Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:284/22.3BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:09/26/2024
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:ADUANEIRO
LIQUIDAÇÃO DE DIREITOS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS
EFICÁCIA NO ATAQUE DA SENTENÇA
Sumário:Se nas alegações de recurso e respetivas conclusões, não foi posto em causa um dos motivos de procedência da pretensão da Impugnante e ora Recorrida, por si só suficiente para suportar a decisão de procedência, este é manifestamente ineficaz enquanto forma de ataque à sentença recorrida.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, veio recorrer da sentença proferida em 2023.04.14, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por L… Logística, SA. (entretanto incorporada por fusão pela sociedade Z… - Comércio e Distribuição S.A.), contra o ato de liquidação de direitos e imposto sobre o valor acrescentado, referente a importação realizada ao abrigo da declaração n.º 2021PT00067065037781 de 2021.06.28.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formula as seguintes conclusões:

A) «Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 17-04-2023, que julgou procedente a impugnação supra identificada e anulou a liquidação impugnada por ter entendido que a liquidação impugnada, objecto mediato da presente impugnação, padecia de falta de fundamentação, o que determinava a sua anulação;
B) Com a devida vénia não pode a Fazenda conformar-se com tal sentido decisório, considerando que existe erro, quer quanto à apreciação da matéria de facto, quer de direito, entendendo que, na sua perspetiva, não existem razões válidas para julgar a impugnação procedente.
C) Com efeito, existe erro de julgamento quanto à matéria de facto, porquanto a douta sentença faz uma errada valoração e apreciação da prova carreada para os autos na medida em que suporta conclusões em factos do probatório, factos esses que não permitiriam retirar tais ilações. Pelo contrário!
D) Existe erro de julgamento em matéria de direito por errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 22.º n.º 6 do CAU e artigos 60.º n.º 7 e 77.º, n.º 1, da LGT, artigos 70.º e 74.º do CAU e artigos 140.º e 144.º do AE-CAU, não se conformando a Fazenda Pública com a interpretação e conclusões daquele douto tribunal;
E) Desde logo, porque resulta da prova carreada para os autos, que a Administração cumpriu o dever de fundamentação do ato de liquidação notificado à impugnante.

Do erro de julgamento da matéria de facto e errada valoração da prova:

F) Analisados os elementos de suporte para onde remete a decisão em causa, verifica-se que a fundamentação da decisão da DAS é clara e congruente e permite à impugnante ora recorrida, a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração Tributária.
G) Na verdade, a fundamentação que é dada a conhecer à recorrida, consta do probatório nomeadamente através dos ofícios n.ºs 240/2021 (que consta da al. E) da matéria de facto provada), da informação para o exercício do direito de audição (informação n.º 82/2021 que consta da al. G) da matéria de facto provada) e da notificação de cobrança (que consta da alínea N) da matéria de facto provada);
H) São factos que foram relevados no probatório, e que se mostram suficientes para que a impugnante, aqui recorrida, pudesse ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na génese da liquidação.
I) Os referidos documentos, nomeadamente a informação n.º 82/2021 que consta da al. G) da matéria de facto provada), contêm os elementos bastantes para que a recorrida tenha - ao contrário do que concluiu o douto tribunal a quo – conhecimento do porquê do valor declarado ter sido considerado pela DAS como excecionalmente baixo, tenha conhecimento do valor base Theseus proposto ou “valores médios” e valor declarado, e da “fonte” desse valor proposto;
J) Encontram-se ainda indicadas [no ponto 8 daquela informação n.º 82/2021 que consta da al. G) da matéria de facto provada), a taxa de direitos, a taxa de IVA, o montante dos direitos apurados (pela “diferença” entre o valor declarado e o valor proposto), a base tributável do IVA e o montante de IVA (calculado pela “diferença”).
K) Dos elementos levados ao probatório, nomeadamente a informação n.º 82/2021 que consta da al. G) da matéria de facto provada) consta ainda que o cálculo é pela diferença, apurada pela dedução do valor declarado ao valor proposto Theseus, sendo este conjunto de elementos suficiente, para o cabal esclarecimento sobre a motivação da liquidação e para sindicar o seu cálculo por mera operação aritmética..
L) Considerou o douto Tribunal a quo que, não obstante a documentação e as explicações dadas pela Impugnante, aqui recorrida, não se extrai da fundamentação da liquidação o porquê desses elementos não serem esclarecedores. Ora,
M) A motivação das razões pelas quais as explicações e documentos apresentados pela recorrida não foram suficientes para afastar as dúvidas da DAS, quer quanto ao valor declarado, quer quanto à aplicação do método de determinação do valor aduaneiro, encontra-se devidamente explanada na informação n.º 82/2021 (que consta da al. G) da matéria de facto provada).
N) Nesta informação que foi levada ao probatório, complementada pelo ofício 240/2021 (que consta do ponto E) da matéria de facto provada) remetidos pela recorrente, são expressas as razões, pelas quais a recorrida não conseguiu afastar as “dúvidas fundadas” que, nos termos do disposto no n.º2 do art.º140.º do AE-CAU, legitimam a Administração Tributária a decidir que o valor das mercadorias, não pode ser determinado de acordo com o artigo 70.º, n.º1 do Código Aduaneiro da União.
O) De igual forma, a Administração Tributária informou também a ora recorrida, que a apresentação de documentos autênticos que atestassem o valor transacional declarado não invalidava que as autoridades aduaneiras mantivessem as dúvidas fundadas «caso esses documentos não permitam justificar o valor transacional declarado.
P) Ora, sendo certo que a impugnante não juntou prova bastante para justificar o preço declarado para a mercadoria em questão face ao valor Theseus correspondente, nem esclareceu, sem margem para qualquer dúvida, a razão de tal preço, não se vislumbra que outras considerações adicionais poderiam ter sido formuladas pela DAS relativamente às explicações dadas pela Impugnante ora recorrida.
Q) Considerou ainda a douta sentença recorrida que não se consegue compreender o porquê de ter sido excluída a aplicação do método de determinação do valor aduaneiro baseado no valor transacional e a necessidade de adotar métodos secundários, com o argumento de que não foi possível aceder às características das mercadorias;
R) Em relação a este aspeto importa, ter presente que, ao contrário do que conclui o douto tribunal, consta do ponto 7 da informação para o exercício do direito de audição já acima referida (que consta da al. G) da matéria de facto provada), o motivo: por um lado, a impossibilidade de aceder às características das mercadorias (que não as abrangidas pela declaração aduaneira aqui em causa), e por outro, o facto da descrição dos itens das faturas ser demasiado genérica o que impedia uma caracterização objetiva das mercadorias.
S) Deveras, a AT não dispunha de outros elementos com vista a estabelecer um valor de substituição, que não fosse o recurso aos valores médios constantes das bases de dados disponibilizados na ferramenta Theseus.
T) Posto isto é forçoso concluir, que a fundamentação usada pela DAS para efeitos da rejeição do método do valor transacional, encontra-se plenamente realizada e é perceptível para o administrado “colocado na posição de um destinatário normal”.
U) Concluiu ainda o douto tribunal a quo que a Administração não ponderou nem se pronunciou, sobre o exercício do direito de audição exercido pela ora recorrida.
Vejamos,
V) Segundo jurisprudência assente, encontram-se as Administrações dos Estados membros (sempre que tomem decisões que recaem no âmbito de aplicação do direito da União) basta-se com a observância do prazo decorrido entre o momento em que a Administração em causa recebeu as observações da pessoa ou empresa em causa em sede de audição prévia e a data em que tomou a sua decisão, mas já não, que tenha em conta nas suas decisões as observações suscitadas;
W) Por outra via, a legislação aduaneira da União estabelece regras próprias em matéria de audição prévia do interessado antes de ser tomada uma decisão, pelas autoridades aduaneiras, que tenha consequências adversas para o interessado, veja-se o disposto no artigo 22.º, n.º 6 do CAU (aplicável no contexto da cobrança de uma dívida aduaneira em face do que dispõe o artigo 29.º do CAU), nos artigos 8.º a 10.º do AD-CAU e nos artigos 8.º e 9.º do AE-CAU.
X) Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma violação dos direitos de defesa, só implica a anulação da decisão se, na inexistência dessa irregularidade, o procedimento pudesse conduzir a um resultado diferente.
Y) Em face do acima exposto, a audição prévia do interessado, no quadro de uma ação de cobrança de uma dívida aduaneira, deve atender ao regime legal consagrado no Direito da União, o qual deve ser interpretado à luz do principio fundamental do direito da União do respeito dos direitos de defesa, e a forma como esse princípio é interpretado pela jurisprudência designadamente do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Z) Termos em que, é forçoso concluir que a Administração Tributária não violou o disposto nessa norma.
AA) Por outra via, no âmbito do exercício do direito de audição, face aos requerimentos (anteriormente) apresentados pela recorrida, apenas foi trazido um elemento novo, elemento esse que assenta no pressuposto errado de que a DAS se refere às mercadorias que constam da declaração aduaneiro objeto de liquidação.
BB) Por outro lado, esse argumento é apenas uma conclusão, pelo que, não se impunha, em face do que dispõe o n.º 7 do artigo 60.º da LGT, que a DAS tivesse de se pronunciar quanto à mesma em sede da fundamentação do ato de liquidação.
CC) Por fim, no cenário hipotético de se vir a concluir que as autoridades aduaneiras violaram o disposto no n.º 7 do artigo 60.º do LGT, sempre seria de considerar a jurisprudência do Tribunal de Justiça suprarreferida, que dita que o Tribunal nacional não deve, ainda assim, anular o ato de liquidação, já que, e pelas razões acima indicadas, na ausência dessa alegada irregularidade, o procedimento não conduziria a um resultado diferente.
DD) Daí que não se acompanhe a sentença recorrida quando conclui pela não fundamentação do ato de liquidação.
Pelo exposto, entende a Fazenda Pública que a douta sentença errou no seu julgamento, sendo imperioso concluir que a liquidação em apreço não padece do apontado vício de falta de fundamentação, impondo-se a revogação da sentença aqui em escrutínio.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com todas as legais consequências.


Notificada para o efeito, a Recorrida apresentou contra-alegações onde, formulou as seguintes conclusões:

1. «As presentes Contra-Alegações têm por objeto o Recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (“TAF de Beja”), em 17/04/2023, no processo n.º 284/22.3BEBJA, a qual julga procedente a Impugnação Judicial apresentada pela aqui Recorrida do ato de liquidação praticado pela DAS no montante global de € 9.345,64 (nove mil, trezentos e quarenta e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos)), relativo a direitos aduaneiros e IVA, entendendo que tal ato de liquidação padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito,
2. Condenado a Fazenda Pública ao reembolso dos direitos aduaneiros pagos em excesso pela Recorrida, acrescido de juros indemnizatórios.
3. Em concreto, na sentença recorrida, o tribunal ad quo começa por se referir à disciplina legal subjacente à determinação do valor aduaneiro para efeitos importação de mercadorias, sublinhando a regra da aplicação do método do valor transacional (valor efetivamente pago ou a pagar) sempre que tal seja possível e explicitando claramente que aquele método só poderá ser afastado em casos com características muito concretas e devidamente demonstradas pelas autoridades aduaneiras, sob pena de, se assim não for, a liquidação padecer do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, tal como sucede no caso em apreço.
4. Por outro lado, refere ainda o tribunal ad quo na Sentença Recorrida que o Ato Impugnado está ferido de vício de falta de fundamentação e de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito na medida em viola as regras de determinação do valor aduaneiro, designadamente no que concerne ao recurso a um método à margem da ordem de subsidiariedade pela qual eles se encontram previstos na legislação aduaneira.
5. Alega a Fazenda Pública que o ato de liquidação impugnado se encontra devidamente fundamentado, desenvolvendo toda a sua argumentação em torno desta temática que, em bom rigor, apenas foi suscitada pelo tribunal ad quo num cenário hipotético.
6. Sem prejuízo, a Fazenda Pública tece algumas considerações nas suas Alegações de Recurso que importa sindicar.
7. Desde logo, cumpre notar que a legislação aduaneira impõe como regra para a determinação do valor aduaneiro o método do valor transacional (preço efetivamente pago ou a pagar), sendo que tal regra apenas poderá ser afastada em desde que determinados requisitos, como sejam a impossibilidade de o importador demonstrar cabalmente e sem margem para dúvidas que o valor declarado corresponde ao preço pago pelas mercadorias.
8. A este respeito, diz a Sentença Recorrida que a legislação é clara, não podendo ser o conceito de ‘preço efetivamente ou a pagar’ ser confundido com o conceito de ‘preços médios estatísticos de mercadorias similares importadas nos últimos 6 meses’, entendimento que a Recorrida inteiramente subscreve.
9. Ora, é precisamente nesta confusão de conceitos que assenta a liquidação que se impugnou e que é o objeto do presente recurso.
10. Por outro lado, sempre será se sublinhar que a DAS falhou na fundamentação substantiva (e não apenas formal) do ato de liquidação em crise, quer do ponto de vista factual, quer do ponto de vista legal, uma vez que não indicou os factos e as normas legais que alegadamente justificariam e permitiriam que a suposta diferença entre o valor transacional declarado pelo importador (considerado “excecionalmente baixo”) e um valor médio estatístico contantes das bases de dados AMT/Theseus (as quais são de exclusivo conhecimento da Autoridade Aduaneira), poder ser, por si só, suficiente e legítimo para que a DAS desconsiderasse o valor transacional como método de determinação do valor aduaneiro, não obstante o importador ter demonstrado que o valor declarado corresponde inequivocamente à totalidade do preço de compra negociado e pago ao fornecedor e, em consequência.
11. Da mesma forma, e na sequência do que se acaba de referir, não indicou igualmente a DAS quais normas legais que alegadamente permitem e legitimam a substituição do valor transacional declarado pelo importador pelo referido valor médio da ferramenta AMT para efeitos de determinação do valor aduaneiro da importação.
12. Sendo certo que a justificação para esta ausência de referência às normas legais que legitimassem o entendimento da DAS é simplesmente o facto de tais normas não existirem, uma vez que a legislação aduaneira, e muito em particular os artigos 70.º e seguintes do Código Aduaneiro da União (CAU), são muito claros no que toca a estabelecer que a determinação do valor aduaneiro para efeitos de cálculo das imposições devidas pela importação de mercadorias é feita, regra geral, com base no valor transacional das mesmas, isto é, com base no preço pago pelo importador ao vendedor, independentemente de tal preço ser reduzido ou não.
13. Aliás, continua a Fazenda Pública, nas suas Alegações de Recurso, a desconsiderar e ignorar em absoluto o teor e valor probatório da informação e documentação. fornecidas pela Recorrida para dissipar as alegadas dúvidas das autoridades aduaneiras (mas sempre sem colocar em causa a autenticidade das mesmas).
14. Ora, tal como amplamente demonstrado nos presentes autos e confirmado pela Sentença Recorrida, ao longo do procedimento de liquidação foi junta pela Recorrida documentação diversa (incluindo Ordem de Compra e comprovativo de pagamento), bem como informação sobre os contornos da negociação com o fornecedor, assim se justificando que o valor declarado corresponde efetivamente ao valor pago pelas mercadorias.
15. Sucede que, nas Alegações de Recurso, continua a Recorrente a referir apenas que a prova junta pela Recorrida não suficiente para justificar as discrepâncias verificadas entre o preço pago e o preço médio estatístico dos produtos em causa.
16. Ora, a este respeito importa esclarecer que não existe, no direito internacional, nem no direito da União Europeia, e menos ainda no direito nacional, qualquer norma que imponha aos importadores o dever/obrigação de explicarem às autoridades aduaneiras uma diferença entre o valor transacional declarado (correspondente ao preço por si negociado e pago – e, assim conhecido) e um “valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares” que naturalmente desconhecem.
17. O que a legislação prevê é apenas a obrigação de os importadores, sempre que instados a tal, demonstrarem às autoridades aduaneiras que o valor transacional declarado nas importações corresponde ao preço efetivamente pago,
18. Sendo que, para este efeito, podem os importadores – tal como fez a aqui Recorrida – e tendo em vista a cabal demonstração da circunstância de terem efetivamente pago o valor (transacional) que declararam, procurar explicar às autoridades aduaneiras o modo como o preço das mercadorias foi negociado, bem como fornecer todos os documentos e informações inerentes a tal negociação, como sejam as ordens de compra, as fichas técnicas dos produtos e os comprovativos de pagamento.
19. Ora, fornecida que foi toda esta documentação e informação e, adicionalmente, mantida à disposição das autoridades os registos contabilísticos para a consulta e verificações que se identifiquem adicionalmente necessárias. não concebe a Recorrida que a Recorrente entenda não ter sido junta prova suficiente,
20. Sendo ainda certo que a DAS, em momento algum, solicitou qualquer informação ou documento em concreto que não tenha sido fornecido, ou mesmo procurou aceder aos registos contabilísticos da Recorrida, aos quais pode aceder a todo o momento.
21. Por fim, não se aceita também a argumentação invocada pela Fazenda Pública no que respeita à impossibilidade de utilização de outro método de determinação do valor aduaneiro que não seja o método do último recurso, com utilização dos valores médios estatísticos AMT.
22. Desde logo porque, em primeiro lugar, tendo em consideração as circunstâncias do caso em apreço, não podem as autoridades aduaneiras simplesmente recusar a aplicação do método do valor transacional dado que os pressupostos de tal afastamento não se encontram reunidos.
23. Em segundo lugar, ainda que tais pressupostos efetivamente se verificassem no caso em discussão – o que não se admite e apenas se equaciona por cautela de patrocínio -, sempre seriam as autoridades aduaneiras obrigadas a realizar todas as diligências necessárias à utilização dos outros métodos, não se limitando a remeter tal obrigação para o importador, como aconteceu neste caso.
24. Em conformidade é o próprio TJUE que refere que “tendo em conta essa obrigação de diligência que lhes é imposta na aplicação dessa disposição, as autoridades aduaneiras são obrigadas a consultar todas as fontes de informação e bases de dados de que dispõem”,
25. O que aparentemente não aconteceu na importação em crise.
26. Por tudo o que se acaba de expor, não resta outra conclusão que não seja a de se confirmar o teor da Sentença Recorrida, e manter a decisão de anulação do ato de liquidação impugnado.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, caso assim não se entenda, decidindo-se pela procedência do recurso quanto à inexistência de falta de fundamentação do ato de liquidação, deverão ser apreciados os vícios arguidos pela recorrida em sede de impugnação judicial, concluindo-se pela ilegalidade do ato de liquidação em apreço e a consequente anulação do mesmo, com todas as demais e legais consequências.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!»


O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme previsto nos artigos 635/4 e 639/1.2 do Código de Processo Civil (CPC), sendo as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, porquanto o ato de liquidação impugnado não padece de falta de fundamentação.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) «A Impugnante é uma sociedade comercial que tem por objeto o comércio de diversos produtos, nomeadamente peças de vestuário – por acordo;
B) No exercício da sua atividade a Impugnante importa artigos de confeção originários de diversos países – por acordo;
C) Como tal, a sociedade Impugnante necessita de proceder a importação de tal mercadoria – por acordo;
D) A sociedade Impugnante importou, para território nacional, mercadorias ao abrigo de declaração de importação com o nº 2021PT00067065037781, de 28/06/2021, apresentada na Delegação Aduaneira de Sines – cfr. processo administrativo instrutor junto de fls. 226 a 425;
E) Em 30/06/2021, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines remeteram à Impugnante pedido de informação adicional respeitante a essa declaração, através do ofício nº 240/2021 - cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial (pi) e processo administrativo instrutor junto de fls. 226 a 425;
F) Em resposta ao ofício antes citado, a Impugnante apresentou a Fatura Comercial, a ordem de encomenda, o comprovativo de pagamento e as Fichas Técnicas dos artigos em questão na declaração de importação citada - cfr. doc. nº 3 junto com a pi e processo administrativo instrutor junto de fls. 226 a 425;
G) Em 09/07/2021, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines, emitiram a informação nº 82/2021 em conformidade com a qual foi projetada decisão de liquidação e cobrança com o seguinte teor:
















- cfr. doc. nº 4 junto com a pi e processo administrativo instrutor junto de fls. 226 a 425;

K) Com data de 09/07/2021, recaiu sobre tal informação despacho de concordância - cfr. doc. nº 4 e processo administrativo instrutor junto de fls. 226 a 425;
L) A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição sobre a proposta constante desta informação, através do ofício nº 257 datado de 09/07/2021 - cfr. doc. nº 4 e processo administrativo instrutor junto de fls. 226 a 425;
M) A Impugnante exerceu o direito de audição sobre o supra referido projeto de decisão – cfr. doc. nº 5 junto com a pi;
N) Mediante ofício nº 305 datado de 09/09/2021, foi remetida à Impugnante a decisão de liquidação com o seguinte teor:




- cfr. doc. nº 6 e processo administrativo instrutor junto de fls. 226 a 425;

O) A Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação antes referida - cfr. doc. nº 7 junto com a pi;
P) Não se conformando com a mesma, a Impugnante apresentou, em 27/12/2021, reclamação graciosa desta decisão, para o Diretor da Alfândega de Setúbal - cfr. doc. nº 1 junto com a pi processo administrativo instrutor junto de fls. 226 a 425;
Q) Até 28/04/2022 a reclamação graciosa não havia sido decidida - cfr. docs. nºs 2 e 3 juntos com a pi;
R) Em 10/07/2022 a sociedade Impugnante apresentou a petição inicial que deu origem ao presente processo de impugnação.


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Com relevo para a decisão inexistem outros factos, alegados ou de conhecimento oficioso, que devam ser considerados provados.»

E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

«A convicção do Tribunal sobre toda a matéria de facto resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos, quer pela Impugnante quer pela Entidade Impugnada constantes do processo administrativo – os quais não foram impugnados - conforme referência efetuada em cada uma das alíneas da matéria de facto provada..»


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), altera-se a redação da alínea G) dos factos provados, que passa a ser a seguinte:

S) Em 2021.07.09, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines remeteram à Impugnante pedido de informação adicional respeitante a essa declaração, através do ofício nº 240/2021, de 2020.08.13, do qual se transcreve o seguinte:

(…)





«Imagem em texto no original»




«Imagem em texto no original»




- cfr. doc. 004913601, a fls. 257 dos autos;


II.2 Do Direito

A Impugnante e ora Recorrida deduziu impugnação judicial contra o contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada do ato de liquidação de direitos e imposto sobre o valor acrescentado, referente a importação realizada ao abrigo da declaração n.º 2021PT00067065037781, de 2021.06.28.

E a sentença recorrida deu-lhe razão.

É contra esta sentença que julgou procedente a impugnação, por ter entendido que a liquidação impugnada, objeto mediato da presente impugnação, padecia de falta de fundamentação, o que determinava a sua anulação que vem interposto o presente recurso [cf. alínea A) das conclusões das alegações de recurso].

Nas alegações imputa à sentença erro de julgamento, quer quanto à valoração e apreciação da matéria de facto e por errada interpretação do disposto nos artigos 70.º e 74.º do CAU e artigos 140.º e 144.º do AE-CAU, defendendo que contrariamente ao decidido o ato de liquidação não padece de falta de fundamentação, sendo perfeitamente percetível o iter cognoscitivo seguido pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Mais alega que a decisão não poderia ser outra que a que foi tomada.

As questões suscitadas pela ora Recorrente no presente recurso, não são novas e foram já apreciadas no recente acórdão deste TCAS de 2024.01.24, proferido no processo nº 303/21.0BEBJA, disponível em www.dgsi.pt, o qual subscrevemos na qualidade de 1ª Adjunta.

Destacamos ainda os acórdãos da mesma data proferidos nos processos nº 315/21.4BEBJA, o qual subscrevemos na qualidade de 2ª Adjunta, nº 164/21.0BEBJA e nº 298/21.0BEBJA.

Na sentença recorrida, porém, foi considerado que o ato impugnado além de padecer de falta de fundamentação, estava também ferido de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito na medida em viola as regras de determinação do valor aduaneiro.

Ora, a Recorrente nas alegações de recurso, não ataca este segmento da sentença, pelo que o recurso está condenado ao fracasso, precisamente por não ter sido atacado este fundamento de procedência da impugnação relativo ao erro sobre os pressupostos de direito.

Com efeito, nas alegações de recurso e respetivas conclusões, não foi posta em causa a análise feita pelo Tribunal recorrido quanto a este fundamento, pelo que desde já diremos que este é manifestamente ineficaz enquanto forma de ataque à sentença recorrida, porquanto este fundamento da sentença é, por si só, bastante para a procedência da impugnação deduzida.

Não tendo sido, pois, objeto do recurso, delimitado pelas respetivas conclusões, um dos motivos de procedência da pretensão da Impugnante e ora Recorrida, por si só suficiente para suportar a decisão de procedência, por falta eficácia no ataque à sentença, esta é de confirmar.

Em face do exposto, improcede, pois, o recurso.

Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida.


Sumário/Conclusões:

Se nas alegações de recurso e respetivas conclusões, não foi posto em causa um dos motivos de procedência da pretensão da Impugnante e ora Recorrida, por si só suficiente para suportar a decisão de procedência, este é manifestamente ineficaz enquanto forma de ataque à sentença recorrida.



III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu, nos termos expostos.

Lisboa, 26 de setembro de 2024

Susana Barreto

Maria da Luz Cardoso

Tânia Meireles da Cunha