Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:541/15.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/06/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:REVERSÃO
ADMINISTRAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - O exercício efetivo de funções de administrador é um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores.
II - Cabe à Administração Tributária o ónus da prova do exercício efetivo de funções de administrador por parte do revertido.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio apresentar recurso da sentença proferida a 21/05/2024 pelo Tribunal Tributário («TT») de Lisboa, que julgou procedente a oposição judicial deduzida por L…, melhor identificado nos autos, ao processo de execução fiscal («PEF») n.º 3239201201098438, contra si revertido, depois de originariamente instaurado contra a sociedade C…, S.A., para cobrança de dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA»), do período de 2012/03, no valor de 51.484,21 Euros.

A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:
«A.
A questão a apreciar e a decidir resume-se à verificação da legitimidade do oponente/recorrido
para os termos da execução fiscal em causa.
B.
A Fazenda Pública considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito,
por errada valoração dos elementos constantes dos autos, deficiente análise crítica das provas
e consequente erro na aplicação do disposto no n.º 4 do art.º 23.º e na alínea b), do n.º 1, do art.º 24.º, ambos da LGT.
C.
Os elementos presentes nos autos, mais concretamente os que resultam da análise da prova documental junta pela Fazenda Pública, deveriam conduzir a uma decisão de sentido diferente, factualidade que, devendo ter sido dada como provada, uma vez que não foi impugnada, levaria a uma interpretação diversa da fixada na sentença recorrida, razão pela qual desde já se invoca a nulidade prevista no n.º 1 do art. 125º do CPPT e art. 615º, nº 1, al. c) do CPC.
D.
O Tribunal a quo efetuou uma errada valoração dos elementos constantes nos autos, mais concretamente dos documentos juntos a fls. 84 e seguintes do SITAF - sentença proferida no
processo nº 617/13.3 IDLSB pela Instância Local – Secção Criminal – J11 e do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – 3ª Secção Criminal, os quais impunham decisão diversa da
recorrida.
E.
A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada, não se impondo que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do revertido.
F.
Atento aos elementos constantes do processo de execução fiscal, nomeadamente no despacho de reversão, verificamos que, contrariamente ao decidido na sentença em apreço, foi cumprida a fundamentação exigida pela lei, nos termos do já mencionado n.º 4 do art.º 23.º da LGT, inexistindo assim qualquer irregularidade no procedimento adotado pela Autoridade Tributária aquando do procedimento de reversão.

G.
A Autoridade Tributária juntou documentos elucidadores que, em conjunto com outros elementos documentais dos autos, comprovam o exercício da administração de facto pelo recorrido.
H.
A sentença proferida no processo nº 617/13.3IDLSB pela Instância Local – Secção Criminal – J11 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, contêm elementos fundamentadores, nomeadamente as declarações prestadas pelo próprio L…, que confirmam o exercício efetivo da administração da sociedade originária devedora,
C…, SA., em conjunto com R…, nos anos em referência nos autos.
I.
Inexistem dúvidas de que a Autoridade Tributária logrou comprovar que o Oponente exerceu a administração de facto da sociedade devedora originária, mesmo que o tenha feito conjuntamente com outro administrador, encontrando-se plenamente demonstrada a sua imputabilidade pelo pagamento das dívidas durante o período do exercício do seu cargo.
J.
Neste contexto, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a
decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, devendo a sentença
ser revogada.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão
recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a
oposição totalmente improcedente.
Porém, V. Exas. Decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.»

*
O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:


«1. A jurisprudência e a doutrina são unânimes no entendimento de que, a responsabilidade subsidiária dos artigos 24.º da L.G.T. e 78.º do C.S.C. depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
2. Unânimes, também, no entendimento de que a presunção aí prevista, não é uma presunção
legal, mas uma presunção simples, que, para ser ilidida não necessita de contraprova ou de prova em contrário.
3. Perante a inexistência de presunção legal, recaía sobre a Recorrente o ónus de comprovar o
efectivo exercício da administração do Recorrido, como pressuposto necessário ao exercício
do direito de reversão.
4. A Recorrente não provou qualquer facto que indiciasse o exercício efectivo da administração, não logrou demonstrar a existência de qualquer documento comprovativo, fosse por meio da assinatura de documentos, entrega de declarações de impostos ou participação deste nos negócios da devedora originária, limitou-se a presumir a administração de facto, a partir da administração de direito.
5. O que manifestamente resulta da prova produzida nos presentes autos, não só dos documentos juntos, nomeadamente das várias Decisões que ora junta, é que o Recorrido não
exerceu a administração da sociedade em causa.
6. O Recorrido exerceu, de 2005 a 2009, funções de administrador, apenas na área comercial
da sociedade devedora originária, nunca teve qualquer responsabilidade na área financeira, nomeadamente quanto à tesouraria e pagamentos ao Fisco, a partir de 2009, deixou essas funções, passando a residir e trabalhar, exclusivamente, em Angola, conforme resultou provado nos processos acima indicados e dos quais aqui junta as certidões das respectivas Sentenças.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a
douta Sentença recorrida. Assim se cumprindo a Lei e fazendo
Justiça»

*
O Exmo. Magistrado do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
*
Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

*
II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se:

(i) a sentença recorrida padece da nulidade porquanto os respetivos fundamentos estão em oposição com a decisão, nos termos do que preceituam os arts.º 125.º, n.º1 do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC; e,

(ii) deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento de direito, atendendo a que o órgão de execução fiscal demonstrou que o Recorrido exerceu a administração de facto da sociedade devedora originária.

*
III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«1) A 14.02.2001, foi averbado no registo comercial a constituição da sociedade «C…, S.A.», tendo sido designados administradores R…, D…e o Oponente, obrigando-se a sociedade pela «assinatura de dois administradores ou de um administrador delegado».
(cfr. doc. n.º 007939800 do Sitaf).
2) A 05.11.2014, foi registada na Conservatória do Registo Comercial a cessação de funções do oponente como administrador da sociedade «C…, S.A.», com o motivo «renúncia».
(cfr. doc. n.º 007939800 do Sitaf).
3) A 20.06.2012, foi instaurado contra a sociedade «C…, S.A.», o processo de execução n.º 3239201201098438, por dívidas de IVA, referentes ao período de 2012/03, no montante de €51.484,21, tendo como data limite de pagamento voluntário 12.06.2012.
(cfr. fls. 1 a 3 do PEF).
4) A 02.10.2014, foi remetido um ofício ao oponente para exercício de audição prévia no âmbito de procedimento de reversão do processo de execução n.º 3239201201098438.
(cfr. fls. 7 do PEF).
5) Em data não apurada, foi proferido, pelo Chefe de Finanças, despacho de reversão da execução contra o oponente.
(cfr. fls. 13 e 14 do PEF).6) A 02.12.2014, foi remetido um ofício ao oponente com o assunto «Citação (Reversão)», no qual se dá conhecimento de que foi efetuada a reversão da execução, do qual consta o seguinte:




(cfr. fls. 13 e 15 do PEF).
Mais se provou que,
7) A 18.05.2009, o Oponente celebrou um Contrato de Trabalho, pelo prazo de seis meses, renovável, com a sociedade B…, Lda., através do qual ficou firmado que o Oponente exerceria as funções de desenvolvimento de negócio, gestão de clientes e projetos, correspondentes à categoria profissional de Diretor de Conta daquela empresa, sendo o local de trabalho em Luanda.
(cfr. doc. n.º 2 junto à p.i.).
8) Em 16.03.2011, a sociedade B…, Lda., representada pelo oponente, celebrou um Contrato de Arrendamento, para habitação do oponente, em Luanda, na Rua C…, n.º .., Bairro A….
(cfr. doc. n.º 3 junto à p.i.).».
*

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da presente ação.».
*
Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«O Tribunal fundou a sua convicção na análise dos documentos e informações oficiais, constantes dos autos, para os quais se remete no final de cada facto, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal.».
*
III.B De Direito

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, enfermar de nulidade nos termos dos arts.º 125.º, n.º1 do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, por existência de contradição entre os fundamentos e a decisão, e por padecer de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, concretamente em relação à demonstração do exercício da administração de facto da sociedade devedora originária por parte do Recorrido. Neste conspecto, vem a Recorrente, em suma, peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 3239201201098438, defendendo, em suma, que ficou provado que o Recorrido exerceu a administração de facto da executada originária.

Por seu turno, o Recorrido pugna pela improcedência do recurso apresentado pela Fazenda Pública, alegando, na senda da posição plasmada na sentença recorrida, que o órgão de execução fiscal não provou o exercício da administração de facto da executada originária.

De igual forma, sustenta o EMMP junto deste Tribunal que as conclusões recursivas devem ser julgadas improcedentes e, em consequência, ser mantida na ordem jurídica a sentença recorrida.

Apreciemos.
Quanto à nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão

Entende, fundamentalmente, a Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, por oposição entre os fundamentos de facto e a decisão.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1 do CPPT, constitui nulidade da sentença a oposição dos fundamentos com a decisão (cf. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC).

Esta nulidade consubstancia-se na contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença, ou seja, na circunstância de o iter constante da sentença, na sua motivação, estar em contradição com a decisão a final proferida.

Como referido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo («STA»), de 05/11/2014, proc. n.º 0308/14, disponível em www.dgsi.pt, «esta nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto. Isto é, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que logicamente deveria ter extraído: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente».

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, decorre que o alegado não se trata de qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, porquanto todo o itinerário da sentença está em conformidade com o decidido a final. O alegado poderá, quando muito, conduzir a erro de julgamento.



O que no fundo a Recorrente alega é que os factos provados devem conduzir, necessariamente, a solução inversa àquela que foi retirada na sentença recorrida. Isto é, o que a Recorrente sustenta é que houve um erro no julgamento, quanto à não administração de facto da executada originária, o que não é, de todo, fundamento que consubstancie a nulidade, mas, quando muito, erro de julgamento.

Como tal, e sem necessidade de nos alongarmos mais, concluímos que a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe é assacada.

Quanto ao erro de julgamento

Como já acima foi apontado, sustenta a Recorrente que o órgão de execução fiscal demonstrou, no âmbito do procedimento de reversão, que o Recorrido exerceu a administração de facto da executada originária.

Por sua vez, pugnam o Recorrido e o EMMP pela improcedência das conclusões recursórias, sustentando, na essência, que não foi feita qualquer prova pelo órgão de execução fiscal quanto à administração e gestão de facto da sociedade devedora originária.

Vejamos.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária («LGT»), nos termos do qual:

«1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.».

O art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão ou administração de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

Esta norma, consagra, assim, no seu n.º 1 duas hipóteses distintas de responsabilidade tributária:

(i) a primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária («AT») alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

(ii) a segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

In casu, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT (cf. pontos 5. e 6. da factualidade assente).

Como referimos, o regime da responsabilidade tributária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor.

Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão ou administração de facto (cf. o acórdão do STA, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, disponível em www.dgsi.pt), aplicar-se-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Cabe à Autoridade Tributária («AT»), desde logo e em primeira linha, o ónus da alegação e prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos (cf. art.º 74.º da LGT).

A prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas.

Durante vários anos, prevaleceu o entendimento de que, demonstrada que fosse a gestão de direito, a AT beneficiaria de uma presunção de gestão de facto, cabendo, segundo este entendimento, ao revertido demonstrar não ter exercido efetivamente as referidas funções.

Na sequência do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 28/02/2007, proc. n.º. 01132/06, disponível em www.dgsi.pt, operou-se uma alteração jurisprudencial, no sentido de que «[a] presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. (...) Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. (...) Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal».

Como tal, continua o referido acórdão do Pleno:

«Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
(…) [N]ada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização” (sublinhado nosso).
Face a este entendimento, unânime há já vários anos na jurisprudência atual, a que se adere, decorre, como referido, que cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, efetivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade (cfr., para as sociedades por quotas, os art.ºs 192.º e 252.º do Código das Sociedades Comerciais).
O mesmo resulta da interpretação do art.º 11.º do Código do Registo Comercial (CRCom).
Com efeito, nos termos desta disposição legal, “[o] registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”.
Atentando na finalidade inerente ao registo comercial e, nesse seguimento, chamando à colação o art.º 1.º do CRCom, do seu n.º 1 resulta que “[o] registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico».

Sendo certo que é legalmente obrigatória a inscrição da nomeação dos membros dos órgãos de administração de sociedades comerciais, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. m), do Código do Registo Comercial («CRC»), da leitura conjunta das disposições legais referidas resulta que as mesmas visam dar publicidade a uma situação jurídica e não a uma situação de facto. Assim, e no que ao registo da nomeação de uma determinada pessoa como gerente de uma sociedade, a presunção que decorre do art.º 11.º do CRC é uma presunção da gestão de direito («situação jurídica»), e não da de facto.

Portanto, também por esta via, não se pode extrair da administração de direito a administração de facto.

Posto este enquadramento, cumpre apreciar o caso em concreto.

Ora, no caso dos autos, desde logo se refira que do despacho de reversão não consta qualquer indicação sobre quaisquer elementos factuais relativos ao exercício efetivo das funções de administrador por parte do Oponente, tendo o órgão de execução fiscal, segundo cremos, considerado que a administração de facto se presumia da administração de direito (cf. pontos 5. e 6. da factualidade assente).

Assim, desde logo se refira que a AT, ao contrário do que era seu ónus, não concretizou, materialmente, o exercício efetivo de funções de administrador por parte do Recorrido, em sede de despacho de reversão. Ora, como se deixou expresso supra, a AT não goza de qualquer presunção no sentido de que a administração de facto se extrai da de direito, cabendo-lhe sempre, independentemente de estarmos perante administrador que seja ou não de direito, demonstrar e provar a gestão de facto, demonstração e prova sim fundamentais para efeitos de reversão.

Por outro lado, também não resulta da factualidade assente que em sede de procedimento de reversão a AT tenha identificado quaisquer factos relativos ao devir comercial da sociedade devedora originária dos quais se possa extrair a conclusão de que o Recorrido foi administrador da mesma.

Acresce, ainda, que não resulta de modo algum factualidade assente nos presentes autos que tenha sido o Recorrido o administrador de facto no período concretamente relevante (2012/03 – cf. pontos 3., 5. e 6.).

Assim, atento este quadro factual e a completa ausência de alegação e prova por parte da AT da existência de atuação por parte do Recorrido que evidenciasse o efetivo exercício de funções de administrador, não se pode se não concluir que, não estando demonstrado tal exercício, essa ausência de prova reverte a favor do Recorrido.

Diga-se, por fim, que contrariamente ao alegado pela Recorrida (cf. conclusão E.) não está em causa a fundamentação formal do despacho de reversão, mas antes a sua substanciação material no que tange ao requisito da administração de facto da executada originária, nos termos do art.º24.º, n.º1 da LGT, como dimana do que nesse conspecto vem alegado na petição inicial e do que ficou consignado na sentença recorrida. E por ser assim, irrelevam essas considerações tecidas pela Recorrente relativamente aos requisitos da fundamentação formal do despacho de reversão.

Logo, conclui-se, em linha com a sentença recorrida, que não se encontra preenchido o pressuposto previsto no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, motivo pelo qual se verifica a ilegitimidade do então Oponente, ora Recorrido.


Em face do exposto, o recurso não merece provimento, devendo a sentença recorrida ser mantida, pois que, com acerto, julgou procedente a oposição à execução fiscal.
*
IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 6 de fevereiro de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)
(Susana Barreto)
(Lurdes Toscano)