº 3350 de 29/11/2013 com aviso de recepção e devolvida ao remetente (cfr. fls. 23 a 25 do p.a.);

O) Em 30/12/2013, foi repetida a notificação referida na alínea anterior mediante ofício nº 3622 com aviso de recepção e que veio a ser devolvido (cfr. fls29 a 30 do p.a.);

P) Em 02/05/2014, o Impugnante apresentou reclamação graciosa que veio a ser indeferida por despacho de 27/06/2014 (cfr. fls. 1 e 95 do processo de reclamação graciosa).

(…) Factualidade não provada:
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

Fundamentação do julgamento:
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados e no processo administrativo cuja genuinidade não foi posta em causa.».
Ao abrigo do disposto no art.º 662/1 do CPC, altera-se o ponto E) do probatório, que passa a ter a seguinte redacção:

E) A morada do Impugnante constante da escritura referida na alínea C) é Esmeralda C…, L18 8BY Liverpool, Inglaterra (cfr. fls. 32 dos autos).

E adita-se ao probatório um ponto Q), com a seguinte factualidade:

Q) Do cadastro de contribuintes da Administração tributária junto a fls. 156 dos autos, o impugnante consta como sujeito passivo residente em Portugal e na morada para que foram enviadas as notificações para audição prévia, referidas supra, nos pontos H) e I).

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Começando a apreciação das questões colocadas, pela suscitada excepção dilatória do caso julgado, é manifesto que a mesma não se verifica.

A excepção de caso julgado requer a verificação da tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos, a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.

Como a Recorrente alega e o Recorrido também refere, o que se decidiu na oposição n.º 316/14.9BELLE foi a validade formal da notificação da liquidação feita ao contribuinte e o que se discute neste é a validade formal da notificação feita ao contribuinte para audição prévia (vd., designadamente, ponto m) das conclusões das alegações e ponto 14. das conclusões das contra-alegações).

Não ocorre, por conseguinte, identidade da causa de pedir, nem do pedido, que na impugnação é anulatório da liquidação e na oposição é de extinção da execução.

Improcede a invocada excepção do caso julgado.

Passamos a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela preterição de formalidades essenciais da notificação efectuada ao contribuinte para audição prévia.

Mostram os autos e o probatório que o impugnante foi sujeito a uma acção inspectiva interna, de âmbito parcial, abrangendo o IMT referente ao ano de 2006, de que resultaram correcções à matéria tributável daquele imposto no montante de 1.209.803,00 euros.

Foi enviada notificação ao impugnante para audição prévia sobre o projecto de correcções do relatório de inspecção, através de carta registada, dirigida para a seguinte morada:
“M… – CASA NOVA – APARTADO 31 – ALCANTARILHA
ALCANTARILHA
8365-000 ALCANTARILHA”

A carta foi devolvida ao remetente e, subsequentemente, foi repetida a notificação pela mesma via da carta registada, também devolvida ao remetente.

Sobre esta questão, a sentença discorreu assim:
«O Impugnante alega que não foi notificado para o exercício de audiência prévia antes da emissão da liquidação.
Vejamos.
O Impugnante foi objecto de um procedimento de inspecção que originou correcções meramente aritméticas e posterior liquidação ora impugnada.
Há que verificar se foi dada oportunidade ao Impugnante de exercício do direito de audiência prévia em todo este procedimento, antes da emissão da liquidação.
Nos termos do art. 60º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT):
“1 - Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação.
2 - A notificação deve fixar um prazo entre 15 e 25 dias para a entidade inspeccionada se pronunciar sobre o referido projecto de conclusões, devendo o prazo, no caso de incluir a aplicação da cláusula geral anti abuso constante do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária, ser de 30 dias.
3 - A entidade inspeccionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo.
4 - No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior será elaborado o relatório definitivo.”

O RCPIT prevê também, nos arts. 37º e seguintes, as regras relativas às notificações e informações no âmbito do procedimento de inspecção tributária.

O art. 43º dispõe, quanto à presunção da notificação, o seguinte:
“1 - Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter, de forma clara, a identificação do remetente.
3 - A violação do disposto no número anterior só impede o funcionamento da presunção mediante exibição da comunicação dos serviços postais em causa.
4 - O disposto no n.º 1 não impede a realização de diligências pela administração tributária com vista ao conhecimento do paradeiro do sujeito passivo ou obrigado tributário.”

Mais decorre do art. 60º da LGT que:
1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar - se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 - É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.
4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em ca rta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.
7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.

Do probatório resulta que o projecto de relatório de inspecção tributária foi enviado ao Impugnante tendo sido devolvido.

O mesmo se tendo passado com o relatório de inspecção tributária.
O nº 4 do art. 43º do RCPIT estipula que a Administração Tributária tem a possibilidade de oficiosamente encetar diligências para tentar conhecer o paradeiro do sujeito passivo.

No caso, a Administração Tributária tinha conhecimento, desde a notificação do projecto de relatório de inspecção tributária que o Impugnante já não residia na morada em causa, o mesmo se tendo passado com o relatório e posterior notificação da liquidação.

Em todas as situações, a correspondência foi enviada para a mesma morada e devolvida.

Tratando-se de uma situação de revogação de um benefício fiscal que havia sido reconhecido nas escrituras em causa e atendendo a que Administração Tributária tinha a indicação da morada do Impugnante, constante das escrituras de compra e venda nas quais se baseou para as correcções meramente aritméticas que resultaram do relatório e que originou a liquidação ora impugnada.

Mais se verifica que a audiência prévia não poderia ser dispensada nos termos do art. 60º nº 2 da LGT, da LGT, por não se tratar da situação do caso em apreço e porque o Impugnante nunca veio a pronunciar-se no âmbito do procedimento de inspecção, conforme também previsto no art. 103º nº 2 al. a) do CPA (ainda na versão anterior).

Assim, verifica-se que não estão reunidos os pressupostos para a presunção de notificação a favor da Administração Tributária prevista no nº 1 do art. 43º do RCPIT, nem de dispensa de audição prévia.

Pelo que, procede o alegado pelo Impugnante a este propósito (neste sentido, vide Acórdão do TCA nº 04511/11 de 27/03/2012).».

Não concordamos com este modo de ver. Dizemos porquê.

Estabelece o n.º 4 do art.º 60.º da LGT que «O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte».

Cumprida a formalidade da carta registada, considera-se enviada para o domicílio fiscal do contribuinte?

A nosso ver, a resposta é afirmativa. Com efeito, como resulta do aditado ponto Q) ao probatório, do cadastro de contribuintes junto a fls. 156 dos autos, o impugnante consta como sujeito passivo residente em Portugal e na morada para que foi enviada a notificação para audição prévia.

Estatuía o art.º 43.º do CPPT, na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro:
«Artigo 43.º
Obrigação de participação de domicílio
1 - Os interessados que intervenham ou possam intervir em quaisquer procedimentos ou processos nos serviços da administração tributária ou nos tribunais tributários comunicam, no prazo de 15 dias, qualquer alteração do seu domicílio ou sede.
2 - A falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no n.º 1, não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas.
3 - A comunicação referida no n.º 1 só produzirá efeitos, sem prejuízo da possibilidade legal de a administração tributária proceder oficiosamente à sua rectificação se o interessado fizer a prova de já ter solicitado ou obtido a actualização fiscal do domicílio ou sede».

Ora, tanto quanto se apreende das contra-alegações, nada refere o recorrido que permita concluir que comunicou à Administração tributária a alteração do seu domicílio fiscal, não correspondendo já o mesmo à morada que consta do cadastro de contribuintes e para onde foi enviada a correspondência.

A circunstância de constar da escritura de compra e venda da fracção identificada em C) do probatório, que está na base da liquidação impugnada (consta a fls.32), a menção de que o impugnante P… é residente em Inglaterra e na morada indicada em E), não se mostra incompatível o seu declarado domicílio fiscal em Portugal e na morada comunicada.

Como decorre do n.º 1 do art.º 19.º da LGT, «O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
b) (…)»

O conceito de residência habitual, como a jurisprudência o tem recortado, traduz em especial uma ideia de estabilidade do domicílio, assente, designadamente, num conjunto de relações sociais e familiares, demonstrativas da integração na sociedade local, dito de outro modo, consiste no local onde radique o núcleo principal ou a base das actividades e dos interesses económicos do contribuinte.

E de acordo com o art.º 82/1 do Código Civil, «A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente, em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles».

Portanto, os sujeitos podem ter várias residências e vários domicílios segundo a lei civil, mas o domicílio que releva para efeitos fiscais é o comunicado pelo contribuinte à Administração tributária.

E essa comunicação é obrigatória, sendo ineficaz em caso de mudança não comunicada à Administração tributária – art.º 19.º, nºs 3 e 4 da LGT.

Como assim, as formalidades essenciais da notificação para audição prévia foram cumpridas pela Administração tributária: foi efectuada por carta registada e enviada para o domicilio fiscal comunicado pelo contribuinte.

Neste modo de ver, perante a devolução da correspondência ao remetente opera a presunção de notificação constante do citado art.º 43/1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e, nessa medida, não pode o impugnante opor à AT a falta de notificação para audição prévia, susceptível de inquinar a liquidação de vício de forma invalidante deste acto tributário.

O apelo que a sentença faz ao entendimento perfilhado no ac. deste TCA de 27/03/2012, tirado no proc.º 04511/11, salvo o devido respeito, mostra-se pouco rigoroso, pois ali se tratava de notificação feita a pessoa relativamente à qual se veio a apurar o seu anterior falecimento, o que necessariamente impõe a conclusão de que não recebeu a correspondência.

Já não é assim no caso dos autos, porque se o impugnante não tomou conhecimento da correspondência foi por facto que lhe é imputável na medida em que não comunicou à AT a sua mudança de domicílio fiscal, não vindo alegado nem sendo apreensível dos elementos dos autos, qualquer facto do conhecimento da AT que necessariamente imponha concluir, perante a devolução da correspondência, que o impugnante já não tinha domicílio fiscal na morada comunicada, como tal não valendo, como acima se disse, a circunstância de constar da escritura pública do negócio na base da liquidação impugnada ter o impugnante residência em Inglaterra.

A sentença incorreu no apontado erro de julgamento, sendo de revogar e conceder provimento ao recurso.

Procedendo a apelação, importaria verificar das questões prejudicadas em vista da solução dada ao litígio na 1.ª instância.

Constata-se, porém, que a única questão colocada na douta P.I. de que a sentença não conheceu trata-se da prescrição da dívida (vd. P.I., fls.15 dos autos).

De há muito constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que a prescrição da obrigação tributária não constitui fundamento de impugnação judicial, por não respeitar à legalidade do acto de liquidação, mas antes, à sua eficácia.

No entanto, apesar de a prescrição da dívida resultante do acto tributário de liquidação não constituir vício invalidante desse acto (e por isso não servir de fundamento à respectiva impugnação) não há obstáculo a que, incidentalmente, a prescrição possa ser apreciada (posto que do processo constem todos os elementos para tanto pertinentes) para efeito de se determinar se aquela ocorreu e constitui causa de inutilidade da lide impugnatória – vd. Ac. do STA, de 19/11/2014, tirado no proc.º 0536/14.

Ora, dos autos e apenso instrutor não constam elementos que, com o mínimo de segurança probatória, permitam ajuizar da prescrição da dívida, não existindo a obrigação da realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na presente forma processual de impugnação, como a jurisprudência também não deixa de salientar (vd. Ac. do TCA Norte, de 09/16/21, proc.º 002896/06.3BEPRT), pelo que, na ausência dos elementos factuais, decide-se não conhecer da prescrição sem prejuízo de a questão poder ser suscitada pelo interessado noutras formas processuais adequadas.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente;
ii) Não conhecer, em substituição, da questão da prescrição.

Custas a cargo do Recorrido.

Lisboa, 24 de Março de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha