Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1853/08.0BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/18/2025 |
| Relator: | RUI A.S. FERREIRA |
| Descritores: | IRS VALOR DE REALIZAÇÃO PRESUNÇÃO INILIDÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE |
| Sumário: | I– A interpretação da norma do artigo 44º, nº 2, do CIRS no sentido de que o valor de realização das mais-valias é sempre o maior que resultar da comparação do preço declarado no titulo aquisitivo com o VPT considerado ou a considerar para efeitos de liquidação de SISA/IMT, pressupõe a existência de uma presunção legal inilidível (de falsidade do preço declarado sempre que este seja inferior ao VPT) e uma ficção legal (de equivalência inexorável entre o valor de realização e o maior valor resultante da comparação do preço declarado com o VPT). II- Por Acórdão nº 348/2025, de 6/8/2025, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível» ou uma ficção legal. III- Essa decisão do TC impõe-se obrigatoriamente a todas entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades, conforme artigo 205º, nº2, da CRP. IV- Uma vez que nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na CRP ou os princípios nela consignados (artigo 204º da CRP), está vedado a este Tribunal ad quem, também no caso concreto, aplicar a norma sub judice, naquela interpretação, defendida pela Recorrente. V– A inconstitucionalidade referida em I justifica diretamente a anulação total da liquidação violadora da capacidade contributiva. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul
l – RELATÓRIO A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (doravante “Recorrente”) veio interpor recurso jurisdicional contra a sentença proferida em 17/2/2025, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a ação administrativa especial apresentada por AA (doravante “Recorrido”) contra o despacho “proferido pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Lisboa, em 01.08.2008, e notificado ao ora A. em 12.08.2008”, no qual a AT indeferiu o pedido de prova do preço efetivo na transmissão de imóvel, requerimento apresentado “em 04.09.2006 mediante exposição escrita dirigida ao Serviço de Finanças de Viseu, nos termos do artigo 129.° n.º 3 do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (adiante CIRC) aplicável ex vi artigo 31-A n.º 6 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (adiante CIRS)” e contra a subsequente liquidação adicional de IRS, relativa ao ano 2006, resultante da correção, nos termos do disposto no artigo 44º, nº 2, do CIRS, do valor de realização, de € 190.000,00 para € 302.630,00, para efeito de apuramento de mais-valias resultantes da venda, nesse ano e pelo referido preço de € 190.000,00, do prédio urbano destinado a habitação e inscrito na matriz predial da freguesia de Viseu (Santa Maria) sob o artigo nº .... A Recorrente terminou as suas alegações com as seguintes conclusões: « A) Está em causa nos presentes autos a não aceitação por parte do A., do valor da avaliação para efeitos de IMT, sobre o imóvel – art.º. ..., de Viseu -, como valor de realização, para efeitos de mais-valias de IRS., que o Autor alienou por preço inferior ao dessa avaliação, por força do disposto no art.º. 44.º. n.º. 2 do CIRS. B) O despacho do director de finanças de Lisboa, de 01.08.2008, indeferiu o pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóvel, com fundamento na não aplicação do preceituado nos artigos 129.º. n.º 3 do CIRC., aplicável por remissão do art°. 31.º-A, n.º 6 do CIRS, ao reclamante AA, por o mesmo não desenvolver qualquer actividade enquadrável na categoria B do CIRS, nem obter os respectivos rendimentos empresariais. C) Despacho que foi declarado nulo pela Sentença “a quo”, que assim decidiu considerando erradamente que a norma do art.º 44.º/2, do Código do Imposto S/o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) encerra em si uma presunção legal. D) A Sentença parece desconsiderar a própria definição de presunção para estes efeitos, consagrada no art.º 349.º do Código civil em que se estabelece a noção de presunções como sendo “as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido.” E) Ao invés, do propugnado na Sentença, o preceito estabelece um critério objectivo para a determinação do valor de um imóvel para efeitos de determinação da mais-valia tributável. F) E na interpretação do n.º 2 do art.º 44.º, do CIRS., sempre se terá que levar em linha de conta que o princípio que presidiu a reforma da tributação do património assenta na consagração de um sistema de determinação do valor patrimonial tributário totalmente assente em factores objectivos, o qual se aplica a todos os impostos, designadamente o IRS e o IRC, sempre que as normas dos respectivos códigos apelem ao valor dos prédios (cfr. José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 4ª Edição, pág. 620). G) Particularmente impressivo é o fragmento do Preâmbulo do Código do Imposto Municipal S/Imóveis quando afirma “(…)Pela primeira vez em Portugal, o sistema fiscal passa a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assente em factores objectivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjectividade e discricionariedade do avaliador. (…)”. H) A determinação do valor patrimonial em sede de IMI e de IMT é, hoje, atenta a sua determinação, assente em critérios também objectivos: grau de vetustez, preço por m2 de construção; localização etc.. Todavia I) A lei acautelando a possibilidade de discrepância entre o valor de mercado e o valor patrimonial dos imóveis consagrou o mecanismo do n.º 4, do artigo 76.° do CIMI, introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, a qual prevê que, quando o valor patrimonial tributário fixado de acordo com o disposto nos artigos 38.º e seguintes do CIMI se apresente distorcido relativamente ao valor normal de mercado, seja realizada nova avaliação de acordo com as regras constantes do n.º 2 do artigo 46.º ou por aplicação do método comparativo dos valores de mercado. J) Ou seja, todo o enquadramento legal ante enunciado se aplica à situação dos autos, decorre da lei e não deixa qualquer margem para aplicação da tese acolhida na sentença quanto à existência de uma presunção legal incorporada no disposto no n.º 2, do citado art.º 44.º do CIRS.. K) E demonstra o erro em que labora a Sentença na interpretação e consequente aplicação do art.º 44.º/2 do CIRS.. Acresce L) que a Sentença se fundamenta na putativa violação do princípio da igualdade apontando uma pretensa desigualdade de tratamento entre pessoas singulares e pessoas colectivas, olvidando, que tal desigualdade de tratamento fiscal é inerente à sua distinta natureza, pelo que também este argumento não tem qualquer sustentação legal. M) É que o legislador português no imposto único sobre o rendimento das pessoas singulares escolheu não optar por uma cláusula geral prévia de incidência e determinação da matéria colectável, mas entendeu, antes, separar os rendimentos por categorias e apurar o rendimento líquido de cada categoria estabelecendo regras próprias e diferenciadas. N) Por isso, a determinação do rendimento líquido nos rendimentos empresariais e profissionais é distinto da categoria A ou dos apuramento das mais valias ou incrementos patrimoniais. O) Pelo que, quando o legislador do CIRS estabeleceu que a demonstração do preço efectivo era restrita aos rendimentos empresarias, por extensão da aplicação do art.º. 31°-A do CIRS ao artigo 129° (anterior 139.º) do CIRC, fê-lo em função do critério separador da incidência e fê-lo, também, por os rendimentos empresariais deverem serem tratados com autonomia devido às suas especificidades, tal como outras categorias de rendimentos como o jogo ou o trabalho dependente. P) Para tanto, basta relembrar que as mais-valias imobiliárias de um titular de rendimentos que tem predominantemente rendimentos do trabalho dependente não são tratadas de igual modo das mais-valias empresarias, ainda que incidam sobre um imóvel como iguais características e valor. Q) E recorde-se ainda que o princípio da igualdade consiste em dar tratamento igual ao que é igual e tratamento desigual ao que é desigual. R) Por outro lado, cumpre salientar que a nova redacção do artigo 44.º do Código do IRS só tem aplicação no ano de 2015, não se aplicando ao caso dos autos; S) Caso já vigorasse na ordem jurídica para as pessoas singulares o procedimento de prova do preço efectivo da transmissão previsto no artigo 139.º do Código do IRC, sempre incumbiria ao Autor elidir a presunção mediante prova do contrário, demonstrando as circunstâncias anormais ou extraordinárias que levaram à concretização da transacção do imóvel por montante inferior ao seu valor patrimonial objetivamente fixado; T) Daí, a uniformidade legal de tratamento das mais-valias imobiliárias empresarias no CIRS e das mais-valias empresarias do CIRC – art.º. 31°- A do CIRS e 129° do CIRC-, por se tratarem de unidades empresariais que têm como finalidade comum o lucro e onde todas as receitas e todas as despesas devem ser contabilizadas para apuramento da matéria colectável única: o lucro tributável; U) Pelo que, salvo o devido respeito, a tese propugnada na Sentença não faz qualquer sentido, ao entender estar verificada a violação do princípio da capacidade contributiva, do rendimento real e da igualdade quanto ao art° 44°, n° 2 do CIRS, ou quanto à não aplicação do art.º 129° do CIRC às mais-valias contidas no art° 10° do CIRS, como categoria autónoma de rendimento, quando isso corresponde a uma opção e a um critério do legislador do CIRS, desde o início de vigência do Código, estabelecendo a prevalência do valor patrimonial para efeitos de Sisa ( IMT, na actualidade) como valor de realização das mais-valias imobiliárias não conexas com rendimentos empresariais; V) O n.º 2 do artigo 44.º do CIRS só comporta um sentido que é o de considerar o valor patrimonial para o cálculo da mais-valia, não permitindo a letra da lei a interpretação preconizada pela Sentença no sentido da adopção do valor do contrato; W) Admitir o afastamento do valor patrimonial consubstanciaria uma interpretação revogatória ou ab-rogante, a qual só é admissível quando a fórmula legislativa é tão mal inspirada que nem sequer consegue aludir com clareza mínima às hipóteses que pretende abranger e, tomada à letra, abrange outras que decididamente não estão no espírito da lei (cfr., BAPTISTA MACHADO, ob. cit., p. 186.), o que não é, seguramente, o caso; X) Inexiste ainda a invocada violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, pois como diz o citado Prof. Menezes Leitão “(…)permitir a tributação pelo valor inferior ao valor patrimonial dos prédios, apenas porque o alienante decidiu fixar um preço inferior a este, faz pouco sentido. Efectivamente, em primeiro lugar não parece muito crível que alguém decidisse alienar um prédio por um montante inferior ao seu valor patrimonial objectivamente fixado, e se o fizesse, tal seria uma circunstância absolutamente extraordinária, que parece justificado que possa não ser relevante para efeitos de rendimento tributável. Efectivamente, para além da forte presunção de fraude fiscal que existe na declaração de um preço de alienação abaixo do valor patrimonial tributável do prédio, a verdade é que o contribuinte não deixa de evidenciar possuir a capacidade contributiva correspondente ao valor patrimonial objectivamente fixado quando efectua a alienação do prédio, efectuando apenas uma renúncia à obtenção do rendimento correspondente, que pode funcionar em seu prejuízo, mas não se vê porque razão deva igualmente funcionar em prejuízo da Administração Fiscal.“ Y) , É assim inequívoco o carácter distinto da lei em não aplicar a prova do preço efectivo do valor da venda nas mais-valias imobiliárias referidas no art° 10°, n.º. 1 al. a) do CIRS.; Z Trata-se de um dos aspectos analíticos do CIRS., próprios da tributação cedular, que o nosso imposto sintético sobre o rendimento importou e legalmente impôs, sem que se possa falar de qualquer violação de lei constitucional; AA)Com o que se deixa demonstrado que a Sentença padece de erro nos pressupostos de direito da realidade constante como objecto da situação concreta e errada aplicação do art.º 44.º/2, do Código de Imposto S/ as Pessoas Singulares; AB) Como que deverá ser declarada nula e revogada; AC) Mantendo-se vigente na Ordem Jurídica o Despacho de 01-08-2008, que não padece de qualquer vício que o inquine é de acordo com os factos e faz uma correta aplicação do Direito; AD) Como deverá ser mantido o ato de liquidação adicional de IRS., referente ao ano de 2006, com o nº ..., respeitante à correção do valor de realização declarado de € 190 000.00, para € 302 630.00, referente à venda do referido imóvel, sem qualquer restituição do imposto devidamente pago, e, naturalmente, sem direito a haver o pagamento de quaisquer juros indemnizatórios, que, por isso, são indevidos. Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs., deverá ser dado provimento ao presente Recurso, revogando-se a decisão do Tribunal “a quo”, com todas as legais consequências, assim se fazendo a Sã, Serena e Costumada Justiça.». Notificado, o Impugnante (doravante “Recorrido”) apresentou as suas contra-alegações, que terminam com as seguintes conclusões: «A. O presente recurso vem interposto pela Entidade Demandada, ora Recorrente, da sentença proferida em 17/02/2025, que julgou a acção procedente, anulando o despacho proferido pelo Director de Serviço de Finanças de Lisboa, em 1/08/2008 (cfr. Doc. n.º 1 junto à P.I.), que indeferiu o pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóvel, requerido pelo A./Recorrido em 04/09/2006, mediante exposição escrita dirigida ao Serviço de Finanças de Viseu (cfr. Doc. n.º 2 junto à P.I.), e, bem assim, anulando o acto de liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2006, com o n.º ..., referente à vendo do imposto indevidamente pago e o pagamento de juros indemnizatórios; A. B. Tendo em conta as conclusões tiradas pela Recorrente nas suas alegações, pois são estas que delimitam o objecto do presente recurso, julga-se que aqui apenas se discute a questão de saber se, ao contrário do que decidiu o despacho impugnado nos presentes autos, assistia ao Autor, ora recorrido, a possibilidade de pedir a prova do preço efectivo na transmissão do imóvel identificado em B) do probatório, o que passa por saber se, tal como entendeu o Tribunal a quo, o art.º 44.º, n.º 2 do CIRS consagra uma verdadeira presunção de rendimento, que pode ser ilidida nos termos do art.º 73.º da LGT, mediante a prova do efectivo valor da transmissão; C. Contrariamente ao referido pela Recorrente na alínea A) das suas conclusões de recurso, não “[e]stá em causa nos presentes autos a não aceitação por parte do A., do valor da avaliação para efeitos de IMT, sobre o imóvel”. Com efeito, não são as regras ou critérios determinados pelo artigo 38.º n.º 1 do CIMI, nos quais se basearia qualquer (ainda que segunda) avaliação, que o A., ora Recorrido, contesta, nem tão pouco o A., ora Recorrido, pretende reagir contra os resultados a que a equação definida naquele preceito legal conduziu, cabendo, antes ao adquirente fazê-lo; D. De resto, como a própria Recorrente refere, o n.º 4 do artigo 76.º da CIMI foi introduzido pela Lei n.º 64-A/2008, e por isso, é inaplicável ao caso dos autos. E. O que o A., ora Recorrido, pretendia, era demonstrar qual o efectivo rendimento obtido com a alienação do imóvel de sua propriedade, mediante a abertura de procedimento que lhe permitisse provar que o preço praticado na venda foi o que consta da respectiva escritura pública, ilidindo assim, ao abrigo o art.º 73.º da LGT, a presunção do n.º 2 do art.º 44.º do CIRS; F. Insurge-se a Recorrente contra o entendimento adoptado pelo Tribunal a quo de que o n.º 2 do art.º 44.º do CIRS consagra “uma presunção em matéria de incidência, cuja ilisão é permitida pelo artigo 73.º da LGT”, defendendo que o preceito em causa apenas “estabelece um critério objectivo para a determinação do valor de um imóvel para efeitos de determinação da mais-valia tributável” (cf. ponto 9. das suas alegações). Porém, ao fazê-lo a Recorrente está na verdade a admitir, embora de forma encapotada, que afinal estamos perante uma presunção (ainda que implícita), pois basear-se em indicadores conhecidos para alcançar um rendimento desconhecido, mais não é do que presumir; G. Ora, a nossa jurisprudência e doutrina, têm entendido, uniforme e pacificamente, que n.º 2 do art.º 44.º do CIRS, consagra efectivamente uma presunção de rendimento, que é passível de ser ilidida nos termos artigo 73.º da LGT, tal como entendeu o Tribunal a quo; H. A norma do artigo 44.º n.º 2 do CIRS, na interpretação sufragada pela Entidade Demandada, ora Recorrente, segundo a qual não assistiria ao sujeito passivo, a possibilidade de demonstrar o efectivo rendimento obtido com a alienação, assume-se como uma presunção absoluta e inilidível de rendimento, cuja inconstitucionalidade tem sido reconhecida, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência do Tribunal Constitucional; I. Na verdade, uma interpretação do artigo 44.º n.º 2 do CIRS segundo a qual não seria consentida a possibilidade de ilisão da presunção nela estabelecida, seria materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, da capacidade contributiva, plasmado nos artigos 103.º e 104.º, e do princípio da tributação do lucro real, com previsão no artigo 104.º n.º 2, todos da Lei Fundamental. Essa interpretação atentaria ainda contra o princípio geral previsto no artigo 73.º da LGT, que é uma lei de valor reforçado; J. O mesmo se refira, aliás, em relação à norma contida no artigo 31.º - A do CIRS, quando interpretada no sentido constante do despacho impugnado, i.e, de vedar aos titulares de rendimentos de categorias que não sejam empresariais ou profissionais, a possibilidade de utilizarem um mecanismo análogo ao ali previsto; K. Afigura-se que a interpretação que a Recorrente faz do artigo 44.º n.º 2 do CIRS implica um ilegítimo, infundado, gratuito e desproporcional, inadmissível constrangimento de direitos fundamentais do A., ora Recorrido, ainda para mais, violadores da ponderação imperativa que o artigo 18.º n.º 2 da CRP impõe; L. Se no Projeto de Reforma do IRS (Setembro de 2014) se reconheceu que não existem motivos para impedir os titulares de rendimentos da categoria G ilidir a presunção (nas próprias palavras do legislador) consagrada no n º 2 do art.º 44.º do CIRS, não se alcança como pode a Recorrente continuar a negar a existência de qualquer violação do princípio da igualdade na interpretação por si possibilidade de ilidir essa presunção, mediante a prova do preço efectivamente praticado na transmissão; M. Tal como entendeu o Tribunal a quo, sufragando o entendimento da Decisão do CAAD de 23/10/2015 atrás citada, a norma do artigo 44.º n.º 2 do CIRS deve ser interpretada em conformidade com a CRP e, em consequência, no sentido de conceder a todos os sujeitos passivos, independentemente da categoria de rendimentos em que se integrem, a possibilidade de, querendo, demonstrarem, com recurso aos meios de prova processualmente admissíveis, o rendimento real auferido com a alienação levada a cabo; N. Ainda que antes da reforma operada Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, não estivesse expressamente prevista a possibilidade de o contribuinte ilidir a presunção prevista no n.º 2 do art.º 44.º do CIRS, este sempre poderia fazê-lo ao abrigo do disposto no art.º 73º da LGT, fosse com recurso ao procedimento previsto no art.º 139.º do CIRC, aplicável por analogia, ou com recurso ao procedimento previsto no art.º 64º do CPPT; O. A interpretação aqui preconizada do n.º 2 do art.º 44.º do CIRS, e que foi adoptada pelo Tribunal a quo, é a única que é conforme à Constituição, e com princípio enunciado no art.º 11.º, n.º 3, da LGT - de acordo com o qual nos casos de dúvida sobre a interpretação das normas tributárias «deve atender-se à substância económica dos factos tributários» -, mas também aquela que tem sido sufragada pela jurisprudência, para quem, como já referido, sempre que o legislador opta por recorrer a presunções de rendimento deve, em homenagem ao princípio da capacidade contributiva, permitir ao contribuinte a prova da inexistência de tais rendimentos; P. Assim, uma interpretação do artigo 44.º n.º 2 do CIRS como a da decisão impugnada, na medida em que não admite a demonstração pelos sujeitos passivos do rendimento real auferido, conduziria, irremediavelmente, à consideração daquele preceito como uma norma restritiva do conteúdo essencial de direitos fundamentais, e por isso inconstitucional por violação dos comandos contidos nos artigos 13.º, 103.º e 104.º e, ainda, do artigo 18.º, todos da Lei Fundamental; A. Q. Por tais motivos, o despacho que indeferiu o pedido de prova do preço efectivo, apresentado pelo A., ora Recorrido, é NULO, por violação de lei fundamental, designadamente por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da livre iniciativa económica, nos termos do artigo 133.º n.º 2 alínea d) – como, de resto, entendeu o Ministério Publico no seu douto parecer de 23/02/2009, a fls. 104 e 105 dos autos -, ou, em qualquer caso, ANULÁVEL, nos termos do artigo 135.º do CPA, por vício de violação de lei; R. Ainda que o Tribunal a quo tenha apenas anulado acto impugnado, por ter entendido que o mesmo se encontrava ferido de ilegalidade, nada impede que o Tribunal ad quem declare a respectiva nulidade, por violação de lei fundamental, em conformidade com o disposto no art.º 149.º, n.º 3 do CPTA, o que se requer; S. Nos presentes autos resultou, ainda, impugnada, a Liquidação Adicional de IRS, referente ao ano de 2006, com o n.º ..., respeitante à correcção do valor de realização declarado, pela referida transacção de bem imóvel, de € 190.000,00 para € 302.630,00, decorrente do indeferimento do pedido de prova do preço efectivo, identificado supra; T. Constituindo tal liquidação adicional uma decorrência lógica e cronológica do decidido por despacho do Director de Finanças de Lisboa que negou o pedido de prova do preço efectivo da transmissão do imóvel, efectuado pelo A., ora Recorrido, resulta evidente que os vícios e as ilegalidades de que aquele padece se irão reflectir, irremediavelmente, nos actos que lhe sucedam; U. Por essa razão, a liquidação impugnada incorre em errónea qualificação e fundamentação de direito e, tal como o despacho em que se funda, enferma do vicio de violação de lei fundamental, nos precisos termos invocados para o acto que lhe antecede, carecendo, por isso, de ser anulada, como bem decidiu o Tribunal a quo; V. Pelo exposto, bem andou o Tribunal a quo ao julgar a presente acção totalmente procedente, devendo, por conseguinte, ser negado provimento ao presente recurso, conforme expressamente se requer! Termos em que: O recurso interposto pela Entidade Demandada deverá ser julgado totalmente improcedente, devendo ser proferido Acórdão que confirme, na íntegra, a sentença recorrida.». * O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos dos artigos 140º e 143º, nº 1, do CPTA. * Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 146º, nº2, do CPTA, que não emitiu parecer. * Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência. * 2. QUESTÕES A DECIDIR: Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no artigo 635º do CPC e artigo 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem. Nos presentes autos recursivos são colocadas as seguintes questões fundamentais, saber se: - A sentença recorrida padece de erro de julgamento, porquanto, a regra do artigo 44º, nº 2, do CIRS prevê um critério de determinação do valor de realização nas alienações onerosas de direitos reais sobre imóveis, e não constitui uma presunção ilidível, como pretende a Recorrente, ou se, pelo contrário, a interpretação subjacente aos atos impugnados padece de inconstitucionalidade, como contrapõe o Recorrido ? * 3 – FUNDAMENTAÇÃO 3.A.- De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: « A) O Autor não exerce actividade enquadrável na categoria B – rendimentos empresarias e profissionais -, não se encontrando nela inscrito – facto admitido por acordo, cf. artigos 27.º e 28.º da PI e artigo 3.º da Contestação; B) Mediante escritura pública outorgada em 27/02/2006, o Autor vendeu ao “ZZZZ”, pelo preço já recebido de € 190 000.00, o imóvel sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o número cento e noventa e quatro – cf. Certidão de 27/02/2006, de págs. 18 a 21 do ficheiro “Processo Administrativo Instrutor”, de págs. 639 a 721 dos autos; C) Em 1/08/2006, por Ofício datado de 20/07/2006, com registo CTT ..., dirigido ao Autor, com assunto “Notificação da Avaliação”, foi-lhe comunicado o resultado da avaliação para determinação do “Valor Patrimonial Tributário” (“VPT”) do imóvel identificado na alínea que antecede, fixado em € 302 630.00, mais lhe comunicando o prazo de 30 dias para, querendo, requerer segunda avaliação, “nos termos do artigo 76.º do CIMI” – facto que se extrai do cruzamento de: “Informação” da AT, constante de págs. 67 do ficheiro “Petição Inicial” de págs. 1 a 78 dos autos, bem como Ofício nº ..., de pág. 77 do ficheiro “Petição Inicial” de págs. 1 a 78 dos autos; D) Em 4/09/2006, na sequência do ofício referido na alínea que antecede, deu entrada no Serviço de Finanças de Viseu, um requerimento apresentado pelo Autor, pretendendo desencadear um procedimento para prova do preço efectivo da transmissão do imóvel identificado na alínea A), «equivalente ao previsto no artigo 129.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas», referindo, além do mais, que «[e]sse procedimento, que é aplicável aos rendimentos empresariais das pessoas singulares (categoria B), por via da remissão operada pelo artigo 32.° do CIRS, tem de se entender, à falta de outro, como aplicável também aos rendimentos da categoria G (incrementos patrimoniais). (…) [a] não prevalecer este entendimento o artigo 44.°/2 do CIRS, será inconstitucional, e a vários títulos», juntando seis documentos, indicando um perito e arrolando testemunhas - cf. Requerimento constante de págs. 4 a 17 do ficheiro “Processo Administrativo Instrutor”, de págs. 639 a 721 dos autos; E) Em 7/04/2008, no âmbito do procedimento desencadeado pelo requerimento referido na alínea que antecede, foi lavrada “Informação nº.............”, onde consta, além do mais, o seguinte: «E – ANÁLISE DO PEDIDO: Vem o sujeito passivo solicitar que seja apreciada a prova referida nos n's 5 e 6 do art.° 31.°-A do CIRS. Com a publicação do Decreto-Lei 287/2003 de 12.11 que procedeu à reforma da tributação do Património, foi aditado ao CIRS este artigo, constando do seu preâmbulo que, como os valores patrimoniais tributários que servirem de base à liquidação do IMT passam a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável dos rendimentos empresariais, tornou-se necessário proceder a diversas adaptações, entre as quais o art.° 31.°-A. Importa também referir que o citado art.° 31.°-A esta incluído no Capítulo II — "Determinação do Rendimento Colectável", Secção III — "Rendimentos Empresariais e Profissionais", do Código do IRS, ou seja a faculdade prevista neste artigo apenas se aplica aos sujeitos passivos que obtenham rendimentos profissionais e empresariais. Analisada a situação fiscal do reclamante constata-se que o mesmo não exerce qualquer actividade enquadrável na categoria B do IRS (anexo 4) tanto mais que no ano da alienação apresentou o competente anexo G (anexo 5), onde declarou o valor da alienação do imóvel (constante da escritura de compra e venda), dando assim cumprimento aos art.°s 9.° e 10.° do CIRS. F- CONCLUSÃO: Por tudo o referido, afigura-se-me que a pretensão do reclamante deverá ser indeferida por falta de base legal, para o efeito. Deverá ainda ser enviada à área de Liquidação e Cobrança desta Direcção, cópia da presente informação, para que seja feita a correcção ao anexo G do sujeito passivo, relativamente ao valor da alienação, atendendo ao valor da avaliação efectuada. (…)» - cf. Informação nº............., de 7/04/2008 constante de págs. 44 a 45 do ficheiro “Processo Administrativo Instrutor”, de págs. 639 a 721 dos autos; F) Em 1/08/2008, sob a Informação referida na alínea que antecede foi lavrado Despacho concordante com a mesma, indeferindo o pedido do Autor referido em D) – cf. Despacho de 1/08/2008, de pág. 44 do ficheiro “Processo Administrativo Instrutor”, de págs. 639 a 721 dos autos; G) Em 11/08/2008, foi enviado, mediante correio registado com o registo CTT ... e AR, dirigido ao Autor, o Ofício............., datado de 8/08/2008, com registo CTT ..., com assunto “pedido de revisão-prova do preço efectivo na transmissão de imóvel”, tendente a comunicar a Informação e o Despachos referidos, respectivamente, nas alíneas E) e F), mais informando o prazo de 30 dias para recorrer hierarquicamente, bem como o prazo de três meses para apresentar Acção Administrativa Especial – cf. Ofício............., bem como comprovativo de envio dos CTT do registo ... de págs. 70 e 71 do ficheiro “Processo Administrativo Instrutor”, de págs. 639 a 721 dos autos; H) Em 12/08/2008, o Ofício que antecede foi recepcionado – cf. data aposta no AR assinado referente ao registo CTT ... de págs. 73 do ficheiro “Processo Administrativo Instrutor”, de págs. 639 a 721 dos autos; I) Por Ofício nº..., Processo nº..., datado de 3/10/2008, dirigido ao Autor, com assunto “audiência prévia do projecto de alteração de rendimentos de IRS do ano 2006” foi comunicado, além do mais: «o projecto de decisão de alteração dos rendimentos inscritos na declaração modelo 3 de IRS do ano 2006, alterando no anexo "G" - Mais-Valias, dado que foi por estes serviços detectado, de acordo com a informação constante no sistema informático, que o imóvel alienado situado na ..., com o artigo nº ..., que foi alienado por um valor inferior, ao que serviu de base à liquidação de IMT de acordo com o nº 2 do artigo 44° do C.I.RS., conforme o discriminado no quadro abaixo: [imagem; na íntegra no original] Assim, poderá V. Exª. no prazo de 10 dias a contar do registo da presente notificação pronunciar-se par escrito, sobre o projecto de alteração de envio a esta Direcção Finanças de Lisboa, sito no ... - 1998 - 027 em Lisboa, dos documentos ou outros elementos que entender pertinentes. Caso não se pronuncie dentro dos prazos, irá proceder-se à correcção das declarações de IRS em causa» - cf. Ofício nº..., de 3/10/2008 de págs. 17 do ficheiro “Requerimento”, referência SITAF ..., de págs. 120 a 183 dos autos; J) Em 20/10/2008, em resposta ao Ofício que antecede, o Autor enviou um requerimento com assunto “direito de audição prévia” – cf. Requerimento de pág. 22 a 36 do ficheiro “Requerimento”, referência SITAF ..., de págs. 120 a 183 dos autos; K) Em 20/02/2009, foi lavrado o Ofício nº..., com assunto «Valor de realização de bens imóveis - contestação por não aplicação, à categoria G, do mecanismo previsto no artigo 31.º-A do Código do IRS», onde consta além do mais, o seguinte: «1. No que à questão de fundo concerne, o facto de, no caso de rendimentos da Categoria G, o sujeito passivo não ter possibilidade de contestar o valor de realização e de, na circunstância, se ver obrigado, diga-se assim, a aceitar o valor que serviu de base à liquidação do IMT, por força do estabelecido no artigo 44°, número 2, do Código do IRS, mais não poderá ser visto que como uma consequência do próprio conceito simplista de mais-valias: “ganhos trazidos pelo vento”. 2. Não sendo os ganhos imbuídos de uma tal natureza passíveis de ser confundidos com os rendimentos (lucros) advenientes de actos de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis praticados no âmbito de uma actividade comercial ou industrial, a que se mostra subjacente a intenção e obter lucro, entende-se, assim, que só a estes últimos se apliquem, por remissão e com as necessárias adaptações, algumas das disposições legais contidas no Código do IRC, como é o caso da prova a que se refere o artigo 129.º do referido diploma legal. 3. Não sendo este o caso e atendendo a que o valor considerado para efeitos de liquidação de IMT assenta no valor patrimonial do imóvel, atribuído no âmbito do IMI e segundo as suas próprias regras, oque o contribuinte não contestou fazendo uso dos direitos e garantias que, efectivamente, lhe assistem, decorre do estabelecido no artigo 44.º, número 2, do Código do IRS, que o valor da realização a considerar para efeitos de apuramento das mais-valias seja, de facto, o que tiver sido considerado para efeitos de liquidação de IMT» - cf. Ofício nº..., datado de 20/02/2009 de págs. 58 e 59 do ficheiro “Requerimento”, referência SITAF ..., de págs. 120 a 183 dos autos; L) Por Ofício nº..., Processo nº..., datado de 9/07/2009, dirigido ao Autor, com assunto: «Notificação do nº4 do art.º65 do Código do IRS – alteração dos elementos declarados no ano de 2006» foi comunicado, além do mais: «(…) de acordo com a legislação supra, se procedeu à alteração ao de IRS para o ano de 2006, de acordo com a informação remetida pelo Ofício nº... de 20/02/2009, da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, e cópia da audiência prévia que se juntam. Assim, em resultado da alteração acima referida, irá proceder-se à liquidação adicional de Imposto, cuja nota de cobrança lhe será oportunamente remetida pelos Serviços Centrais da Direcção Geral dos Impostos, com a indicação do prazo para o respectivo pagamento, bem como dos meios legais de defesa. (…)» - cf. Ofício nº... de págs. 57 do ficheiro “Requerimento”, referência SITAF ..., de págs. 120 a 183 dos autos; M) Em 11/11/2008, foi enviada, mediante correio registado com o registo RC..., ao Tribunal Tributário de Lisboa, a Petição Inicial que deu origem aos presentes autos - cf. comprovativo de envio de págs. 78 do ficheiro “Petição Inicial” de págs. 1 a 78 dos autos; N) Em 24/08/2009, foi emitida a Liquidação nº..., referente ao IRS do ano de 2006, e respectivos juros compensatórios no montante total de €51 285.30, de acordo com a seguinte nota demonstrativa: [imagem; na íntegra no original]
- cf. Demonstração de Liquidação de IRS de 2006 de págs. 13 do ficheiro “Requerimento”, referência SITAF ..., de págs. 120 a 183 dos autos; O) Em 26/08/2009, foi efectuada uma compensação, do qual resultou um imposto a pagar de €24 847.84 resultante da diferença entre o montante referido na alínea que antecede e o montante de €26 437.46, referente à Liquidação nº ..., com pagamento voluntário até 6/10/2009, como melhor descrito infra: [imagem; na íntegra no original]
- cf. Demonstração de acerto de contas ..., de pág. 15 do ficheiro “Requerimento”, referência SITAF ..., de págs. 120 a 183 dos autos; P) Em 6/10/2009, o montante de € 24 847.84 referido na alínea que antecede foi pago – cf. carimbo aposto na Demonstração acerto de contas ..., de pág. 15 do ficheiro “Requerimento”, referência SITAF ..., de págs. 120 a 183 dos autos e cheque de pág. 16 do ficheiro “Requerimento”, referência SITAF ..., de págs. 120 a 183 dos autos. A. Por escritura pública outorgada em 27 de Fevereiro de 2006 no ..., em Viseu, o A. vendeu ao MMMM, pelo preço já recebido de € 190.000,00, o imóvel sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o número cento e noventa e quatro (cf. doc. n.º 3, junto com a p. i., a fls. 73 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e doc. n.º 4, junto com a p. i., a fl.77, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); B. Por ofício n.º ..., de 20 de Julho de 2006, recebido em 1 de Agosto de 2006, o A. foi notificado do valor patrimonial tributário atribuído ao imóvel de € 302.630,00 e, para, querendo, requerer segunda avaliação, nos termos do artigo 76.º do CIMI (cf. doc. 1, junto com a p. i. a fls. 29 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e doc. n.º 5, junto com a p. i., a fl. 78, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); C. Por requerimento dirigido ao Serviço de Finanças de Viseu, que deu entrada nesse Serviço em 4 de Setembro de 2006, o A. apresentou um pedido de prova do preço efectivo da transmissão do imóvel, socorrendo-se de um procedimento análogo ao previsto no artigo 129.º, n.º 3, do CIRC, considerando, entre o mais, o seguinte (cf. artigos 6.º e 7.º): “esse procedimento, que é aplicável aos rendimentos empresariais das pessoas singulares (categoria B), por via da remissão operada pelo artigo 32.º do CIRS, tem de se entender, à falta de outro, como aplicável também aos rendimentos da categoria G (incrementos patrimoniais)”; “a não prevalecer este entendimento o artigo 44.º/2 do CIRS será inconstitucional e a vários títulos”. Com o mesmo requerimento, juntou 6 documentos, designou o seu perito e arrolou 3 testemunhas (cf. doc. n.º 2, junto com a p. i., a fls. 53 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, igualmente constante do PA apenso); D. Por despacho proferido em 1 de Outubro de 2008 e notificado ao A. em 12 de Agosto de 2008, o Director de Finanças de Lisboa indeferiu o pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóvel referido na letra anterior, com base em informação dos serviços com o seguinte teor essencial (cf. doc. 1, junto com a p. i. a fls. 29 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, igualmente constante do PA apenso): “Com a publicação do Decreto-lei 287/2003 de 12.11 que procedeu à reforma da tributação do património, foi aditado ao CIRS este artigo [o artigo 31.º-A do CIRS], constando do seu preâmbulo que, como os valores patrimoniais tributários que servirem de base à liquidação do IMT passam a constituir o valor mínimo para determinação do lucro tributável dos rendimentos empresariais, tornou-se necessário proceder a diversas adaptações, entre as quais o art.º 31.º-A. Importa também referir que o citado art.º 31.º-A está incluído no Capítulo II – “Determinação do Rendimento Colectável”, Secção III – “Rendimentos Empresariais e Profissionais”, do Código do IRS, ou seja a faculdade prevista neste artigo apenas se aplica aos sujeitos passivos que obtenham rendimentos profissionais e empresariais. Analisada a situação do reclamante constata-se que o mesmo não exerce qualquer actividade enquadrável na categoria B do IRS (anexo 4), tanto mais que no ano da alienação apresentou o competente anexo G (anexo 5), onde declarou o valor da alienação do imóvel (constante da escritura de compra e venda), dando assim cumprimento aos artºs 9.º e 10.º do CIRS”; E. A p. i. da presente acção administrativa especial foi enviada a juízo via correio registado em 11 de Novembro de 2008 (cf. carimbo aposto a fl. 79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); F. O A. não exerce qualquer actividade enquadrável na categoria B - Rendimentos Empresariais e Profissionais -, não se encontrando sequer nela inscrito (admitido por acordo).» 2.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “Inexistem factos não provados relevantes para a decisão. Relativamente à restante matéria alegada, a mesma não foi julgada provada ou não provada por ser irrelevante, conclusiva ou de Direito”. 2.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “A convicção do Tribunal fundamentou-se na posição assumida pelas Partes, bem como na análise crítica e cruzada dos documentos juntos aos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidos, conforme referido em cada uma das alíneas dos factos provados. Tais documentos não foram impugnados e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.” * 3. De Direito Como acima se disse, cumpre apreciar a seguinte questão: DO ERRO DE JULGAMENTO NA APLICAÇÃO DO N.º 2 DO ARTIGO 44º DO CIRS: O sujeito passivo agora Recorrido requereu à AT a abertura de um procedimento para prova do preço efetivo da venda do imóvel sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de Viseu (Santa Maria), mas a AT indeferiu essa pretensão por entender que o requerente, não sendo sujeito de IRC nem auferindo rendimentos da categoria B do CIRS, e estando em causa um rendimento que se subsume à categoria G, não poderia lançar mão de um mecanismo análogo ao previsto no, à data, artigo 129.º do CIRC – atualmente, artigo 139.º do CIRC - que permite ao sujeito passivo provar que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao VPT que serviu de base à liquidação do IMT. Por outro lado, a AT defende que o nº 2 do artigo 44º do CIRS não contém uma presunção, sendo antes uma norma objetiva de incidência legitimamente escolhida por opção politica, nos termos da CRP, e o sujeito passivo contrapõe que tal entendimento é inconstitucional por violar os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação pelo lucro real e da livre iniciativa económica, bem como do principio contido no artigo 73º da LGT, segundo o qual as presunções consagradas nas normas de incidência admitem sempre prova em contrário. A sentença recorrida decidiu que os atos são ilegais e devem ser anulados porque a interpretação efetuada pela AT conduz necessariamente a uma aplicação inconstitucional da norma contida no nº 2 do artigo 44º do CIRS, conforme já decidiu pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 211/2017, de 2 de Maio de 2017 – acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170211.html (pág. 22 e seguintes da sentença). A Recorrente não questiona a decisão relativa à inconstitucionalidade do n.º 2 do art.º 44.º do CIRS, na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma “presunção inilidível”, por violação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade ínsitos nos arts. 103.º, n.º 1 e 13.º da CRP. Quanto a isso, a Recorrente nada diz, dando a entender que não recorre contra tal fundamento. Se bem se percebe, o motivo da discordância tem a ver com o facto de, por um lado, a AT considerar que a decisão errou ao qualificar a situação como uma presunção relativa a uma norma de incidência e, por isso, concluir erradamente que a aplicação da norma implica a concessão do direito de a ilidir, designadamente através de um procedimento de prova do preço efetivo idêntico ao que veio a ser previsto na Lei nº 82-E/2014, de 31/12/2014, que aditou os n.ºs 5 e 6. No caso concreto estamos, por um lado, perante um ato de indeferimento do pedido de abertura do procedimento para prova do preço efetivo de venda de um prédio efetuada em 2006 e, por outro, perante o consequente ato de liquidação de IRS de 2006, relativa a mais-valias resultantes dessa venda, tendo o sujeito passivo defendido, na impugnação, que a liquidação está errada porque o valor de realização corresponde efetivamente ao preço declarado, de € 190.000,00, e não ao valor patrimonial,de € 302.630,00 e tendo o tribunal a quo decidido julgar a impugnação procedente e determinado a anulação de ambos os atos impugnados. A sentença recorrida pressupôs que a interpretação da norma ínsita no artigo 44º, nº 2, do CIRS efetuada pela AT é materialmente inconstitucional, por violação de princípios constitucionais, como o principio da capacidade contributiva e que, portanto, o ato administrativo que nega a abertura do referido procedimento de prova deve ser anulado, o mesmo sucedendo com o ato de liquidação resultante dessa decisão. Vejamos: Na época dos factos vigorava a norma do artigo 44.º, n.º 2 do CIRS, na redação introduzida pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, segundo a qual, para a determinação do “valor de realização”, no caso de venda de direitos reais sobre coisas imóveis, prevalecerão , quando superiores , os valores tributários por que houverem sido considerados para efeitos de liquidação da SISA ou IMT ou, não havendo lugar a essa liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. Nessa altura o CIRS não previa expressamente a possibilidade de fazer prova do preço efetivo da venda para efeitos de determinação do valor de realização no âmbito da categoria G, possibilidade que só veio a ser reconhecida através da alteração legislativa empreendida pela lei nº 82-E/2014, de 31/1/2014, em vigor a partir de 1/1/2015 (o disposto no artigo 31º-A do CIRS aplica-se exclusivamente à determinação do valor de realização nos casos de mais-valias obtidas no âmbito de atividades empresariais englobadas na categoria B). Note-se, a titulo prévio, que o Tribunal Constitucional, quando inquirido acerca da inconstitucionalidade da norma agora em crise, interpretada no sentido de que contém um presunção inilidível, se limita a aceitar esse facto jurídico e a discorrer sobre ele, sem averiguar se tal qualificação é a mais correta. A este propósito, veja-se, por exemplo, o Acórdão nº 211/2017, de 2/5/2017, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170211.html, onde o TC refere que “no caso dos autos, e como decorre da própria decisão recorrida, a questão de constitucionalidade colocada respeita à recusa de aplicação de uma das possíveis interpretações da norma legal em causa – a que considera estarmos na presença de uma presunção absoluta ou inilidível –, entendendo-se superada a mesma questão de constitucionalidade se o sentido normativo fosse outro, como o próprio Juiz a quo entende dever ser – o de que a referida norma contém uma presunção ilidível. Tenha-se, porém, aqui em conta que, por regra, não cumpre ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre o sentido e o modo das interpretações – de sentido divergente – alegadamente derivadas da norma legal em causa, nem adotar qualquer um dos sentidos normativos em confronto na decisão recorrida, mas tão só apreciar a constitucionalidade da «norma» cuja aplicação foi afastada, a qual, na economia do presente aresto, constituirá o respetivo objeto. Como já se escreveu (cfr. Acórdão n.º 276/2004 – disponível, bem como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt): «(…) Conforme tem sido reiteradamente afirmado, não cabe ao Tribunal Constitucional dirimir conflitos de interpretação de normas infraconstitucionais, nem determinar qual a melhor interpretação dessas normas (melhor, no sentido de que a ela conduz mais directamente a observância estrita dos cânones hermenêuticos). Por outro lado, é certo que, existindo mais do que uma interpretação possível da norma em causa, deverá este Tribunal ponderar se não será de tomar como dado uma interpretação que, embora tida por menos boa ou até por inconstitucional, seja, todavia, a adoptada pelos tribunais.» Assim sendo, o objeto do presente recurso de constitucionalidade, delimitado a partir do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade no confronto com o teor e razões aduzidas na decisão recorrida, incide sobre a assinalada dimensão interpretativa do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, segundo a qual (para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS com a transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis relativos a mais-valias) – ali se consagra uma «presunção inilidível».”. No entanto, perante situação jurídica absolutamente idêntica, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) considerou que a AT/ Fazenda Pública “não tem razão. O nº 2 do art. 44º do CIRS, sendo uma verdadeira norma de incidência, deve ser interpretado no sentido de consagrar uma presunção “juris tantum” e não “juris et de jure”, sob pena de a tributação se afastar injustificadamente do rendimento real e de violar o princípio constitucional da igualdade (arts. 13º e 18º da CRP e art. 5°, n° 2, da LGT), E neste sentido é que com a reforma do IRS (aprovada pela Lei n° 82-E/2014, de 31/12) foi incluída expressamente (nº 5 do art. 44º do CIRS) a possibilidade de afastamento do valor patrimonial tributário mediante prova do preço de transmissão efectivo, alteração legislativa esta que contribui, de forma inequívoca e decisiva, para interpretar adequadamente o disposto naquele n° 2 do art. 44° do CIRS.” – Ac. STA de 8/11/2017, proferido no processo nº 01108/14, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/168b4070715 e2f6f802581d700428c7d? OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 No entanto, mais recentemente, o STA também considerou que, em rigor, a referida norma não dispõe sobre a incidência tributária, a qual consta nos artigos 9º e 10º do CIRS (que nunca foram declaradas inconstitucionais), antes releva apenas para determinação de uma das componentes do rendimento de mais-valias, ou seja, do “valor de realização” – nesse sentido, cf. Ac. STA de 23/6/2021, proferido no processo nº 02681/15.1BEALM, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e 680256f8e003ea931/5fbefedcb198f65480258703006076a6?OpenDocument&ExpandSection=1. Para isso, tal Aresto realça que a previsão da norma do artigo 44º não contém a referência a qualquer facto tributário, designadamente o ganho resultante da mais-valia obtida com a venda do imóvel, e que apenas se refere ao modo de determinação do quantum de uma das componentes do rendimento subjacente à quantificação do imposto devido. De qualquer maneira, no seguimento de jurisprudência anterior, estes referidos acórdãos do STA concordam que, “tendo em atenção o princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e do objectivo constitucional da «repartição justa dos rendimentos e riqueza» (n.º 1 do art. 103.º da CRP), a imputação de matéria colectável considerando como valor de realização o que resultar para efeitos de IMT, nos termos do n.º 2 do art. 44.º do CIRS, quer se reconduza a uma presunção legal ou a uma ficção legal, deverá ter-se por ilidível, face ao disposto no art. 73.º da LGT, sob pena de inconstitucionalidade”- conclusão I do último acórdão acima referido; e, por outro lado, de acordo com o Ac. STA de 4/11/2009, proferido no processo nº 0553/09, in https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ee13bbfc89dfcc 618025766a003f2aa6?OpenDocument, a “regra estabelecida no artigo 73.º da Lei Geral Tributária vale não apenas as normas de incidência tributária em sentido próprio, mas também em relação a outras normas que estabelecem ficções que influenciam a determinação da matéria colectável (quer directamente, através de valores ficcionados para a matéria colectável, quer indirectamente, ao fixarem ficcionadamente os valores dos rendimentos relevantes para a sua determinação), pois que o advérbio «sempre» aí utilizado inculca a ideia de tratar-se de um princípio basilar da globalidade do ordenamento jurídico tributário, corolário do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, assente no princípio da capacidade contributiva”. De facto, já o acima referido Acórdão nº 211/2017, do TC, referia expressamente que “O Juiz a quo qualificou a normação em causa como uma presunção inilidível ou absoluta, na medida em que, em face do apuramento da matéria sujeita a tributação com base no VPT do imóvel (porque superior ao valor da contraprestação), não seria facultado ao contribuinte uma forma de demonstrar que o valor de realização da transação onerosa do imóvel era efetivamente o valor da contraprestação (preço) constante da escritura pública (ou documento similar) de compra e venda. Ora, ao ser afastada a possibilidade de prova em contrário, as presunções inilidíveis aproximam-se da figura das ficções legais, através das quais o facto ficcionado é definitivamente fixado sem que se considere sequer a possibilidade de demonstração de uma realidade diversa. A este propósito, pode assinalar-se que a doutrina fiscal dedica alguma atenção à comparação entre as duas figuras, seja na afirmação da sua diferença (assim João Sérgio Ribeiro entende que numa presunção é necessário que entre o facto base ou facto conhecido e o facto presumido exista uma relação lógica de probabilidade, o que não acontece no caso das ficções, em que a verdade jurídica é assumida pelo legislador, independentemente da sua correspondência à verdade real, cfr., do Autor, Tributação Presuntiva do Rendimento - Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Almedina, Coimbra, 2014 (reimpressão da edição de 2010), p. 408), seja no esbatimento dessa diferença (assim, Ana Paula Dourado, pese embora entenda que o juízo de probabilidade caracteriza as presunções – mesmo as que não admitem contraprova, – sendo alheio às ficções, integra o recurso às presunções e às ficções no âmbito mais vasto das técnicas de tipificação legal, cfr. O Princípio da Legalidade Fiscal - Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação, Almedina, Coimbra, 2007, em especial, pp. 602-606 e pp. 612-622). No caso vertente, da formulação da norma em causa retira-se tão só que o valor de referência para efeitos de apuramento dos ganhos obtidos com a realização da venda corresponde ao valor de avaliação do imóvel para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas (IMT), ou seja ao valor patrimonial tributário apurado nos termos do CIMI, sempre que este seja superior ao valor da contraprestação constante da escritura (ou outro documento) da compra e venda. Entenda-se a técnica usada pelo legislador como uma verdadeira e própria presunção (a lei presume o valor do rendimento obtido por referência ao VPT, enquanto valor-padrão ou rendimento normal ou seja, como rendimento provável) ou como uma ficção (a lei ficciona ter sido auferido com a venda um valor idêntico ao do VPT do imóvel) na determinação do ganho obtido com a transação onerosa do imóvel para efeito de apuramento das mais-valias – admitindo-se assim a distinção entre os dois conceitos –, certo é que o resultado da sua aplicação não difere quanto ao apuramento da matéria coletável, na medida em que, num caso como noutro, o VPT do imóvel prevalece na determinação da base tributária (não se admitindo, mesmo na hipótese de se tratar de um rendimento presumido, prova do contrário), desconsiderando-se, assim, o rendimento efetivamente auferido pelo contribuinte quando inferior ao decorrente do valor de referência estabelecido. Em todo o caso, não cabendo ao Tribunal Constitucional sindicar a qualificação da norma em questão, deve tomar-se como a ‘norma do caso’ (e objeto do presente recurso, supra delimitado em II – 9-12.) – que se apresenta como um dado a este Tribunal – a dimensão normativa do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS desaplicada nos autos, que o juiz a quo entende encerrar uma presunção inilidível ou absoluta – presunção iuris et iure.” (sublinhados nossos). No Acórdão do STA de 11/10/2017, proferido no processo nº 0880/16, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/8736b7b81b358ad5802581bc003c6d2c?OpenDocument&ExpandSection=1, é feita análise mais profunda dessa questão. Sendo assim, torna-se irrelevantes prosseguir na averiguação do mérito relativo à qualificação em causa, como presunção ou como ficção legal. Por isso, tem de se concluir que, não tendo a AT concedido o direito previsto no artigo 73º da LGT, permitindo que o sujeito passivo fizesse prova do preço efetivo, ocorreu uma interpretação e aplicação ilegal e inconstitucional da norma contida no nº 2 do artigo 44º do CIRC, quer se qualifique a técnica subjacente como uma presunção inilidível ou como um ficção legal, violadora dos princípios da igualdade, da tributação do lucro real e da capacidade contributiva. De facto, independentemente dos argumentos usados nos presentes autos, que assim ficam prejudicados, a questão jurídica relativa à inconstitucionalidade da mesma norma, na aludida interpretação, já se encontra definitivamente julgada pelo Tribunal Constitucional, conforme acórdão nº 348/2025, de 6/8/2025, proferido no processo nº 650/24, no qual declara, em situação absolutamente idêntica, a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível». Nesse aresto, o Tribunal Constitucional remete grande parte da sua argumentação para o decidido no seu Acórdão nº 211/2017, de 2/5/2017, proferido no processo nº 285/15, no qual também decidiu julgar inconstitucional a norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível», por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1 e 13.º da Constituição da República Portuguesa. Sucede que, nesse caso concreto, estava em causa a interpretação e aplicação da referida norma legal na redação vigente no ano 2006 e que deu origem a uma liquidação de IRS desse ano, tal como no caso dos presentes autos. Efetivamente, na definição do objeto do recurso, o referido Acórdão nº 211/2017 refere o seguinte: “8. A questão de constitucionalidade colocada a este Tribunal no presente recurso respeita à recusa de aplicação, pelo Tribunal a quo, da norma constante do n.º 2 do artigo 44.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP (cfr. requerimento de interposição de recurso, a fls. 108, e sentença do TAF de Leiria de 4/12/2014, a fls. 102-verso). Assim dispõe o artigo 44.º do CIRS (na redação resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro e anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, que aditou os números 5 a 7 e republicou o CIRS): «Artigo 44.º Valor de realização 1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: a) No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar; b) No caso de expropriação, o valor da indemnização; c) No caso de afectação de quaisquer bens do património particular do titular de rendimentos da categoria B a actividade empresarial e profissional, o valor de mercado à data da afectação; d) No caso de valores mobiliários alienados pelo titular do direito de exercício de warrants autónomos de venda, e para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, o preço de mercado no momento do exercício; e) Tratando-se de bens ou direitos referidos na alínea d) do n.º 4 do artigo 24.º, quando não exista um preço ou valor previamente fixado, o valor de mercado na data referida; f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação. 2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. 3 - No caso de troca por bens futuros, os valores referidos na alínea a) do n.º 1 reportam-se à data da celebração do contrato. 4 - No caso previsto na alínea c) prevalecerá, se o houver, o valor resultante da correcção a que se refere o n.º 4 do artigo 29.º». Sublinhe-se que à data dos factos o n.º 2 do artigo 44.º tinha a redação resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, com o teor seguinte: «2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.»” Nesse mesmo acórdão, o Tribunal Constitucional prossegue dizendo: “17.2 Já quanto à invocada desconformidade da norma com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, tenha-se presente que, não obstante apenas o primeiro destes princípios merecer consagração formal (genérica) na Constituição (artigo 13.º, CRP), pode entender-se derivar o segundo princípio, em grande medida, do primeiro. Com efeito, sublinham a doutrina e a jurisprudência retirar-se do princípio constitucional da igualdade tributária ou fiscal (entendido este como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade, cfr. Acórdão n.º 590/2015, II. Fundamentação, 12) – compaginado com outros princípios (também) estruturantes do sistema fiscal (como os contidos nos artigos 103.º e 104.º, CRP) – o princípio da capacidade contributiva. Nas palavras de José Casalta Nabais, «[c]onfigurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é, pois, o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva “constituição fiscal” e não qualquer outro» (Direito Fiscal, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, p. 153). Por seu turno, a jurisprudência constitucional converge, pelo menos desde o Acórdão n.º 84/2003, nesse entendimento. Como então se escreveu (cfr. Acórdão n.º 84/2003, 10.): «10 – O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação. Consiste este critério em que a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (na formulação clássica portuguesa, de Teixeira Ribeiro, “A justiça na tributação” in “Boletim de Ciências Económicas”, vol. XXX, Coimbra 1987, n.º 6, autor que também se lhe refere como “capacidade para pagar”) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). A actual Constituição da República não consagra expressamente este princípio com longa tradição no direito constitucional português - a Carta Constitucional de 1826 expressa-o na fórmula de tributação “conforme os haveres” dos cidadãos e, na Constituição de 33, o artigo 28º consigna-o na obrigação imposta a todos os cidadãos de contribuir para os encargos públicos “conforme os seus haveres”) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (cfr. Casalta Nabais “O dever fundamental de pagar impostos”, págs. 445 e segs., onde, no entanto, se defende que, embora o princípio não careça – para ter suporte constitucional – de preceito específico e directo, não é de todo inútil ou indiferente a sua consagração expressa).» E, a este propósito, escreveu-se, mais recentemente, no Acórdão n.º 197/2016 (cfr. II – Fundamentação, 3): «(…) Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, o princípio da capacidade contributiva, apesar de se não encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será do que “a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto”. E, nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o legislador ordinário no sentido de arquitetar o sistema fiscal tendo em vista as capacidades contributivas de cada um (cfr. o acórdão n.º 187/2013 e a jurisprudência aí citada).»” O referido Acórdão nº 211/2017 refere, ainda, o seguinte: “20. O Tribunal Constitucional pronunciou-se diversas vezes sobre a conformidade constitucional do recurso a presunções como forma de determinação da matéria coletável, face ao princípio da capacidade contributiva, tomando por elemento determinante do juízo de não inconstitucionalidade a possibilidade conferida ao sujeito passivo de ilidir a presunção (vd., designadamente, os Acórdãos n.ºs 26/92, 348/97, 84/2003, 211/2003 e 452/2003). O mesmo critério serviu o julgamento de inconstitucionalidade de normas de incidência tributária com o recurso a presunções inilidíveis. Com efeito, em dois momentos, a jurisprudência constitucional tomou o princípio citado (enquanto concretização do princípio da igualdade fiscal e de outros princípios fundantes da justiça fiscal material) como fonte de desvalor constitucional de normas de tributação que estabeleciam presunções absolutas. A essa jurisprudência se refere o Acórdão n.º 753/2014: «(…) O Tribunal Constitucional pronunciou-se já no sentido da inconstitucionalidade de disposições fiscais que estabeleciam presunções inilidíveis, como sucedeu em relação à norma do artigo 14.º § 2 do Código do Imposto de Capitais, na redação do Decreto-Lei n.º 197/82, de 21 de maio, que não permitia a ilisão da onerosidade dos mútuos feitos pelas sociedades a favor dos respetivos sócios (acórdão n.º 348/97), e à norma do artigo 26º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, na redação do Decreto-Lei nº 308/91, de 17 de agosto, que consignava, nas transmissões por morte, não ocorrendo ‘arrolamento judicial dos mobiliários’, uma presunção sem admissão de prova em contrário da existência de uma determinada quota de ‘mobílias, dinheiro, jóias, e mais objetos de uso pessoal ou doméstico’. Esse entendimento tem sido também sufragado pela doutrina, considerando-se que essa técnica legislativa, movida por legítimas preocupações de simplificação e de praticabilidade das leis fiscais e de combate à evasão e fraude fiscais, «tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respetiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto» (Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, pág. 498). (…) Também o Acórdão n.º 211/2003 (em especial, 2. e 3.): «2. - O legislador fiscal recorre com frequência à técnica das presunções, inspiradas em regras da experiência comum, de ciência e outras para, desse modo, garantir mais eficientemente a regular e pronta percepção dos impostos, e, ao mesmo tempo, minorar a evasão e a fraude fiscais, assim conferindo “certeza e simplicidade às relações fiscais” [José Casalta Nabais, Contratos Fiscais (Reflexões acerca da sua admissibilidade), Coimbra, 1994, pág. 279]. O Tribunal Constitucional, por sua vez, sem embargo de considerar a fixação da matéria colectável “um elemento estruturante da obrigação tributária, integrando, nessa medida, o núcleo fundamental do conjunto de matérias cobertas pelas normas constitucionais de âmbito fiscal”, vem considerando não estar constitucionalmente vedado tributar rendimentos presumidos (assim, e por exemplo, o acórdão nº 26/92, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Junho de 1992, e, no concreto domínio da determinação da base tributável, os acórdãos nºs. 620/99 e 621/99, este publicado no Diário citado, II Série, de 23 de Fevereiro de 2000). Nesta última perspectiva, o acórdão nº 348/97 (jornal oficial referido, II Série, de 25 de Julho de 1997) admitiu a técnica da presunção desde que permitida a ilisão, situando-se em parâmetros moldados pelo princípio constitucional da igualdade – ou seja, colocando a questão da conformidade jurídico‑constitucional da tributação de rendimentos presumidos por forma a confrontá-la com outras situações de tributação, assim ponderando que “a generalidade do dever de pagar impostos significa o seu carácter universal (não discriminatório) e a uniformidade (igualdade) significa que a repartição dos impostos pelos cidadãos há-de obedecer a um critério idêntico para todos”. Uma presunção juris et de jure, escreveu-se então, “veda por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, sujeitando-os a uma tributação que pode fundar-se numa matéria colectável fixada à revelia do princípio tributário”. O aresto revelaria, aliás, segundo já se observou, o germe de um entendimento segundo o qual o princípio da tributação do rendimento real exprime uma exigência constitucional mais vasta que se alarga a toda a tributação do rendimento que, no entanto, exclui o recurso à técnica das presunções absolutas para a definição da incidência ou a determinação da matéria colectável do imposto (cfr. J.M. Cardoso da Costa, “O Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal: A Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, in Perspectivas Constitucionais. Nos 20 Anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra, 1997, pág. 425, nota 19). A entender-se diferentemente, surpreender-se-ia desigualdade de regimes para situações análogas, quanto à questão da tributação em si mesma considerada, sujeitando a critérios não idênticos a articulação entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado pelo legislador para objecto do imposto, o que tem a ver com o conceito de capacidade contributiva que, não obstante a sua não consagração constitucional, mais não será do que “a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto” (José Casalta Nabais, “Jurisprudência do Tribunal Constitucional em Matéria Fiscal”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXIX, 1993, pág. 417. Cfr., igualmente, a anotação do mesmo autor no mencionado acórdão nº 348/97 na revista Fisco, ano IX, nºs. 84/85, págs. 93 e segs. e Clotilde Celorico Palma, “Da Evolução do Conceito de Capacidade Contributiva “ in Ciência e Técnica Fiscal, nº 402, pág. 134, nota 34). 3. - A violação do princípio constitucional da igualdade subentende uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou discriminatória, sendo certo que, a este propósito, a jurisprudência constitucional tem insistentemente sublinhado não proibir aquele princípio que se criem distinções, desde que estas não sejam arbitrárias ou desprovidas de fundamento material bastante. A fixação da matéria colectável constitui, por sua vez, um momento central de determinação do montante dos impostos, repercutindo-se no seu apuramento e, consequentemente, na vertente garantística dos cidadãos enquanto contribuintes. No desempenho desta tarefa, o legislador, em nome de razões de eficiência da Administração Fiscal e do combate à evasão e à fraude neste domínio, apela a presunções, como técnica de melhor surpreender a realidade fáctica decorrente das diversas situações da vida, avalizadas por critérios de normalidade, socorrendo-se, desse modo, “de factos conhecidos para afirmar outros que desconhece”, e assim ultrapassar as dificuldades probatórias que a determinação da matéria colectável inevitavelmente levanta (cfr. Jorge Bacelar Gouveia, “A Evasão Fiscal na Determinação e Integração da Lei Fiscal”, in Ciência e Técnica Fiscal, nº 373 [1994], pág. 28).» No entanto, esse processo técnico há-de compaginar-se com o respeito pelo princípio da igualdade, por seu turno a congraçar-se com o princípio geral da imposição segundo a capacidade contributiva de cada um, o que não é já de admitir quando – voltando ao caso sub judice – se aceite que, nos valores do acervo hereditário, uma quota de bens de determinada natureza aí esteja representada, absoluta e inilidivelmente. Ou seja, já não é de admitir, em nome daqueles princípios, uma tal mecânica apoiada em semelhante desrazoabilidade, alheia às decorrências da capacidade contributiva dos contribuintes, nos parâmetros constitucionais da igualdade e, em última análise, da “repartição justa de rendimentos e riqueza”, a que alude o nº 1 do artigo 103º da Constituição – entenda-se esse expediente técnico como ficção da existência de bens de uma dada natureza, ou uma presunção radicada em juízos de “normalidade” de certas situações de vida, uma incidindo mais significativamente no âmbito da formulação, outra mais ligada à prova (cfr. Francisco Rodrigues Pardal, “O Uso das Presunções no Direito Tributário”, in Ciência e Técnica Fiscal, nº. 325/327 [1986], pág. 20).» É esta jurisprudência que se retoma no caso em apreço. 21. A norma contida no artigo 44.º, n.º 2 do CIRS, ao tomar por referência o VPT do imóvel, tem, como já se disse, a dupla finalidade de servir de pressuposto à sua aplicação e de determinar – com base naquele mesmo valor – a matéria sujeita a tributação como mais-valias. Recorde-se que a referência ou pressuposto relevante para o apuramento dos rendimentos (presumidos) obtidos com a alienação do imóvel parte da verificação de uma disparidade entre os valores da transação (a contraprestação) e da avaliação do imóvel para fixação do seu valor patrimonial tributário – esta feita de acordo com o regime fixado no Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis (CIMI, em especial, o artigo 38.º), servindo também o efeito de determinar a base coletável do Imposto Municipal sobre as Transações Onerosas (IMT). Com efeito, em matéria de impostos sobre o património – estáticos (IMI) ou dinâmicos (IMT) –, a base coletável é (ou pode ser) determinada a partir da avaliação do imóvel para efeitos de determinação do seu valor patrimonial tributável (VPT), uma técnica de «acertamento» que procura responder às exigências de procedimentos tributários de massas, fazendo prevalecer critérios unitários previamente fixados pelo legislador, cujo resultado pode não coincidir com o valor de mercado do bem avaliado. A virtualidade da referência tomada pelo legislador no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, parte do pressuposto de que aquele VPT é tendencialmente inferior ao valor de mercado dos bens imóveis, sendo, assim, também tendencialmente inferior ao valor pelo qual o bem é transacionado. Deste modo, sugere que qualquer transação onerosa de bens imóveis terá por valor mínimo o VPT do imóvel. Ora, tal pressuposto não se verifica sempre ou não se verifica necessariamente, tendo em conta quer as variações dos preços de compra e venda praticados no mercado imobiliário (sendo este fortemente condicionado pela conjuntura económica, seja em períodos de crise, seja em períodos de expansão, a que acresce a sujeição a distorções várias decorrentes de outros fatores relevantes, designadamente, financeiros e fiscais), quer a variação do próprio regime de avaliação patrimonial dos imóveis para efeitos fiscais e da sua aplicação (seja pela atualização dos VPT, seja pela alteração dos critérios legalmente definidos para a fixação do VPT, seja ainda pelos processos generalizados de avaliação ou reavaliação de imóveis, como é exemplo a determinação, pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, da avaliação geral e imediata dos prédios que ainda não tinham sido avaliados com base nos critérios do CIMI, entretanto levada a cabo pela Administração Fiscal). Contudo, não cabendo nesta sede ajuizar da bondade do critério (ou pressuposto) escolhido pelo legislador, certo é que, servindo o mesmo de norma de incidência tributária, determinando e quantificando a matéria tributável de forma diversa da que resultaria da declaração do contribuinte, cumpre ajuizar da técnica utilizada para o apuramento do rendimento sujeito a tributação, tendo em conta a interpretação feita pelo Juiz da causa do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS no sentido de que, na determinação da matéria sujeita ao imposto sobre o rendimento, estabelece uma presunção inilidível ou absoluta, fazendo prevalecer o VPT do imóvel sobre o valor correspondente à contraprestação devida pela compra do imóvel (quando inferior àquele). (…) É certo que, na determinação da matéria coletável, socorre-se muitas vezes o legislador de técnicas presuntivas, justificadas por razões de praticabilidade e simplificação do sistema fiscal. Sirva o expediente constante do artigo 44.º, n.º 2 do CIRS objetivos de praticabilidade, simplificação e eficiência na arrecadação de receitas fiscais (ao fazer prevalecer, sem mais, o VPT sobre o valor do preço declarado), sirva também objetivos de combate à fraude e evasão fiscal, desconsiderando o valor declarado pelos outorgantes da escritura e presumindo que é outro – superior – o valor da transmissão onerosa do imóvel, não se pode perder de vista que a consagração de uma presunção absoluta na determinação dos rendimentos sujeitos a tributação torna a ’verdade’ tão só presumida numa ‘verdade’ definitiva, mesmo que esta não encontre correspondência com a veracidade do rendimento real. E, vedando a prova do contrário, prescinde em definitivo da consideração do rendimento real auferido pelo contribuinte, desvirtuando-se, assim, a ratio e o critério da tributação: a capacidade contributiva. Considerou o Acórdão n.º 452/2003: «(…) certos métodos de tributação, pela sua mesma estrutura, podem, afinal, acabar por conduzir à imposição de situações ou realidades em que falece, de todo, a capacidade contributiva, ou (e com maior probabilidade) em que a medida do imposto exigido não tem efectiva correspondência com essa capacidade, indo além (e, porventura, bastante além) dela (…)» (…) No caso vertente, a fixação da matéria coletável através do recurso a métodos presuntivos, sem possibilidade de ilisão, pelo contribuinte, da presunção estabelecida na lei, terá como consequência possível (e plausível) a tributação de ganhos (mais-valias) não efetivamente auferidos pelo contribuinte. Ora, tal resultado, a final, afronta o próprio desiderato da tributação das mais-valias, se, para mais, a tributação destes rendimentos corresponder ainda à observância do princípio da capacidade contributiva. (…) Ora, se o ganho fortuito não existir ou, existindo, ficar muito aquém do estimado, a tributação não será devida. Pelo menos, à luz do princípio da capacidade contributiva ínsito na Constituição portuguesa. Com efeito, as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis correspondem ao ganho obtido com essa transmissão em face do valor da aquisição anterior do mesmo bem. Ao determinar o rendimento tributável por referência a um ganho presuntivo, sem que ao contribuinte seja dada a possibilidade de demonstrar a inexistência da capacidade contributiva que se pretende tributar, incorre a norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS - na interpretação desaplicada nos autos - em inconstitucionalidade, por ofensa do princípio da capacidade contributiva acima enunciado.»”. O referido Acórdão nº 348/2025 vai mais longe e acrescenta que “11 - A jurisprudência subsequente, de que acima se deu nota, não se afastou nem deste juízo de inconstitucionalidade, nem da respetiva fundamentação. Com efeito, nota-se, nos três Acórdãos mencionados (Acórdãos n.os 211/2017, 488/2021 e 110/2024), um entendimento claramente uniforme no que respeita ao juízo de (des)conformidade constitucional das normas ora questionadas. Deste modo, reiterando o sentido daquela jurisprudência, resta proceder à declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível».” Também no Acórdão nº 488/2021, de 7/7/2021, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a dimensão normativa extraída do artigo 44.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho, segundo a qual se estabelece uma presunção inilidível no âmbito de ganhos de mais-valias sujeitos a IRS, decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1, e 13.º da Constituição da República Portuguesa; E o Acórdão nº 110/2024, de 14/2/2024, refere-se à mesma norma, tal como vigorava no ano 2012. Assim, resulta de tudo o exposto, que tal juízo de inconstitucionalidade abrange a norma do nº 2 do artigo 44º do CIRS, tanto na redação vigente em 2006, em causa nos presentes autos, como na redação posterior à Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, desde que seja interpretada no sentido agora criticado. É certo que se poderia argumentar, como parece pressupor a posição da Recorrente, que, a ser assim, se esvazia de sentido prático o segmento da norma que manda considerar o valor patrimonial que foi ou deveria ser ter sido aplicado na liquidação de SISA/IMT quando for superiores ao valor declarado na escritura de compra e, que, ao mesmo tempo, se nega o poder politico de escolher a base de cálculo do tributo devido (quiçá, pondo em perigo o principio da separação de poderes e, portanto, remediando uma inconstitucionalidade com outra). De facto deve reconhecer-se que, de acordo com a Constituição, o Estado tem o direito de legislar no sentido de evitar o abuso e a evasão fiscal e, para isso, dispor como fez no artigo 44º, nº 2, do CIRS, de maneira a acautelar os casos – que por experiência se sabe serem relativamente frequentes – em que os valores declarados são efetivamente inferiores ao valor real, o qual, por sua vez, é frequentemente superior ao VPT. Porém, a isso deve contrapor-se que o Estado-de-Direito Democrático (e Social) – cf. Artigo 2º da CRP - tem o direito de fazer escolhas políticas, desde que as mesmas não afrontem a Constituição vigente (artigo 3º, nº 3, da CRP), sob pena de tais opções serem julgadas inconstitucionais (artigo 277º da CRP). Por isso, feita essa opção politica compete às autoridades administrativas e judiciais fazer uma interpretação conforme à Constituição, escolhendo de entre as várias interpretações concorrentes aquela que melhor se compatibilizar com a Constituição, afastando aquelas que forem desconformes, obviamente respeitando sempre os princípios legais da hermenêutica jurídica (artigos 11º da LGT e 9º a 13º do CC). Não se trata, portanto, de reprimir ou substituir o poder legislativo, mas de, procurando os vários sentidos admissíveis abrangidos na letra da lei, compatibilizar esse poder, tal como foi legitimamente exercido, com a Constituição, que se impõe coercivamente a tal poder e a que este também se quer submeter voluntariamente. Não está em causa qualquer ativismo contra o legislador e, portanto, antidemocrático, que seria violador do princípio do Estado Democrático referido no artigo 2º da CRP. Está em causa o respeito pelas leis e, ao mesmo tempo, pela Constituição que as rege e as limita, tudo em defesa da legalidade, respeitando o principio democrático subjacente à separação de poderes. Dito de outro modo: embora se saiba que a AT não tem o poder de afastar a aplicação de normas legais com fundamento na sua inconstitucionalidade se as mesmas se encontrarem vigentes na altura dos factos relevantes e não tiverem sido declaradas, com força obrigatória geral, inconstitucionais, também se sabe que deve interpretar e aplicar essas normas com o sentido que considerar que melhor se coaduna com a Constituição, e afastar os sentidos concorrentes que resultem em desconformidade, devendo para isso levar em conta aquela que considerar ser a melhor doutrina e ou jurisprudência (enquanto guias interpretativos gerais, e não como imposições autoritárias concretas). Portanto, ao aplicar a norma em causa, a AT deve interpretá-la conjugadamente com os “direitos e interesses legalmente protegidos” dos contribuintes (artigo 266º da CRP), designadamente, considerando que não são devidos os tributos apurados ou liquidados em violação da lei ou da Constituição, o que sucederá manifestamente, nos casos de violação do princípio da capacidade tributária (artigos 103º, nº 3 e 104º, nº 1 e 2, da CRP), devendo, em caso de dúvida fundada acerca da existência ou quantificação do facto tributário, abster-se de tributar (artigo 100º do CPPT). De facto, resulta da Constituição que o Estado-de-Direito é pessoa de bem (como um “bonus pater familias”) e quer ser representado fisicamente por pessoas de bem (artigos 1º. 2º, 3º, nº 2, e 266º da CRP e 55º da LGT) , pelo que exige a cobrança de tudo o que lhe for devido, até ao último cêntimo, mas não pretende cobrar nada, nem um único cêntimo, que não seja devido, nos termos da lei interpretada conforme a Constituição. Logo, a norma em causa deve ser interpretada no sentido de que a sua aplicação não pode conduzir a tributação excessiva e injusta,, ou seja, o rendimento sujeito a tributação não pode ser superior ao rendimento efetivo – indicador da capacidade tributária - que serve de base, fundamento e limite da tributação (artigos 101º e 103º, nº 1 da CRP, 4º, nº 1, e 5º da LGT).. Mais concretamente, o nº 2 do artigo 44º do CIRS deve ser interpretado no sentido de que o valor de realização equivale ao preço efetivo, considerando-se que este será o valor declarado na escritura/título de venda, conforme resulta da presunção de verdade das declarações dos sujeitos passivos (artigo 75º da LGT); a exceção a essa regra ocorrerá quando, sendo o valor declarado inferior ao VPT inscrito na matriz, o sujeito passivo não requerer procedimento para prova do preço efetivo ou requerendo-o não consiga provar que é inferior ao VPT ou, mesmo sendo aquele superior a este, ainda seja inferior a outro valor de que a AT tenha conhecimento, caso em que prevalecerá o valor mais alto conhecido. O ónus da prova do preço efetivo corre por conta do sujeito passivo que invocar preço inferior ao VPT ou por conta da AT se invocar preço efetivo superior ao declarado ou mesmo ao VPT . O ónus da prova do SP justifica-se pela existência de uma presunção legal de falsidade do preço declarado inferior ao VPT, que implica a aplicação do artigo 350º do CC) e o ónus da AT justifica-se Ainda no caso concreto: - a AT não conhece outro valor superior ao VPT, - aplicou o VPT apenas por ser superior ao preço declarado, - mas não admitiu o procedimento para prova de que o preço real e efetivo é inferior ao VPT, - assim presumindo (iure et iure) ou ficcionando ser este o efetivo valor de realização. Ou seja: excluindo a interpretação acima exposta, ainda contida na expressão literal da norma e numa das intenções possíveis do legislador, a AT considerou que o preço declarado que seja inferior ao VPT é sempre falso (presunção legal iure et iure de falsidade da declaração do sujeito passivo) e que o valor real de realização deve necessariamente ser igual ao maior de ambos (ficção legal de equivalência necessária entre o real valor de venda e o VPT do respetivo imóvel, quando este seja superior ao valor declarado e presumidamente falso). Ao interpretar a norma desse modo, a AT expôs-se à censura feita pela sentença recorrida e pela jurisprudência dos tribunais superiores e sujeitou-se aos efeitos da declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma interpretada com tal sentido. Note-se, contudo que, verdadeiramente, a norma legal só é inconstitucional quando insuscetível de interpretação em conformidade com a Constituição (Ac. STA de 11/2/1993, processo nº 05411, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/9CECE60DDC657CA9802568FC00396429); nos restantes casos, a declaração de inconstitucionalidade só pode incidir sobre as interpretações alternativas que forem desconformes., devendo a norma aplicar-se no sentido (ainda possível nos termos do artigo 9º do CC) que evite a sua anulação. No caso concreto, a referida declaração de inconstitucionalidade não se reporta à norma legal, na sua totalidade, mas apenas ao sentido atribuído pela AT, em desconformidade com a CRP, mantendo-se aquela norma com o sentido acima exposto. Nos termos dos artigo 281º e 282º da CRP, a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma em causa tem os efeitos equivalentes à inexistência de tal norma desde a sua entrada em vigor e à repristinação das normas que ela eventualmente tenha revogado. Além disso, esses efeitos da declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade aplicam-se a todos os litígios idênticos e que sejam posteriores à entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e ainda não se encontrem transitados em julgado. Por outro lado, essa decisão impõe-se obrigatoriamente a todas entidades públicas e privadas e prevalece sobre as de quaisquer outras autoridades, conforme artigo 205º, nº2, da CRP. Como se sabe, dizer que a norma legal é inconstitucional é o mesmo que dizer que essa norma infringe o disposto na CRP ou nos princípios nela consignados (artigo 277º, nº 1, da CRP). Portanto, uma vez que nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas, ou os sentidos a eles, que infrinjam o disposto na CRP ou os princípios nela consignados (artigo 204º da CRP), está vedado a este Tribunal ad quem, também no caso concreto, aplicar a norma sub judice, na interpretação defendida pela Recorrente. O que equivale a dizer que o presente recurso tem necessariamente de ser julgado improcedente, quanto aos efeitos da sentença recorrida sobre o ato de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo. Ou seja, do que ficou dito resulta que não se verifica o invocado erro de julgamento e que se mantém, nessa parte, a decisão recorrida, devendo anular-se a decisão de recusa de abertura do procedimento para prova do preço efetivo. Contudo, quanto à consequente liquidação de IRS, resulta dos autos que a mesma foi efetuada já na pendência da presente ação, inicialmente destinada a impugnar apenas o anteriormente referido ato de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo da venda sujeita a tributação em IRS, apresentado em 4/9/2006, mas ainda não tributado até então, e que, não tendo a ação, de 12/11/2008, efeito suspensivo da liquidação, esta veio a ser efetuada, em 24/8/2009, tendo o sujeito passivo exercido o direito de audição e reiterado o direito ao procedimento de prova do preço efetivo. De facto, a ação judicial de impugnação do ato administrativo que negou a abertura daquele procedimento de prova não tem, por si só, efeito suspensivo da liquidação de IRS. E, por outro lado, essa liquidação só poderia ser feita com base no valor de realização apurado nos termos prescritos na norma do artigo 44º do CIRS, na redação vigente na altura do facto tributário (2006), dado que a mesma ainda não fora declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, nos termos dos artigos 281º e 282º da CRP- Por isso , a AT não poderia deixar de fazer a liquidação com base nessa norma (interpretada em conformidade com a Constituição). Tal liquidação é, portanto, válida, até à sua eventual revisão ou impugnação nos termos da lei (artigo 60º do CPPT). Após o pedido de ampliação do pedido inicial, de maneira a abranger o pedido de impugnação da referida liquidação, efetuada com base no litigado valor de realização, por sua vez apurado com base no pressuposto na decisão agora anulada, a presente ação passou a visar também a apreciação do ato tributário. Por isso, impõe-se apreciar se o ato de liquidação está irremediavelmente inquinado pelo vicio que determinou a anulação da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo. Note-se que o sujeito passivo jamais defendeu a inexistência de facto tributário ou que não devesse haver lugar a qualquer liquidação de IRS. Apenas se insurge contra o quantum da tributação tal como foi efetuada, com desconsideração do valor de realização declarado ( e sua substituição pelo VPT). De facto, resulta da factualidade e da posição do impugnante, que este não litiga quanto ao IRS a apurar na liquidação que resultar da consideração do valor de realização efetivo, a comprovar no requerido procedimento. O requerimento de prova do preço efetivo termina com o pedido de “ser considerado para efeitos de determinação dos ganhos sujeitos a IRS (…) o preço efetivamente acordado como o ZZZZ e recebido deste, do valor de € 190.000,00” – doc. 3, a fls. 163 do processo físico – e, no requerimento de ampliação do pedido, termina solicitando a anulação (parcial) da liquidação e consequente condenação da entidade demandada a “reembolsar de imediato ao A. As importâncias por ele pagas a mais a titulo de IRS liquidado adicionalmente e respectivos juros” (reclama também juros indemnizatórios a incidir sobre as quantias “pagas a mais”, que se mostrar terem sido pagas indevidamente – fls. 124 do processo físico (sublinhados nossos). Ou seja: nos autos apenas se litiga quanto à parte do IRS que eventualmente tiver sido liquidado em excesso (diferença entre o preço efetivo que for comprovado e o VPT que serviu de base de cálculo). Portanto, apenas se poderá ajuizar fundadamente acerca do excesso de tributação depois de se conhecer a decisão relativa ao procedimento para prova do preço efetivo, sem prejuízo de se saber, de antemão, que a liquidação será ilegal na parte referente ao IRS (e respetivos juros) que eventualmente tiver resultado da desconsideração do preço efetivo que o sujeito passivo conseguir comprovar no procedimento a abrir para esse efeito. Ou seja: por agora, apenas se sabe que se houver excesso de tributação, a provar pelo sujeito passivo, a liquidação deverá ser anulada nessa parte. Tal prova poderia ser feita em fase prévia à liquidação, mas na falta de norma legal em contrário, entende-se que nada obsta a que seja feita na sequência da notificação do ato tributário. É verdade que o sujeito passivo pediu oportunidade de fazer essa prova antes da liquidação e que a AT não a concedeu, erradamente como acima se viu. No entanto, o facto de AT ter efetuado errada interpretação da norma do artigo 44º, nº 2, do CIRS, considerando que não existe fundamento legal para a abertura do requerido procedimento de prova, apenas pode determinar a anulação total dessa decisão de recusa, dada a indivisibilidade da mesma. Já quanto à liquidação, que é um ato de quantificação tipicamente divisível, tal erro na interpretação da norma legal apenas se refletirá, indiretamente, na parte do IRS (e juros) que comprovadamente exceda o tributo efetivamente devido, a qual deverá ser anulada com fundamento em excesso de tributação resultante de erro sobre os pressupostos de facto (quantificação do valor de realização a considerar) e ou de direito (erro essencialmente derivado ou consequente do erro cometido na decisão de recusa do procedimento de prova do preço efetivo). Não se trata da nulidade prevista não artigo 133º, nº 2, al. i), do CPA (artigo 32º do requerimento de ampliação do pedido) dado que a liquidação não reúne os requisitos aí previstos, designadamente o ato impugnado não fora anteriormente anulado ou revogado - o que só a partir de agora poderá vir a verificar-se - e existe contrainteressado (a AT) com interesse legitimo na manutenção do ato consequente. Também não se trata de um vício de forma, por preterição de formalidade legal essencial, dado que a lei não impõe expressamente a formalidade omitida pela AT. Diferentemente, estamos perante um erro substancial, com consequências procedimentais, apenas determinado, pela sentença recorrida e agora confirmada, após apurada discussão hermenêutica das regras e princípios aplicáveis ao caso. O que determina a anulação direta e total da liquidação por erro sobre os pressuposto de direito Do exposto resulta que a decisão que assim entendeu não padece do erro que lhe vem imputado. Pelo que a pretensão recursiva tem de naufragar. * 4 - DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso manter a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Registe e Notifique. Lisboa, em 18 de setembro de 2025, Rui. A. S. Ferreira (Relator), Sara Diegas (adjunta em substituição), Isabel Silva (Adjunta). |