Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1095/23.4 BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 12/19/2023 |
Relator: | CATARINA ALMEIDA E SOUSA |
Descritores: | RAC PRESTAÇÃO DE GARANTIA IMÓVEIS VPT VALOR DE MERCADO AVALIAÇÃO AD HOC |
Sumário: | I - Em princípio, para efeitos de garantia, o valor a ter em conta, para os bens imóveis, é o VPT (art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT).
II - A posição dos nossos tribunais superiores, mesmo depois do aditamento do art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT (e sua remissão para o CIS e daí para o VPT), é no sentido de tal não afastar a possibilidade de aplicação do n.º 2 do art.º 250.º do CPPT (possibilidade de realização de uma avaliação ad hoc do património), nos termos já anteriormente admitidos, quanto tal excecionalmente se justifique e desde que haja oportuna e sustentada alegação do contribuinte. III - Sendo apresentados junto da AT elementos que podem atestar a ocorrência de circunstâncias especiais justificativas de que, para efeitos penhora de bens imóveis, se deva atender a valor diverso do VPT (designadamente valor de mercado), tais elementos devem ser objeto de apreciação e eventualmente motivar a realização de uma avaliação ad hoc dos prédios em causa. IV – No caso, o VPT do imóvel é cerca de 7 (sete) vezes menor que o valor pelo qual, menos de um ano antes do pedido de suspensão com garantia, a fração foi adquirida, o que indicia que é este, pelo menos, o valor que o mercado está disposto a pagar por um imóvel com as características daquele que aqui está em causa. V- Não se desconsidera que sobre o mesmo imóvel (do qual o executado é comproprietário, na proporção de ½) recai já uma hipoteca, a favor de uma instituição bancária, no valor de € 343.000,00, sendo o montante máximo assegurado de € 490.490,00. Contudo, considerados os apontados 575 mil euros e descontados os cerca de 490 mil euros, temos ainda um valor remanescente de 85 mil euros, o qual se afigura, em princípio, suficiente para garantir o PEF nº 3107…, atento o valor em causa de €77.024,50, correspondente ao total a garantir. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Indicações Eventuais: | Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
l – RELATÓRIO T………………………….., com o número de identificação fiscal …………………., com domicílio na ……….., n.º 160, 4.º esquerdo, ……………….-077 Lisboa, apresentou reclamação da decisão proferida pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8, em 17/04/23, que não aceitou a garantia apresentada para suspender o processo de execução fiscal n.º ………………529, instaurado para cobrança coerciva do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), referente ao período de tributação do ano de 2018, na quantia exequenda de € 60.347,50. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 13 de setembro de 2023, julgou a reclamação judicial procedente, anulando a decisão reclamada. Inconformada com o assim decidido, a Fazenda Pública apelou para este Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões: « I. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou a reclamação de actos do órgão de execução fiscal procedente, determinando, em conformidade, pela anulação do despacho proferido pela Srª Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8, datado de 2023.04.17, nos termos do qual foi indeferido o pedido de prestação de garantia, mediante hipoteca voluntária a constituir sobre o imóvel identificado pelo artigo matricial nº ……….. da freguesia de Areeiro (cfr. o ponto d) do probatório), com fundamento na insuficiência do seu valor. II. A douta Sentença sob recurso consignou como vício imputável ao despacho sob escrutínio o facto de por este ter sido considerado o valor patrimonial tributário do imóvel proposto em garantia pelo Reclamante e não o seu valor de mercado, para efeitos de avaliação deste mesmo bem. III. Considerou neste tocante a douta Sentença a quo que, da conjugação do artigo n.º 3 do artigo 199.º-A do CPPT, com o artigo 52.º da LGT, 169.º, nº 1 e 250.º, n.º 2, ambos do CPPT e artigo 13.º do CIMI, nenhum impedimento legal obsta a que na avaliação do património do garante se atenda ao valor de mercado dos bens imóveis. IV. Dissentindo do sentido decisório e respetivos fundamentos, como tal expostos na douta Sentença a quo, diremos que o despacho reclamado não é ilegal por ter atendido ao valor patrimonial tributário dos imóveis em vez de ter considerado um valor de mercado a apurar, dado que, com a entrada em vigor do art.º 199°-A do CPPT [aditado pela Lei n° 7-A/2016, de 30/3 (OE para 2016)] da margem de discricionariedade que, jurisprudencialmente, é reconhecida ao órgão responsável pela apreciação da idoneidade da garantia, ficou arredada a definição do critério de valorização dos imóveis oferecidos em garantia, pelo que, do ponto de vista da atuação administrativa, não procede a alegação da violação dos invocados princípios da adequação e da proporcionalidade. V. Dispõe o nº 1 do art.º 199.º-A do CPPT que: “Na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património do garante apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo, com as necessárias adaptações, deduzido dos seguintes montantes: a) Garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais assumidas; b) Partes de capital do executado que sejam detidas, direta ou indiretamente, pelo garante; c) Passivos contingentes; d) Quaisquer créditos do garante sobre o executado.” (negrito e sublinhado nossos). VI. Resulta assim que o disposto no nº 1 do art.º 199.º-A do CPPT remete para os art.ºs 13.º a 17.º do CIS, para efeitos de avaliação de garantia, sendo que o art.º 13.º do CIS consagra que o valor a atribuir aos imóveis é o valor patrimonial tributário. VII. O legislador foi assim expresso em considerar como critério de avaliação, o valor patrimonial dos imóveis e não outro, pelo que se estabelece uma clara distinção entre avaliação de imóvel para efeitos de prestação de garantia em vista à suspensão da execução e a avaliação para efeitos de venda, como vem definido no art.º 250º do CPPT. VIII. Se o legislador quisesse que no âmbito da avaliação da garantia para efeitos de suspensão da execução fosse aplicado o disposto no art.º 250º do CPPT, teria, por certo, feito menção a esta norma e não teria, ao invés, remetido para o disposto no art.º 13º do CIS, no que à aferição do valor dos imóveis diz respeito. IX. Quando a douta Sentença a quo afasta no caso concreto, a aplicação do disposto no art.º 13º do CIS, por entender ser de aplicar ao valor dos bens imóveis a metodologia do “valor de mercado” prevista no art.º 250º, nº 2 do CPPT, impõe uma interpretação do disposto no nº 1 do art.º 199.º-A do CPPT que não tem qualquer arrimo na letra desta norma. X. Se a citada norma diz que o valor dos bens se apura nos termos das disposições do CIS, temos aqui um elemento literal (ou as palavras em que a lei se expressa) que exclui qualquer outra interpretação que não seja a de que a avaliação dos bens imóveis terá de seguir as metodologias previstas no art.º 13º e segs. do CIS. XI. O nº 1 do art.º 199º A do CPPT não constitui norma obscura ou que careça de particular esforço interpretativo, posto que o sentido da norma é claro e traduz uma opção bem definida pelo legislador: os bens avaliam-se de acordo com as normas do CIS e se estes forem imóveis, os respetivos critérios radicam no seu art.º 13º. XII. Nem se diga que se verificou uma violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade na consideração do valor patrimonial tributário, na estrita observância do disposto no nº 1 do art.º 199º A do CPPT, posto que o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 285/2020, tirado no processo nº 526/2018, afastou esta norma de qualquer juízo de inconstitucionalidade por violação do princípio constitucional da proporcionalidade. XIII. E sendo o sentido normativo em causa tão claro, como ante se expressou, também nenhum dever recaia sobre o órgão decisor de providenciar por uma avaliação “ad hoc” dos imóveis, tendo por base critérios de valor de mercado, como também aventou a douta Sentença a quo. XIV. E compreende-se que o legislador tenha estabelecido metodologias diferentes, para quando se trate da avaliação para efeitos de garantia em vista da suspensão da execução fiscal, e para quando se tenha em vista a venda coerciva do imóvel. XV. Posto que naquele primeiro caso, o fito é o de suspender a execução até à decisão do pleito subjacente, o que constitui fato [sic] duradouro no tempo; e no segundo caso, admite-se que nas circunstâncias previstas no nº 2 do art.º 250º do CPPT – e só nestas – se possa o órgão de execução fiscal socorrer de um “valor de mercado” atribuível ao imóvel para efeitos de maximização do sucesso da venda. XVI. Por todo o exposto, resta concluir no sentido de que a metodologia para avaliação da suficiência do património do garante/fiador prevista no artigo 13° do CIS coadjuvado pelas regras preceituadas pelo artigo 199º A do CPPT, mostra-se acertada e proporcional, tanto mais que o fim em vista resulta na salvaguarda do interesse público na cobrança do crédito tributário. XVII. Donde se conclui que o critério utilizado pela AT é objetivo e adequado à finalidade que se propõe, ou seja, de averiguar da suscetibilidade do património do fiador para responder pela dívida exequenda e acrescido. XVIII. Nestes termos, sempre com a ressalva da devida vénia, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efetivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nos artigos 169.º, 199.º; 199º A e 250.º CPPT e o art.º 13.º CIS, motivo pelo qual não se pode manter na ordem jurídica. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por Acórdão que declare a Reclamação improcedente.» * São as seguintes as conclusões das contra-alegações. “A. O Recorrido adere, na plenitude, à argumentação jurídica plasmada na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo. B. Sem prejuízo do que se dispõe no artigo 199.º-A do CPPT, o valor dos bens imóveis poderá divergir do seu valor patrimonial tributário nos casos em que, como no presente, o mesmo diverge significativamente do valor de mercado. C. Tal decorre não só de uma interpretação sistemática harmonizada com o disposto no n.º 2 do artigo 250.º do CPPT, bem como do próprio princípio da proporcionalidade. D. A visão pugnada pela Recorrente constitui uma segregação artificial do processo de execução fiscal, desprovida de qualquer sentido material. E. A jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Sul, bem como do Supremo Tribunal Administrativo, tem aderido, no âmbito de acórdãos recentes, à posição sufragada pelo Recorrido. Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se que não seja dado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se assim, em consequência, absolutamente inalterada a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, no âmbito dos presentes autos.” * Neste TCA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. * Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão. * II – FUNDAMENTAÇÃO - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos: A ) A 11/10/2022, o Reclamante, na qualidade de segundo outorgante, celebrou um contrato de “Compra e venda e Mútuo com hipoteca”, decorrendo do seu teor, designadamente, o seguinte: “COMPRA E VENDA Primeira (Objeto) Os Primeiros Outorgantes vendem em comum e partes iguais, aos Segundos Outorgantes que a aceitam a FRAÇÃO AUTÓNOMA DESIGNADA PELAS LETRAS "……" correspondente ao quinto andar esquerdo, destinada a habitação, com tudo o que a compõe a qual faz parte do prédio URBANO constituído em regime de propriedade horizontal, registada predialmente pela inscrição AP. 11 de …………. sito em S. Jorge de Arroios, Av. …………., 30, 30-A e 30-B e Av. São João de Deus, 41, 41-A. 41-B, 41- C, 41-D 41-E, 41-F, 41-G 41-H e 41-1 Freguesia de Areeiro, concelho de Lisboa descrito na CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE LISBOA, sob o número 1456 - SÃO JORGE DE ARROIOS, com o registo de aquisição a favor da PARTE VENDEDORA pela inscrição AP 12 de 1999/09/22, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 974, com o valor patrimonial atribuído de Euros 79.291, 80 adiante designado abreviadamente por IMÓVEL. Segunda (Preço) 1. O IMÓVEL é vendido pelo preço de Euros: 575.000,00 (quinhentos e setenta e cinco mil euros), que a PARTE VENDEDORA já recebeu e de que dá aqui quitação. (…) MÚTUO COM HIPOTECA Primeira (Mútuo) Para a precedente aquisição do IMÓVEL, o BANCO concede aos Segundos Outorgantes um empréstimo no montante de Euros: 343.000,00 (trezentos e quarenta e três mil euros). de que estes se confessam solidariamente devedores o que o BANCO aceita (…) Segunda (Hipoteca) 1 Para garantia do pagamento e liquidação da quantia financiada no montante de Euros: 343.000,00 (trezentos e quarenta e três mil euros) e bem assim dos respetivos juros à taxa anual efetiva que para efeitos de registo se fixa em 10% (dez por cento), acrescidos de uma sobretaxa até 3% (três por cento) ao ano em caso de mora. e outros acessórios do crédito, e despesas judiciais e extrajudiciais fixadas para efeitos de registo em Euros: 13.720,00 (treze mil, setecentos e vinte euros). sendo assim o montante máximo garantido de Euros. 490 490 00 os Segundos Outorgantes constituem hipoteca, a favor do BANCO, que a aceita, sobre o IMÓVEL (…)” (cfr. fls. 3-59 dos autos [fls. 35 a 40 do pdf.]); B) Com referência ao prédio identificado na alínea anterior, foi elaborado o “Relatório de avaliação imobiliária” n.º …………/01, pedido pela entidade bancária BANCO …………., SA, do qual se extraem as seguintes conclusões: «Texto no original» (cfr. fls. 3-59 dos autos [fls. 52 do pdf.]); C) A 20/01/2023, o órgão de execução fiscal instaurou, em nome do Reclamante, o processo de execução fiscal n.º …………..529, para cobrança coerciva do IRS, respeitante ao período de tributação do ano de 2018, na quantia exequenda de € 60.347.50 (cfr. fls. 60-79 dos autos); D) O Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 8 o seguinte requerimento: “(…) 1. O Executado foi citado no âmbito dos autos de execução n.° ………..529. 2. A dívida exequenda nestes autos de execução deriva da liquidação de IRS n.° ……….191, datada de 23 de novembro de 2022, referente ao ano de 2018, no montante de 61.020,84 € (sessenta e um mil e vinte euros e oitenta e quatro euros), com data-limite de pagamento voluntário a 4 de janeiro de 2023. 3. Estão ainda em curso todos os prazos de reação administrativa, judicial e arbitral, tendente à sindicância da legalidade da supra referida liquidação de IRS, os quais são computados a partir do termo da data de pagamento voluntário supra referida. 4. Acresce ser intenção do Executado apresentar junto do Centro de Arbitragem Administrativa, até ao dia 3 de março de 2023, pedido de pronúncia arbitral em matéria tributária, tendo por objeto aquele ato de liquidação. 5. Nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 169.° do CPPT, “a execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o ato, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda 6. O Executado é comproprietário, na proporção de 1/2, da fração autónoma a que corresponde a letra “AE”. correspondente ao quinto andar esquerdo do prédio sito na Avenida de Roma n.° 30 e Avenida ………, n.° 41, descrito na Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob o n.° …………. da freguesia de São Jorge de Arroios e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …………da freguesia de Areeiro - cfr. certidão de registo predial e caderneta predial urbana, que se junta, respetivamente, como doc. n.° 1 e doc. n.° 2. 7. A restante quota ideal na fração (de 1/2) é da titularidade de S …………….., titular do NIF ……………. 8. O Executado pretende apresentar como garantia idónea no âmbito dos presentes autos hipoteca voluntária a constituir sobre a totalidade daquela fração, por intermédio de escritura pública a outorgar por ambos os proprietários após prolação e notificação por parte do órgão de execução fiscal do respetivo despacho de aceitação. 9. O Executado não ignora que o valor patrimonial tributário do imóvel ascende a 79.291,80 € (setenta e nove mil duzentos e noventa e um euros e oitenta cêntimos), nem tão pouco que o valor da garantia deve ser apurado em face do disposto no n.° 6 do artigo 199.° do CPPT. 10. No entanto, o Executado e a comproprietária adquiriram o referido imóvel no final de 2022, pelo valor de 575.000,00 € (quinhentos e setenta e cinco mil euros), por meio de contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, que se junta como doc. n.° 3. 11. Sendo, por conseguinte, pelo menos esse o valor do imóvel, independentemente do que se dispõe no artigo 199.°-A do CPPT, quanto à remissão ali operada para a avaliação nos termos do disposto no Código do Imposto do Selo. 12. Esse tem sido, aliás, o entendimento prevalente na jurisprudência, sendo exemplo disso mesmo a decisão recentemente prolatada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 03-12-2020, no âmbito dos autos n.° 1061/20.1BELRS1, cujo sumário se transcreve: "I - Embora a lei não imponha uma prévia avaliação ad-hoc, esta - por razões de justiça e proporcionalidade - pode e deve ser realizada guando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao reclamante - como foi o caso - trazer ao conhecimento da Administração Tributária as circunstâncias especiais que, a verificarem- se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes, pois que é razoável presumir que o valor patrimonial tributário constitua um valor aproximado do valor de mercado dos bens imóveis. II - Verifica-se, após leitura do despacho reclamado que, efectivamente, a AT não procedeu à avaliação em concreto da garantia oferecida quedandose apenas pelo seu valor patrimonial tributário, desvalorizando a discrepância existente entre esse valor e o valor de mercado constante dos documentos fornecidos pela Reclamante, sendo certo que nesse desiderato não estava o órgão da execução fiscal impedido de solicitar os elementos, as informações e os dados necessários para tal quando, no caso, as circunstâncias especiais o justificavam (sublinhado e ênfase nossos) 13. Donde, caso se entenda que subsistem dúvidas quanto às sobreditas circunstâncias especiais - e, por inerência, quanto ao valor do imóvel em apreço -, requer-se a notificação do Executado para juntar aos autos relatório de avaliação imobiliária, ou elemento documental similar, por cuja obtenção se diligenciará. 14. Em complemento do exposto, adverte-se que sobre o imóvel incide uma hipoteca voluntária constituída a favor do Banco ……………, S.A, enquanto instituição de crédito mutuante, no valor de 343.000,00 € (trezentos e quarenta e três mil euros). 15. A este respeito, dir-se-á, por um lado, que o valor remanescente é perfeitamente suficiente para garantia da dívida exequenda e acrescido e, por outro, que o financiamento da aquisição, ainda que parcial, por parte de uma instituição de crédito atesta o real valor do imóvel e evidencia a ausência de reflexo do valor patrimonial tributário quanto ao valor de mercado. 16. Em face do exposto, requer-se a prolação e notificação de despacho de aceitação da garantia supra melhor descrita. (…)” (cfr. fls. 60-79 dos autos [fls. 13 a 16 do pdf.]); E) A 14/04/2023, com referência ao requerimento transcrito na alínea anterior, o órgão de execução fiscal elaborou a seguinte informação: “(…) O valor da garantia a prestar para suspensão do processo de execução fiscal, calculado nos termos do n° 6 do Art° 199° do C.P P.T, é de 77.024,50 €, conforme consta da citação efetuada. O VPT da fração indicada é de 79.291,80 €. Sendo o valor da dívida exequenda do processo de execução fiscal inferior a 1000 unidades de conta (102.000,00 €), nos termos do artigo 197.° e artigo 199.°, n.° 9 do CPPT e do Despacho n.° 2447/2019 de delegação de competências do Sr. Diretor de Finanças de Lisboa, publicado em Diário da República n.° 50/2019, Série II, de 2019-03-12, a competência para apreciação da garantia é da Chefe de Finanças. Os prédios constituem em abstrato garantia idónea para suspensão dos processos de execução fiscal.. Por consulta a certidão da Conservatória do Registo Predial junta ao requerimento verifica-se que, relativamente ao prédio urbano indicado, fração A, tem o mesmo apenas registada a indicada hipoteca voluntária a favor do Banco BIC Português, S A. com um montante máximo assegurado de 490.490,00 €. Prevê o Art° 199°-A do C.P P.T. que, na avaliação da garantia, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13° a 17° do Código do Imposto do Selo, devendo o valor determinado ser deduzido das garantias concedidas. Nos termos do n° 1 do Art° 13° do Código do Imposto do Selo o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz. Desta forma, sendo os ónus registados superiores ao VPT do imóvel, não existe valor disponível para efeitos de garantia. Em face do exposto verificando-se que a garantia indicada se mostra idónea mas não suficiente, propõe-se a NÃO ACEITAÇÃO da garantia indicada para efeitos de suspensão do PEF …………..529. (…)” (cfr. fls. 60-79 dos autos [fls. 17 a 18 do pdf.]); F) A 17/04/2023, a CHEFE DE FINANÇAS do Serviço de Finanças de Lisboa 8 proferiu despacho a concordar com a informação transcrita na alínea anterior e não aceitou a “garantia indicada pelo executado por se mostrar insuficiente.” (cfr. fls. 60-79 dos autos [fls. 17 do pdf.]). * Não ficaram por provar outros factos com relevância para decisão. * MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO Para a fixação da matéria de facto provada, a convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, nos documentos e processo de execução fiscal juntos, não impugnados, conforme remissão feita em cada uma das alíneas do probatório”. * - De Direito
Da leitura das conclusões da alegação de recurso, temos que a Recorrente considera que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, na medida em que é absolutamente conforme com o quadro legal vigente a decisão que indeferiu o pedido de prestação de garantia mediante hipoteca voluntária, a constituir sobre o imóvel identificado pelo artigo matricial nº 974, da freguesia de Areeiro. Para a Fazenda Pública foi correta a consideração, no caso, do valor patrimonial tributário do imóvel em causa, em vez de ter considerado, como defendia o Recorrido, o valor de mercado, tendo em atenção, desde logo, o atualmente disposto no artigo 199°-A do CPPT [aditado pela Lei n° 7-A/2016, de 30/3 (OE para 2016)]. Com efeito, para a Recorrente, a margem de discricionariedade que jurisprudencialmente era reconhecida ao órgão responsável pela apreciação da idoneidade da garantia ficou arredada com a definição legal do critério de valorização dos imóveis oferecidos em garantia, ficando afastadas considerações relativas à violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade. Nesta linha de raciocínio, defende a Fazenda Pública que “se o legislador quisesse que no âmbito da avaliação da garantia para efeitos de suspensão da execução fosse aplicado o disposto no art.º 250º do CPPT, teria, por certo, feito menção a esta norma e não teria, ao invés, remetido para o disposto no art.º 13º do CIS, no que à aferição do valor dos imóveis diz respeito”. Vejamos, então, tendo presente, desde já, o essencial do circunstancialismo de facto a considerar: (i) - Contra o Recorrido foi instaurado PEF por dívida de IRS de 2018, no montante de € 60.347,50; (ii) - O valor da garantia a prestar, com vista à suspensão da execução fiscal, é de € 77.024,50; (iii) - O executado ofereceu como garantia da dívida em execução a constituição de hipoteca voluntária sobre a totalidade da fração autónoma a que corresponde a letra “AE”, quinto andar esquerdo, do prédio sito na ………….. n.° 30 e Avenida São João de Deus, n.° 41, descrito na Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob o n.° ………….. da freguesia de São Jorge de Arroios e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ……….. da freguesia de Areeiro; (iv) – O VPT da mencionada fração é de € 79.291,80; (v) – A fração em causa foi adquirida, além do mais, pelo Recorrido, em 2022, pelo valor de €575.000,00, tendo sido junta a cópia da respetiva escritura pública; (vi) – Sobre a mencionada fração incide uma hipoteca voluntária a favor de instituição bancária, no valor de € 343.000,00, sendo o montante máximo assegurado de € 490.490,00; (vii) - No requerimento apresentado com vista ao oferecimento de garantia e suspensão do processo, o Executado referiu que “caso se entenda que subsistem dúvidas quanto (…) ao valor do imóvel em apreço – requer-se a notificação do Executado para juntar aos autos relatório de avaliação imobiliária, ou elemento documental similar, por cuja obtenção se diligenciará”. Vejamos, seguidamente, o quadro legal relevante e que há-de ser convocado para a decisão no caso: Dispõe o artigo 52.º da LGT que: “1 – A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros. 2 – A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias. 3 – A administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”. Dispõe o artigo 169.º do CPPT que: “1 – A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente. (…) 9 – Quando a garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução”. Dispõe o artigo 199.º do CPPT que: “1 – Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, segurocaução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente. 2 – A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações. (…) 5 – No caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo. 6 – A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 /prct. Da soma daqueles valores, exceto no caso dos planos prestacionais onde a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo do plano de pagamento concedido e custas na totalidade, sem prejuízo do disposto no n.º 14 do artigo 169.º 7 – As garantias referidas no n.º 1 serão constituídas para cobrir todo o período de tempo que foi concedido para efetuar o pagamento, acrescido de três meses, e serão apresentadas no prazo de 15 dias a contar da notificação que autorizar as prestações, salvo no caso de garantia que pela sua natureza justifique a ampliação do prazo até 30 dias, prorrogáveis por mais 30, em caso de circunstâncias excecionais. (…) 10 – Em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, o órgão da execução fiscal ordena ao executado que a reforce ou preste nova garantia idónea no prazo de 15 dias, com a cominação prevista no n.º 8 deste artigo. 11 – A garantia poderá ser reduzida, oficiosamente ou a requerimento dos contribuintes, à medida que os pagamentos forem efetuados e se tornar manifesta a desproporção entre o montante daquela e a dívida restante…”. Dispõe o artigo 199.º-A do CPPT que: “1 – Na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo”. Diga-se, desde já, e considerando o expressamente invocado pela Recorrente, que esta disposição legal foi aditada ao CPPT pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, tendo em conta que, até aí, inexistia norma que determinasse os parâmetros de atuação da AT em casos como estes. Dispõe o artigo 13.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo que: “1 – O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial”. Ainda com relevo, dispõe o artigo 250.º do CPPT que: “1 - O valor base para venda é determinado da seguinte forma: a) Os imóveis urbanos, inscritos ou omissos na matriz, pelo valor patrimonial tributário apurado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI); b) Os imóveis rústicos, pelo valor patrimonial atualizado com base em fatores de correção monetária, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, ou pelo valor de mercado, quando superior; 2 - Sem prejuízo da determinação do valor dos bens imóveis para venda nos termos do número anterior, quando se mostre evidente que o valor de mercado dos bens é manifestamente superior ao apurado por aquelas regras, a requerimento do executado ou por iniciativa do órgão de execução fiscal pode ainda recorrer-se à determinação do valor com recurso a parecer técnico de um perito especializado e registado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, seguindo-se a demais tramitação do processo”. Vejamos, então, começando por salientar o que realçou este TCA Sul, no acórdão de 14/07/22, proferido no processo nº 32/22.8 BELRS. Assim: “Antes do aditamento do art.º 199.º-A do CPPT, a jurisprudência, (…), entendia, a este propósito, que havia que apelar aos critérios previstos no art.º 250.º do CPPT, que define, por regra, em relação aos bens imóveis, a consideração do VPT e, excecionalmente, do valor de mercado. Ou seja, esta jurisprudência considerava que, em situações excecionais, pode e deve ser realizada uma avaliação ad hoc para determinar a suficiência da garantia, mormente se se estiver perante uma desconformidade face ao valor de mercado. Chama-se à colação, a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.07.2016 (Processo: 0563/16), onde se refere: “Tem afirmado este STA, em Acórdãos por nós subscritos - cfr., ainda recentemente, o Acórdão de 2 de Março de 2016, proferido no recurso n.º 0137/16 – que «a exigência, como regra, de prestação de garantia para suspensão da execução na pendência de meio procedimental ou processual tendo por objecto a legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda visa acautelar a boa cobrança do crédito tributário caso o diferendo venha a ser resolvido em sentido favorável à pretensão da Administração tributária, sendo que, nesse caso, se não for voluntariamente efectuado o pagamento, a Administração accionará a garantia (….) Faz, por isso, sentido que, embora o artigo 199.º do CPPT não remeta expressamente para o artigo 250.º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia, se recorra a este último preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia». O recurso ao valor patrimonial tributário do imóvel não se afigura, pois, como um critério irrazoável, antes um critério em regra adequado, não se impondo necessariamente, sob pena de ilegalidade, a avaliação ad-hoc do imóvel por iniciativa da AT se este valor for manifestamente discrepante do valor atribuído ao bem onerado em aquisição recente. Ou seja, não é porque há uma circular que manda avaliar as garantias constituídas sobre imóveis pelo valor patrimonial tributário destes que este critério de avaliação da suficiência da garantia é, ou deixa de ser, bom ou mau. O critério é bom - conste ou não de circular - se se revelar, in casu, adequado para ajuizar da suficiência da garantia para satisfação da dívida exequenda e acrescido. Será mau – conste ou não de circular ou outra “doutrina administrativa” -, no caso inverso. No caso dos autos o Tribunal “a quo” julgou que se impunha à AT, em face da discrepância de valores, o prévio recurso à avaliação do imóvel oferecido em garantia e que, tendo sido preterida tal avaliação, o despacho sindicado se encontrava ferido de violação de lei, juízo este que não podemos sufragar sem que tivessem sido minimamente apuradas as razões de tal discrepância, que podem radicar em razões muito diversas. A lei não impõe essa prévia avaliação ad-hoc, embora esta - por razões de justiça e proporcionalidade - possa e deva ser realizada quando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao recorrente trazer ao conhecimento da Administração as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes, pois que é razoável presumir que o valor patrimonial tributário constitua um valor aproximado do valor de mercado dos bens imóveis” (sublinhados nossos). Com o aditamento do art.º 199.º-A, ficou positivado o que, no tocante ao VPT, já era defendido pela jurisprudência. Assim, nestes casos, em princípio, o valor a ter em conta pela AT, para os bens imóveis, será o VPT. No entanto, e já na vigência deste art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT, a posição dos nossos tribunais superiores não se alterou substancialmente face à anterior, desde logo porque o art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT, ao remeter para o CIS e daí para o VPT, não afasta a possibilidade de aplicação do n.º 2 do art.º 250.º do CPPT, nos termos já anteriormente admitidos, quanto tal excecionalmente se justifique e desde que haja oportuna e sustentada alegação do contribuinte. Assim, refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.11.2017 (Processo: 01248/17): “[A] sentença recorrida, além de considerar que o reclamante não alegou, quando formulou o pedido de constituição da hipoteca, que o respectivo imóvel tivesse um valor diferente do VPT (…), também considera, por outro lado, que com o aditamento do art. 199º-A do CPPT, da margem de discricionariedade que, jurisprudencialmente, é reconhecida ao órgão responsável pela apreciação da idoneidade da garantia, ficou arredada a definição do critério de valorização dos imóveis oferecidos em garantia. [A]pesar de não se ignorar que, já anteriormente ao mencionado aditamento constante do art. 199º-A do CPPT, se considerou a possibilidade de a AT proceder a uma avaliação ad hoc, quando circunstâncias especiais o justificassem (Cfr. o ac. desta Secção do STA, de 13/7/2016, no proc. nº 0563/16 e o ac. do TCAS - SCT, de 18/12/2014, proc. nº 08144/14; bem como, numa diferente perspectiva, os acs. desta Secção do STA, de 2/3/2016, no proc. nº 0137/16, de 18/9/2013, no proc. nº 01362/13 e de 16/1/2013, no proc. nº 01294/12.), dado que, como ali se sumaria, «I - Embora o art. 199º do CPPT, não remeta expressamente para o art. 250º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia é lícito que se recorra a este preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia» e «II - A lei não impõe uma prévia avaliação ad-hoc dos imóveis para determinar a idoneidade ou a suficiência da garantia oferecida que sobre eles se constitua, embora - por razões de justiça e proporcionalidade – tal avaliação possa e deva ser realizada quando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao recorrente trazer ao conhecimento da Administração as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes», o que é verdade é que, no caso vertente (vigorando o disposto no art. 199º-A do CPPT), (…) não se vê que, face à factualidade julgada provada, ocorra a predita violação do princípio constitucional da proporcionalidade, ou dos restantes princípios constitucionais igualmente invocados pelo recorrente: é que não se vislumbra a ocorrência das referidas circunstâncias especiais que justifiquem a pretendida avaliação ad hoc. Com efeito, no caso, para além de o recorrente, como exara a sentença, só ter indicado como valor do imóvel o correspondente ao VPT, também, como ora sublinha o MP, aquele não invocou perante a AT que não existem os apontados ónus (anteriores hipotecas voluntárias enumeradas e constantes da informação prestada pelo Serviço de Finanças) incidentes sobre esse mesmo imóvel oferecido em hipoteca; sendo que, por outro lado, na presente reclamação judicial deduzida do acto do OEF, o que o recorrente essencialmente invoca é que «o imóvel em causa denominado “……………..” localiza-se na zona do …………, concelho de Cascais, a qual é objecto de grande valorização». Ou seja, não pode concluir-se que, no concreto caso dos autos, o recorrente haja trazido ao conhecimento da AT as ditas circunstâncias especiais justificativas de que, para efeitos da constituição da garantia hipotecária, se deva atender a valor diverso (nomeadamente a eventual valor de mercado) do valor patrimonial tributário e, consequentemente, se deva proceder a uma avaliação para tal efeito. Não ocorrendo, portanto, violação do princípio do inquisitório, nem dos princípios constitucionais invocados (legalidade, segurança jurídica e protecção da confiança, justiça, igualdade, proporcionalidade e interesse público), nem, consequentemente, os erros de julgamento que o recorrente imputa à sentença recorrida”. No mesmo sentido vejam-se, a título ilustrativo, os Acórdãos deste TCAS de 29.06.2017 (Processo: 243/17.8BELRS), de 03.12.2020 (Processo: 1061/20.1BELRS) e de 28.04.2022 (Processo: 2028/21.8 BELRS) e do TCAN de 27.05.2021 (Processo: 00414/20.0BEBRG). Desta jurisprudência extrai-se, pois, que o elenco dos elementos referidos no art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT não é taxativo, concretamente quanto aos bens imóveis, porquanto o objetivo da aferição da idoneidade da garantia pressupõe a verificação da sua capacidade patrimonial, que pode passar, justamente, pela avaliação ad hoc do património imobiliário, avaliação essa, aliás, inequivocamente prevista na fase de venda do património, conforme resulta do disposto no já mencionado n.º 2 do art.º 250.º do CPPT. Consideramos que esta é a interpretação que mais se coaduna com os princípios que devem enformar a atividade da AT, sendo interpretação reveladora da incoerência do sistema, em nosso entender, aquela que permite que seja feita uma avaliação ad hoc na fase de venda, mas já não a admite na fase que a antecede, ou seja, a da penhora. Extrai-se, pois, do entendimento jurisprudencial a que fizemos referência supra que o art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT, não exclui, per se, a possibilidade de realização de uma avaliação ad hoc, conquanto a mesma seja solicitada de forma sustentada pelo sujeito passivo”. – fim de citação. Apliquemos estes conceitos ao caso em apreciação. Antes de mais, refira-se que a FP, ora Recorrente, interpreta incorretamente a sentença recorrida, ao afirmar que a mesma “consignou como vício imputável ao despacho sob escrutínio o facto de por este ter sido considerado o valor patrimonial tributário do imóvel proposto em garantia pelo Reclamante e não o seu valor de mercado, para efeitos de avaliação deste mesmo bem”. Com efeito, se bem interpretamos a decisão sob escrutínio, não foi esse exatamente o sentido da mesma. O que aí se refere, em moldes diversos do afirmado, é que “no caso em apreço, verifica-se que o Reclamante requereu ao órgão de execução fiscal que, para aferir a suficiência da garantia, fosse tido em consideração o valor de mercado do imóvel e não o seu valor patrimonial tributário, face à discrepância dos respetivos valores” e que, nessa medida, “competia ao órgão de execução fiscal avaliar os argumentos e documentos apresentados pelo Reclamante e decidir, face ao caso concreto, se estavam reunidas circunstâncias especiais que levassem à conclusão que a garantia em causa deveria ter como referência outro valor que não o valor patrimonial tributário, o que optou por não fazer, omitindo da decisão sindicada qualquer tipo de ponderação quanto a essa possibilidade, não obstante o Reclamante ter apelado nesse sentido”. Ou seja, para o TT de Lisboa, em resumo útil, “o órgão de execução fiscal errou ao aplicar o disposto no artigo 199.º-A do CPPT, sem que, em simultâneo, ponderasse a necessidade da determinação do valor do imóvel com base em outro valor que não exclusivamente o valor patrimonial tributário, através do recurso, designadamente, ao regime previsto no artigo 250.º, n.º 2, quando foi alertado pelo Reclamante para a discrepância entre o valor de mercado e o valor patrimonial tributário do imóvel”. Feito este esclarecimento, avancemos com vista a saber se a interpretação no sentido de que o artigo 199.º-A, n.º 1, do CPPT impede que seja considerado outro valor que não o VPT é a única correta, como defende a Recorrente. Mais uma vez, fazemos apelo ao que se lê no acórdão proferido no processo nº 32/22.8 BELRS que temos vindo a citar. “Antes de mais, refira-se que a interpretação efetuada pelo Tribunal a quo não faz tábua rasa do disposto no n.º 1 do art.º 199.º-A do CPPT, lendo-o, sim, em consonância com o n.º 2 do art.º 250.º do mesmo código, em ordem a salvaguardar o respeito pelo princípio da proporcionalidade, nas suas três vertentes, princípio esse que deve pontuar a atuação da administração. Com efeito, a nossa lei fundamental prescreve, no seu art.º 266.º, que: “1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. 2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”. Ao nível infraconstitucional encontramos também tal previsão no art.º 55.º da LGT, nos termos do qual “[a] administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”. O que se extrai da sentença recorrida é que, atentas as avaliações apresentadas pelo Reclamante e a sua grande diferença face aos VPT (quer os atualizados, quer, de forma mais expressiva, os considerados em sede de penhora), se reúnem circunstâncias extraordinárias que motivam a realização de uma avaliação ad hoc, com ordem a aferir o valor de mercado. Concordamos com tal entendimento”. E, na verdade, o assim dito aplica-se inteiramente ao caso dos autos, posto que, conforme alegado, a fração em causa, não obstante apresentar um VPT de € 79.291,80 e de sobre ela impender uma hipoteca no valor de € 343.000,00, (sendo o montante máximo assegurado de € 490.490,00), a verdade é que a mesma foi adquirida, com recurso a crédito bancário, há menos de um ano, pelo valor de € 575.000,00. Ou seja, na tese do Executado, e que a sentença acolheu, revelam-se circunstâncias excecionais que deveriam ter determinado a realização de uma avaliação ad hoc, em ordem a aferir o valor de mercado da fração, o que, aliás, foi desde logo sugerido pelo ora Recorrido no seu requerimento inicial. De facto, como decorre daquilo que ficou explanado supra no acórdão que temos vindo a seguir, “considera-se que, em circunstâncias cabalmente fundamentadas e sustentadas, é possível lançar mão de uma avaliação ad hoc que reflita o valor de mercado”, o que, no caso, face aos montantes por nós referidos no parágrafo anterior, se afigura absolutamente justificado. Note-se que o VPT do imóvel é cerca de 7 (sete) vezes menor que o valor pelo qual, menos de um ano antes do pedido de suspensão com garantia, a fração foi adquirida, o que indicia que é este, pelo menos, o valor que o mercado está disposto a pagar por um imóvel com as características daquele que aqui está em causa. É verdade, e não se desconsidera, que sobre o mesmo imóvel (do qual o executado é comproprietário, na proporção de ½) recai já uma hipoteca, a favor de uma instituição bancária, no valor de € 343.000,00, sendo o montante máximo assegurado de € 490.490,00). Contudo, se considerarmos os apontados 575 mil euros e descontados os cerca de 490 mil euros, temos ainda um valor remanescente de 85 mil euros, o qual se afigura, em princípio, suficiente para garantir o PEF nº 3107202301005529, atento o valor em causa de €77.024,50, correspondente ao total a garantir. Olhando, assim, para os valores avançados pelo Executado e para os documentos juntos (no requerimento inicial e na reclamação judicial), podemos dizer, com a sentença, que se afigura estarmos perante uma situação em que “de forma sustentada, o contribuinte traz ao processo elementos que permitem concluir pela possibilidade da existência de uma franca discrepância entre o VPT e o valor de mercado, elementos esses que devem ser ponderados” (cfr. acórdão 32/22.8). No caso, o que se constata da leitura do despacho reclamado (que o TT de Lisboa anulou), é que tal ponderação não foi feita, nem sequer ensaiada, já que a AT nada referiu a propósito do alegado pelo executado, dos elementos juntos ou até – sublinhe-se – sobre as diligências adicionais avaliativas que o mesmo se propôs efeituar, caso tal fosse considerado necessário. Num caso como o presente, atentas as circunstâncias descritas, e tal como a sentença decidiu, não poderia a AT decidir e indeferir a garantia em causa sem sequer analisar (de forma sustentada, recorrendo a uma avaliação ad hoc, tal como sugerido) os valores apresentados pelo Executado. Tanto basta para concluirmos que a posição sufragada na sentença merece o nosso acolhimento, mostrando-se conforme, não apenas com o quadro legal vigente, mas também com a jurisprudência que, nesta matéria, tem emanado dos nossos Tribunais Superiores. Neste sentido também, veja-se, ainda, o acórdão deste TCA Sul, de 03/12/20, proferido no processo nº 1061/20.1BELRS. Ainda uma última nota se impõe sobre o recurso que nos vem dirigido, concretamente a conclusão XII, na qual se pode ler o seguinte: “Nem se diga que se verificou uma violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade na consideração do valor patrimonial tributário, na estrita observância do disposto no nº 1 do art.º 199º A do CPPT, posto que o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 285/2020, tirado no processo nº 526/2018, afastou esta norma de qualquer juízo de inconstitucionalidade por violação do princípio constitucional da proporcionalidade”. Tal jurisprudência constitucional - que não desconhecemos – não é, porém, transponível para o caso em apreciação, já que em tal acórdão o que se apreciou foi a conformidade constitucional dos critérios de avaliação de fiança prestada em execução tributária por sujeito tributário com a natureza de SGPS, o que em nada se relaciona com o caso dos autos. Em suma, face a tudo o que ficou exposto, improcedem as conclusões da alegação de recurso e nega-se provimento ao mesmo. * III - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 19/12/23 Catarina Almeida e Sousa Lurdes Toscano Hélia Gameiro |