Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 265/22.7 BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 06/30/2022 |
Relator: | ANA CRISTINA DE CARVALHO |
Descritores: | GARANTIA IDÓNEA |
Sumário: | Não constitui garantia idónea para o efeito de suspender o processo de execução fiscal o penhor mercantil de estabelecimento comercial pertencente à sociedade garante, quando esta não é proprietária da totalidade dos bens que constituem o núcleo essencial ao desenvolvimento da actividade comercial desse estabelecimento comercial, por não ter o poder de disposição e alienação de tais bens. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I - RELATÓRIO
G…, Lda., ora recorrente, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal, contra o despacho que indeferiu o pedido de aceitação de garantia e contra o acto de constituição de penhor e aplicação de crédito, praticados nos processos de execução fiscal n.º 3255202001091280 e apensos, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «A) O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 24 de março de 2022, na parte em que decidiu julgar procedente a reclamação judicial apresentada, pela RECORRENTE, contra a decisão de não aceitação da garantia por esta oferecida, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3255202001091280 e apensos, sob a forma de penhor sobre estabelecimento comercial/o restaurante G…. B) Na sentença ora recorrida, o Tribunal a quo deu como provados determinados factos que fez constar dos pontos 1 a 24 da matéria de facto assente. C) Sucede que, relativamente à maior parte dos factos considerados provados, o Tribunal a quo limitou-se a transcrever para a Sentença recorrida o teor dos documentos juntos aos autos, sem cuidar de selecionar devidamente os factos que tais documentos permitiam demonstrar. D) Nestes termos, impõe-se proceder à ampliação da matéria de facto assente, selecionando e dando como provados os seguintes factos que ora se especificam em cumprimento do disposto no artigo 640.º, n.os 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil (em aditamento aos factos dados como provados pelo Tribunal a quo): 25. O estabelecimento comercial/restaurante G… foi inicialmente explorado pela RECORRENTE (cf. contrato-promessa de arrendamento que integra o Doc. 7 do DOC. 5 da p.i.); 26. O referido contrato-promessa de arrendamento celebrado integra todas as cláusulas típicas de um contrato de arrendamento (cf. contrato-promessa de arrendamento que integra o Doc. 7 do DOC. 5 da p.i.); 27. Desde 2018 que o estabelecimento comercial/restaurante G… passou a ser explorado pela sociedade G…, LDA., pessoa coletiva n.º 5… … … (cf. acordo de cessão da posição contratual do contrato promessa de arrendamento e aditamento a contrato-promessa de arrendamento anexa que integra o Doc. 7 do DOC. 5 da p.i.); 28. A sociedade G…, LDA. entrou de imediato no gozo do imóvel prometido dar de arrendamento (cf. acordo de cessão da posição contratual do contrato promessa de arrendamento e aditamento a contrato-promessa de arrendamento que integram o Doc. 7 do DOC. 5 da p.i.); 29. Nesse mesmo ano de 2018, a RECORRENTE celebrou com a sociedade G… II , LDA. um acordo de cedência de uso de bens móveis, nos termos do qual, esta última passou a explorar os equipamentos integrantes do restaurante (cf. acordo de cedência de uso de bens móveis junto sob o DOC. 6 da p.i.); 30. No ano de 2017, o resultado líquido/contabilístico da RECORRENTE, resultante quase em exclusivo da exploração do restaurante G…, foi de € 440.040,49 (cf. demonstração de resultados de 2017 junta como o Doc. 11 do DOC. 5 da p.i.); 31. Nos anos de 2018 e de 2019 (exercícios em que já detinha a exploração do restaurante G…), a sociedade G… II, LDA. apresentou um lucro contabilístico de, respetivamente, € 25.869,02 e € 40.772,35, que decorre da exploração do mesmo estabelecimento e que corresponderam vendas e prestações de serviços nos correspondentes valores de € 829.882,79 e de € 1.800.217,67 (cf. demonstrações de resultados juntas como Docs. 12 e 13 do DOC. 5 da p.i.); e 32. Os Serviços da Administração tributária não procederam à avaliação quantitativa do estabelecimento comercial objeto do penhor mercantil, considerando, apenas, que «a sociedade não pode empenhar um bem que não é de sua pertença» (cf. DOC. 1 da p.i.). E) Os factos ora enunciados constituem factos relevantes para a análise dos fundamentos invocados pela RECORRENTE para sustentar a ilegalidade do ato reclamado, impondo-se, assim, a sua consideração para a boa decisão da causa. F) Pelo exposto, impõe-se concluir que a decisão recorrida enferma de erro sobre os pressupostos de facto, devendo a mesma ser revogada. G) Sem prejuízo do exposto, entende a RECORRENTE que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece, igualmente, de erro de julgamento sobre a matéria de direito. H) Com efeito, importa começar por referir que, de acordo com o disposto no artigo 666.º, n.º 1, do Código Civil, o penhor constitui uma das garantias especiais das obrigações que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores, pelo valor de coisas móveis, de créditos ou de outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro. I) Por seu turno, o estabelecimento comercial consubstancia uma universalidade ou um complexo de bens e de direitos que o comerciante afeta à exploração da sua atividade (espaço no qual funciona, bens utilizados na prossecução da atividade, inventários ou stocks, créditos, contratos em vigor, licenças, autorizações, alvarás, marcas e patentes, entre outros) e que apresenta utilidade, funcionalidade e valor próprios, distintos daqueles que são atribuídos a cada um dos seus componentes individualmente considerados e que o ordenamento jurídico trata de forma unitária. J) Na situação em apreço, o penhor oferecido em garantia pela sociedade G… II, LDA. incidia sobre o estabelecimento comercial através do qual funciona o restaurante G…, da qual era proprietária e que era composto por uma universalidade de bens e direitos. K) No entanto, no entendimento do Tribunal a quo, a sociedade G… II, LDA. não podia oferecer tal penhor na medida em que não é proprietária dos bens móveis utilizados na exploração do restaurante G… e que integram o ativo fixo tangível de tal estabelecimento, pelo que, «na eventualidade de [aquela sociedade] ser executada, aquele estabelecimento comercial não poderá ser vendido enquanto estabelecimento comercial por lhe faltar o núcleo essencial que faz dele um estabelecimento comercial, apto a exercer atividade e gerar lucros como restaurante» (cf. pp. 26 a 33). L) Sucede que esta afirmação do Tribunal a quo não tem correspondência com a verdade material que ora se aprecia. M) É certo que os bens corpóreos que compõe o ativo fixo tangível do referido estabelecimento comercial não são propriedade da sociedade garante. Porém, para além dessa sociedade ser detentora do direito à sua utilização, importa reforçar que (parte d)os bens pertencem à sociedade executada no presente processo de execução fiscal, pelo que, caso a Fazenda Pública tivesse de avançar com a cobrança coerciva da dívida, sempre poderia penhorar e vender esses bens corpóreos. N) A este respeito, importa, ainda, referir que, na avaliação de um penhor sobre estabelecimento comercial, não releva o eventual valor de venda dos bens corpóreos que integram o ativo fixo tangível do referido estabelecimento comercial, mas antes o valor atribuído ao estabelecimento comercial enquanto unidade económica e universalidade jurídica, i.e., ao valor de venda dos bens corpóreos que o integram quando explorados para o desenvolvimento da atividade associada ao restaurante G…, no âmbito daquele específico estabelecimento comercial. O) Sem prejuízo do exposto, para além de tais bens corpóreos, o referido penhor sobre estabelecimento comercial englobaria, ainda, todo o conjunto de direitos que lhe conferem a possibilidade de nele ser prosseguida a atividade comercial desenvolvida no restaurante G…. P) Neste pressuposto, impunha-se atentar que do teor do balanço da sociedade G… II, LDA. respeitante ao exercício de 2019 (que integra as demonstrações financeiras apresentadas pela RECORRENTE no seu e-mail de 23 de outubro de 2021, juntas sob o DOC. 8 da p.i.) resulta a existência de um ativo no valor global de € 487.987,64, que engloba, entre outros, créditos sobre clientes, cuja consideração no conjunto de bens e direitos que fazem parte daquele estabelecimento comercial se impunha. Q) Assim, a conclusão do Tribunal a quo segundo a qual a sociedade G… II – RESTAURAÇÃO, LDA. não poderia constituir penhor sobre o estabelecimento comercial/restaurante G… por não ser proprietária dos bens móveis utilizados na exploração do restaurante G… consubstancia um erro de julgamento, devendo o presente recurso proceder e ser revogada a Sentença recorrida. R) Acrescente-se, ainda, que a titularidade do referido estabelecimento comercial e a possibilidade de sobre ele constituir penhor não podem ser afastadas pela circunstância de «a sociedade “G… II, Lda.” não [ser] titular do direito ao arrendamento do imóvel [em que funciona o mencionado restaurante G…](…), advindo-lhe, apenas, em virtude do contrato promessa, o efeito obrigacional de realizar o contrato prometido» (cf. p. 35). S) Com efeito e conforme sustentado pela jurisprudência, o contrato-promessa de arrendamento do imóvel revela-se título suficiente para que a sociedade G… II, LDA. deva ser considerada titular do direito ao arrendamento do imóvel na medida em que «[a]pesar das partes terem denominado o contrato que celebraram como “contrato-promessa de arrendamento”, se nele acordaram as cláusulas típicas do contrato de arrendamento, designadamente: o prazo de vigência do contrato, o montante mensal das rendas, o regime de actualização, o regime das benfeitorias, e se o “promitente arrendatário” entra de imediato no gozo do imóvel prometido dar de arrendamento, ficando apenas a faltar a formalização do contrato pela escritura pública, tem de considerar-se estar perante um contrato de arrendamento e não perante um contrato-promessa de arrendamento» (cf. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 31 de outubro de 2019, no processo n.º 51/18.9T8BCG-A.G1). T) Ora, uma vez que (i) a sociedade G… II, LDA. entrou de imediato no gozo do imóvel prometido dar de arrendamento, no qual se encontra instalado e é explorado o mencionado restaurante G… e (ii) o contrato-promessa de arrendamento celebrado integra todas as cláusulas típicas de um contrato de arrendamento, fazendo com que esta situação fáctica deva ser juridicamente qualificada como titulada por um contrato de arrendamento que vigora entre as partes contratantes, não se compreende que a circunstância de o contrato de arrendamento ainda não ter sido formalmente celebrado seja suscetível de impedir a constituição de penhor sobre o estabelecimento comercial que é explorado no imóvel objeto de tal situação de arrendamento. U) Assim, a conclusão sustentada pelo Tribunal a quo segundo a qual a sociedade G… II, LDA. não pode constituir penhor sobre o estabelecimento comercial/restaurante G… porque «(…) atentando no probatório, (…) não é titular do direito ao arrendamento do imóvel sito na Rua B......., n.º 28º-...., em Lisboa (…), advindo-lhe, apenas, em virtude do contrato promessa, o efeito obrigacional de realizar o contrato prometido» (cf. p. 35) consubstancia, igualmente, um erro de julgamento sobre a matéria de direito, devendo o presente recurso proceder e ser revogada a Sentença recorrida. V) Atente-se, ainda, no erro subjacente à conclusão do Tribunal a quo de que a sociedade G… II, LDA. não pode constituir penhor sobre o estabelecimento comercial/restaurante G… por não existir «licença de utilização/autorização», na medida em que esta «constitui condição legal necessária para a instalação e funcionamento de estabelecimento de restauração ou de bebidas» e impede «aquele estabelecimento comercial [de] ser vendido enquanto estabelecimento comercial por lhe faltar o núcleo essencial que faz dele um estabelecimento comercial» (cf. p. 33). W) Quanto a este aspeto, a RECORRENTE demonstrou que, contrariamente ao referido pelo Tribunal a quo, a inexistência de licença de utilização do imóvel através do qual se explora o restaurante G… não impede a cessão da posição contratual no contrato-promessa de arrendamento, na medida em que, não só é o próprio contrato-promessa de arrendamento que prevê tal possibilidade na respetiva Cláusula 9.ª do Anexo II, como, no âmbito deste mesmo contrato-promessa de arrendamento, a posição contratual de arrendatária foi já cedida pela sociedade G…, LDA. para a sociedade G… II, LDA. (cf. acordo de cessão da posição contratual e aditamento a contrato-promessa de arrendamento anexa, sob o Doc. 7 ao DOC. 5 da p.i.). X) Nestes termos, também quanto a este aspeto se impõe concluir que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, devendo o presente recurso proceder e revogar-se a Sentença recorrida. Y) Por último, resta, apenas, acrescentar não ser verdade que a RECORRENTE tenha confundido, ou pretendido confundir o destinatário, ao chamar à colação «o instituto da penhora do estabelecimento comercial, previsto no artigo 782º do Código de Processo Civil (CPC)» (cf. p. 28) quando, no âmbito dos presentes autos, se analisa um penhor sobre estabelecimento comercial. Z) Com efeito, com tal referência, a RECORRENTE pretendeu, apenas, identificar as caraterísticas legalmente atribuídas à penhora de estabelecimento comercial e demonstrar que tais caraterísticas deveriam ser igualmente consideradas na análise da legalidade da constituição de um penhor sobre o mesmo objeto, na medida em que a linha de raciocínio seguida para a análise da legalidade de um mecanismo de cobrança coerciva (a penhora) deveria ser considerada na análise de um mecanismo de garantia voluntária de dívida (o penhor de estabelecimento comercial). AA) Em concreto, a RECORRENTE pretendeu alertar para a circunstância de (i) ser o próprio legislador a não diferenciar quando, relativamente à penhora de estabelecimento comercial, prevê expressamente, no artigo 782.º do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário), que a penhora abrangerá, igualmente, o direito ao arrendamento e, bem assim, de (ii) em caso de incumprimento do executado, o órgão de execução fiscal poder converter o penhor sobre o estabelecimento comercial em penhora sobre o mesmo, na qual se considerariam incluídos, necessariamente, todos os bens e direitos que o integrarem, incluindo os bens corpóreos que nele são utilizados, os créditos que o integram e, bem assim, o direito ao arrendamento. BB) Em suma, face a tudo o anteriormente exposto, impõe-se concluir que, para que a G… II, LDA. possa onerar o seu estabelecimento comercial constituindo um penhor sobre o mesmo, a sociedade garante não carece de ser proprietária do imóvel através do qual o mesmo é explorado, nem dos bens que são utilizados nessa exploração. CC) Por outras palavras, para a avaliação da suficiência de penhor a constituir sobre o estabelecimento comercial através do qual é explorado o restaurante G… revela-se apenas necessário verificar se a universalidade dos bens e direitos que o compõe, globalmente considerados com a utilidade funcional que lhes foi atribuída, são suscetíveis de garantir a totalidade ou parte da dívida em execução fiscal. DD) Assim sendo, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo VV. Excelências proceder à revogação da sentença recorrida, com as demais consequências legais. TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO TOTALMENTE PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A ANULAÇÃO DO ATO RECLAMADO.» * A Recorrida não apresentou contra-alegações. * A Digna Magistrada do Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se o decidido in totum. * Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Importa assim, decidir se a sentença recorrida incorre em: i) erro de julgamento da matéria de facto por não ter considerado todos os factos relevantes para a decisão da causa; ii) erro de julgamento de direito ao julgar que a recorrente não podia oferecer em penhor o estabelecimento que explora
III - FUNDAMENTAÇÃO III – 1. De facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida: «Com relevância para a presente decisão, relatam-se como provados, os seguintes factos: * Consta ainda da mesma sentença que «Atentas as diversas soluções plausíveis de direito, inexistem factos a fixar como não provados.» * III – 2. De direito
Antes de mais, para melhor percebermos o alcance do recurso jurisdicional que nos vem dirigido importa ter presente o âmbito da decisão proferida. Contra a ora recorrente G…, Lda foi instaurado processo de execução fiscal para cobrança de dívidas de IVA e de IRC no montante de € 1 029 610,69. Com vista à suspensão da reclamação graciosa que deduzira, pela sociedade G… II, Lda foi prestada garantia sob a forma de penhor mercantil do estabelecimento comercial explorado pela referida sociedade G… II, Lda, constituído pelo restaurante sob a designação «G…», na sequência de cessão da posição contratual no contrato promessa de arrendamento celebrado entre a locadora e aquelas duas sociedades, a recorrente na qualidade de cedente e a segundo como cessionária. O pedido foi indeferido por falta de idoneidade da garantia, com fundamento em que o estabelecimento comercial não possui licença de utilização e pelo facto de não ser possível a transmissão da posição contratual do contrato promessa de arrendamento cujo objecto é constituído pelo estabelecimento em causa. A ora recorrente deduziu reclamação do aludido acto de indeferimento que veio a ser julgada improcedente pela sentença sob recurso, com a qual não se conforma deduzindo o presente recurso. Nas conclusões A) a F) a recorrente imputa à sentença a verificação de erro de julgamento da matéria de facto pretendendo ver aditados os seguintes facto que considera relevantes para a boa decisão da causa no sentido da ilegalidade do acto reclamado: 25. O estabelecimento comercial/restaurante G… foi inicialmente explorado pela RECORRENTE (cf. contrato-promessa de arrendamento que integra o Doc. 7 do DOC. 5 da p.i.) 26. O referido contrato-promessa de arrendamento celebrado integra todas as cláusulas típicas de um contrato de arrendamento (cf. contrato-promessa de arrendamento que integra o Doc. 7 do DOC. 5 da p.i.); 27. Desde 2018 que o estabelecimento comercial/restaurante G… passou a ser explorado pela sociedade G… II, LDA., pessoa coletiva n.º 5… … … (cf. acordo de cessão da posição contratual do contrato promessa de arrendamento e aditamento a contrato-promessa de arrendamento anexa que integra o Doc. 7 do DOC. 5 da p.i.); 28. A sociedade G… II, LDA. entrou de imediato no gozo do imóvel prometido dar de arrendamento (cf. acordo de cessão da posição contratual do contrato promessa de arrendamento e aditamento a contrato-promessa de arrendamento que integram o Doc. 7 do DOC. 5 da p.i.); 29. Nesse mesmo ano de 2018, a RECORRENTE celebrou com a sociedade G… II, LDA. um acordo de cedência de uso de bens móveis, nos termos do qual, esta última passou a explorar os equipamentos integrantes do restaurante (cf. acordo de cedência de uso de bens móveis junto sob o DOC. 6 da p.i.); 30. No ano de 2017, o resultado líquido/contabilístico da RECORRENTE, resultante quase em exclusivo da exploração do restaurante G…, foi de € 440.040,49 (cf. demonstração de resultados de 2017 junta como o Doc. 11 do DOC. 5 da p.i.); 31. Nos anos de 2018 e de 2019 (exercícios em que já detinha a exploração do restaurante G…), a sociedade G… II, LDA. apresentou um lucro contabilístico de, respetivamente, € 25.869,02 e € 40.772,35, que decorre da exploração do mesmo estabelecimento e que corresponderam vendas e prestações de serviços nos correspondentes valores de € 829.882,79 e de € 1.800.217,67 (cf. demonstrações de resultados juntas como Docs. 12 e 13 do DOC. 5 da p.i.); e 32. Os Serviços da Administração tributária não procederam à avaliação quantitativa do estabelecimento comercial objeto do penhor mercantil, considerando, apenas, que «a sociedade não pode empenhar um bem que não é de sua pertença» (cf. DOC. 1 da p.i.). Vejamos. O ponto 25 que a recorrente pretende aditar ao probatório é conclusivo, já que, do contrato promessa de arrendamento o que se pode extrair é que a recorrente figura como promitente arrendatária e que lhe foi entregue a zona comercial objecto do contrato, à excepção da loja 6. Tal não significa que, o Tribunal não extraia essa conclusão como facto instrumental caso seja relevante para a decisão da causa. Também quanto ao ponto 26 do aditamento requerido se verifica que o mesmo é conclusivo e nada concretiza. Do mesmo modo, quanto ao ponto 27, o que se retira do documento em que a recorrente sustenta a sua pretensão colhe-se apenas que em 06/07/2018 a recorrente cedeu a posição contratual enquanto promitente arrendatária da zona comercial sita no rés-do-chão do prédio urbano constituído em propriedade total situado na Avenida B…, n.ºs … e 28-… em Lisboa, facto que consta já do ponto 11 da matéria de facto. Relativamente ao ponto 28, do aditamento ao mencionado contrato apenas resulta a prorrogação do prazo de validade da promessa de arrendamento e a actualização da renda. Quanto ao ponto 29, à excepção da questão da exploração, facto que não resulta do documento indicado, a factualidade em causa consta já do ponto 12 da matéria de facto provada. Os pontos 30 e 31 não relevam para a decisão na medida em que não foi efectuada a avaliação do estabelecimento em causa e na procedência do recurso a anulação do acto determinará, como consequência, a realização pela AT das diligências necessárias ao efeito. No que se refere ao ponto 32 constitui uma conclusão que se retira dos factos provados. Termos em que improcede o invocado erro de julgamento da matéria de facto. * O discurso argumentativo da recorrente centra-se em três questões que foram objecto da decisão recorrida e que correspondem aos três fundamentos em que se sustentou o acto de indeferimento aqui em causa. Assim, resulta dos autos que o órgão da execução fiscal indeferiu o pedido de prestação de garantia apresentado pela ora recorrente para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, com um primeiro fundamento de que o penhor mercantil de estabelecimento comercial pertencente à sociedade G… II, Lda, não é admissível porque essa sociedade não é proprietária do imobilizado que faz parte integrante do estabelecimento comercial, não tendo o poder de disposição e alienação do mesmo. Não podendo ser transmitido, esse bem não pode ser executado em caso de incumprimento, não sendo, deste modo, apto a garantir a execução. Na sentença recorrida confirmou-se o acto reclamado, julgando-se que não poderia ser constituído penhor sobre o estabelecimento comercial/restaurante G… por esta não ser proprietária dos bens móveis utilizados na sua exploração, faltando-lhe a legitimidade para tal. Nas conclusões G) a Q) a recorrente alega que a sentença que assim decidiu incorreu em erro de julgamento de direito reiterando o seu entendimento de que o mesmo constitui uma garantia suscetível de assegurar os créditos em execução fiscal (cf. conclusão Q)), concluindo que a sentença deve ser revogada e o acto reclamado anulado. Na parte que releva para a decisão da questão, a sentença recorrida considerou que só pode dar um bem em penhor quem dele possa dispor, pois «(…) como apurado pela administração tributária, e, aqui, resulta inequívoco, a sociedade “G… II, Lda.”, não é proprietária de grande parte dos bens móveis utilizados na exploração do estabelecimento comercial, constituído pelo restaurante “G…”, sem os quais não seria possível o exercício daquela atividade de restauração. Não restam dúvidas, como refere a recorrente e se consignou na sentença sob recurso, que o penhor é uma garantia real das obrigações que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores que não sejam titulares de direitos mais fortes, podendo o credor pignoratício proceder à venda judicial do objecto de penhor para realização do seu crédito conforme resulta do disposto no artigo 666.º do Código Civil. Não constitui facto controvertido que o penhor reúne os requisitos da comercialidade, sendo considerado mercantil porquanto a dívida que cauciona procede de acto comercial conforme estatui o artigo 379.º do Código Comercial. A questão controvertida, numa situação como a do caso dos autos, em que, parte dos bens que são essenciais ao desenvolvimento da actividade comercial do estabelecimento não são da propriedade da sociedade garante, estando esta impedida contratualmente de os ceder, é a de saber se a prestação de garantia constituída pelo penhor desse estabelecimento comercial reúne os requisitos de idoneidade sendo susceptível de constituir a garantia a que aludem os artigos 52.º da LGT e 169.º e 199.º, n.º 1 e 2 do CPPT. Sobre a questão, tem sido orientação uniforme deste Tribunal que aqui sufragamos, entre outros, no Acórdão de 15/04/2021 proferido no processo n.º 1554/20.0BELRS, também citado na sentença sob recurso, cuja fundamentação é a seguinte: «(…) constituindo o estabelecimento uma unidade económica em que o valor do conjunto supera o valor das partes, ele corresponde também a uma unidade jurídica, unitariamente objeto de direitos, podendo ser reivindicada a sua propriedade, ou a sua posse, sem necessidade de reagir face a cada um dos singulares elementos que o compõem. Poder-se-á, então, definir o estabelecimento comercial como «um conjunto de elementos reunido e organizado pelo empresário para através dele exercer a sua actividade comercial, de produção ou circulação de bens ou prestação de serviços» [Assim, Hugo de Sousa Oliveira in https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/22984/1/Hugo%20de%20Sousa%20Oliveira.pdf, pp. 10.] Sendo um bem complexo, uma universalidade, ele é composto por diversos elementos, os quais não são comuns a todos os estabelecimentos, antes variando consoante a atividade desenvolvida. Alguns elementos que frequentemente compõem o complexo que é o estabelecimento correspondem as coisas corpóreas, inter alia, imóveis, maquinaria, matérias primas e mercadorias, coisas incorpóreas, como sinais distintivos do comércio e protecção de inovações, outros tipos de bens que não se possam considerar coisas, por exemplo, as prestações de trabalho e de serviços, o saber-fazer e relações com clientes e fornecedores. Perante toda a incerteza que rodeia a figura do estabelecimento comercial, a jurisprudência tem entendido que não basta uma universalidade, qualquer que ela seja, sem referência aos elementos integrantes dessa universalidade. Na verdade, o estabelecimento não está nas próprias coisas, mas sim na organização delas para os fins da produção. (…) Para sabermos se estamos ou não perante um estabelecimento comercial como unidade jurídica sujeito de direitos e obrigações, há que indagar se o seu núcleo essencial está presente de modo a podermos caraterizá-lo como uma unidade jurídica. E chegamos à segunda questão. Como poderemos determinar se num determinado património estão presentes os elementos necessários para que se respeite esse “núcleo essencial”? Desde logo, não parece possível enumerar em abstrato os elementos nucleares do estabelecimento enquanto objeto negociável porque cada estabelecimento, em cada atividade, tem o seu próprio núcleo essencial com aptidão para exprimir a organização no seu conjunto. Por exemplo, não é suficiente para caraterizar um estabelecimento comercial a firma, uma marca, ou a pessoa do titular, ainda que por si sejam capazes de atrair a clientela [Hugo de Sousa Oliveira, op. cit. pp. 15.2]. Seguindo a doutrina do ac. do STJ n.º Ac. do STJ 06B336 de 06-04-2006[4], o estabelecimento comercial “...constitui, segundo doutrina tradicional, uma universalidade de direito (universitas iuris), um complexo ou unidade económica que integra vários elementos, corpóreos e incorpóreos - bens móveis e imóveis, direito ao arrendamento ou à utilização do espaço, direito de uso do nome do estabelecimento, marcas, patentes de invenção, etc.- organizados para a produção, e uma vez que, como se diz no art 202º, nº1º, C.Civ., "pode ser objecto de relações jurídicas", deve, na realidade, ser entendido como uma coisa. Enquanto universalidade, o estabelecimento comercial não pode ser decomposto, atomizado, nos seus elementos componentes, mas pode existir desde que haja um núcleo essencial organizativo apto a gerar lucros (VI). É pressuposto da existência de trespasse a existência de um estabelecimento comercial ou industrial, ou seja, de uma empresa, isto é, de uma estrutura, de um complexo organizado de meios ou factores com um mínimo de autonomia funcional e financeira tal que lhe permita assegurar um processo produtivo (concebida a produção em sentido amplo, de modo a abranger a produção, não só de bens ou de serviços, mas de qualquer valor acrescentado em termos de circuito económico) e emergir no mercado enquanto organização técnica e económica autónoma (VII). Ora, entendendo-se o estabelecimento comercial como um núcleo essencial organizativo apto a gerar lucros, resulta claro que o estabelecimento comercial restaurante tem de dispor de um conjunto de equipamento que lhe permita exercer a atividade e gerar lucros. Assim sendo, uma vez que o bem oferecido não dispõe de qualquer ativo fixo, não está em condições de exercer atividade e gerar lucros. E por assim ser, também não pode ser penhorado nem vendido como estabelecimento comercial porque lhe falta o tal núcleo essencial que faz dele um estabelecimento comercial apto a exercer atividade e gerar lucros como restaurante. Não se discute que nas condições em que desenvolve a sua atividade pode gerar lucros com equipamento que não lhe pertence mas que explora, ou usa, como cessionária da exploração de todos ou alguns dos equipamentos que são utilizados no restaurante, como diz a própria Recorrente. Todavia, este ativo fixo não pode ser oferecido em penhor pela sociedade garante uma vez que não se integra na sua esfera patrimonial. Não podendo deles dispor, a sociedade terá de “separar” o “estabelecimento” autonomizando os elementos que não lhe pertencem, mas que, precisamente, permitiriam o exercício da atividade e geração de lucros. Dito de outra maneira, sem o ativo fixo necessário para o exercício da atividade, a sociedade não oferece em penhor um estabelecimento comercial de restaurante. Parece-nos, por isso, acertada a reflexão da MMª juiz "a quo" quando salienta que nem todos os elementos componentes do estabelecimento podem ser autonomizados e, assim, separados para o efeito de sobre eles ser constituído uma garantia real como o penhor. Tais bens correspondem àqueles que constituem o seu núcleo essencial ou condição sine qua non do seu funcionamento normal, o que apenas pode ser analisado caso a caso, no âmago da própria actividde desenvolvida em cada estabelecimento comercial. Caracterizando os equipamentos ou o seu activo imobilizado o núcleo essencial do estabelecimento comercial de restaurante, porque sem eles não pode aquela actividade ser prosseguida e gerar lucro, não podem os mesmos ser autonomizados do estabelecimento comercial em que se inserem, sob pena de nele não poder ser prosseguida a actividade de restauração”. Não podendo servir de garantia para suspensão da execução fiscal, a AT também se desonera da sua avaliação, que seria, neste caso, um acto manifestamente inútil.» No caso dos autos, além dos bens objecto de cedência de uso, a sociedade garante detém outros bens móveis, contudo, tal não determina qualquer alteração à solução a que se chegou no citado Acórdão cuja fundamentação aqui acolhemos nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 3 do CCivil. Com efeito, resulta da fundamentação do acto reclamado que, da análise efectuada e da deslocação ao local, como se salienta na sentença recorrida, foi apurado que a sociedade garante não é proprietária de grande parte dos bens móveis utilizados na exploração do estabelecimento comercial (bens que a sentença identifica como supra se pode ver) constituído pelo restaurante «G…», sem os quais não seria possível o exercício daquela actividade de restauração. Dito de outro modo, os bens que pertencem à sociedade garante não são suficientes para que estabelecimento opere como uma unidade funcional. E assim é. Na verdade, como se refere na sentença recorrida: «não podendo a sociedade “G… II, Lda”, na qualidade de cessionária dos bens móveis utilizados na exploração do estabelecimento comercial, restaurante “G…”, dispor de grande parte dos equipamentos nele existentes, podendo apenas utilizá-los ou explorá-los, na qualidade de cessionária, para o fim a que se destinam, e, revelando-se tais bens essenciais e imprescindíveis ao exercício da atividade de restauração, é manifesto concluir que também não podia constituir uma garantia real especial, como é o penhor, que incluísse tais bens, sob pena de incorrer na transmissão de bens alheios.» Argumenta a recorrente que, não sendo os bens propriedade da sociedade garante, parte deles pertencem à executada, pelo que, caso a Fazenda Pública tivesse de proceder à cobrança coerciva da dívida, sempre poderia penhorar e vender esses bens, no entanto, não lhe asiste razão, na medida em que, nesse caso, não estaríamos no domínio do penhor do estabelecimento comercial, cuja idoneidade para constituir garantia do pagamento da dívida exequenda para o efeito de suspender a execução, está aqui em causa. Argumenta ainda que, para além de bens corpóreos, o penhor sobre estabelecimento comercial englobaria ainda todo o conjunto de direitos que lhe conferem a possibilidade de nele ser prosseguida a actividade comercial desenvolvida no restaurante, impondo-se atentar que do balanço da sociedade G… II, Lda, respeitante a 2019 resulta a existência de um activo no valor de € 487 987,64, que engloba entre outros, créditos sobre clientes, cuja consideração no conjunto de bens e direitos que fazem parte daquele estabelecimento comercial se impunha. A questão mantém-se inalterada, já que a razão fulcral da impossibilidade de dispor de grande parte dos bens que compõem o estabelecimento comercial «podendo apenas utilizá-los ou explorá-los, na qualidade de cessionária, para o fim a que se destinam» que implica a falta de poderes de disposição em caso de acionamento da garantia, em nada são afectados pela eventual existência de activos compostos por créditos no valor de no valor de € 487 987,64 e que perante a impossibilidade da aludida disposição não tinham que ser tidos em consideração. O segundo vector em que a recorrente assenta a imputação de erro de julgamento de direito, conforme se extrai das conclusões R) a U), constitui o facto de a titularidade do referido estabelecimento comercial e a possibilidade de sobre ele poder ser constituído penhor, não poder ser afectada pelo facto de não ser titular do direito ao arrendamento, advindo-lhe apenas de contrato promessa. Esta questão está em correlação directa com o terceiro vector da imputação de erro de julgamento de direito, que se dirige ainda à sustentação da impossibilidade da constituição do penhor sobre o estabelecimento comercial em causa, por não existir licença/autorização de utilização (cf. concussões V) a BB)). Invoca a recorrente que o estabelecimento comercial em causa funciona com base em título que lhe confere o direito ao arrendamento. Ora resulta dos autos que existe um contrato promessa de arrendamento celebrado em 2010, com base no qual funciona o estabelecimento porque o local não está licenciado. Como se refere na sentença recorrida, até à data da apresentação do pedido de prestação de garantia, ainda não tinha sido celebrada o contrato de arrendamento prometido, apesar de ter ocorrido a cessão da posição contratual. Dito isto, significa que o estabelecimento funciona em edifício que não detinha licença de utilização que certifique que o local tem aptidão para actividade de restauração, e em consequência a actividade ali desenvolvida também não está licenciada, factos que constituem contra-ordenação punível com coima, e que não podem deixar de relevar como factos que acrescem aos fundamentos que sustentam a impossibilidade de constituição da garantia aqui em causa, como bem sustentou a sentença recorrida: «Em primeiro lugar, atentando no probatório, concretamente no teor do designado acordo de cessão da posição contratual, celebrado em 06.07.2018 (cfr. ponto 11 da matéria assente), a sociedade “G… II, Lda.” não é titular do direito ao arrendamento do imóvel sito na Rua B…….., n.º 28º-…, em Lisboa. (…) O contrato de arrendamento, contrato prometido, como decorre da materialidade assente, até à data da apresentação do pedido de prestação de garantia, ainda, não havia sido celebrado. E, se, ainda, não foi celebrado, a sociedade “G… II, Lda.” não é titular de um direito ao arrendamento» constituindo o contrato promessa «um verdadeiro contrato, distinto do negócio subsequente, em qualquer caso um contrato preliminar ou preparatório do negócio definitivo, um contrato de segurança ou de garantia do negócio prometido. Ou como diz ALMEIDA COSTA, in “Obrigações”, 3ªedição, página 287: ¯no contrato-promessa a prestação devida consiste na emissão de uma declaração de vontade negocial destinada a realizar o contrato prometido”. Nestas circunstâncias, em que o estabelecimento comercial que se pretende dar de garantia através da constituição de um penhor é titulado num contrato promessa de arrendamento e funciona sem licenciamento em caso de execução da garantia, estaríamos perante a constituição de uma garantia sob condição. Sob condição de o estabelecimento não ser encerrado por funcionar sem a necessário licenciamento com apreensão dos bens, factos que podem ocorrer a qualquer momento e sob condição de o locador autorizar a cedência a posição contratual, revelando-se, como tal imprestável como garantia. Impõe-se ainda uma nota relativamente ao Acórdão que a recorrente cita (cf. conclusão S)) no sentido de que, «o contrato promessa de arrendamento do imóvel revela-se título suficiente para que a sociedade G… II, LDA. deva ser considerada titular do direito ao arrendamento do imóvel na medida em que «[a]pesar das partes terem denominado o contrato que celebraram como “contrato-promessa de arrendamento”, se nele acordaram as cláusulas típicas do contrato de arrendamento (…)». O Acórdão não é transponível para o caso dos autos já que, naquele processo, estando em causa uma acção de execução para pagamento de quantia certa por falta de pagamento das rendas, tratava-se de proteger o locador contra o abuso de direito que constituiria a invocação da ausência de contrato de arrendamento pelo promitente arrendatário que entrou de imediato no gozo do imóvel e não cumpriu a obrigação de efectuar o pagamento das rendas. Por fim, ao contrário do que alega a recorrente na conclusão CC) do recurso, o órgão de execução fiscal não tinha que avaliar o estabelecimento comercial já que não reunindo o penhor oferecido os requisitos necessários para constituir uma garantia, questão que é prévia à avaliação, tal avaliação ficou prejudicada, pois a ser realizada sabendo-se, de antemão, que seria inconsequente, traduzir-se-ia na prática no processo de um acto inútil, em violação da proibição prevista no artigo 130.º do CPC. Assim se conclui que a sentença que assim decidiu não padece de erro de julgamento que lhe vem imputada, sendo de confirmar, improcedendo o recurso na totalidade. * Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC, aplicável por força do disposto na alínea e) do artigo 2.º do CPPT, consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual as custas são pagas pela parte que lhes deu causa. Vencido na acção, a responsabilidade pelo pagamento das custas fica a cargo da recorrente que ficou vencida e por tal motivo foi quem deu causa às custas do presente processo (cf. n.º 2 do artigo 527 do CPC).
IV – CONCLUSÕES
Não constitui garantia idónea para o efeito de suspender o processo de execução fiscal o penhor mercantil de estabelecimento comercial pertencente à sociedade garante, quando esta não é proprietária da totalidade dos bens que constituem o núcleo essencial ao desenvolvimento da actividade comercial desse estabelecimento comercial, por não ter o poder de disposição e alienação de tais bens.
V – DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente. Lisboa, 30 de Junho de 2022. Ana Cristina Carvalho – Relatora Lurdes Toscano – 1ª Adjunta Maria Cardoso – 2ª Adjunta |