Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:99/12.7 BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:01/12/2023
Relator:ALDA NUNES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
ACIDENTE
LOMBA REDUTORA DE VELOCIDADE
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
DANO DE PRIVAÇÃO DE USO
Sumário:I - As lombas redutoras de velocidade são uma das técnicas ou medidas habitualmente designadas como de acalmia de tráfego, de modo a forçar os condutores a ajustarem a velocidade ao máximo permitido para o trecho em causa.
II - Transpor uma LRV a velocidade superior ao limite máximo permitido para o local contribui para a produção de danos resultantes de acidentes de viação.
III - A admissão de uma concorrência de culpas – do autor do dano [altura da lomba redutora de velocidade] e do lesado [imprimir à viatura que transpôs a lomba redutora uma velocidade acima do permitido e indicado no local] – em que ambos concorreram para a existência do acidente e para os danos daí resultantes, confere ao tribunal a faculdade de conceder, reduzir ou excluir a indemnização, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado.
IV - A privação do uso de um veículo sinistrado constitui um dano patrimonial indemnizável por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao seu proprietário optar livremente utilizá-lo ou não (art 1305º do CC), uma vez que esse direito de dispor e de usar do veículo é inerente ao direito de propriedade detido pelo proprietário sobre a viatura sinistrada e, inclusivamente, é-lhe assegurado e reconhecido pelo art 62º da CRP, deve a privação desse uso ser economicamente valorizável, se necessário, com recurso à equidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório
R… veio intentar contra o Município da Marinha Grande, Companhia de Seguros A…, SA e L…, LDA, ação administrativa comum sob a forma sumária, pedindo a condenação dos réus a pagar ao autor a quantia de € 7 324,76, sendo € 4 024,76, a título de reparação de danos patrimoniais com o veículo sinistrado, e € 3 300,00 a título de danos pela imobilização do veículo, tudo acrescido de juros moratórios à taxa legal, decorrentes de acidente de viação com um veículo automóvel possuído pelo autor, em consequência de defeitos de construção de uma lomba redutora de velocidade na localidade de Vieira de Leiria.
O TAF de Leiria julgou a ação parcialmente procedente e, nessa medida, condenou os réus a pagar ao autor a quantia de € 2 012,38, pelos danos resultantes da reparação do veículo e absolveu os réus do demais peticionado.
A Companhia de Seguros A…, SA arguiu a nulidade da sentença ou subsidiariamente a sua reforma, nos termos dos arts 615º, nº 1, al c) e 616º, nº 2 do CPC.
O autor e o réu Município não se conformando com a sentença proferida, ambos, recorreram da decisão na parte em que decaíram.
O autor alegou e formulou as seguintes conclusões:
1- Com o presente recurso pretende-se a reapreciação de duas questões: 1- a existência de concorrência de culpas entre os Réus e o A. e se da mesma poderia resultar a subdivisão da responsabilidade no pagamento dos danos em causa nos autos. 2- A existência de dano efetivo provocado pela paralisação do veículo do A. durante os 66 dias que levou a reparação e se o mesmo é ressarcível.

2- Quanto à primeira questão, e tendo em conta a matéria de facto dada como provada nos autos, retira-se por um lado que a lomba redutora de velocidade (LRV) construída no local pela Ré L… a mando do Réu Município, tem hoje uma altura (medida ao asfalto) compreendida entre os 12 cm e os 17,5 cm.
3- No entanto, à data do acidente, essa altura medida ao alcatrão seria maior, uma vez que após o acidente o Réu Município procedeu à colocação de uma camada de alcatrão em toda a rua onde a mesma está implantada com uma altura média de 3 cm, o que fez reduzir, nessa medida, a altura da LRV. Para além disso, esse mesmo alcatrão foi colocado por sobre a primeira camada de paralelos que conformam a LRV, cobrindo-o parcialmente, amenizando assim o ângulo de ataque da referida LRV.
4 - Ora, a altura da referida LRV coloca-a muito longe da altura máxima permitida pela Nota Técnica elaborada pela Direção Geral de Trânsito (junta aos autos e citada na douta sentença), a qual dita a forma e medidas que as várias LRV devem ter, constituindo assim a fonte da "legis artis" para a sua construção.

5 - Essa mesma Nota Técnica restringe a altura das LRV a 7,5 cm em relação ao alcatrão da estrada onde é implantada e só em casos justificados, deixa que essa altura suba até aos 10 cm.

6 - Ora, a LRV em causa, à data do acidente, teria uma altura compreendida entre os 15 cm e os 20,5 cm, ou seja, muito acima do que é permitido pelas legis artis.

7- Daí ter a douta sentença concluído existir, fazendo o silogismo legal, uma conduta ilícita e culposa por parte dos Réus (L… e Município), com nexo de causalidade adequada ao dano ocorrido.

8- No entanto, atento o facto de o condutor do veículo do A. conduzir o mesmo no momento do acidente a uma velocidade compreendida entre os 30 km/h e os 50 km/h, sendo a velocidade no local limitada a 30 km/h, a douta sentença concluiu ser também este comportamento ilícito por parte do condutor concorrente em igual proporção com o comportamento dos Réus para a ocorrência dos danos em causa nos autos.

9- Ora, salvo melhor opinião, apenas a altura excessiva da LRV e como tal a conduta culposa dos Réus, concorreu para o despoletar dos danos em causa.

10- De facto, e tal como resulta do facto provado identificado coma letra Y), o veículo do A., ainda antes de iniciar a subida da rampa com as rodas, embateu com a parte de baixo do pára-choques da rampa de acesso à lomba,

11- 0u seja, a lomba em causa, é por tal forma alta que não cabe por debaixo da carroçaria do veículo do A. (um Audi A6 não modificado), iniciando-se o embate ainda antes deste a começar a subir.

12- Pelo que o embate resulta da mera altura da lomba e não da velocidade do veículo; velocidade essa que só seria determinante (caso fosse a causadora do dano) a partir do momento em que o veículo começasse a subir a lomba e a sua suspensão fosse comprimida por tal efeito.

13- Aliás, é impossível adaptar a velocidade a um obstáculo como este; o embate, atenta a altura da LRV em causa, é inevitável.

14- 0s Réus não podem construir obstáculos à circulação que não caibam por debaixo das carroçarias dos veículos que por aí circulam.

15- Por outro lado, é seguro dizer que caso esta LRV tivesse os propugnados (em Nota Técnica) 7,5 cm de altura máxima e não os 20,5 cm, nunca o veículo do A. lhe bateria com o pára-choques e base do motor, mesmo que cruzasse a referida lomba entre os 30 e os 50 km/h.

16- E mesmo que tivesse os máximos (para situações excecionais) 10 cm de altura, também não causaria qualquer dano, mesmo que o A. aí circulasse a 50 km/h. Não poderia era ter os 20,5 cm de altura máxima que efetivamente tinha.

17- Razão pela qual, sendo apenas concorrente para a ocorrência do dano em causa a altura da LRV e como tal a atuação dos Réus, deveria caber-lhes em exclusivo a responsabilização por todos os danos os danos advindos para o A. por conta deste acidente.

18- Não deveria atuar assim o disposto no art 570º do C.C. (culpa do lesado) uma vez que o comportamento ilícito e culposo do condutor do veículo do A. (consubstanciado no excesso de velocidade) não concorre, não existe nexo de causalidade, com os danos sofridos no veículo do A..

19- Quanto à segunda questão em análise neste recurso dir-se-á que para que a paralisação de um veículo (dano da privação do uso) constitua um efetivo dano, não é necessário que o lesado faça despesas para o debelar.

20- Existe dano pelo mero facto do A. ficar sem possibilidade de utilizar o seu veículo, quando esta situação é conjugada com o facto de este ser o único veículo do A. e de ter uma utilização diária, causando-lhe sérios incómodos e uma alteração na sua rotina diária, com necessidade de pedir a ajuda para se transportar a familiares ou amigos.

21- 0 valor do dano referente à paralisação deve ser aferido, com base na equidade, partindo do valor de aluguer de um veículo de características iguais ou semelhantes ao veículo imobilizado.

22- Atentas as características do veículo do A., os valores cobrados pelas sociedades de aluguer de veículos, parece adequada a atribuição de um valor ressarcitório diário na ordem dos Euros: 50,00, o que corresponderia a um valor indemnizatório total deste dano de Euros: 3.300,00.
23- A douta sentença viola, pela não interpretação pela forma supra propugnada, os artigos 570º e 483º (na parte que se refere ao nexo de causalidade) do C.C., bem como ainda os arts 562º, 564º e 566º, nº 2 e 3 do também todos do CC.

O Município alegou e concluiu:

1. A presente apelação surge no seguimento da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que, após a realização da audiência de discussão e julgamento, decidiu julgar parcialmente procedente por provada a presente ação, condenando o Recorrente Município e a co-ré A… a liquidarem ao Autor a importância de 2.012,38€ por danos decorrentes na reparação do seu veículo.

2. Da prova produzida decorre claramente que a matéria vertida na parte final do Facto Provado FF) não podia ter sido julgada provada, porquanto é falso que, após a repavimentação da rua onde ocorreu o sinistro, e com a fresagem antes da lomba, tivesse sido colocada uma camada de asfaltamento a cobrir parcialmente a primeira fila dos paralelos na rampa de acesso à mesma lomba.

3. Ponderada e analisada a sentença recorrida, Tribunal Recorrido apreciou incorretamente a prova produzida no que respeita ao Facto FF) dado como provado - designadamente o depoimento da testemunha S… (cfr. sentença recorrida, pág 9) - porquanto da mesma decorre, sem margem para dúvidas, que a situação de repavimentação da via em que foi implantada a lomba redutora de velocidade não afetou por qualquer forma as dimensões e características tanto da própria lomba como da sua rampa de acesso, que se manteve inalterada.
4. De resto, desde a construção da lomba redutora, que esta se encontra devidamente sinalizada na horizontal com uma fila de paralelos brancos por "barra de paragem” que se manteve intacta e é visível após a repavimentação da rua.

5. Mal andou o Tribunal a quo ter concluído que da repavimentação da rua resultou, para além de um acréscimo de 3 cm de camada de desgaste na via - o que se não contesta -, a colocação, com a fresagem antes da lomba, de uma camada de asfalto a cobrir parcialmente a primeira fila dos paralelos na rampa de acesso à mesma lomba, tanto mais que aquando da inspeção teve a oportunidade de constatar in loco que a barra de paragem (que corresponde à primeira fila de paralelos brancos na rampa de acesso) permanece bem visível !!!

6. Tendo em conta os vários elementos probatórios existentes, designadamente o depoimento da testemunha arrolada pelo Município, Eng. S…, e os documentos juntos - de que são exemplo a "Informação' elaborada pelo Sector de Redes Viárias e Trânsito da Divisão de Infraestruturas e Redes Municipais da CMMG, cujo teor consta do Facto Provado GG) -, não podia o Tribunal ter dado como provado o Facto FF), nomeadamente a sua parte final.

7. Foi feita prova suficiente e bastante que a rampa de acesso à lomba redutora de velocidade onde se deu o sinistro com a viatura do Autor não sofreu quaisquer alterações - não tendo a mesma, sequer, sido retificada ou corrigida após o acidente -, antes, manteve-se inalterável após a operação de repavimentação da via onde esta se encontra implantada.

8. Tal conclusão resulta do depoimento da testemunha do Recorrente, Eng. S…, que se apresentou testemunha isenta e idónea, cujo depoimento revelou conhecimento direto dos factos - desde logo porque acompanhou todo o processo de construção da referida lomba -, e que não foi nessa parte, salvo o devido respeito, devidamente valorado pelo Tribunal recorrido, porquanto dele extrai conclusões que não correspondem à verdade dos factos (cfr. depoimento gravado em suporte digital de 02:23:20 minutos a 02:23:41 minutos; de 02:26:20 minutos a 02:27:29 minutos; de 02:27:54 minutos a 02:29:31 minutos; de 02:33:36 minutos a 02:34:41 minutos e de 02:36:00 minutos a 02:36:41 minutos - Ata de audiência de discussão e julgamento de 29 de Outubro de 2014).
9. A prova testemunhal é clara e dela se conclui, com grau de certeza bastante, que não devia ter sido levada aos factos provados a matéria constante do Facto FF), designadamente a partir de "e, com a fresagem antes da lomba, a colocação de uma camada de asfaltamento a cobrir parcialmente a primeira fila dos paralelos na rampa de acesso à mesma lomba", pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso, no que respeita à alteração da matéria de facto.

10. Nenhum dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (facto pelo titular de um órgão ou por um trabalhador da entidade pública que se traduza numa ação ou numa omissão, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade), se verificou no caso em apreço, pelo que, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal recorrido ao condenar o Município da Marinha Grande no pagamento de uma indemnização ao A. pelos danos decorrentes da reparação do seu veículo (ainda que a sua responsabilidade civil se encontre transferida, sem prejuízo da franquia contratual, para a co-Ré A…).

11. Sempre que o Estado e as demais entidades públicas deixem de cumprir, de uma forma dolosa ou negligente, com as obrigações constitucionais, legais, regulamentares ou de ordem técnica que sobre eles impendem, no âmbito da sua atividade administrativa, constituem-se na obrigação de indemnizar os lesados, nos temos do disposto no Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31.12, alterada pela Lei nº 31/2008, de 17.07.

12. In casu, a lomba em questão foi implantada numa via municipal - logo no âmbito territorial da pessoa coletiva de direito público Município da Marinha Grande - e a sua execução estava incluída no Concurso Limitado nº 22/08 'Criação de Passadeiras Sobrelevadas junto aos Diversos Estabelecimentos Escolares no Concelho da Marinha Grande'. A referida obra foi adjudicada à firma L…, Lda. por despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal de 03.09.2008 e iniciou-se na segunda quinzena de Dezembro de 2008.

13. Ao afirmar-se a existência de ilicitude da conduta por violação do Código da Estrada e das regras de prudência - como parece resultar da sentença recorrida que defende que a LRV em causa tinha proporções manifestamente desrazoáveis e inadequadas -, implica a formulação de um juízo no sentido de que o agente (in casu, o Recorrente) devia ter agido de outro modo.

14. No caso em apreço, a passadeira já existia no local em frente à Escola Primária da Praia da Vieira, sendo que por esta ser sucessivamente desrespeitada pelos veículos que circulavam naquela via, o Município decidiu elevá-la através da construção de uma lomba redutora de velocidade, a qual, de resto, está devidamente sinalizada (Facto provado N)) e o local onde a mesma se encontra está adequadamente iluminado (facto provado O).

15. Não obstante os inúmeros diplomas normativos existentes, em nenhum deles é possível encontrar quaisquer regras, orientações ou diretrizes a observar na construção, montagem e/ ou instalação de lombas redutoras de velocidade, pelo que às autoridades administrativas competentes - como in casu o Recorrente - caberá lançar mão de critérios que salvaguardem as normas técnicas de cuidado.

16. Não colhe o raciocínio do Tribunal recorrido de que o Recorrente não logrou convencer com o argumento de que a "Nota Técnica - Instalação e Sinalização de Lombas Redutoras de Velocidade', da autoria da Direção de Serviços de Trânsito (2004), não tem carácter vinculativo, pois que, de facto, ela não tem carácter de lei (vinculativo), não tendo de ser seguida obrigatoriamente pelo Recorrente ou por qualquer outra entidade administrativa competente do nosso país. Tal raciocínio só seria aceitável se, in casu, o Município da Marinha Grande não recorresse a outras normas técnicas - de igual valor - no que respeita à construção de lombas redutoras de velocidade.

17. Não tem razão o Tribunal a quo ao defender que dos autos não consta qualquer indicação, por mínima que seja, acerca do que foi considerado pelo Recomente como adequado para a edificação e instalação das lombas redutoras de velocidade no âmbito do aludido concurso público, porquanto a própria sentença alude ao depoimento da Enga. S… que referiu o estudo da Faculdade de Engenharia da Universidade de Coimbra, da autoria do Prof. Doutor Á..., que é seguido pelo Município da Marinha Grande quanto às normas e regras técnicas a observar na construção de LRV (a extensão da rampa de acesso é calculada em função do espelho do lancil (passeios na berma), altura a que deve estar a lomba).

18. O depoimento da testemunha S…, que foi claro e esclarecedor, permitiu não só percecionar quais as regras e técnicas utilizadas na construção deste tipo de lombas, como ainda qual a sua fonte, ou seja, o estudo do Professor Doutor Á… da Universidade de Coimbra, o qual, nas suas palavras, é igualmente seguido por outras Câmara Municipais, não obstante existirem vários estudos e normas técnicas para a construção de lombas no país.

19. O Tribunal não justifica porque razão a Nota Técnica emitida pela Direção de Serviços de Trânsito tem mais valor do que o estudo da Universidade de Coimbra invocado pelo Recomente, limitando-se a julgar a primeira válida - se bem que o teor da mesma sequer consta da matéria assente ! - em detrimento do estudo que é seguido pelo Município da Marinha Grande, por forma a sustentar que este procedeu à construção de uma LRV desadequada e desproporcionada.

20. Considerando a ausência de normativos legais que imponham as regras de construção de lombas desta natureza, sempre a Nota Técnica invocada pelo Autor está impedida de vincular a atuação do Município. Só assim não seria se esta entidade administrativa não seguisse de perto outras normas técnicas, de igual valor, o que - reitera-se ! - não sucedeu, porquanto resultou da prova testemunhal que regras de ordem técnica e diretrizes são seguidas naquela Câmara Municipal para a implantação de lombas.

21. Ao dar alento a uma Nota Técnica emitida pela Direção de Serviços de Trânsito - como se de uma disposição legal se tratasse -, bem sabendo que existem outras igualmente idóneas para a mesma matéria, o Tribunal recorrido acaba por lhe dar um tratamento que o nosso legislador ainda não lhe atribuiu, desde logo porque até ao momento inexiste qualquer normativo legal que regule esta matéria.

22. No caso dos autos, inexistiu qualquer ação ou omissão ilícita por parte do Recorrente no que toca à construção da lomba onde se deu o acidente, uma vez que o Município segue as regras de ordem técnica da Faculdade de Engenharia da Universidade de Coimbra (estudo do Prof. Doutor Á…) para a construção de lombas redutoras de velocidade, sinalizou convenientemente a lomba em questão e iluminou o local onde a mesma se encontra implantada.

23. Não foi ilícito o comportamento do Recorrente Município que cumpriu o dever de sinalizar, em temos convenientes, a lomba redutora que foi sobrelevada na via pública, de forma bem visível, de molde a evitar qualquer acidente, ou seja, respeitou por um lado o dever de promover a segurança rodoviária, nomeadamente através de sinalização horizontal e vertical adequada, em ambos os sentidos, iluminação e, por outro o dever de prudência comum que deve sempre ser tomado em consideração.

24. Não resultando da matéria assente que normas, princípios ou regras foram violados pelo Município Réu, que protegessem os seus interesses materiais, nem que factos provados permitem concluir por essa violação, mal andou o Tribunal recorrido ao ter decidido que se verifica o requisito da ilicitude e julgou parcialmente procedente a ação, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por factos Ilícitos.

25. O Município da Marinha Grande criou todas as condições de segurança para que não se verificassem acidentes na lomba redutora de velocidade, designadamente através da sinalização nos dois sentidos, iluminação pública no local da lomba, para além de ter procedido a testes no local com uma viatura antes de aceitar a obra.

26. A lomba em questão - construída de acordo as orientações técnicas que supra se referiram - foi devidamente testada pelo fiscal da Câmara, tendo por isso concluído a edilidade que a lomba em causa era adequada e proporcional para o local e cumpria os preceitos do Código da Estrada.

27. As lombas são consideradas como medidas de acalmia de tráfego que consistem na alteração de cota da superfície do pavimento da via com o objetivo de produzir um impacto visual e físico no condutor e, dessa forma, induzir à redução da velocidade de circulação. A sua eficácia resulta da incomodidade imposta ao condutor durante a sua transposição a velocidades superiores à velocidade de projeto.

28. É falso que os técnicos do Recorrente tenham ignorado as especiais exigências de proporcionalidade e adequação que deviam nortear a instalação deste tipo de lombas ou até o seu potencial lesivo para as viaturas que nela circulam. Obviamente que, tratando-se o veículo do Autor de um carro rebaixado (ainda que de origem), certo é que o mesmo terá de observar outros cuidados que a maioria dos carros não precisa.

29. Na verdade, se as entidades administrativas competentes tivessem como limite na construção de lombas a altura de todos os veículos que circulam nas vias, certamente que não existia nenhuma lomba redutora de velocidade no nosso país, pois que naturalmente que um veículo rebaixado, por muito baixa que seja uma lomba, terá sempre de ultrapassar a lomba redutora a uma velocidade inferior do que um veiculo que seja mais elevado.

30. O Município procedeu a testes à referida lomba, fazendo passar a mesma com um veículo dito "normal" a uma velocidade de 30 Km/h (limite máximo permitido no local), não se tendo verificado qualquer dano na sua estrutura (cfr. Facto Provado GG).

31. O próprio Tribunal teve oportunidade de ir ao local testar a lomba, utilizando outro veículo mais rebaixado (Ford Mondeo, de perfil rebaixado) concluindo que: "Àquela velocidade (30 km/h), verificou-se o som de raspagem na plataforma da lomba redutora de velocidade da saia do para-choques dianteiro, em borracha retrátil, mas tal embate não se deu com violência nem causou danificação da parte frontal do veículo. "

32. A velocidade de 30 km/h não é a velocidade recomendada para o local; antes é o limite máximo de velocidade permitido para os veículos que circulam naquela via, pelo que acima dessa velocidade os condutores não só violam o Código da Estrada como poderão danificar as suas viaturas ao ultrapassar a lomba.

33. Por outro lado, sendo um limite máximo de velocidade imposto para aquela zona, nenhum condutor é obrigado a circular a 30 km/ h, antes podendo ultrapassar a lomba a velocidade inferior e, naturalmente que se um condutor tem um carro desportivo ou rebaixado, saberá que terá de a ultrapassar velocidade inferior, sob pena de causar danos na sua viatura. Esta, contudo, é uma realidade de todas as LRV no nosso país e não desta lomba em concreto !!!

34. Não colhe igualmente a tese de que a lomba em questão é idónea a produzir os danos em todas as viaturas rebaixadas, desde logo porque o teste que foi feito corresponde a um veículo rebaixado e tal não sucedeu !!!

35. A admitir-se certo o raciocínio do Tribunal estaríamos confrontados com o facto de termos de remover todas as lombas existentes nas nossas estradas, porquanto qualquer lomba redutora de velocidade, por muito razoável que seja, obrigará sempre os condutores a adequarem a velocidade dos seus veículos à lomba que têm de ultrapassar.

36. A questão que se discute nos presentes autos, nada tem a ver com a execução da lomba pelo Recorrente, antes pela desatenção, incúria e imprudência do condutor do veículo do Autor, que ultrapassou a lomba em causa em excesso de velocidade, matéria que, de resto, foi dada como provada (Facto V)).

37. No caso concreto, também se não verifica o nexo de causalidade, atendendo que a sinalização é abundante (cfr. facto provado N)), o local onde se encontra a lomba está devidamente iluminado (cfr. facto O)) e a lomba foi devidamente testada (cfr. facto provado GG)), pelo não foram causa imediata dos danos na viatura do Autor (artigo 563º do Código Civil).

38. A sinalização era mais do que suficiente para evitar acidentes, a lomba redutora de velocidade obedeceu a regras técnicas de construção - ainda que não aquelas que o Autor teima que devem ser seguidas - e foi devidamente testada à velocidade de 30 km/h pelos técnicos do Município, designadamente pelo fiscal municipal L… que acompanhou a obra.

39. Apesar de ninguém questionar que a viatura do Autor sofreu danos em virtude de ter embatido naquela lomba, não é verdade que a lomba instalada no local fosse desproporcional ou desadequada, sendo que a culpa na produção do acidente é imputável exclusivamente ao condutor da viatura que desobedeceu aos limites de velocidade impostos para o local.

40. Não se tendo provado factos que permitam concluir pela alegada ilicitude e culpa da conduta do Município da Marinha Grande, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, sempre terá de improceder forçosamente o pedido indemnizatório deduzido pelo Autor.

41. Aliás, sendo cumulativos os pressupostos da responsabilidade civil, bastará a falta de um deles para que a ação improceda, como é o caso dos presentes autos.

42. Da matéria provada não existem factos tendentes a demonstrar qualquer conduta ilícita ou culposa por parte do Recorrente Município, pelo que não podia o Tribunal a quo julgar procedente - ainda que parcialmente - a pretensão do Autor, não podendo subsistir a condenação do ora Recorrente nos termos constantes da sentença impugnada, no que respeita à indemnização por danos decorrentes na reparação do veículo do demandante.
43. Mesmo que assim se não entenda, é claro que a decisão de direito não se encontra devidamente fundamentada, porquanto dela se não retira os fundamentos da ilicitude e da culpa, por forma a fazer funcionar o instituto da responsabilidade civil extracontratual (arts 9º e 10º da Lei 67/2007, de 31.12).
44. A decisão recorrida viola, entre outos, a al b) do nº 1 do art. 615º do Código de Processo Civil, o art 563º do Código Civil, e os arts 3º, nº 3, 9º, nº 1 e 2 e 10º, nº 1 e 2 da Lei nº 67/2007, de 31.12, alterada pela Lei nº 31/2008, de 17.7.

45. Atendendo aos vícios apontados à decisão recorrida, nomeadamente no que respeita ao incorreto julgamento da matéria de facto e de direito, impõe-se a revogação da decisão recorrida, com as legais consequências, o que se espera com o presente recurso.

Nestes temos …, deve o presente recurso obter provimento e, em consequência:

a) Ser alterada a matéria de facto nos temos supra alegados por incorreto julgamento da matéria de facto;

Sempre e em qualquer caso,

b) Ser a sentença revogada e substituída por outra que julgue improcedente por não provado o pedido do Autor e, consequentemente, absolva o Réu Município da Marinha Grande do pagamento da importância de 2.012,38€ por danos decorrentes na reparação do veículo do demandante.

A recorrida Companhia de Seguros A…, SA contra-alegou o recurso do autor, com as conclusões seguintes:
1ª Não consta da sentença qualquer facto dado por provado que, objetivamente, permita condenar os R.R. em qualquer quantia;
2ª Não estando preenchidos pressupostos da responsabilidade civil aquilina subjetiva, como, por exemplo, o nexo de causalidade, a culpa e a ilicitude, o pedido tem de soçobrar.
3ª Acresce que o autor não alegou, não concretizou e muito menos provou quaisquer danos patrimoniais decorrentes da paralisação do veículo, e o ónus competia-lhe (artigos 342º, nº 1 e 346º ambos do Código Civil, assim como o art 414º do Código de Processo Civil).
4ª Por outro lado, a virtual responsabilidade da seguradora apelante rege-se pelas cláusulas contratuais da apólice, cuja cópia se encontra junta aos autos.
5ª Na aludida apólice prevê-se a existência de uma franquia, ou parte primeira de qualquer indemnização sempre a cargo do co-réu Município, de «10% s/ valor da indemnização com mínimo de € 400.00 e máximo de € 12.469 95».
6ª Donde, a qualquer condenação haveria sempre que deduzir o montante da franquia, o que, erradamente e independentemente do alegado nas conclusões anteriores, não foi feito pelo tribunal a quo (violando o texto da apólice e o Dec. Lei nº 72/2008, de 16/04 que estabelece o Regime Jurídico do Contrato de Seguro), o qual ainda está em tempo de sanar este vício, uma vez que ainda não apreciou o incidente de reforma de sentença deduzido pela aqui apelada.
Termos em que, … deve ser negado provimento ao recurso interposto e, consequentemente, absolver-se a apelada e o Município de Leiria do pedido.

Também o Município contra-alegou o recurso do autor com as seguintes conclusões:
1. Não assiste qualquer razão ao Recomente nos fundamentos que avoca para a alteração plasmada no aresto recorrido, pois que, contrariamente ao que defende, a decisão não padece de nenhum dos vícios que lhe são apontados por este, antes peca por ter decidido por uma atuação ilícita e culposa do Município sem que se tivessem sido provados factos suficientes para sustentar a decisão de direito, nomeadamente no que respeita às regras de construção (dimensões, características, etc) das lombas redutoras de velocidade, razão pela qual o Município recorreu também dessa decisão.

2. É falso que a lomba redutora de velocidade existente no local era, à data do sinistro, mais alta (relativamente ao alcatrão) em média 3 cm.

3. Não obstante a repavimentação da rua e a fresagem antes da lomba, não foi aplicada nenhuma camada de asfalto a cobrir parcialmente a primeira fila dos paralelos na rampa de acesso à mesma lomba, tanto mais que aquando da inspeção teve a oportunidade de constatar in loco que a barra de paragem (que corresponde à primeira fila de paralelos brancos na rampa de acesso) permanece bem visível !!!

4. A prova produzida em julgamento conduziu, sem margem para dúvidas, que a situação de repavimentação da via em que foi implantada a lomba redutora de velocidade não afetou por qualquer forma as dimensões e características tanto da própria lomba como da sua rampa de acesso, que se manteve inalterada.

5. A rampa de acesso à lomba redutora de velocidade onde se deu o sinistro com a viatura do Autor não sofreu quaisquer alterações - não tendo a mesma, sequer, sido retificada ou corrigida após o acidente antes, manteve-se inalterável após a operação de repavimentação da via onde esta se encontra implantada.

6. A alegação de que o ângulo de ataque à lomba redutora foi suavizado após a ocorrência do acidente, na sequência de uma operação de repavimentação por parte do Réu Município, é totalmente falsa e visa apenas ocultar a verdadeira causa do sinistro e suas consequências: a imprudência, a incúria e a desatenção do condutor do veículo do Autor e o excesso de velocidade a que circulava o veiculo.

7. Também não colhe o entendimento de que o Tribunal não podia ter optado por uma repartição do dano entre A. e RR. em partes iguais, com o fundamento que foi a conduta ilícita do Município, que permitiu a construção de uma lomba excessivamente alta, que despoletou os danos nesta viatura.

8. Ao afirmar-se a existência de ilicitude da conduta do Município por violação da Nota Técnica da Direção de Serviços de Trânsito - como parece resultar das alegações do A. para sustentar que a LRV em causa era excessivamente alta -, implica a formulação de um juízo no sentido de que o agente (in casu, o Recorrido) devia ter atuado de outro modo.

9. No caso concreto, inexistiu qualquer ação ou omissão ilícita por parte do Recorrido no que toca à construção da lomba onde se deu o acidente, pois cumpriu o dever de sinalizar, em temos convenientes, a lomba redutora que foi sobrelevada na via pública, de forma bem visível, de molde a evitar qualquer acidente, ou seja, respeitou por um lado o dever de promover a segurança rodoviária, nomeadamente através de sinalização horizontal e vertical adequada e iluminação, e, por outro o dever de prudência comum que deve sempre ser tomado em consideração (Factos provados O) e N)).

10. Por outro lado, a ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade extracontratual por ato ilícito, é uma ilicitude de conduta e não uma ilicitude de resultado, pressupondo, por isso, sempre uma atuação dos entes públicos em si mesma violadora de normas, princípios ou regras técnicas, ou seja, um desvalor de comportamento.

11. No que toca às lombas redutoras de velocidade, não obstante os inúmeros diplomas normativos existentes, em nenhum deles é possível encontrar quaisquer regras, orientações ou diretrizes a observar na sua construção, montagem e/ou instalação. Assim sendo, o mesmo é dizer que às autoridades administrativas competentes - como in casu o Recorrido - caberá lançar mão de critérios que salvaguardem as normas técnicas de cuidado.

12. A Nota Técnica invocada pelo A. não tem carácter vinculativo ou obrigatório, pelo que a mesma não tem de ser seguida pelo Município ou por qualquer outra entidade administrativa competente do nosso país. Aliás, tal raciocínio só seria aceitável se, in casu, o Município da Marinha Grande não recorresse a outras normas técnicas no que respeita à construção de lombas redutoras de velocidade.

13. Decorreu do depoimento da Enga. S… a invocação do estudo da Faculdade de Engenharia da Universidade de Coimbra, da autoria do Prof. Doutor Á…, que é seguido pelo Município da Marinha Grande quanto às normas e regras técnicas a observar na construção de LRV. Em rigor, de tal depoimento resultou claramente as orientações seguidas pelo Município na sua construção: a extensão da rampa de acesso é calculada em função do espelho do lancil (passeios na berma), altura a que deve estar a lomba.

14. Foi ainda a própria testemunha que referiu que existem no país vários estudos e normas técnicas para a construção de lombas, sendo que várias Câmaras Municipais seguem as orientações da Faculdade de Engenharia da Universidade de Coimbra.

15. Considerando a ausência de normativos legais que imponham as regras de construção de lombas desta natureza, sempre a Nota Técnica invocada pelo Autor está impedida de vincular a atuação do Município. Só assim não seria se esta entidade administrativa não seguisse de perto outras normas técnicas, de igual valor, o que - reitera-se ! - não sucedeu, porquanto resultou da prova testemunhal que regras de ordem técnica e diretrizes são seguidas naquela Câmara Municipal para a implantação de lombas.

16. O Município teve ainda o cuidado de proceder a testes à referida lomba, fazendo passar a mesma com um veículo dito "normal" a uma velocidade de 30 Km/h (limite máximo permitido no local), não se tendo verificado qualquer dano na sua estrutura. De resto, o próprio Tribunal teve oportunidade de ir ao local testar a lomba, utilizando outro veículo mais rebaixado (Ford Mondeo, de perfil rebaixado) concluindo que: "Àquela velocidade (30 km/h), verificou-se o som de raspagem na plataforma da lomba redutora de velocidade da saia do para-choques dianteiro, em borracha retrátil, mas tal embate não se deu com violência nem causou danificação da parte frontal do veículo. "

17. Não colhe a tese de que se a lomba tivesse sido construída de acordo com a Nota Técnica o veículo do A. não rasparia na lomba, tanto mais que este a ultrapassou em excesso de velocidade !!! O limite de velocidade imposto para o local era de 30 km/ h., pelo que, ao ter sido dado como provado que o veículo do A. seguia entre os 30 km/ h e os 50 km/ h, obviamente este vinha em excesso de velocidade, pelo que bem andou o Tribunal recorrido ao ter entendido pela culpa do condutor do Audi.

18. Por outro lado, naturalmente que um veículo rebaixado, por muito baixa que seja uma lomba, terá sempre de ultrapassar a lomba redutora a uma velocidade inferior do que um veículo que seja mais elevado, no entanto repare-se que, in casu, o veículo do A. sequer circulava dentro dos limites de velocidade impostos para o local !!!.

19. A velocidade de 30 km/h não é a velocidade recomendada para o local; antes é o limite máximo de velocidade permitido para os veículos que circulam naquela via, pelo que acima dessa velocidade os condutores não só violam o Código da Estrada como poderão danificar as suas viaturas ao ultrapassar a lomba.

20. Sendo um limite máximo de velocidade imposto para aquela zona, nenhum condutor é obrigado a circular a 30 km/ h, antes podendo ultrapassar a lomba a velocidade inferior e, naturalmente que se um condutor tem um carro desportivo ou rebaixado, saberá que terá de a ultrapassar velocidade inferior, sob pena de causar danos na sua viatura - parece-nos óbvio ! Esta, contudo, é uma realidade de todas as LRV no nosso país e não desta lomba em concreto !!!

21. Naturalmente que perante a aproximação de uma lomba, o condutor da viatura DEVE adequar a velocidade desta para que consiga ultrapassá-la em segurança e sem danos, respeitando obviamente o limite de velocidade imposto para o local.

22. In casu, o Autor não circulava dentro do limite máximo de velocidade antes acima dele sendo certo que, no caso concreto, mais 5 ou 10 km/h fazem toda a diferença uma vez que estamos a falar de uma LRV. De resto, no dia do acidente, o Recorrente sequer viu que estava ali uma lomba, só se apercebendo da sua existência quando embateu nela, tendo-a transposto precisamente à mesma velocidade que circulava.

23. Foi, portanto, a incúria, o desrespeito pela velocidade máxima, e a irresponsabilidade do condutor da viatura do A. que motivou os danos no veículo, e não, como pretende à viva força o A.. a construção da lomba e as dimensões da lomba. Cuidasse de a ultrapassar à velocidade permitida no local e certamente não estaríamos a discutir nestes autos qualquer dano produzido na viatura do A.

24. Em nenhum momento do processo o Autor juntou qualquer comprovativo de que tenha suportado custos com viatura de aluguer ou táxi, sequer fez prova de que precisou recorrer a uma viatura de substituição.

25. Da prova produzida resultou somente que durante o período em que o seu carro esteve parado, pôde utilizar o carro dos seus pais, que lho emprestaram, razão pela qual o Tribunal a quo - e bem! - não julgou provado qualquer dano a este título.

26. Não basta juntar aos autos documentos com a indicação do preço do aluguer de uma viatura semelhante à do A. e demonstrar que esta esteve imobilizada durante 66 dias, para que nasça para o Recorrente o direito a uma indemnização desta natureza, pelo que bem andou a decisão recorrida neste segmento, que deverá, por isso, manter-se na íntegra.

Temos em que … ser negado provimento ao Recurso interposto pelo A. R…, com as legais consequências.

O autor não contra-alegou o recurso interposto pelo Município.

O tribunal a quo emitiu pronúncia sobre o requerimento da seguradora, indeferindo o pedido de reforma e de arguição de nulidade da sentença.

O Ministério Público junto deste TCAS, notificada nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, não emitiu parecer.

Com dispensa dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

Objeto dos recursos.
Considerando o disposto nos arts 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões, verificamos que cumpre apreciar se a sentença recorrida padece de:
Recurso do autor:
i) erro de julgamento de direito quanto à existência de concorrência de culpas entre o autor e os réus;
ii) erro de julgamento de direito quanto à inexistência de dano efetivo para o autor decorrente da paralisação do veículo do autor durante 66 dias;
Recurso do Município:
iii) nulidade do art 615º, nº 1, al b) do CPC,
iv) incorreto julgamento da matéria de facto,
v) erro no julgamento em matéria de direito, por manifesta falta de matéria de facto que sustente a decisão de direito ou falta de fundamentação da decisão e incorreto julgamento de direito por errada aplicação aos factos.
Na fundamentação de direito, por razões de precedência lógica no conhecimento dos vícios imputados à sentença, vamos começar pela análise do recurso interposto pelo Município e só depois conhecemos os fundamentos do recurso interposto pelo autor.

Fundamentação
De facto.
O tribunal recorrido decidiu a matéria de facto nos seguintes termos, vindo a mesma parcialmente impugnada no recurso interposto pelo Município:
A) «A 03.09.2008, o Presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande proferiu despacho de adjudicação à ré L… da empreitada objeto do concurso limitado n.º 22/08 «Criação de Passadeiras Sobrelevadas junto aos diversos estabelecimentos escolares do concelho da Marinha Grande».
B) No âmbito da empreitada referida em A), a ré L… construiu uma lomba redutora de velocidade na Rua da Foz, Praia da Vieira de Leiria, junto à zona do campo de futebol anexo à escola primária.
C) A Rua da Foz, na Praia da Vieira, tem o piso alcatroado, sendo composta por duas hemifaixas de rodagem, cada uma com um sentido de trânsito, tendo, junto à escola primária aí situada, zonas para parqueamento de veículos em cada um dos lados da referida Rua.
D) Para além dessas zonas de estacionamento existem ainda passeios.
E) A Rua da Foz desenvolve-se em patamar, ou seja, sem inclinação em qualquer um dos sentidos.
F) A construção da lomba referida em B) foi efetuada diretamente sobre o alcatrão pré-existente, por colocação de pedras de calçada grossa, em forma de paralelepípedo, de cor acinzentada e branca.
G) Perfazendo uma lomba de tipo trapezoidal.
H) Tal lomba apresenta-se perpendicularmente aos dois sentidos de trânsito possíveis na rua referida em B).
I) E abrange toda a extensão (largura) da faixa de rodagem.
J) A lomba referida em B) tem uma zona de patamar em cima com uma extensão superior a 3 metros, por sobre a qual foi desenhada uma passadeira para peões.
K) O patamar referido em J) estava ladeado de duas rampas de acesso com cerca de 50 cm de extensão, medida de acordo com o sentido de rolamento dos veículos deste o alcatrão da Rua até subirem para cima do patamar da lomba trapezoidal).
L) Para a execução da lomba referida em B), foi colocado por cima do alcatrão já existente uma camada de cimento e os paralelos correspondentes à calçada em granito e calcário, tanto no patamar (desenhando a passadeira), como nas rampas de acesso.
M) Ganhando assim a referida lomba uma altura que varia entre os 12 cm, junto à berma, 16 cm a meio da faixa de rodagem no sentido Norte/Sul, e 17,5 cm junto ao eixo central da via, contados a partir do alcatrão da rua.
N) O local onde se encontra a lomba está sinalizado desde o momento em que a mesma começou a ser construída, sendo que antes da aproximação da mesma, num sentido ou noutro, é possível observar a seguinte sinalização vertical:
a. sinal de limite de velocidade 30Km/h «C13»;
b. sinal lomba «A2a»;
c. sinal de passagem de peões «H7»;
d. sinal de aproximação de travessia de crianças «I8».
O) No local onde se encontra a lomba, encontrava-se um poste de iluminação a cerca de 10 metros da referida lomba, no sentido Norte/Sul.
P) No dia 13.02.2009, pelas 02.15h, na Rua da Foz, Praia da Vieira de Leiria, junto às escolas primárias, no sentido Norte/Sul, ocorreu um acidente de viação, envolvendo um veículo automóvel ligeiro, de marca Audi, modelo A6, matrícula …-…-R….
Q) À data do sinistro, o veículo referido em P) encontrava-se com as medidas de fábrica, não tendo sido alterado por qualquer forma quer quanto à sua altura original ao solo, bem como quanto à altura dos pneus.
R) O veículo referido em P) era à data propriedade do autor.
S) Sendo no momento do embate conduzido por A….
T) Nesse mesmo momento o autor seguia ao lado do condutor, no lugar do passageiro.
U) No momento imediatamente anterior ao acidente o veículo referido em P) percorria a Rua da Foz, tomando o sentido Norte/Sul e efetuava a sua marcha dentro da sua mão de trânsito.
V) O condutor do R… imprimia ao veículo uma velocidade compreendida entre os 30km/hora e os 50 km/hora.
W) O veículo referido em A) circulava com os faróis do veículo em médios.
X) A colocação da lomba referida em B) era até então desconhecida, quer do autor, quer do condutor do veículo R…, os quais ainda não tinham passado na referida rua desde a sua implantação.
Y) O veículo referido em N), ainda antes de a subir embateu com a parte de baixo do pára-choques do R… na própria rampa de acesso à lomba.
Z) E voltou a embater com a mesma parte de baixo quando desceu da zona em patamar da lomba para o alcatrão (piso da estrada).
AA) Deixando um rasto de óleo após a lomba.
BB) Após o embate, a luz vermelha do óleo acendeu-se no tablier do veículo referido em P), obrigando à paragem imediata.
CC) O embate da parte inferior do para-choques da frente e base do motor do Audi A6 deu-se com violência.
DD) O embate danificou de imediato toda a parte inferior frontal do referido veículo.
EE) O autor contactou de imediato a GNR que elaborou auto de ocorrência.
FF) Em data posterior ao acidente, o réu município ordenou a repavimentação da rua onde ocorreu o sinistro, da qual resultou um acréscimo médio de 3 cm de camada de desgaste na via, e, com fresagem antes da lomba, a colocação de uma camada de asfaltamento a cobrir parcialmente a primeira fila dos paralelos na rampa de acesso à mesma lomba.
GG) No dia 10.03.2009, foi elaborado em papel timbrado do réu município instrumento escrito, no Setor de Redes Viárias e Trânsito da Divisão de Infraestruturas e Redes Municipais, sob a referência «Informação», com o seguinte teor: «No seguimento da participação de acidente feita pela G.N.R. de Vieira de Leiria, com o registo N 14/09 ocorrido no dia 13/2/09, na lomba redutora de velocidade existente na rua da Foz junto a escola da Praia de Vieira de Leiria, no qual foi interveniente a senhor A…, Os serviços informam que:
A respetiva lomba foi executada na segunda quinzena de dezembro de 2008, obra incluída no Concurso Limitado N 22/08 «Criação de Passadeiras Sobrelevadas Junto aos Diversos Estabelecimentos Escolares no Concelho de Marinha Grande» Adjudicado a firma L… Lda por despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal em 3/9/08, obra ainda em curso.
» A respetiva lomba como já referido foi executada na segunda quinzena de dezembro, tendo como sinalização de suporte sinais de trabalhos na estrada «A23» e a sinalizado que já existia na altura, nomeadamente sinal de limite de velocidade 30Km/h «C13», sinal lomba «A2a», sinal de passagem de peões «H7» e sinal de aproximação de travessia de crianças «18», sinalização existente nos dois sentidos. Esta sinalização existe desde o dia em se executou a lomba redutora de velocidade, com exceção dos sinais de trabalhos na estrada que foram retirados aquando do fim da obra, os restantes foram mantidos, sendo suficientes e adequados para informar as condutores da existência da mesma.
» De salientar que os serviços fizeram no local um teste, passando na respetiva lomba com um veículo a velocidade de 30Km/h, e o mesmo não só não se despistou, como também não sofreu qualquer dano na própria viatura. A sinalização que na altura existia, 30Km/h, e perigo aproximação de travessia de crianças, obriga os condutores a não circular a mais que a velocidade imposta, como também as restantes sinais de perigo obriga os mesmos a uma redobrada atenção, pois estes alertam para possíveis perigos ou obstáculos na via onde se circula, deste modo a lomba deverá ser transposta com todo o cuidado, devendo neste caso concreto reduzir a velocidade na aproximação da mesma e transpor esta com velocidade reduzida, de forma a não pôr em perigo a integridade física bem como a respetiva viatura. Informamos ainda que na via em questão, sempre se praticaram velocidades que não as mais corretas pelos condutores que circulam na mesma, nunca respeitando desta forma o limite de velocidade imposto pelo Código da Estrada que é do conhecimento de todos os encartados de 50Km/h dentro das localidades, sendo neste caso concreto imposto a velocidade máxima de 30 km/h, dai os condutores presentemente ao terem o hábito, no cumprimento das regras do código da estrada em termos de limites de velocidade e não só, e ao serem colocadas lombas com finalidade de obrigar os mesmos a reduzir tais velocidades estes não se apercebem …, o que os leva muitas das vezes a não terem tempo nem reflexos em relação ao obstáculo existente e que lhe aparece pela frente.
» Os serviços municipais adotaram todas as medidas possíveis com vista a garantir as condições de segurança dos utilizadores daquela via e também salvaguardar a integridade física das próprias crianças que ao saírem da escola atravessam a passadeira (lomba) em questão, muitas das vezes com insegurança.»
HH) No mesmo dia 10.03.2009, foi lavrado auto de receção provisória da obra referida em B), mais se fazendo consignar no referido auto, além do mais, o seguinte: «Aos dez dias do mês de março do ano de dois mil e nove, compareceram no local da obra […] para proceder […] à vistoria da obra, […] tendo -se verificado que a mesma foi executada de acordo com as regras de arte e prescrições técnicas aplicáveis e em conformidade com os contratos e as instruções do fiscal da obra […]».
II) No dia 18.03.2009, a ré L… expediu o ofício 26.09, endereçado ao réu município, subordinado ao assunto «Criação de Passadeiras Sobrelevadas junto aos diversos estabelecimentos escolares do concelho da Marinha Grande» «Pedido de indemnização», fazendo consignar, além do mais, o seguinte: «não temos qualquer responsabilidade sobre o incidente, como é do vosso conhecimento o local estava sinalizado, cumprindo assim todas as normas de segurança […]» .
JJ) A 27.03.2009, o réu município expediu o ofício n.º 2 149, endereçado ao então mandatário do autor, notificando-o do teor da informação referida em GG) e do ofício referido em II), e referindo que o processo seria remetido à seguradora do município.
KK) Do embate resultaram, entre outros, danos na proteção da frente do cárter, na proteção de trás do cárter, na ligação das proteções, no cárter, no sensor do cárter, no para-choques da frente, na forra da cava da roda esquerda, na forra da cava da roda direita, na tampa de proteção da correia de distribuição, na forra de proteção superior do motor.
LL) Na sequência do embate, o veículo referido em P) foi rebocado para a oficina de R… - Manutenção e Reparação Automóveis.
MM) No âmbito da reparação dos danos referidos em KK), foi necessário atestar o motor de óleo após a reparação, recarregar o ar condicionado, pintar o para-choques, as grelhas do para-choques, colocar uma junta do cárter, um sub-cárter, o kit de cola do sub-cárter, substituir a bomba de óleo, a correia de distribuição, o retentor, a junta do retentor e o motor do veículo referido em P).
NN) A reparação do veículo referido em P) foi concluída no dia 20.04.2009, 66 dias após o embate.
OO) O autor pagou pela reparação do veículo referido em P) o valor de € 4 024,76, já incluindo IVA.
PP) No dia 24.04.2009, o réu município expediu o ofício n.º S/2875/2009, endereçado ao autor, acusando a receção da participação do sinistro e informando ter remetido o processo para análise pela ré A…, junto de quem subscrevera apólice de seguros n.º 93….
QQ) Por força do embate, e uma vez que o motor da viatura referida em P) perdeu todo o óleo, ficou o referido veículo impossibilitado de andar até à conclusão da reparação.
RR) O veículo referido em P) era, à data dos factos, o único veículo de que o autor dispunha.
SS) À data do acidente o veículo encontrava-se em perfeito estado de conservação e funcionamento.
TT) O veículo referido em P) era utilizado diariamente pelo autor para as suas deslocações.
UU) O autor, enquanto sócio-gerente da sociedade F… (F… Lda.), com instalações na Zona Industrial da Vieira de Leiria, utilizava o veículo referido em P) diariamente na deslocação de sua casa para as instalações da sociedade, sitas a cerca de 5 kms.
VV) Deslocação esse que efetuava no mínimo 4 vezes ao dia.
WW) Para além disso, era com o R… que o autor se deslocava diariamente à Marinha Grande, a cerca de 10 kms, onde ia aos bancos, contabilista e visitar clientes.
XX) Visitas essas que eram efetuadas com uma regularidade praticamente diária.
YY) O autor utilizava ainda o R… na sua vida pessoal, para ir às compras, para ir a Leiria, para passear ao fim-de-semana.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS
Todos os demais, sendo com interesse para a decisão a proferir os seguintes:
(i) no dia do acidente a lomba redutora de velocidade não estava antecedida de sinalização vertical ou horizontal.
(ii) o local era mal iluminado.
(iii) o condutor do veículo do autor imprimia ao veículo uma velocidade não superior a 30 km/hora.
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3. MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal formou-se com base na análise crítica da documentação não impugnada junta aos articulados iniciais das partes, nos depoimentos prestados pelo autor e pelas testemunhas arroladas e não prescindidas, e ainda na inspeção ao local. Aplicou-se ainda quer o princípio cominatório semipleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo pelas partes, quer as regras gerais de distribuição do onus probandi.
Tudo nos termos e com os fundamentos melhor discriminados de seguida.
Assim, a matéria constante das alíneas A) e B) está provada documentalmente pelo doc. 1 junto com a contestação da ré L…. Ademais, tendo sido essa factualidade alegada pelo autor, não foi objeto de impugnação por nenhum dos réus, pelo que se tem de considerar admitida por acordo.
As alíneas C), D), E), F), G), H), I), J), K), L) e M) encontram-se provadas por força do efeito cominatório semipleno, em virtude de os réus não terem impugnado tal factualidade.
O juízo efetuado resulta ainda do teor dos documentos 4, 5 e 9 a 12 juntos com a petição inicial, bem como da apreciação deste tribunal resultante da inspeção ao local.
As alíneas P), S), T), U) e AA) do probatório estão provadas documentalmente, por força do auto de ocorrência junto à petição inicial como doc. 1, tendo ainda sido corroborado pelo depoimento do autor e da testemunha T….
O depoimento do autor foi ainda determinante para a formação e convicção do tribunal no tocante à matéria levada ao probatório nas alíneas Q), R) (que, de resto, se encontrava já provado por força do teor do documento 2 junto à petição inicial), W), Y), BB), CC), DD), EE) e LL), por ter sido o único que presenciou o acidente, bem como da factualidade contante das alíneas RR), SS), TT), UU), VV), WW), XX) e YY), por ter apresentado um depoimento suficientemente esclarecedor quanto a essa matéria.
A alínea FF) resultou do depoimento prestado pela testemunha arrolada pelo réu município S….
Os factos constantes das alíneas GG), II) e JJ) do probatório resultam provados pelo acervo documental junto aos autos pelo réu município (respetivamente, documentos 1, 2 e 3).
De igual modo, o ponto HH) do probatório corresponde ao documento 2 junto à contestação da ré L….
Os pontos Q), KK), MM) e QQ) dos factos provados resultam da análise aos documentos 15 a 20 juntos à petição inicial e do depoimento da testemunha R…, arrolada pelo autor, que foi o mecânico do automóvel. Foi ainda com base neste depoimento, associado ao teor dos documentos 6 e 7 juntos à petição inicial, que o tribunal formou a sua convicção no tocante à matéria constante das alíneas OO) e NN) do probatório, respetivamente.
O ponto PP) do probatório corresponde ao documento 8 junto com a petição inicial.
O tribunal fundou a sua convicção no tocante à matéria enunciada nos pontos N) e O) dos factos provados e pontos (i) e (ii) dos factos não provados na circunstância de o autor não ter logrado produzir, como lhe competia, a pertinente prova, nem por suporte documental que atestasse os factos alegados, nem por prova testemunhal, nem sequer por declaração de parte.
Assim, a testemunha arrolada pelo autor T…, agente da GNR que lavrou o auto de ocorrência, declarou que o local não era propriamente escuro, que tinha uma iluminação normal e que era adequada e suficiente para que um condutor se apercebesse da aproximação da lomba. Por seu turno, o próprio demandante, em sede de declarações de parte prestadas na primeira sessão da audiência final, declarou que não se recordava da sinalização, embora anuísse a possibilidade de ter visto a sinalização vertical do limite de velocidade a 30 km/h.
De resto, o juízo formado acerca destes pontos do probatório resulta da análise integrada e integral da dinâmica factual apurada, decorrente i) da perceção do tribunal quando da inspeção ao local, ii) de se ter julgado provada a factualidade referida também nas alíneas GG), HH) e II) dos factos provados, nos quais se denota inúmera documentação a atestar a existência de sinalização mesmo antes da data da receção provisória da obra, e iii) do teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas do réu S… e L…, que referiram a existência, desde o início da obra, da sinalização adequada, como também informaram não ter havido qualquer intervenção ao nível da iluminação, pelo que a iluminação que se encontra presentemente no local era a que já aí se encontrava desde o início.
De igual modo, o ponto V) dos factos provados e o ponto (iii) dos factos não provados resultou da análise conjugada do teor do documento 1 junto com a petição inicial com os depoimentos prestados em sede de audiência final pelo próprio autor e pela testemunha T…. Concorreu igualmente para a formação da convicção do tribunal o facto de, quando da inspeção ao local, ter sido efetuada uma passagem no local do acidente com uma viatura (da marca Ford, modelo Mondeo, viatura com o perfil rebaixado) a 30 km/hora. Àquela velocidade, verificou-se o som de raspagem na plataforma da lomba redutora de velocidade da saia do para-choques dianteiro, em borracha retrátil, mas tal embate não se deu com violência nem causou danificação da parte frontal do veículo.
Faz-se aqui notar que os factos aludidos têm de se considerar como factos essenciais nucleares, porquanto desempenham uma função individualizadora ou identificadora da causa petendi nos presentes autos. Como tal, incumbia ao autor, não só alegar esses factos (artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), como prová-los (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). Não o tendo feito, e atento o princípio traduzido pelo brocardo latino non liquet, consagrado no artigo 414.º do Código de Processo Civil, contra ele é resolvida a incerteza quanto à verificação daqueles factos».

Nos termos do disposto no art 662º, nº 1 do CPC, por resultarem dos autos e se mostrar relevante para a apreciação das questões suscitadas, adita-se o seguinte facto à seleção dos Factos Provados:
ZZ) À data do acidente o Município da Marinha Grande havia celebrado contrato de seguro com a Companhia de Seguros A…, SA, titulado pela apólice nº 93…, pelo qual o primeiro transferiu para a segunda, até ao limite de € 498.797,00 por sinistro, a sua responsabilidade civil por eventuais danos causados a terceiros em virtude da sua atividade, ficando convencionado que o Município suportaria uma franquia de 10% sobre o valor da indemnização com o mínimo de € 400,00 e o máximo de € 12.469,95 – doc junto aos autos a 29.5.2012, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
AAA) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do Doc nº 3 junto com a petição inicial e que consubstancia a «Nota Técnica — Instalação e Sinalização de Lombas Redutoras de Velocidade», da autoria da Direção de Serviços de Trânsito, elaborada em 2004 e aprovada pelo Despacho da DGV n.º 109/2004, de 22/6.

O Direito
Recurso do Município da Marinha Grande:
Nulidade do art 615º, nº 1, al b) do CPC:
O recorrente, para o caso de não proceder a alegação de falta de demonstração dos pressupostos da ilicitude e da culpa da sua conduta que sustente a sentença recorrida, alega que a decisão de direito não se encontra devidamente fundamentada, porquanto dela se não retiram os fundamentos da ilicitude e da culpa, por forma a fazer funcionar o instituto da responsabilidade civil extracontratual (arts 9º e 10º da Lei 67/2007, de 31.12). E, assim, imputa nulidade à sentença, nos termos do art 615º, nº 1, al b) do CPC.
Estipula-se no art 615º, nº 1 do CPC ex vi arts 1º e 140º, nº 3 do CPTA, sob a epígrafe de causas de nulidade da sentença e na parte que releva, que é … nula a sentença:
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade da decisão por infração ao disposto na al b) do nº 1 do art 615º do CPC só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não constem com o mínimo de suficiência e de explicitação os fundamentos de facto e de direito que a justificam.
A este respeito, tanto a doutrina [J. Alberto dos Reis em Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140; A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, em CPC anotado, vol I, pág 737) como a jurisprudência [a título de exemplo Acs. STA de 24.10.2000 (Pleno), processo nº 37128; de 26.03.2003, processo nº 47441; de 10.09.2009, nº 940/08; ac do TCAS de 18.6.2020, processo nº 545/18] têm feito notar que não deve confundir-se a eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, pois, só a esta última se reporta a alínea em questão.

Munidos destes breves considerandos quanto ao conceito de nulidade de decisão judicial, por falta de fundamentação, temos que a nulidade invocada não ocorre no caso, porquanto o que se trata, efetivamente, é de eventual, e também invocado a título principal, erro no julgamento efetuado na apreciação e decisão da matéria de facto e de direito.
Nunca a arguida nulidade, por falta absoluta de fundamentação, é suscetível de se verificar se imputada a título residual e para o caso de não proceder a insuficiente ou errada fundamentação.

Acresce que a sentença recorrida logrou proceder ao julgamento da matéria de facto, constando desse julgamento a indicação expressa dos meios de prova considerados pertinentes. Assim, no que respeita à fundamentação de facto, constam da sentença recorrida quer os factos julgados provados e não provados, quer os respetivos meios de prova que serviram de suporte ao julgamento probatório, sendo que ainda consta da sentença a indicação expressa dos motivos que conduziram à formação da convicção do Tribunal acerca dos factos julgados provados.

Do mesmo modo, no tocante à fundamentação de direito, resulta da sentença recorrida a indicação dos motivos em que se baseou para tomar a decisão ora impugnada e dos preceitos legais considerados pertinentes ao caso. A sentença analisou do fundamento da ação e sobre ele decidiu, aduzindo os respetivos argumentos, razões e motivos, quer de facto, quer de direito.
Ostensivamente o recorrente discorda do julgamento do facto inscrito na al FF) do probatório e da decisão de direito que o condena a pagar ao autor a indemnização decorrente da reparação do veículo em metade do valor apurado.

Mas, os erros de julgamento não consubstanciam nulidades da sentença.

Por isso, não assiste razão ao recorrente, por não se mostrar omitida a fundamentação da sentença recorrida.

Incorreto julgamento da matéria de facto:
Alega o recorrente que o Tribunal recorrido apreciou incorretamente a prova produzida no que respeita ao facto provado na parte final da al FF) – a colocação de uma camada de asfaltamento a cobrir parcialmente a primeira fila dos paralelos na rampa de acesso à mesma lomba. Entende o recorrente que da prova produzida decorre que a repavimentação da rua em que foi implantada a lomba redutora de velocidade não afetou por qualquer forma as dimensões e características da própria lomba como da sua rampa de acesso, que se manteve inalterada. Considera o recorrente que, tendo em conta os vários elementos probatórios existentes, designadamente o depoimento da testemunha arrolada pelo Município, Eng S…, e os documentos juntos, de que são exemplo a informação elaborada pelo Setor de Redes Viárias e Trânsito da Divisão de Infraestruturas e Redes Municipais da CM da Marinha Grande – al GG) – não podia o tribunal ter dado como provado o facto da al FF), nomeadamente a sua parte final. Para o efeito, o recorrente transcreve partes do depoimento da testemunha identificada.
Vejamos.
Importa atentar no que diz a lei quanto aos poderes do tribunal de segunda instância para alterar a decisão do tribunal de primeira instância relativamente ao julgamento da matéria de facto, e na interpretação e aplicação que dessas normas legais vem fazendo a nossa jurisprudência.
Tem vindo a ser entendido pela jurisprudência do STA que a «garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto» [art 662º do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA] deverá harmonizar-se com o «princípio da livre apreciação da prova», decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto [art 607º do CPC]. E que, tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e imediação que determinaram a decisão de primeira instância, e que a gravação da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de fatores de persuasão que foram percecionados, diretamente, por quem primeiro julgou, deve esse tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal de primeira instância, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da ciência, da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável [cfr, entre outros, acs do STA de 19.10.05, processo nº 394/05; de 14.03.06, processo nº 1015/05; de 19.11.2008, processo nº 601/07; de 27.01.2010, processo nº 358/09; de 14.04.2010, processo nº 751/07; de 02.06.2010, processo nº 200/09; de 02.06.2010, processo nº 161/10, de 21.09.2010, processo nº 1010/09].
Assim, nos termos do art 662º, nº 1 do CPC, o tribunal de recurso deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como refere Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5ª edição, pág. 298 e 301, em anotação ao art 662º, «A Relação [relativamente aos concretos pontos impugnados] poderá e deverá modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova [produzidos], com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado».
O mesmo autor, enquanto relator, expressou este entendimento, designadamente, no acórdão proferido no STJ, em 11.2.2016, processo nº 907/13.5TBPTG, em cujo sumário consta: «impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação (in casu, documentos particulares, testemunhas ou presunções), com cumprimento dos requisitos previstos no art 640º do CPC, cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova e refletir na decisão da matéria de facto a convicção que formar, nos termos do art 662º».
Temos, portanto, que em princípio nada obsta a que o tribunal de primeira instância, caso o considere justificado, dê mais relevância ao depoimento de umas testemunhas em detrimento do depoimento de outras, ou que considere os depoimentos prestados mais ou menos decisivos para formar a respetiva convicção.
E que, em sede de recurso jurisdicional, o tribunal superior, em princípio, apenas deva alterar a matéria de facto, na qual assenta a decisão recorrida, se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, segundo a razoabilidade, foi mal julgada na instância de origem.
A reapreciação da decisão de facto exige, no entanto, ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, o cumprimento do ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, fundamentando os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida em primeira instância (cfr art 640º, nº 1 e nº 2 do CPC).
Portanto, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnadas diversa da recorrida; c) e, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
De regresso à situação em apreço.
Verificamos que a exigência formal, do art 640º do CPC, indicativa dos concretos «erros de facto», dos seus «concretos fundamentos» e as passagens em que se funda, se mostra cumprida pelo recorrente.
O recorrente observou os ónus legais impostos pelo art 640º do CPC, na medida em que identificou o facto concreto que considerou incorretamente julgado pelo tribunal de 1ª instância, bem como os meios probatórios, quer de natureza documental, quer de natureza testemunhal, existentes no processo, que o tribunal a quo não considerou devidamente, e cuja correta ponderação impediria um julgamento como o que foi efetuado.
Pelo que cumpre a este tribunal de recurso analisar se o tribunal recorrido efetuou um incorreto julgamento da matéria de facto provada na al FF).
A al FF) do probatório tem a redação seguinte:
Em data posterior ao acidente, o réu município ordenou a repavimentação da rua onde ocorreu o sinistro, da qual resultou um acréscimo médio de 3cm de camada de desgaste na via, e, com fresagem antes da lomba, a colocação de uma camada de asfaltamento a cobrir parcialmente a primeira fila dos paralelos na rampa de acesso à mesma lomba.
O tribunal motivou a prova do facto no depoimento prestado pela testemunha arrolada pelo réu Município S….
Este facto, da al FF), teve na sua origem a alegação dos arts 48º a 51º da petição inicial, que abordam a realização de obras na LRV, após o acidente, para «emendar a conformação da lomba … consistindo na redução da inclinação das rampas de acesso ao patamar superior e amenização do ângulo de ataque a tal lomba».
Mas, o que resultou provado, na al FF), foi apenas ter ocorrido a repavimentação da rua onde se deu o sinistro, com um acréscimo médio de 3cm de camada de desgaste na via, e, por isso, a colocação de uma camada de asfalto a cobrir parcialmente a primeira fila dos paralelos na rampa de acesso à mesma lomba.
Tal como refere o depoimento da testemunha S…, citado pelo recorrente, não podemos afirmar que o Município tenha feito obras na referida LRV, após o acidente, para alterá-la, modificá-la.
Como declarou a testemunha, ao minuto 2.27 a 2.29, esta rua foi pavimentada … e … com fresagem do pavimento na zona que antecede a passadeira, … para fazer a transição para os pavimentos que existem, … se apertarmos uma camada de 6 centímetros, o betuminoso sobrepunha-se à altura da passadeira, então o que se faz, fresa-se uma faixa de pavimento, ou seja, retira-se, raspa-se, …, uma faixa de pavimento que é para garantir o adequado encaixe entre a camada nova de pavimento e aquilo que lá fica.
Portanto, esta intervenção deveu-se a uma empreitada para pavimentação da rua.
Acrescenta este tribunal ad quem, após a leitura do auto de inspeção ao local, que o facto da al FF) do probatório também resulta provado pela inspeção judicial ao local onde se deu o acidente. Na verdade lê-se no auto que com esclarecimentos das testemunhas do réu [L… e S…], apurou-se que os trabalhos de asfaltamento da via ocorridos posteriormente à construção da lomba redutora de velocidade acrescentaram, em média, 3cm de altura à via, mais se constatando a existência de uma camada de asfaltamento a cobrir parcialmente os primeiros paralelos na rampa de acesso à lomba.
Nos termos do art 390º do Código Civil, a prova por inspeção tem por fim a perceção direta de factos pelo tribunal.
E, in loco, o tribunal, com os esclarecimentos das testemunhas do réu presentes na diligência, incluindo S…, foi posto em contacto direto e imediato com o próprio facto a provar [cfr CPC anotado, Alberto dos Reis, IV vol, pág 306], isto é, com as dimensões da lomba redutora de velocidade, constatando a existência de uma camada de asfaltamento a cobrir parcialmente os primeiros paralelos na rampa de acesso à lomba decorrente de uma obra de pavimentação da rua.
Por conseguinte, o facto provado na al FF) resulta da prova produzida no processo.
Pelo que se mantem o facto, com a redação que lhe foi dada pela decisão recorrida.
Improcedendo este fundamento de recurso.

Erro no julgamento em matéria de direito, por manifesta falta de matéria de facto que sustente a decisão de direito ou falta de fundamentação da decisão e incorreto julgamento de direito por errada aplicação aos factos.
O recorrente Município insurge-se contra a sentença recorrida quando esta entendeu por verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. Defende o recorrente que nenhum dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos se verificou no caso em apreço.
A ilicitude não ocorre porquanto resultou da prova testemunhal – S… – que regras de ordem técnica e diretrizes foram seguidas pelo Município para a implantação de lombas, a saber: o estudo do Prof Dr Á… da Universidade de Coimbra para a construção de lombas redutoras de velocidade, sinalizou convenientemente a lomba, iluminou o local onde a mesma se encontra implantada, testou a circulação de uma viatura na referida lomba. Obviamente que, tratando-se o veículo do autor de um carro rebaixado (ainda que de origem), certo é que o mesmo terá de ultrapassar a LRV a uma velocidade inferior à praticada por um veículo que seja mais elevado. Os condutores devem adequar a velocidade dos seus veículos à lomba que têm de ultrapassar.

A questão dos autos deve-se à desatenção, incúria e imprudência do condutor do veículo do autor, que ultrapassou a lomba em excesso de velocidade.

No caso concreto também não se verifica o nexo de causalidade, atendendo a que a sinalização é abundante, o local está devidamente iluminado e a lomba foi testada.

Assim, entende o recorrente os danos na viatura são imputáveis ao respetivo condutor que desobedeceu aos limites de velocidade impostos para o local.
Vejamos se lhe assiste razão, tendo presente que, à data do acidente de trânsito gerador dos danos que o autor pretende ver ressarcidos, vigorava o art 9º do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, instituído pela Lei nº 67/2007, de 31.12 (RCEEP) que, para efeitos de responsabilidade extracontratual dos entes públicos por atos da função administrativa, considera ilícitas as ações ou omissões dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos (nº 1) ou o anormal funcionamento do serviço, no sentido do art 7º, nº 3, de que resulte essa ofensa (nº 2).
Assim, ainda que não se exija a demonstração do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, só pode considerar-se verificado o requisito de ilicitude se a matéria de facto permitir afirmar que houve violação de normas ou princípios aplicáveis ou de regras técnicas ou de deveres objetivos de cuidado de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
É, pois, necessário identificar uma ação ou omissão, ainda que imputada ao funcionamento anormal do serviço no seu conjunto.
No caso, não estamos perante um obstáculo eventual ou ocasional – hipótese em que os dever de sinalização pode assumir outros contornos – a que alude o art 3º do Código da Estrada, mas perante uma característica de conformação da via de que pode resultar perigo para o trânsito.
Com efeito, o autor, ora recorrente, fundamenta a presente ação administrativa comum, com pretensão indemnizatória, na responsabilidade civil extracontratual dos réus pela prática de ato ilícito, alegando que, em 13.2.2009, pelas 2h 15m, o veículo automóvel ligeiro, de marca Audi, modelo 6, matrícula …-…-R…, de sua propriedade sofreu um acidente de viação, na Rua da Foz, Praia da Vieira de Leiria, junto às Escolas Primárias, no sentido Norte/ Sul, ao transpor uma passagem elevada de peões feita em calçada e lomba (lomba redutora de velocidade - LRV), de altura superior a 10 cm, ali existente.
A lomba em causa foi construída na Rua da Foz, Praia da Vieira de Leiria, junto à zona do campo de futebol anexo à escola primária, no âmbito da empreitada adjudicada pelo Município à L… (als B) e A) do probatório), e foi efetuada diretamente sobre o alcatrão pré-existente, por colocação de pedras de calçada grossa, perfazendo uma lomba trapezoidal (als F) e G)).
Tal lomba abrange toda a extensão (largura) da faixa de rodagem e tem uma zona de patamar em cima com uma extensão superior a 3 metros (als I) e J)).
A lomba tem ainda uma altura que varia entre os 12cm, junto à berma, 16cm a meio da faixa de rodagem no sentido Norte/ Sul e 17,5cm junto ao eixo central da via, contados a partir do alcatrão da rua (al M)).
Para aceder à zona de patamar da lomba existem duas rampas com cerca de 50cm de extensão (al K)).
Decidiu já o STA, em acórdão proferido no processo nº 1296/14, a 3.11.2016, que as lombas redutoras de velocidade constituem modos de conformação física das vias públicas para prossecução de competências de gestão do tráfego e não obstáculos espúrios do tipo daqueles que o art 3º do C. Estrada proíbe.
Com efeito, podemos ler neste aresto, fundamentação que acolhemos, que o que no art 3º, nº 2 do CE (aprovado pelo DL n.º 114/94, de 3/5) se proíbe … é a criação, por terceiros, de obstáculos à liberdade de trânsito nas vias públicas ou abertas ao trânsito público. Estão fora do âmbito de aplicação da norma os atos jurídicos ou materiais das autoridades de administração viária, cuja legalidade (rectius licitude, …) se rege pelas normas competenciais, procedimentais e de regulação substantiva que disciplinam o exercício do correspondente poder administrativo.
Efetivamente, as lombas redutoras de velocidade são uma das técnicas ou medidas habitualmente designadas como de “acalmia de tráfego”, isto é, de alteração da geometria convencional das vias, mediante deflexão nos alinhamentos horizontais (p.ex. rotundas, estrangulamentos e “gincanas” de diversas tipos) ou alteração da cota de pavimento (p. ex. lombas, passagens elevadas para peões, “pré-avisos”), de modo a forçar os condutores a ajustarem a velocidade ao máximo permitido para o trecho em causa. Têm o objetivo imediato de imposição de redução de velocidade do trânsito automóvel, principalmente na circulação urbana ou no atravessamento de localidades. O seu fim precípuo é o de segurança rodoviária no conflito do tráfego automóvel com utentes vulneráveis, mas podem servir outras finalidades concomitantes, designadamente, ambientais e de dissuasão de tráfego (cfr. com informação geral, “Medidas de Acalmia de Tráfego, Vol. 1- Medidas individuais aplicadas em atravessamento de localidades”, trabalho realizado para o InIR por Ana Bastos Silva e Sílvia Santos, in www.imtt.pt).
… Note-se, para a hipótese de se procurar noutro lugar do sistema a base normativa para a proscrição destas medidas de acalmia do tráfego, que não estamos sequer perante uma restrição à liberdade de trânsito, mas perante o seu mero condicionamento, mediante uma medida de uso corrente na política de segurança rodoviária para compelir ao respeito pelos limites de velocidade em zonas consideradas sensíveis, a par de inúmeras outras que visam tornar o trânsito mais seguro. Como se diz no Parecer do Ministério Público, as LRV “traduzem-se em opções técnicas individuais relativas à gestão das vias pelas entidades competentes, que só merecerão reprovação se estiverem em conflito com os fins a que se destinam, ultrapassando os limites do poder discricionário dessa gestão, ou afrontarem normas ou princípios jurídicos e de prudência comum, que é suposto respeitarem”.
É certo que as lombas redutoras de velocidade causam incomodidade aos condutores durante a sua transposição, incómodo que será tanto maior quanto a velocidade a que o fizerem.
Esse é mesmo o modo pelo qual operam.
Porém, nenhuma norma legal ou regulamentar proíbe absolutamente que a autoridade competente se socorra de um instrumento deste género ou exige habilitação específica.
Efetivamente, no mesmo plano que a liberdade de trânsito, a segurança constitui um princípio enformador de toda a circulação rodoviária, pelo que nada obsta a que, em sua prossecução, se discipline tal circulação mediante a adoção de medidas causadoras desse desconforto ou incomodidade desde que adequadas ao fim em vista e às condições da via.
Questão diferente é a que respeita já não à legitimação do recurso a este instrumento de acalmia de tráfego, mas à observância dos requisitos técnicos da lomba ou passagem para peões elevada quanto aos aspetos de configuração e construção, localização e relação com as características da via, designadamente da proporcionalidade do agravamento do risco de segurança para os condutores que ultrapassem a velocidade máxima permitida no trecho viário afetado que lhe é inerente.
Ora, é precisamente nos requisitos técnicos da LRV que o recorrente Município da Marinha Grande aponta erro de julgamento, defendendo que a lomba em causa no processo foi executada com as dimensões adequadas para o local.
Afirma-se na decisão recorrida, no que concorda o recorrente, que não estão disciplinadas em diploma legal as diretrizes, regras a observar na construção, montagem e/ ou instalação de lombas redutoras de velocidade.
Pelo que urge encontra-las com o apoio das regras de prudência.
E, para este efeito, o autor alegou e instruiu o processo com um documento intitulado «Nota Técnica — Instalação e Sinalização de Lombas Redutoras de Velocidade», da autoria da Direção de Serviços de Trânsito, elaborada em 2004 e aprovada pelo Despacho da DGV n.º 109/2004, de 22/6.
O referido documento dedicava o ponto 5 às características geométricas das Lombas Redutoras de Velocidade.
O ponto 5.5 da Nota Técnica da DGV dispunha que a altura do ponto de maior cota, relativamente ao pavimento, não deve ser:
a) Inferior a 25mm;
b) Superior a 75mm, salvo casos devidamente justificados e desde que não seja excedido o valor de 100mm.
Por outro lado, o ponto 5.6 da Nota Técnica da DGV diz qualquer face vertical da LRV não deve exceder 6 mm de altura, medida na vertical.
O tribunal recorrido considerou na decisão a Nota Técnica junta aos autos pelo autor porque: foi emitida e publicada por autoridade administrativa, no exercício de competências de uniformização e coordenação da ação fiscalizadora das demais entidades intervenientes, nomeadamente através da emissão de instruções técnicas adequadas — competência essa que, à data (2004), lhe estava atribuída por lei (cf. artigo 2.º, alínea j), da Lei Orgânica da Direção Geral de Viação, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 484/99, de 10 de novembro).
E porque não dispomos nos autos de qualquer indicação, por mínima que seja, acerca do que foi considerado pelo réu município como adequado para a edificação e instalação das lombas redutoras de velocidade no âmbito do concurso de empreitada de obras públicas aludido em B) dos factos provados. No auto de receção provisória alude-se, é certo, ao cumprimento das «regras de arte e prescrições técnicas aplicáveis [bem como à execução da empreitada] em conformidade com os contratos e as instruções do fiscal da obra […]» — vide ponto HH) dos factos provados. Porém, tal alusão não consubstancia mais do que uma asserção conclusiva, não dispondo o tribunal sequer do programa do concurso ou do caderno de encargos para aquilatar quais as instruções aí consignadas. Por seu turno, já em sede de audiência final (reportamo-nos nomeadamente ao depoimento prestado pela testemunha S…), o réu município referiu-se a um estudo da Faculdade de Engenharia da Universidade de Coimbra, da autoria do Professor Doutor Á…, segundo o qual a extensão da rampa deve ser consentânea com o espelho da via (passeios na berma), altura a que deve estar a plataforma sobrelevada. Mas foi esse o estudo a que se reportou a entidade demandada quando da elaboração das peças do procedimento e da fiscalização dos trabalhos? E de quando é esse estudo? É anterior ou posterior à nota técnica? E qual a validação (académica ou científica) do estudo? Ou qual o reconhecimento dos seus pares na academia? Ou, mais importante ainda, qual a sua aceitação junto das autoridades administrativas competentes (nomeadamente o atual IMTT, então DGV)? Não o sabemos.
Efetivamente o invocado estudo da Faculdade de Engenharia da Universidade de Coimbra, da autoria do Professor Doutor Á…, nunca foi documentado nos autos, somente foi citado por uma testemunha.
Como tal, e bem, o tribunal recorrido não o considerou.
O que fez, justificadamente, foi atender ao teor da Nota Técnica emitida e publicada pela Direção Geral de Viação, autoridade administrativa competente, segundo a qual as lombas redutoras de velocidade, independentemente da sua conformação, não devem ter no ponto de maior cota uma altura superior a 7,5 cm, ou em casos justificados, de 10 cm, não devendo ainda ter em cada uma das suas faces verticais altura superior a 6 mm de altura.
Mais sustentando, com acerto, que, independentemente das características geométricas respetivas, as Lombas Redutoras de Velocidade devem estar realizadas por forma a que, desde que cumprida a velocidade recomendada para a sua ultrapassagem, não provoquem qualquer dano nos veículos que o façam.
Por conseguinte, no caso, se atendermos à Nota Técnica emitida e publicada pela Direção Geral de Viação, a LRV existente na Rua da Foz, na Praia da Vieira, junto à zona do campo de futebol anexo à escola primária, tem uma altura superior à indicada nos pontos 5.5 e 5.6, pois, as rampas de acesso têm 50cm, e o patamar da lomba tem 12cm junto à berma, 16cm a meio da faixa de rodagem e 17,5cm junto ao eixo central da via.
Porém e mais relevante ainda para a improcedência deste fundamento do recurso, resultou da inspeção judicial ao local, efetuada no dia 27.1.2015, quando a via já tinha sido repavimentada e, por isso, lograva de um acréscimo médio de 3cm de camada de desgaste, que à passagem, no local do acidente, com um automóvel, da marca Ford, modelo Mondeo, viatura com o perfil rebaixado, a 30Km/hora, verificou-se o som de raspagem na plataforma da lomba redutora de velocidade da saia do para-choques dianteiro, em borracha retrátil.
Ou seja, uma viatura idêntica à do autor, de perfil rebaixado, ao passar no local à velocidade máxima permitida, de 30km/h, quando o pavimento da rua já beneficiava de um acréscimo médio de 3cm, raspou na plataforma da lomba redutora de velocidade.
O que significa que a circulação de trânsito na LRV à velocidade permitida para o local acarretava danos nos veículos que a percorressem.
Na verdade, a circunstância dos serviços do Município terem feito um teste, passando a respetiva lomba com um veículo à velocidade de 30Km/hora e o mesmo não ter sofrido qualquer dano, sem que se saiba que veículo foi utilizado, não autoriza que se conclua ter verificado que a circulação se fazia com segurança.
Pelo que, ao contrário do alegado pelo recorrente Município da Marinha Grande, a lomba em causa no processo foi executada com as dimensões desadequadas para o local e para a circulação com segurança de (todos) os veículos que por ali seguissem, incluindo os veículos automóveis de perfil rebaixado ou desportivos.
Deste modo, a LRV existente no local do acidente colide com a liberdade de trânsito, o que traduz uma conduta ilícita dos réus.
Em suma, também este fundamento do recurso do Município improcede.

Recurso do autor:
i) erro de julgamento de direito quanto à existência de concorrência de culpas entre o autor e os réus.
O autor/ recorrente discorda da sentença, por defender que é o excesso de altura da lomba, muito longe da altura máxima permitida pela Nota Técnica elaborada pela Direção Geral de Trânsito, que despoleta o dano, sendo neste caso a velocidade do Audi inócua para a ocorrência do dano. A Nota Técnica constitui a fonte da legis artis para a construção das Lombas Redutoras de Velocidade e restringe a altura das LRV a 7,5cm em relação ao alcatrão da estrada onde é implantada e só em casos justificados deixa que essa altura suba até aos 10cm. A LRV em causa nos autos, à data do acidente, teria uma altura compreendida entre os 15cm e os 20,5cm. A rampa era mais alta que a parte de baixo do Audi, pelo que independentemente da velocidade, o Audi bateria sempre com a parte inferior, nomeadamente para-choques e motor, na rampa de acesso ainda antes da começar a subir (cfr al Y) dos factos provados). Pelo que o embate resulta da mera altura da lomba e não da velocidade do veículo. Assim, apenas a atuação dos réus concorreu para a verificação do dano, devendo caber-lhes a responsabilidade por todos os danos advindos do acidente para o autor.
Não assiste razão ao recorrente.
Desde logo porque a matéria de facto provada nos informa que a velocidade máxima permitida no local era de 30Km/hora – al N), o que estava devidamente sinalizado, e o veículo do autor seguia a uma velocidade compreendida entre os 30Km/hora e 50Km/hora – al V). Portanto, circulava a uma velocidade superior ao limite permitido para o local.
Acresce que, na inspeção judicial ao local do acidente, foi efetuada uma passagem na LRV com um automóvel, da marca Ford, modelo Mondeo, viatura com o perfil rebaixado, a 30Km/hora e a esta velocidade verificou-se o som de raspagem na plataforma da lomba redutora de velocidade da saia do para-choques dianteiro, em borracha retrátil, mas, como motiva a decisão recorrida, tal embate não se deu com a violência nem causou danificação da parte frontal do veículo.
Ora, estando o local da LRV iluminado e devidamente sinalizado, com um sinal de limite de velocidade 30Km/h – C13, um sinal de lomba – A2a, um sinal de passagem de peões – H7 e um sinal de aproximação de travessia de crianças – 18, a velocidade a que o veículo do autor transpôs a LRV, compreendida entre os 30km/hora e os 50 km/hora, justifica o embate com violência, com a parte de baixo do para-choques, na própria rampa de acesso à lomba e o novo embate violento, com a mesma parte de baixo, quando desceu da zona em patamar da lomba para o alcatrão (piso da estrada), deixando um rasto de óleo após a lomba.
Provando-se ainda que o embate da parte inferior do para-choques da frente e base do motor do Audi A6 danificou de imediato toda a parte inferior frontal do referido veículo. De tal sorte que desse embate resultaram danos na proteção da frente do cárter, na proteção de trás do cárter, na ligação das proteções, no cárter, no sensor do cárter, no para-choques da frente, na forra da cava da roda esquerda, na forra da cava da roda direita, na tampa de proteção da correia de distribuição, na forra de proteção superior do motor, tendo sido necessário atestar o motor de óleo após a reparação, recarregar o ar condicionado, pintar o para-choques, as grelhas do para-choques, colocar uma junta do cárter, um sub-cárter, o kit de cola do sub-cárter, substituir a bomba de óleo, a correia de distribuição, o retentor, a junta do retentor e o motor do veículo.
Por comparação com o teste efetuado aquando da inspeção judicial, com a passagem pela LRV de um veículo com o perfil rebaixado (como o sinistrado), afigura-se-nos ser evidente a correção da sentença em apreço quando conclui: Certo é que, caso tivesse circulado dentro dos limites da velocidade permitida, ainda que tivesse eventualmente raspado na plataforma da lomba redutora de velocidade com a saia do para-choques dianteiro, em borracha retrátil, ou mesmo que tivesse embatido verdadeiramente com o para-choques, certamente não se teriam verificado os danos que ocorreram na viatura, com a extensão que tiveram.
Assim, face à factualidade provada, nas als N), O), V), Y), Z), AA), BB), CC), DD), KK), MM), bem decidiu o tribunal recorrido pela concorrência de culpa do lesado para a produção dos danos na viatura e consequente integração da sua conduta na previsão legal do art 4º da Lei nº 67/2007 e art 570º, nº 1 do Código Civil.
A admissão de uma concorrência de culpas – do autor do dano [altura da lomba redutora de velocidade] e do lesado [imprimir à viatura que transpôs a lomba redutora uma velocidade acima do permitido e indicado no local] – em que ambos concorreram para a existência do acidente e para os danos daí resultantes, confere ao tribunal a faculdade de conceder, reduzir ou excluir a indemnização, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado.
António Pinto Monteiro, em «Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil», Coimbra, 1985 – Separata do volume XXVIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pág. 91, por referência ao art 570º do CC, considera existir um nexo de concausalidade, que resulta de o dano ter decorrido «tanto por facto do lesante como por facto do lesado, um e outro causa adequada do dano».
A concausalidade verifica-se sempre que o facto do autor da lesão concorre com um facto culposo do lesado/ vítima, afastando a lei todos os atos do lesado que, embora constituindo concausa do dano, não mereçam um juízo de reprovação ou censura (Mário Júlio de Almeida Costa, «Direito das Obrigações», 12ª edição, Almedina, 2011, pág. 781 e segs.).
À face das regras da experiência comum, o excesso de velocidade, mesmo reduzido, contribui para a produção de danos resultantes de acidentes de viação, pois, tendencialmente, o embate do veículo a velocidade mais reduzida geraria menores danos.
Neste caso, mesmo considerando que uma viatura de perfil rebaixado a circular a 30Km/h raspou na plataforma da lomba, não fora a velocidade com que o veículo do lesado transpôs a referida lomba redutora de velocidade os danos não teriam a dimensão apurada (nas als CC), DD), KK), MM)).
Pelo que não padece de erro de julgamento a sentença recorrida na parte em que decidiu que os danos no veículo do autor ocorreram também em função da condução imprimida pelo condutor da viatura, pois qualquer condutor diligente teria adequado a sua condução na aproximação daquela lomba.

ii) erro de julgamento de direito quanto à inexistência de dano efetivo para o autor decorrente da paralisação do veículo do autor durante 66 dias.
O autor/ recorrente está ainda em desacordo com a sentença na parte em que concluiu se o autor não suportou qualquer encargo com o aluguer de uma viatura de substituição nem juntou comprovativos de despesas de táxis, tendo inclusivamente afirmado perante o tribunal, em sede de declarações de parte, que utilizou viatura emprestada pelos seus pais, não se lobriga qualquer dano atendível quanto à imobilização durante 66 dias.
Porquanto, afirma que para que o dano da privação do uso constitua um dano efetivo não é necessário que o lesado faça despesas para o debelar. Existe dano pelo mero facto do autor ficar sem possibilidade de utilizar o seu veículo, quando esta situação é conjugada com o facto de este ser o único veículo do autor e de ter uma utilização diária, causando-lhe sérios incómodos e uma alteração na sua rotina diária, com necessidade de pedir ajuda para se transportar a familiares ou amigos. Atentas as características do seu veículo e os valores cobrados pelas sociedades de aluguer de veículos, o recorrente alega como adequada a atribuição de um valor ressarcitório diário da ordem dos €: 50,00, o que corresponderia a um valor indemnizatório total deste dano de €: 3.300,00, acrescido de juros de mora contados desde a citação.
Em causa está a indemnização por paralisação do veículo, desde o dia do acidente, a 13.2.2009, até à respetiva reparação, em 20.4.2009.
O autor pediu a este título a quantia de €: 3.300,00, à razão diária de €: 50,00 vezes 66 dias.
O tribunal julgou não verificado o dano por privação de uso e, em consequência, não atribuiu qualquer indemnização.
Vejamos.
Sobre a indemnização pelo dano da privação do uso de viatura é possível identificar entendimentos distintos na doutrina e na jurisprudência:
i) para determinado sector, tradicional e minoritário, a privação do uso de uma coisa, por parte do seu proprietário, causada por terceiro, só é ressarcível se aquele provar, como é ónus do lesado, quais os danos em concreto que decorrem da privação (a esta subjaz o argumento da que a privação do uso da coisa não gera, per si, prejuízos, pelo que é necessária a alegação e a prova dos danos provocados);
ii) para outra corrente, embora a privação do uso de um veículo sinistrado constitua um dano patrimonial indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade sobre aquele, à indemnização desse dano pela privação do uso não chega a alegação e prova da privação, mostrando-se ainda necessário que o autor alegue e prove que pretendia usar a coisa, ou seja, que dela pretendia retirar as utilidades (ou algumas delas) que esta normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante (cfr acs do STJ de 18.11.2008, processo nº 8B2732, TRP de 3.5.2011, processo nº 2618/08).
iii) finalmente uma última corrente que, cremos, ser atualmente maioritária e à qual aderimos, sustenta que a privação do uso de um veículo sinistrado constitui um dano patrimonial indemnizável por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao seu proprietário optar livremente utilizá-lo ou não (art 1305º do CC), uma vez que esse direito de dispor e de usar do veículo é inerente ao direito de propriedade detido pelo proprietário sobre a viatura sinistrada e, inclusivamente, é-lhe assegurado e reconhecido pelo art 62º da CRP, devendo a privação desse uso ser economicamente valorizável, se necessário, com recurso à equidade. Nesta perspetiva, o simples uso constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano (cfr. Menezes Leitão, «Direito das Obrigações», vol. I, 4ª ed., Almedina, pág. 317). No mesmo sentido Abrantes Geraldes, «Temas de Responsabilidade Civil – Indemnização do Dano da Privação do Uso», 2ª ed., pág 39, a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflete o corte definitivo e irrecuperável de uma "fatia" dos poderes inerentes ao proprietário. Deste modo, a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização. Alias, o simples uso do veículo constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano.
O dano imediatamente ressarcível é, precisamente, a indisponibilidade do bem, qualquer que fosse a atividade a que o veículo estava afeto (cfr ac do TCA Sul de 7.4.2016, processo nº 12.368/15, ac do TCA Norte de 28.10.2022, processo nº 619/20).
Conforme resulta do acórdão do STJ de 2.6.2009, processo nº 1583/1999.S1, citado e reproduzido no acórdão, proferido pelo mesmo relator, em 9.3.2010, processo nº 1247/07.4TJVNF.P1.S1, quando a privação do uso recaia sobre um automóvel, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente (o que na generalidade das situações concretas constituirá um facto notório ou poderá resultar de presunções naturais a retirar da factualidade provada) para que possa exigir-se ao lesante uma indemnização a esse título, que corresponderá, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição, uma vez que bem pode acontecer que não tenha disponibilidades económicas para isso, sem que tal signifique que não sofreu danos ou prejuízos pela privação do seu veículo. Não necessita, por isso, de provar direta e concretamente prejuízos efetivos, como, por exemplo, que deixou de fazer esta ou aquela viagem de negócios ou de lazer, que teve de utilizar outros meios de transporte (táxi, transportes públicos, etc.) com o custo correspondente. Tudo isso estará abrangido pela privação do uso do veículo a ressarcir nos termos referidos ou, em última análise, se necessário, segundo critérios de equidade, sem prejuízo de se poder, evidentemente, alegar e provar outros danos emergentes ou lucros cessantes.
Adere-se, como dissemos já, à posição que se enunciou por último, isto é, de que a simples impossibilidade de dispor do veículo constitui para o lesado um dano patrimonial, sendo certo que a regra assenta em que a privação ilícita do uso de qualquer bem constitui um dano de que o lesado deve ser compensado.
E, na impossibilidade de averiguação do valor exato do dano sofrido pela privação do uso do veículo automóvel, nos termos do art 566º, nº 3 do CC, mostra-se adequado o recurso à equidade. Na atribuição desse valor, o tribunal deve nortear-se por imperativos de justiça, partindo da consideração dos factos que ficaram provados.
No caso dos autos ficou claramente provado que:
· o veículo sinistrado era de marca Audi, modelo A6, matrícula …-…-R…;
· por força do embate, e uma vez que o motor da viatura perdeu todo o óleo, ficou o referido veículo impossibilitado de andar desde o acidente, em 13.2.2009 até à conclusão da reparação, a 20.4.2009;
· o veículo era, à data do acidente, o único veículo de que o autor dispunha;
· era utilizado diariamente pelo autor para as suas deslocações;
· o autor, enquanto sócio-gerente da sociedade F… (F… Lda.), com instalações na Zona Industrial da Vieira de Leiria, utilizava o veículo diariamente na deslocação de sua casa para as instalações da sociedade, sitas a cerca de 5 kms. Deslocação esse que efetuava no mínimo 4 vezes ao dia.
· para além disso, era com o R… que o autor se deslocava diariamente à Marinha Grande, a cerca de 10 kms, onde ia aos bancos, contabilista e visitar clientes. Visitas essas que eram efetuadas com uma regularidade praticamente diária.
· o autor utilizava ainda o R… na sua vida pessoal, para ir às compras, para ir a Leiria, para passear ao fim-de-semana.
(cfr als P), QQ), RR), TT), UU), VV), WW), XX), YY) do probatório).
Portanto, a imobilização da viatura causou danos ao lesado, decorrentes da impossibilidade de uso do veículo para se deslocar para o trabalho, na sua atividade profissional e para a sua vida pessoal.
O apelante alegou que o aluguer de uma viatura similar ao veículo sinistrado demandava um valor diário de € 50,00, valor ao qual foi já deduzido a margem de lucro, impostos e outros custos inerentes ao aluguer profissional de veículos. Contudo, nenhuma prova foi feita quanto ao valor de aluguer diário de uma viatura similar ao veículo sinistrado.
A propósito do quantum indemnizatório diário devido ao lesado pela privação do uso do veículo do seu segurado, que aquela lhe satisfez, Menezes Leitão preconiza que essa quantia indemnizatória pode ter como referencial o valor locativo do veículo (obra citada).
No entanto, a indemnização pela indisponibilidade do veículo não deverá ser pautada, em termos estritos e exatos, pelo preço de aluguer praticado pelas empresas de aluguer de veículos automóveis para uma viatura da mesma classe da acidentada, dado que nesse preço/dia de aluguer estão necessariamente contempladas as despesas de exploração da empresa de aluguer e o lucro do empresário.
Segundo Paulo Mota Pinto «o dano da privação do uso deverá ser quantificado em valor que pode ser obtido de uma das duas formas: ou (como de cima para baixo) a partir dos custos de um aluguer durante o lapso de tempo em causa, mas depurados …, excluído o lucro do locador e custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc.», concretizando que «no direito alemão os valores constantes das referidas tabelas rondam cerca de um terço dos custos do aluguer normalmente praticados; ou (como de baixo para cima), designadamente, a partir dos custos de capital imobilizado necessário para obter a disponibilidade de um bem, como aquele durante o período de tempo necessário (por ex. os custo necessários para constituir uma reserva de um bem, como o que está em causa)» - (Paulo Mota Pinto, «Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo», vol. I, Almedina, pág. 592).
Ainda, para Maria da Graça Trigo, «o valor locativo há-se servir como teto máximo para efeitos indemnizatórios. Até esse montante, o juiz deverá encontrar um valor equitativo ad hoc» (Maria da Graça Trigo, «Responsabilidade Civil – Temas Especiais», Almedina, 2015, pág. 64).
Tomando em conta estes ensinamentos, achamos legítimo, como critério referencial para a fixação da indemnização, partir dos custos de uma situação suscetível de colmatar o dano de privação do uso, qual seja o aluguer de uma viatura equivalente para substituição da acidentada durante o período de tempo de impossibilidade de utilização da própria, deduzidos os custos de exploração da empresa de aluguer e o lucro desta.
O preço do aluguer de um veículo correspondente ao Audi A6 sinistrado, no período de 13.2.2009 a 20.4.2009, como é do conhecimento geral, nunca terá sido inferior a pelo menos 50€ por dia. Pelo que, subtraindo os custos de exploração e o lucro do empresário, a quantia de €: 35,00 afigura-se-nos ser o valor ajustado a pagar por cada dia em que o veículo esteve paralisado.
O autor/ lesado/ apelante esteve 66 dias privado do uso do seu veículo.
Assim, o montante indemnizatório que lhe é devido ascende a €: 2.310,00.
Por esta quantia de € 2.310,00, os réus - Município da Marinha Grande e Companhia de Seguros A… SA - apenas são responsáveis na medida da sua contribuição para a verificação do acidente, que como resulta do que foi fixado na sentença recorrida, e não vem questionado no recurso, foi de 50%.
Ou seja, impende sobre os réus Município da Marinha Grande e seguradora a obrigação de pagar ao autor, pela privação do uso do veículo sinistrado no período de 13.2.2009 a 20.4.2009, a quantia de €: 1.155,00€, a que acrescem juros de mora, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Conforme resulta da matéria de facto provada na al ZZ) da fundamentação de facto, o Município celebrou com a Companhia de Seguros A…, SA, contrato de seguro titulado pela apólice nº 9301 000085427 93, pelo qual o primeiro transferiu para a segunda, até ao limite de € 498.797,00 por sinistro, a sua responsabilidade civil por eventuais danos causados a terceiros em virtude da sua atividade, ficando convencionado que o Município suportaria uma franquia de 10% sobre o valor da indemnização com o mínimo de € 400,00 e o máximo de € 12.469,95.
No contrato de seguro de responsabilidade civil, como é o caso do contrato de seguro celebrado entre o Município e a seguradora, esta obriga-se a indemnizar, nos termos estabelecidos no contrato de seguro, terceiros em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato – o sinistro – de que resulte a constituição do tomador na obrigação de indemnizar esses terceiros, de onde se segue que a obrigação típica assumida pela seguradora de indemnizar o terceiro está dependente, por um lado, da circunstância do tomador de seguro se ter constituído perante o terceiro na obrigação de o indemnizar, o que pressupõe, no caso dos autos, que se verifiquem os requisitos gerais da constituição deste em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos perante esse terceiro (requisitos esses enunciados na Lei nº 67/2007 e nos arts 483º e ss. do CC), e por outro, que esse evento constitutivo da responsabilidade do tomador em responsabilidade civil perante o terceiro tem de ter por causa o evento cujo risco é seguro nos termos do contrato de seguro celebrado – sinistro.
Deste modo, por o Município se ter constituído em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos perante o autor e por a causa da constituição daquele em responsabilidade civil ser o sinistro que nos termos do contrato de seguro foi assumido pela seguradora, esta fica obrigada a satisfazer a indemnização devida pelo Município ao terceiro lesado, nos precisos termos e limites fixados no contrato de seguro.
Acontece que, resultando do contrato de seguro celebrado entre o Município e a Companhia de Seguros A…, SA, que o primeiro transferiu para a segunda, até ao limite de € 498.797,00 por sinistro, a sua responsabilidade civil por eventuais danos causados a terceiros em virtude da sua atividade, quantia bem superior ao montante indemnizatório devido ao lesado (de €: 2.012,38 + €: 1.155,00 = €: 3.167,38) em consequência do sinistro objeto dos autos, mas tendo ficado convencionado que o Município suportaria uma franquia de 10% sobre o valor da indemnização com o mínimo de € 400,00 e o máximo de € 12.469,95, o Município responde perante o lesado até ao valor de € 400,00 e ambos os réus – Município e seguradora – respondem solidariamente, em relação ao que excede aquele valor.
Aqui chegados impõe-se concluir pela parcial procedência do recurso e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida na parte em que absolveu os réus do pagamento ao autor de indemnização a título de paralisação do veículo por 66 dias, condenando-se o Município e a seguradora solidariamente a pagar ao autor a quantia de €: 1.155,00 pelo dano de privação de uso do veículo, acrescida de juros de mora, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, sem prejuízo da franquia acordada a cargo do Município.


Decisão
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul em:
i) negar provimento ao recurso interposto pelo Município da Marinha Grande;
ii) conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo autor e, nessa conformidade, revogam a decisão recorrida na parte em que absolveu os réus do pedido de pagamento de quantia a título de paralisação do veículo sinistrado por 66 dias e condenam o Município da Marinha Grande e a Companhia de Seguros A… Portugal, SA, solidariamente a pagar ao autor a quantia de €: 1.155,00 pelo dano de privação de uso do veículo, acrescida de juros de mora, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, sem prejuízo da franquia acordada a cargo do Município.
Custas do recurso do Município a cargo deste.
Custas do recurso do autor, pelos réus apelados e pelo autor, na proporção do respetivo decaimento (50% para cada).
Notifique.
Lisboa, 2023-1-12,
(Alda Nunes)
(Lina Costa)

(Catarina Vasconcelos).