Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1559/10.0BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/26/2024 |
| Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
| Descritores: | RECLAMAÇÃO GRACIOSA TEMPESTIVIDADE IRS |
| Sumário: | I.A intempestividade da reclamação graciosa não se confunde com a intempestividade da impugnação judicial.
II. Por referência a 2007, o CIRS continha uma norma própria atinente ao prazo para apresentação de impugnação judicial ou reclamação graciosa, prevalecendo este prazo especial face ao prazo geral previsto no CPPT. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acórdão I. RELATÓRIO L ………………………. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 19.11.2013, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual se julgou verificada a caducidade do direito de ação e, em consequência, se absolveu a Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) do pedido. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Nas suas alegações, o Recorrente concluiu nos seguintes termos: “1. O Tribunal a quo julgou “procedente a invocada intempestividade da presente Impugnação” (cf. Ponto V da Sentença, sublinhado nosso), entendendo assim estar verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de acção; 2. Consequentemente, decidiu pela absolvição da Fazenda Pública do pedido, nos termos do artigo 576.º, n.º 3 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT (cf. Ponto V da Sentença), decisão que aqui se sindica perante este Venerando Tribunal Central Administrativo Sul. 3. A questão decidenda consiste na aferição da tempestividade do direito de acção nos termos dos artigos 70.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1, do CPPT e do artigo 104.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRS. 4. A sentença recorrida decidiu pela negativa, dando como factos provados os elencados nas alíneas A) a I) do ponto III da Sentença. Contudo, porque relevante para a boa decisão da causa, impondo necessariamente decisão diversa da que foi tomada, o Recorrente requer a este venerando Tribunal, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC (ex vi dos artigos 2.º, alínea e) e 281.º do CPPT) que procede à ampliação à matéria de facto, passando a constar da mesma a data em que o Contribuinte foi notificado da liquidação. 5. Com efeito, a ampliação da matéria de facto pela introdução da data de notificação da liquidação de IRS ao Contribuinte preenche o pressuposto de indispensabilidade previsto no artigo 662.º do CPC. 6. Isto porque, a data de notificação ao Contribuinte da liquidação sindicada, indispensável para o cômputo do prazo de caducidade do direito de acção, depende intrinsecamente da data do registo postal da respectiva carta nos CTT. 7. O Recorrente requer, por isso, a este venerando Tribunal que admita a junção do documento comprovativo da data do registo postal da liquidação, i.e., cópia do relatório dos CTT (cfr. cit. Doc. 1), nos termos do artigo 651.º do CPC (aplicável ex vi dos artigos 2.º, alínea e) e 281.º do CPPT), porquanto essa junção depende apenas da (i) impossibilidade de apresentação até àquele momento (cfr. artigo 425.º do CPC); ou da (ii) necessidade de junção em virtude do julgamento proferido na primeira instância. 8. No caso dos autos, a necessidade de junção do documento deriva directamente do julgamento proferido em primeira instância, uma vez que este se fundou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes, justificadamente, não contavam (neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.09.2012, processo n.º: 174/08.2TTVFX.L1.S1). 9. E uma vez que o documento cuja junção se pretende tem por desiderato a prova dos fundamentos da acção, impondo, por si só, decisão diversa da tomada na Sentença recorrida (cfr. artigo 662.º, n.º 1 do CPC), a junção de documentos não se limita aos documentos novos supervenientes, devendo abarcar, como estabeleceu o Tribunal da Relação de Coimbra, “documentos sem essa virtualidade mas que, ainda assim, são susceptíveis de relevar para a decisão da causa, v.g., por poderem, ainda que em conjugação com outros elementos de prova, contribuir para a convicção do Tribunal da Relação na decisão a proferir quanto à matéria de facto impugnada com fundamento no disposto na al. a), segunda parte, do nº 1 do artº 712º do CPC” (cfr. Acórdão de 15.06.2010, processo n.º 690/2002.C1). 10. Neste contexto, e porque é mister concluir pela legalidade da junção da cópia do relatório dos CTT (cfr. cit. Doc. 1) referente ao registo postal da liquidação de IRS sindicada nestes autos de impugnação, deve considerar-se como data do registo a que consta do referido relatório dos CTT i.e., 12.10.2007, considerando-se, por isso, o Contribuinte notificado em 15.10.2007. 11. Requer-se assim a este venerando Tribunal, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC (ex vi dos artigos 2.º, alínea e) e 281.º do CPPT), que amplie a matéria de facto assente, aditando um Ponto à factualidade provada com o seguinte conteúdo: «A liquidação n.º ……………..676 foi notificada ao impugnante em 15.102007. 12. Adicionalmente, nos termos e para os efeitos do artigo 640.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT, e porque do conteúdo dos documentos juntos aos autos pelo Recorrente resultam provados os factos distintos e contrários, contesta-se a seguinte factualidade dada como provada pela Douta Sentença: “C) Em 13-03-2008 o impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação referida na alínea b) (cfr. Fls. 3 e segs do processo de reclamação graciosa apenso)”. 13. De facto, com relevo para a boa decisão da causa impõe-se consignar que a referência à data de apresentação da Reclamação Graciosa em 13.03.2008 é falsa, uma vez que a Reclamação Graciosa foi, isso sim, apresentada em 10.03.2008, por ser este o dia em que a mesma foi enviada por fax, registado na Ordem dos Advogados, do escritório do mandatário, tendo sido remetida por via postal registada em 11.03.2008 (cfr. cit. Doc. 2), sendo 13.03.2008 a data do carimbo de entrada da mesma no Serviço de Finanças de Lisboa-3. 14. Roga-se portanto a este venerando Tribunal, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, conjugado com o artigo 640.º, n.º 1 do CPC (ex vi dos artigos 2.º, alínea e) e 281.º do CPPT), que altere a matéria factual provada nos seguintes termos: “C) Em 10-03-2008 o impugnante deduziu, via fax, reclamação graciosa conta a liquidação referida na alínea B), a qual foi remetida por correio registado em 11-03-2008, tendo dado entrada no Serviço de Finanças em 13-03-2008”. 15. Não obstante o exposto, a Sentença a quo decidiu que “a apresentação da presente impugnação mostra-se intempestiva”. 16. Ora, como se viu, a notificação da liquidação de IRS em crise terá de presumir-se feita em 15.10.2007, por ser esse o 3.º dia posterior ao do registo [registo este datado de 12.10.2007 – cit. Doc. 1], pelo que o prazo de 30 dias previsto no artigo 140.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRS teve o seu início em 16.10.2007, nos termos do disposto no artigo 279.º, alínea b) do Código Civil, ex vi do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT, e o seu terminus em 14.11.2007. 17. Com efeito, é incontroverso que o artigo 140.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRS “estabelece um dies a quo especial no prazo quer para a impugnação quer para a reclamação graciosa de actos de liquidação de IRS, de tal modo que o mesmo se conta a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação “ (neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.10.2012, processo n.º 0501/12) 18. O que equivale por dizer que “em vez de se contar o prazo a partir do termo final do prazo para o pagamento voluntário (cfr. art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT) conta-se «a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação» - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.03.2012 (processo n.º 1129/11). 19. Assim, o prazo de 120 dias para deduzir a Reclamação Graciosa começou a correr a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação (e não a partir do termo do prazo para pagamento voluntário do imposto, como entendeu a Sentença recorrida), i.e., iniciou-se em 15.11.2007 e terminou em 13.03.2008. 20. Destarte, provada que está a apresentação via fax registado na Ordem dos Advogados da Reclamação Graciosa em 10.03.2008, a remessa por correio registado em 11.03.2208, não restam dúvidas quanto à tempestividade da Reclamação Graciosa. 21. Ora, ao interpretar diversamente, a Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por violação dos artigos 70.º, n.º 1, 102.º, n.º 1 alínea a) do CPPT e artigo 140.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRS. 22. Deve, por isso, ser revogada a Sentença recorrida, com fundamento na apresentação tempestiva da Reclamação Graciosa contra a liquidação de IRS n.º 20075004431676, porque feita dentro do prazo de caducidade do direito de acção, nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT e artigo 140.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRS. 23. Subsidiariamente, na hipótese de este douto Tribunal entender que a Reclamação Graciosa foi apresentada para além do prazo legal fixado (no que não se concede e apenas por dever de patrocínio se admite), nem por isso estaria precludido o direito de o Recorrente ver analisada a sua pretensão, pois poderia (como o fez) lançar mão do procedimento de Revisão Oficiosa do imposto. 24. Com efeito, a Revisão Oficiosa pode ter lugar no prazo de 4 anos, não estando dependente de prévia apresentação de Reclamação Graciosa ou de Impugnação Judicial, podendo ser espoletada – nesse mesmo prazo de 4 anos – quer por iniciativa do sujeito passivo, quer por iniciativa da Autoridade Tributária. 25. Neste quadro legal, o Recorrente, entendendo estarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 78.º da LGT, solicitou a convolação da Reclamação Graciosa em pedido de Revisão Oficiosa da liquidação de IRS em crise, na hipótese remota de se dar provimento ao argumento de que a Reclamação Graciosa não havia sido apresentada fora de prazo. 26. Até porque o “erro imputável aos serviços” previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT como fundamento do pedido de revisão oficiosa compreende também o erro de direito e não apenas o simples lapso, erro material ou de facto. 27. E tal erro é imputável à Autoridade Tributária sempre que esta aplique leis desconformes com o Direito Português ou com o Direito Comunitário, sendo tal imputação independente da culpa que, em concreto, caiba aos funcionários que efectuaram a liquidação afectada por erro, atento o dever de a Autoridade Tributária actuar em conformidade com a lei, nos termos do artigo 266.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigo 55.º da LGT. 28. Ora, no caso dos autos, as normas do Código do IRS aplicadas à situação tributária do Recorrente do ano de 2006 violam o Direito Português, por via da violação do Princípio da Igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa) na vertente da não discriminação (cfr. artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) e da Capacidade Contributiva (artigo 4.º, n.º 1, da LGT), 29. Bem como o Direito Comunitário, já que ao prescreverem um tratamento diferenciado em função da localização da entidade pagadora representam uma restrição da liberdade de circulação de capitais prevista no n.º 1 do artigo 56.º do Tratado (n.º 1 do artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia), extensível à Suíça, onde está domiciliada a entidade pagadora dos rendimentos em causa, mercê do disposto nos artigos 28.º e 29.º do Tratado da Associação Europeia de Livre Comércio. 30. Resulta pois evidente o erro de direito na liquidação do imposto pela Autoridade Tributária decorrente da aplicação de normas violadoras do Direito Português e do Direito Comunitário, i.e., o erro imputável aos serviços, abrindo-se deste modo a faculdade / dever de revisão previsto no artigo 78.º da LGT. 31. Assim sendo, mercê do dever de pronúncia e da sujeição da Autoridade Tributária a uma actuação legal e dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade constitucionalmente consagrados (artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), bem como do preenchimento dos pressupostos no artigo 78.º da LGT, deveria a Petição Inicial de Reclamação Graciosa ter sido convolada em Revisão Oficiosa da liquidação de IRS (artigo 52.º do CPPT). 32. E, uma vez que o procedimento corre perante a Autoridade Tributária, recai sobre esta a obrigação de convolar para a forma adequada os pedidos dos contribuintes apresentados no âmbito do procedimento tributário, tal como peticionado pelo Recorrente em sede de Recurso Hierárquico em 21.11.2008. 33. Errou portanto a Sentença recorrida, pelo que deve a mesma ser revogada, devendo este douto Tribunal reconhecer a obrigatoriedade de convolação da Reclamação Graciosa apresentada em Revisão Oficiosa, preenchidos que estão os respectivos pressupostos constantes do artigo 78.º da LGT. 34. Ainda que todo o exposto supra soçobrasse (o que apenas por cautela de patrocínio se admite), impõe-se recordar que sempre seria aplicável o prazo de 2 anos previsto no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT para apresentação da Reclamação Graciosa, visto tratar-se de um caso de autoliquidação, materializada, no que respeita ao IRS, na iniciativa de entrega da declaração de rendimentos pelo sujeito passivo (artigo 57.º do Código do IRS). 35. De todo o exposto decorre a inequívoca apresentação da Reclamação Graciosa dentro do prazo de dois anos legalmente estabelecido. 36. Deve, por isso, a Sentença recorrida ser revogada por erro de julgamento decorrente da desconsideração do prazo legal de 2 anos para apresentação da Reclamação Graciosa. 37. Finalmente, por cautela de patrocínio, alega-se subsidiariamente a aplicação do artigo 102.º, n.º 3, do CPPT, segundo o qual “se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo”. 38. Ora, tendo sido arguida a nulidade (parcial) da liquidação, como se constata no Pedido strictu sensu da Petição Inicial de Impugnação Judicial, a mesma não está sujeita a qualquer prazo de caducidade. 39. Com efeito, o prazo de 120 dias consagrado no artigo 70.º, n.º 1 do CPPT respeita apenas aos casos de anulabilidade, não estando os casos de inexistência ou nulidade sujeitos a prazo. 40. No caso dos autos, o acto de liquidação em crise viola o Direito Comunitário, mormente pela violação do princípio da liberdade de circulação de capitais, princípio da liberdade de circulação de serviços e princípio do primado do Direito Comunitário sobre o Direito Português, pelo que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental (cfr. artigo 133.º, n.º 2, alínea d) do CPA). 41. A nulidade é por si invocável a todo o tempo, devendo, por isso, concluir-se pela tempestividade da Impugnação Judicial. 42. Acresce que a alegada violação de normas comunitárias é matéria de conhecimento oficioso, tal como constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. Acórdãos de 17.04.2013, processo n.º 0398/12 e de 02.10.2013). 43. Deve, por isso, a Sentença recorrida ser revogada por erro de julgamento no que se refere a tempestividade da Impugnação Judicial com fundamento na nulidade do acto de liquidação de IRS sub judice. Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, consequentemente, a Sentença a quo proferida ser revogada, com o que se fará a devida e costumeira JUSTIÇA!”. A FP não apresentou contra-alegações. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto? b) Verifica-se erro de julgamento, uma vez que a reclamação graciosa foi apresentada tempestivamente?
II. DA ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS Cumpre, antes de mais, aferir da admissibilidade da junção dos documentos na presente instância, com as alegações de recurso. Vejamos. Nos termos do art.º 651.º do CPC, aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT: “1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”. Assim, de acordo com esta disposição legal é admissível a apresentação de documentos com as alegações de recurso ou nos casos em que a sua apresentação não tenha sido possível em momento anterior (v. a remissão expressa para o art.º 425.º do CPC) ou quando tal junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância. Quanto ao alcance desta última situação, trata-se da admissibilidade da junção de documentos quando o julgamento em 1.ª instância seja “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” (1), não sendo admissível a junção de documentos para prova de factos que já se sabia estarem sujeitos a prova (2). Chama-se a este propósito à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.05.2015 (Processo: 0570/14), onde se refere: “[N]os termos do art. 651.º (anterior art. 693.º-B), n.º 1, do CPC, no caso de recurso, as partes podem juntar documentos às alegações, não só nas situações excepcionais a que se refere o art. 425.º (anterior art. 524.º, n.ºs, 1 e 2), como também no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Ou seja, (…) são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância (…). (…) [A] possibilidade resultante desta última hipótese só se verificará quando «pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» e já não quando «a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância» (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra editora, 2.ª edição, págs. 533 e 534.). Assim, a junção de documentos às alegações de recurso só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância «criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam» (ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115.º, pág. 95.)”. In casu, o Recorrente juntou, com as suas alegações, documentos, todos de data anterior à da propositura da presente ação. Como resulta claro, a junção dos documentos em causa não se poderá enquadrar no âmbito da 1.ª parte do n.º 1 do art.º 651.º, dado tratar-se de documentos datados de momento anterior sequer à propositura da impugnação. Resta aferir se a sua junção se enquadra no âmbito da 2.ª parte da mencionada disposição legal, tal como defende o Recorrente. Desde já se adiante que a resposta é afirmativa. Com efeito, como resulta da decisão recorrida e é mencionado pelo Recorrente, o enquadramento jurídico feito pelo Tribunal a quo foi considerando a não aplicação de um regime especial de contagem do prazo para reclamar, entendimento com o qual a parte não podia contar. Face ao exposto, admite-se a junção de tais documentos, sem os quais não seria sequer possível conhecer do presente recurso.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO III.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “A) O impugnante procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2006, tendo declarado no anexo J, o montante de € 114.494,00 de rendimentos de capital (cfr. art. 3o da p.i. e ponto 1 da informação a fls. 132). B) Com base na referida declaração foi efectuada a liquidação n° ………………….676, de que resultou imposto a pagar no montante de € 43.007,89, com data limite de pagamento em 17-10-2007 (cfr. fls. 65 dos autos). C) Em 13-03-2008 o impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação referida na alínea B) (cfr. Fls. 3 e segs. do processo de reclamação graciosa apenso). D) Por despacho de 11-10-2008 a reclamação a que se alude na alínea precedente foi indeferida liminarmente, com fundamento na sua intempestividade (cfr. Fls. 41/42 do processo de reclamação graciosa apenso). E) O Impugnante foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa 22-10-2008 (cfr. Fls. 43/44 do processo de reclamação graciosa apenso). F) Em 25-11-2008 o impugnante apresentou recurso hierárquico contra a decisão referida na alínea E) (cfr. Fls. 3 e segs. do processo de recurso hierárquico apenso). G) Por despacho de 22-01-2010 foi negado provimento ao recurso hierárquico a que se alude na alínea precedente (cfr. Fls. 134 a 139 do processo de recurso hierárquico apenso). H) ). O Impugnante foi notificado da decisão referida na alínea precedente em 16-03-2010 (cfr. Fls. 197/198 do processo de recurso hierárquico apenso). I) A presente impugnação foi remetida ao tribunal por correio registado em 14-06-2010, tendo dado entrada no tribunal em 16-06-2010 (cfr. fls. 2 e 118 dos autos”.
III.B. Quanto aos factos não provados, refere na sentença recorrida: “Inexistem factos não provados com relevância para a decisão”.
III.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “Alicerçou-se a convicção do tribunal na consideração dos factos provados, no teor dos documentos identificados em cada uma das alíneas do probatório”.
III.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto O Recorrente insurge-se quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, no sentido de dever ser dado como provado o seguinte facto: “A liquidação n.º ……………..676 foi notificada ao impugnante em 15.10.2007”. Entende, ademais, que o facto C) padece de erro, porquanto a reclamação graciosa foi apresentada a 10.03.2008. Sustenta a sua convicção nos elementos documentais juntos com as alegações. Vejamos. Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (3). Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC]; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC]. Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados (4). Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que foram, de forma que se entende suficiente, cumpridos os referidos ónus. Com efeito, ainda que a formulação proposta tenha um cariz conclusivo, é apreensível o que pretende o Recorrente dar como provado. Apreciemos, então. Pretende o Recorrente que se deem como provados factos que permitam chegar à conclusão de que a notificação da liquidação de IRS em causa foi a 15.10.2007. Adiante-se que se pode concluir que assiste razão ao Recorrente (ainda que a data 15.10.2007 respeite a aplicação de regra de direito, extraível de facto), uma vez que, de acordo com os elementos juntos aos autos se conclui que a entidade responsável pelo serviço de correio postal registou a aceitação do registo postal correspondente à liquidação a 12.10.2007, único elemento pertinente in casu, dado que o demais decorre de aplicação de presunção legal. Face ao exposto, defere-se o requerido, ainda que com diferente formulação, sendo de aditar os seguintes factos: J) A liquidação referida em B) foi remetida ao Impugnante, através de correio postal registado, a que corresponde o registo n.º RY…………..PT (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial). K) No sistema do serviço de distribuição de correio postal encontra-se registada, como data de aceitação do objeto com registo n.º RY………………PT, o dia 12.10.2007 (cfr. documento n.º 1 junto com as alegações de recurso). No tocante ao facto C), na sentença o mesmo tem a seguinte formulação “C) Em 13-03-2008 o impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação referida na alínea b) (cfr. Fls. 3 e segs do processo de reclamação graciosa apenso)”. Ora, compulsados os autos, concretamente o processo administrativo atinente à reclamação graciosa, verifica-se que, de facto, a reclamação graciosa foi remetida aos serviços da administração a 10.03.2008, via correio postal registado, sendo essa a data pertinente (cfr. o envelope ali constante a fls. 14-A) Como tal, defere-se o requerido, passando o facto C) a ter a seguinte redação: C) Em 10.03.2008, o impugnante remeteu, via correio postal registado, aos serviços da administração tributária, a reclamação graciosa contra a liquidação referida na alínea b) (cfr. fls. 3 a 14-A do processo administrativo – procedimento de reclamação graciosa).
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO IV.A. Do erro de julgamento Considera o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, pois a reclamação graciosa foi apresentada tempestivamente. Com efeito, a notificação da liquidação presume-se feita a 15.10.2007, 3.º dia posterior ao registo, pelo que, atento o disposto no art.º 140.º, n.º 4, al. a), do CIRS, o prazo de 120 dias conta-se a partir de 15.11.2007, tendo terminado a 13.03.2008. Subsidiariamente, alega que sempre deveria ter sido a mesma, se intempestiva, convolada em pedido de revisão, que deveria ser considerado o regime previsto no art.º 131.º do CPPT e que foram invocados fundamentos conducentes a nulidade parcial da liquidação. Vejamos, então. O Tribunal a quo, configurando a intempestividade da reclamação graciosa como intempestividade da impugnação judicial, julgou procedente a exceção da caducidade do direito de ação. Antes de mais, refira-se que a intempestividade da reclamação graciosa não se confunde com a intempestividade da impugnação judicial. Por outro lado, quanto à pertinência de uma eventual intempestividade de reclamação graciosa, a mesma reflete-se não em termos de aferição da caducidade do direito de impugnar, mas sim consubstanciando fundamento de eventual improcedência da pretensão impugnatória. Diz-se, a este propósito, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.05.2017 (Processo: 01490/15): “[A] matéria de facto provada na decisão recorrida resulta, de forma inequívoca, que a impugnante deduziu reclamação graciosa (…) contra o acto de liquidação (…). Ora, não tendo a reclamação sido decidida no prazo de seis meses [à época], formou-se acto tácito de indeferimento que possibilitou a dedução de impugnação judicial, a apresentar no prazo de 90 dias [à época] contados do momento em que tal acto de indeferimento ocorreu, tudo em conformidade com o disposto nos nsº 1 e 5 do art. 57º da LGT e do art. 102º, nº 1, alínea d), do CPPT (na redacção vigente à data). E uma vez que dentro desse prazo, (…) a impugnante deduziu a presente impugnação judicial, não há como deixar de concluir pelo desacerto do julgado, não tendo ocorrido a caducidade do direito de impugnar. Com efeito, sempre que o contribuinte opte por deduzir reclamação graciosa contra o acto de liquidação, o prazo para o impugnar judicialmente deixa de se contar da data limite para pagamento voluntário do tributo, passando a relevar a data do indeferimento (expresso ou silente) dessa reclamação - cfr., entre outros, o acórdão do STA de 12/10/2011, no processo nº 0449/11. (…) [A] eventual intempestividade da reclamação graciosa não é indiferente ao resultado da impugnação judicial, conduzindo, a verificar-se, à improcedência do pedido por força do caso decidido ou resolvido e consequente inimpugnabilidade do acto (neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 2/04/2009, no processo nº 0125/09). É que, no caso de o acto já se ter firmado na ordem jurídica, por falta de atempado uso dos meios graciosos que a lei coloca à disposição do interessado, não pode este recuperar a oportunidade perdida, retirando da dedução de uma reclamação graciosa intempestiva consequências que a estabilidade do acto sindicado já não consente. Logo, a concluir-se pela extemporaneidade da reclamação graciosa, a posterior impugnação judicial não deve ser julgada extemporânea mas terá de improceder por inimpugnabilidade do acto e não por caducidade do direito de impugnar judicialmente como incorrectamente se julgou na decisão recorrida.(…).” [v. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 31.05.2017 (Processo: 01609/13) e de 14.10.2020 (Processo: 0937/02.2BTLRS 0318/15)]. Ademais, in casu, o Tribunal a quo partiu, na contagem do prazo para a apresentação da reclamação graciosa, do regime geral previsto no CPPT, não considerando o regime específico existente, à época, quanto ao IRS. Especifiquemos. Antes de mais, refira-se que a contagem de todos os prazos em causa é feita nos termos do art.º 279.º do Código Civil, como resulta do disposto no art.º 20.º, n.º 1, do CPPT. In casu, estamos perante liquidação de IRS, pelo que, à data, o prazo de reação à mesma era um prazo especial, que se distanciava do previsto no art.º 102.º do CPPT. Nos termos do então art.º 140.º do Código do IRS (CIRS): “4 - Os prazos de reclamação e de impugnação contam-se nos termos seguintes: a) A partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação”. Logo, temos um prazo próprio que prevalece sobre o prazo geral previsto no art.º 102.º do CPPT, em termos de dies a quo. Cfr., a este propósito, a título exemplificativo: - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.10.2019 (Processo: 02669/15.2BEPRT 0809/17); - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.04.2018 (Processo: 01133/17); - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.06.2017 (Processo: 01128/14); - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.03.2012 (Processo: 01147/11); - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.03.2012 (Processo: 01129/11); - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.10.2011 (Processo: 0517/11). Assim sendo, o prazo de 120 dias, para apresentar reclamação graciosa, conta-se a partir do 30.º dia após a notificação [in casu, a notificação presume-se efetuada a 15.10.2007 (3.º dia posterior ao do registo – cfr. art.º 39.º, n.º 1, do CPPT)]. Logo, a reclamação graciosa deveria ter sido apresentada até ao dia 13.03.2008, o que ocorreu. Como tal, assiste razão ao Recorrente, devendo revogar-se a decisão recorrida e ordenar-se a remessa dos autos ao Tribunal a quo, para que o mesmo proceda à tramitação conducente à apreciação das questões de mérito suscitadas, sobre as quais não houve qualquer decisão de facto, se a tal nada mais obstar.
V. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a exceção da caducidade do direito de ação; b) Determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, para eventual ampliação da matéria de facto e apreciação das questões cujo conhecimento resultou prejudicado, se a tal nada obstar; c) Sem custas; d) Registe e notifique. Lisboa, 26 de setembro de 2024 (Tânia Meireles da Cunha) (Teresa Costa Alemão) (Ana Cristina Carvalho) (2) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 786. (3) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169. (4) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada. |