Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 262/22.2 BEALM |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 12/06/2022 |
Relator: | SUSANA BARRETO |
Descritores: | ERRO NA FORMA DE PROCESSO DESPACHO DE APRECIAÇÃO LIMINAR JUÍZOS DE COMPETÊNCIA ESPECIALIZADA COMPETÊNCIA |
Sumário: | I - Em sede de recurso, a junção de documentos ao processo conjuntamente com as alegações só é admissível se essa apresentação se revelou impossível em momento anterior (superveniência objetiva ou subjetiva) ou apenas se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância. II - A criação dos juízos de competência especializada tributária encontrava-se já prevista no nº 2 do artigo 9-A do ETAF, desdobrados em: (i) Juízo tributário comum; (ii) Juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais. III - A competência, como medida de jurisdição atribuída a cada tribunal para conhecer de determinada questão a ele submetida, e enquanto pressuposto processual, determina-se pelos termos em que a ação é proposta; isto é, pelos pedidos e causas de pedir. IV - A questão de se saber se os fundamentos invocados são ou suscetíveis de viabilizar a pretensão formulada pela Recorrente é matéria que se prende com o êxito (procedência) ou o fracasso da ação, mas não com a forma processual adequada ao pedido que tenha sido formulado. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2ª Subseção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório A…, com os sinais dos autos, inconformada com o despacho de apreciação liminar proferido pelo Mmo. Juiz do Juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou verificada a exceção de incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, e competente o Juízo tributário comum do mesmo Tribunal, dela veio interpor recurso. Nas alegações de recurso apresentadas, formula as seguintes conclusões: A) O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo TAF de Almada que: a. julgou procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal; b. julgou incompetente, em razão da matéria, o Juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais do TAF de Almada para conhecer a presente ação; c. declarou competente o Juízo tributário comum do TAF de Almada; d. determinou a remessa do processo, por via eletrónica, em 48 horas, para o Juízo tributário comum do TAF de Almada. B) O Tribunal a quo entendeu que: a. os fundamentos da oposição à execução deduzida contendem com a legalidade da dívida exequenda; b. b. a dedução de oposição à execução configura um erro na forma do processo; c. a competência para apreciação de impugnações judiciais encontra-se atribuída ao juízo tributário comum, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 44.º-A do ETAF; d. a competência territorial pertence ao TAF de Almada, nos termos conjugados dos artigos 12.º do CPPT e artigo 3.º e mapa anexo ao Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro; e. a causa deve ser apreciada pelo Juízo tributário comum do TAF de Almada. C) A Recorrente deduziu, em 08.4.2022, reclamação graciosa da liquidação adicional de IRS referente ao período de tributação de 2018, cuja falta de pagamento deu origem ao processo de execução fiscal no âmbito do qual se havia já deduzido a oposição em causa nos presentes autos; D) A referida reclamação ainda não foi decidida pela AT e o respetivo prazo de decisão, nos termos do artigo 57.º, n.º 1 da LGT, continua a correr; E) A Recorrente pretende, sendo um direito seu, que a legalidade da dívida seja apreciada, em primeiro lugar, em sede administrativa; F) Por esse motivo escolheu – conforme lhe é permitido pela lei – iniciar a impugnação da legalidade do ato por via administrativa, através da reclamação graciosa da liquidação adicional de IRS de 2018, ao invés de ter deduzido, como poderia, impugnação judicial; G) Ainda que no entendimento do Tribunal a quo os fundamentos invocados na oposição deduzida se reconduzam à discussão da legalidade da dívida tributária, não foi essa orientação que presidiu à elaboração da oposição à execução apresentada; H) Caso, ao invés de uma oposição à execução, tivesse preparado uma impugnação judicial, a Recorrente teria incluído outros fundamentos e assacado outros vícios ao ato tributário de liquidação, que não constam da oposição apresentada, por ter sido esta elaborada tendo em vista a discussão da exigibilidade da dívida, o que torna a petição de oposição à execução inidónea para efeitos de impugnação judicial, falhando assim um dos requisitos da convolação, segundo o que é a jurisprudência do STA; I) Prosseguindo a reclamação graciosa, é possível que a mesma seja decidida favoravelmente pela AT, assim se evitando os custos associados a um processo judicial; J) Se, por outro lado, se mantiver a convolação da oposição à execução em impugnação judicial, o que não se concede: a. a reclamação graciosa será apensada à impugnação judicial no estado em que se encontre, de acordo com o artigo 111.º, n.º 3 do CPPT; b. a Recorrente perderá oportunidade de, antes de submeter a legalidade da dívida à apreciação de um tribunal, ver a mesma analisada pela AT; c. a Recorrente perderá a oportunidade de preparar a peça processual de impugnação judicial tendo em vista a discussão da legalidade da dívida (uma vez que valerá a peça processual de oposição à execução preparada tendo em vista a discussão da exigibilidade da dívida) d. em suma, resultarão diminuídas as garantias da Recorrente; K) Não obstante o disposto nos artigos 98.º, n.º 4 do CPPT e 97.º, n.º 3 da LGT, a convolação na forma processual adequada não deve ocorrer quando o interessado já tenha lançado mão do meio processual/procedimental adequado a fazer valer os seus direitos; L) Neste caso, a Recorrente já lançou mão da reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS de 2018, que é um meio adequado a discutir a legalidade da dívida; M) A reclamação graciosa deduzida deve seguir os seus termos e ser decidida pela AT; N) O facto de a pendência de uma reclamação graciosa não ser um impedimento à convolação, não significa que a convolação seja obrigatória, contra a vontade da parte à qual a mesma deve beneficiar, in casu, a ora Recorrente, porquanto é evidente que o princípio do aproveitamento dos atos processuais só tem aplicação na medida em que o mesmo não prejudique as garantias de defesa da parte. O) Assim, a convolação da oposição à execução em impugnação judicial não deve ter lugar in casu; P) Caso tenha, constituirá uma violação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da CRP, sendo materialmente inconstitucional, porquanto: a. Tal direito inclui o direito a escolher livremente o meio de reação através do qual o interessado pretende fazer valer os seus direitos – seja ele procedimental ou processual –, o que não sucederia caso a contestação judicial da liquidação adicional de IRS de 2018 fosse imposta à Recorrente via convolação; b. Tal direito tem como corolário o princípio do pro actione, à luz do qual as normas processuais devem ser interpretadas e aplicadas de modo a evitar as situações de denegação de justiça com base em excesso de formalismo, princípio que seria desrespeitado se a convolação se mantivesse por se entender legalmente obrigatória, independentemente da pendência da reclamação graciosa. Q) A Sentença recorrida deve ser revogada e substituída por Acórdão que, atentos os fundamentos acima expostos, afaste a convolação da oposição à execução em impugnação judicial, com as demais consequências legais. Nestes termos e nos mais de Direito se requer a V. Exa. se digne admitir o presente recurso e julga-lo procedente por provado, devendo a Sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que, atentos os fundamentos acima expostos, afaste a convolação da oposição à execução em impugnação judicial, com as demais consequências legais. Notificada para o efeito, a Recorrida não apresentou contra-alegações. O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao, após ter julgado verificado o erro no meio processual utilizado, se ter declarado incompetente em razão da matéria e competente o juízo tributário comum. II.1- Dos Factos O Tribunal recorrido proferiu despacho de apreciação liminar e não fixou factos. * Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, ao abrigo do preceituado no artigo 662/1, do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 281º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), leva-se ao probatório o seguinte: A) Em 2021.12.25, no Serviço de Finanças de Palmela, foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) nº 2208202101247301, para cobrança coerciva de dívida de IRS do ano de 2018 (cf. fls. 228 - doc. nº004535414); B) O PEF identificado na alínea que antecede tem por base Certidão de Dívida nº 2021/2078838, emitida em 2021.12.25, que atesta que S… e A…, são devedores de € 1 972 907,87, respeitantes a IRS e juros do ano de 2018, com data limite de pagamento até 2021.12.09 (cf. fls. 222 – doc. nº 004535412); C) Por carta registada e recebida em 2022.01.07 por M…, a Opoente e ora Recorrente foi chamada para os termos da execução (cf. doc. nº 1 e 2 juntos com a pi); D) Por carta registada em 2022.02.11, foi enviado ao Serviço de Finanças de Palmela oposição da ora Recorrente à execução fiscal identificada na alínea A), constante do SITAF como doc. nº 004535411, que aqui se dá por integralmente reproduzido. E) Por carta registada em 2022.04.08, foi enviada ao Serviço de Finanças de Palmela reclamação da ora Recorrente contra a liquidação de IRS de 2018. II.2- Do Direito O Tribunal a quo, em sede de apreciação liminar julgou verificado o erro na forma do processo e consequentemente julgou verificada a exceção de incompetência absoluta do Juízo, em razão da matéria, e competente o Juízo tributário comum do mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, com competência residual. Notificada desta decisão a Opoente e ora Recorrente veio interpor o presente recurso no qual termina pedindo a não convolação da oposição deduzida em processo de impugnação judicial. Com efeito, nas conclusões das alegações de recurso insurge-se com a decisão de convolação da oposição em impugnação judicial porquanto defende ter reclamado da liquidação que serviu de base à instauração do processo de execução fiscal, reclamação essa ainda não decidida pela administração tributária e estar ainda em tempo de deduzir impugnação, se e quando o desejar. Com as alegações de recurso juntou um documento destinado a comprovar ter reclamado graciosamente da liquidação de IRS que serviu de base à instauração do processo de execução fiscal e ao qual deduziu oposição. Vejamos, antes do mais, se é ou não admissível a junção do documento com as alegações de recurso. Em regra, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes – cf. artigo 423º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT. No caso de recurso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento – artigo 425º CPC - ou quando a junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância – artigo 651/1 CPC. Assim, na fase de recurso a junção de documentos reveste sempre natureza excecional. Vejamos, antes do mais, se o documento que foi junto com as alegações o foi fora do momento temporal em que a lei permite a sua apresentação. Em boa verdade, a junção de documentos ao processo conjuntamente com as alegações só é admissível se essa apresentação se revelou impossível em momento anterior (superveniência objetiva ou subjetiva) ou quando apenas se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância. Para o efeito há também que ter em atenção que, no caso, estamos perante um despacho de apreciação liminar. Ora, como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa: a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam (1). Todavia, consideramos que é precisamente este o caso dos presentes autos: além de a reclamação ter sido apresentada em data posterior à oposição deduzida, foi perante a decisão de convolação da oposição em impugnação judicial, que a ora Recorrente sentiu necessidade de juntar o documento, com o qual pretende justificar que ainda se encontra em tempo de deduzir impugnação judicial, precisamente por ter reclamado da liquidação junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, não havendo assim, no seu entender, necessidade de se proceder oficiosamente à convolação, por não existir perigo de indefesa. Em face do exposto, admite-se a junção do documento, já levado ao probatório na alínea E) em II.1. Segue agora para apreciação das alegações e conclusões de recurso. Vejamos: Citada para os termos da execução fiscal a ora Recorrente apresentou junto do Serviço de Finanças peça processual nos termos e para os efeitos dos artigos 203º, nº 1 alínea a) e 204º, nº 1, alínea b) do Código de Procedimento e Processo Tributário (cf. fls. 1 do processo), na qual termina pedindo: Nestes termos e nos demais de Direito, se requer a V. Exa. se digne admitir a presente oposição e julga-la procedente, por provada, declarando a execução acima identificada extinta, em resultado da ilegitimidade da Oponente, por conseguinte, da inexigibilidade da dívida exequenda, nos termos do artigo 204º, nº 1, alínea b) do CPPT, com as legais consequências. Assim, lido o preambulo e o pedido, dúvidas não temos que a Autora quis deduzir oposição à execução fiscal, cuja extinção pede a final. Como expende Jorge de Sousa (2), a oposição, em regra, visa a extinção, total ou parcial, da execução fiscal (…). Todavia, perante os fundamentos apresentados, a decisão recorrida julgou verificado o erro no meio processual utilizado pela Contribuinte e declarou o juízo de execuções e recursos contraordenacionais incompetente para dela conhecer e competente o juízo tributário comum. Diz no excerto que aqui interessa e importa considerar: (….) Nos presentes autos, a Oponente vem deduzir oposição contra o PEF n.º 2208202101247301, instaurado pelo Serviço de Finanças de Palmela, por dívidas relativas a IRS do ano de 2018, com a quantia exequenda de € 1.972.907,87, pugnando pela ilegalidade da liquidação no que concerne à sua responsabilização tributária, e peticionando a extinção da execução “em resultado da ilegitimidade da Oponente, por conseguinte, da inexigibilidade da dívida exequenda.” Assim, pese embora a Oponente invoque a alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT como fundamento da Oposição, as alegações estão todas construídas em redor da sua alegada irresponsabilidade pelo pagamento do imposto em causa, cuja síntese se pode capturar no artigo 38.º da petição inicial: “entende a Oponente ser, conforme se verá, parte ilegítima do processo de execução fiscal, na medida em que a dívida tributária lhe é estranha, não foi autorizada por ela e decorre apenas de uma declaração inexata feita por terceiros, pelo que a dívida a existir, o que não se concede, só pode responsabilizar o executado Sandro Miguel Miranda.” Aliás, a Oponente erige a sua fundamentação tendo por base três pilares argumentativos: a sua errada responsabilização tributária pelas dívidas; a ocorrência de erro sobre o objeto da declaração; e a violação do princípio da proporcionalidade na decisão de liquidação, no que concerne à responsabilização tributária da Oponente. Ora, tais fundamentos, relacionados com a responsabilidade tributária por dívida exequenda proveniente de IRS, não se reconduzem ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, não podendo, pois, ser apreciados em sede de Oposição. Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16-11-2011, relativo ao processo n.º 0584/11 (disponível em www.dgsi.pt): “Alegando o oponente não ser responsável pela dívida exequenda proveniente de IRS (…) tal fundamento não encontra enquadramento em qualquer uma das situações previstas nas alíneas b) e i) do nº 1 do referido artº 204º, tendo antes a ver com a ilegalidade em concreto da liquidação, que não é fundamento da oposição à execução fiscal, salvo se a lei não assegurar meio judicial de impugnação ou recurso contra esse acto.” De forma ainda mais diretamente aplicável ao caso concreto, veja-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04-03-2010, relativo ao processo n.º 00054/04.0BEPNF (disponível em www.dgsi.pt): “Estando em cobrança coerciva dívida proveniente de IRS que foi liquidado a ambos os cônjuges na sequência da apresentação de declaração conjunta de rendimentos (…) e que, por isso, constam ambos como devedores da certidão de dívida, não pode um deles invocar como fundamento de oposição à execução fiscal a sua falta de responsabilidade pela dívida exequenda com o argumento de que os rendimentos foram auferidos apenas pelo outro e que este não contribuía para os encargos da vida familiar. Esse fundamento não integra o segundo tipo de ilegitimidade previsto na alínea b) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT – que se reporta exclusivamente aos impostos em que a posse, fruição ou propriedade de determinados bens seja pressuposto da incidência – e antes contende com a legalidade concreta da liquidação, motivo por que não serve de fundamento de oposição à execução fiscal.” Deste modo, e considerando a supracitada jurisprudência, a arguição da Oponente reconduz-se, pois, à legalidade da liquidação da dívida exequenda, cuja sindicância, em sede de Oposição, só pode ocorrer nas circunstâncias muito estritas da alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, isto é, apenas quando não esteja legalmente previsto qualquer meio judicial de impugnação da decisão de liquidação, o que no caso concreto não é alegado, nem se descortina. Caso contrário, os vícios arguidos constituem fundamentos da impugnação judicial, nos termos do artigo 99.º do CPPT. Todavia, o pedido formulado pela Oponente é de extinção da execução “em resultado da ilegitimidade da Oponente, por conseguinte, da inexigibilidade da dívida exequenda.” Uma mera interpretação meramente literal do pedido obstaria, prima facie, à configuração de uma situação de erro na forma de processo, dada a adequação do pedido à forma processual de Oposição à execução fiscal; porém, em concatenação com a causa de pedir e fundamentos invocados pela Oponente, dimana como pedido implícito a pretensão de anulação da liquidação de IRS em cobrança executiva, por incorreta imputação da respetiva responsabilidade tributária. Deste modo, a jurisprudência superior tem admitido que, em determinados casos em que o pedido explícito seja de extinção de execução, o Tribunal possa, através do recurso à figura do pedido implícito, e norteado pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva, de modo a apreender-se a verdadeira pretensão jurídica e conferir a maior tutela à parte (a propósito, veja-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03-06-2020, relativo ao processo n.º 01824/18.8BEBRG; e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07-05-2020, relativo ao processo n.º 690/19.0BEBJA, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), interpretar que o pedido implícito, e que deve ser considerado para efeitos de erro na forma de processo, seja o de anulação da liquidação. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16-12-2015, relativo ao processo n.º 01508/14 (disponível em www.dgsi.pt): “Na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que o tribunal deve extrair da redacção dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica. Tendo presentes esses princípios e as concretas causas de pedir invocada, o pedido de extinção da execução formulado a final pelo oponente enquanto consequência da anulação total do acto de liquidação que está na origem da dívida exequenda pode ser interpretado como tendo implícito o pedido de anulação desse acto.” In casu, considerando que a Oponente apenas alega e invoca fundamentos relacionados com a legalidade da liquidação e tendentes à sua anulação, e que peticiona a extinção da execução “em resultado da ilegitimidade da Oponente, por conseguinte, da inexigibilidade da dívida exequenda”, retira do mesmo, enquanto pedido implícito, que a Oponente pretende, na verdade, a anulação do ato de liquidação de IRS em cobrança executiva. Destarte, considerando o pedido implícito de anulação do ato de liquidação de IRS, que se reconduz à apreciação da legalidade de um ato tributário e a sua anulação, isto é, à impugnação judicial, nos termos conjugados dos artigos 97.º, 99.º e 124.º do CPPT, nada tendo que ver com o contencioso associado à execução fiscal, configura-se, assim, um erro na forma de processo. Todavia, a competência para a apreciação de impugnações judiciais encontra-se atribuída ao juízo tributário comum, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º-A do ETAF, e não ao juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, que se afigura assim como incompetente, em razão da matéria, para julgar a presente causa. Destarte, cumpre determinar qual o juízo ou tribunal materialmente competente para conhecer da mesma, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 18.º do CPPT. Prosseguindo: Em rigor, a ora Recorrente, nas conclusões das alegações de recurso, não impugna o segmento da decisão em que se concluiu que a causa de pedir não se enquadra nos fundamentos da oposição. Insurge-se, sim, contra a decisão de convolação da oposição apresentada em impugnação judicial, sendo essa a decisão com que não se conforma e da qual recorre. Argumenta: estar ainda a decorrer o respetivo prazo de apresentação e, logo, em tempo para deduzir impugnação e que a petição de oposição apresentada não contempla todos os vícios que pretende suscitar em sede de impugnação do ato de liquidação, dívida base da instauração do processo de execução fiscal. Anote-se, desde já, que não houve uma decisão expressa de convolação da oposição em impugnação judicial, mas tão só se decidiu pela incompetência do juízo em razão da matéria e de remessa oficiosa do processo. Com efeito, lida a decisão, diz se, em suma, que na causa de pedir são apresentados fundamentos atinentes à legalidade do ato de liquidação e que, portanto, o seu conhecimento estará cometido ao juízo tributário comum. O Tribunal a quo declarou-se, pois, incompetente para conhecer do mérito da ação, considerando competente para o efeito o juízo tributário comum. Ora, a criação dos juízos de competência especializada tributária encontrava-se já prevista no nº 2 do artigo 9-A do ETAF, desdobrados em: (i) Juízo tributário comum; (ii) Juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais. Entretanto, o Decreto-Lei n.º 174/2019, de 13 de dezembro, consagrou a especialização no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (artigo 4º), que passou a integrar aqueles juízos de competência especializada com entrada em funcionamento no dia 1 de setembro de 2020 (Portaria n.º 121/2020, de 22 de maio). A decisão recorrida é, sobretudo, uma apreciação liminar, sem audição da parte, em que o Mmº Juiz a quo se declara incompetente em razão da matéria para conhecer da ação e competente o juízo tributário comum, com competência residual. Como se escreveu na Decisão deste TCAS de 2022.04.29, proferida no Proc nº 2712/15.5BELSB a propósito do conflito de competência, entre juízo de competência especializada e juízo de competência comum, e com a qual concordamos: A competência, como medida de jurisdição atribuída a cada tribunal para conhecer de determinada questão a ele submetida, e enquanto pressuposto processual, determina-se pelos termos em que a acção é proposta; isto é, pelos pedidos e causas de pedir. É entendimento generalizado da Jurisprudência dos Tribunais Superiores e da Doutrina que a competência do tribunal “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)” (…) A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor compreendidos aí os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão” (cfr. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 91 e, por todos, o acórdão do Tribunal de Conflitos de 4.07.2006, proc. n.º 11/2006). Em suma, a competência afere-se pela substância do pedido formulado e pela relação jurídica subjacente ou factos concretizadores da causa de pedir. Como já referimos supra, no caso em análise, lido o pedido, dúvidas não temos que a Autora quis deduzir oposição à execução fiscal, cuja extinção pede a final. Trata-se de pedido expresso, compatível com a forma de processo que diz apresentar no introito da petição e que fez distribuir como oposição à execução. Considerando a conformidade do pedido com a forma processual escolhida pela parte, recomendava a prudência a audição da Autora antes da decisão, assim melhor se servindo os princípios da cooperação e de economia processual. Deveria, pois, a autora e ora Recorrente ter sido convidada a pronunciar-se sobre se pretendia que perante a inadequação dos fundamentos apresentados, que constituem a causa de pedir, a ação fosse aproveitada como impugnação da legalidade do ato de liquidação. Em face do teor das alegações de recurso é patente que a Autora pretende que a sua pretensão seja julgada no Juízo de execuções fiscais e recursos contraordenacionais e que tencionava, ab initio, deduzir oposição à execução fiscal: foi essa a forma de processo que elegeu. Pese embora nas alegações de recurso dirija o ataque a um despacho de convolação da oposição em impugnação judicial que, como vimos já, não foi expressamente proferido, mas que se infere pela invocação dos artigos 98/4 CPPT e 97/3 LGT. Ora, se é certo que a decisão recorrida é de incompetência e de consequente remessa oficiosa ao juízo que entendeu ser o absolutamente competente, tem de prevalecer, no caso concreto em análise, a alegação da parte de a petição de oposição à execução ser inidónea para efeitos de impugnação judicial e de estar a ser prejudicada no seu direito de defesa. Com efeito, a questão de se saber se os fundamentos invocados são ou suscetíveis de viabilizar a pretensão formulada pela Recorrente é matéria que se prende com o êxito (procedência) ou o fracasso da ação, mas não com a forma processual adequada ao pedido que tenha sido formulado (nesse sentido v.g. nomeadamente o Ac. STA, 2ª Seção, Proc nº 0343/14, de 2015.06.17, disponível em www.dgsi.pt). Poder-se-á estar antes perante caso rejeição liminar da oposição por não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no nº 1 do artigo 204º CPPT ou de manifesta improcedência (cf. artigo 209/1 CPPT). Ora, se os princípios que enformam o processo civil moderno e o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva impõem ao juiz um distanciamento da interpretação da petição eivada de rigores formalistas, da prevalência do fundo sobre a forma e da promoção da decisão de mérito das pretensões formuladas, certo é também que o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão (vg. Ac STA, 2ª Seção, de 2015.12.16, Proc nº 01508/14, disponível em www.dgsi.pt). Também por esta razão se imporia ter sido ouvida a ora Recorrente antes de ser proferida a decisão recorrida. Todavia, através do presente recurso, a ora Recorrente manifestou já e de forma inequívoca que não pretende o aproveitamento da petição, que recordemos, considera inidónea para o efeito, nomeadamente por pretender invocar ainda outros vícios do ato de liquidação [cf. conclusão H) das alegações de recurso]. Está assim em causa o direito de defesa da ora Recorrente, que contende com as garantias de defesa da parte, como alega. Assim, perante a recusa firme e inequívoca da ora Recorrente, a decisão sob recurso que decidiu pela incompetência do juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais para conhecer da ação não se pode, pois, manter e irá ser revogada. Revogando-se o despacho recorrido, cumpre conhecer em substituição. Ora, a verdade é que, a petição de oposição, pelas razões expandidas e assertivas levadas ao despacho reclamado e supratranscrito e que se tornaria fastidioso repetir aqui, impõem a rejeição liminar da oposição, visto o disposto no artigo 209/1 CPPT. Com efeito, lida a petição forçoso é concluir-se no sentido de não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no nº 1 do artigo 204º CPPT, sendo manifesta a improcedência, o que leva à rejeição liminar da oposição. Em face do exposto, procede o recurso, revoga-se o despacho que considerou incompetente para o conhecimento da ação o juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada e conhecendo em substituição rejeita-se liminarmente a oposição por não terem sido alegados alguns dos fundamentos admitidos no nº 1 do artigo 204º CPPT. * Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos do artigo 6/8 do RCP, quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça. Sumário/Conclusões: I. Em sede de recurso, a junção de documentos ao processo conjuntamente com as alegações só é admissível se essa apresentação se revelou impossível em momento anterior (superveniência objetiva ou subjetiva) ou apenas se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância. II. A criação dos juízos de competência especializada tributária encontrava-se já prevista no nº 2 do artigo 9-A do ETAF, desdobrados em: (i) Juízo tributário comum; (ii) Juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais. III. A competência, como medida de jurisdição atribuída a cada tribunal para conhecer de determinada questão a ele submetida, e enquanto pressuposto processual, determina-se pelos termos em que a ação é proposta; isto é, pelos pedidos e causas de pedir. IV. A questão de se saber se os fundamentos invocados são ou suscetíveis de viabilizar a pretensão formulada pela Recorrente é matéria que se prende com o êxito (procedência) ou o fracasso da ação, mas não com a forma processual adequada ao pedido que tenha sido formulado. III - Decisão Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, declarar competente o Juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada e conhecendo, em substituição, rejeita-se liminarmente a oposição deduzida pela Opoente e ora Recorrente. Sem custas nesta instância e custas pela Opoente em primeira instância, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do nº 8 do artigo 6º do RCP. Lisboa, 6 de dezembro de 2022 Susana Barreto Tânia Meireles da Cunha Jorge Cortês _______________________________________ (1) Aut. Cit, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: Anotado, Vol.1. I, Almedina, 2ª Ed., 2020, pág. 813. (2) Aut. Cit. volume III, anotação 39 ao art. 204.º, pág. 502 |