Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3/22.4BEPDL
Secção:CT
Data do Acordão:09/12/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAÇÃO
APRESENTAÇÃO DE RECLAMAÇÃO GRACIOSA
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - Alegando a Recorrente que apresentou reclamação graciosa dos actos de liquidação que os autos e processo administrativo não documentam, sobre si recai o ónus da prova dessa apresentação, nomeadamente, juntando aos autos o comprovativo (recibo) da entrega/ remessa da reclamação à entidade administrativa;
II - Pese embora o dever legal de decisão decorrente do art.º 56.º da LGT, sobre a reclamação graciosa pode não recair, no prazo legal ou tardiamente, qualquer decisão expressa (art.º 57/1 da LGT);
III - Não recaindo qualquer decisão expressa sobre a reclamação graciosa, tem o contribuinte a faculdade de presumir o seu indeferimento tácito para efeitos de impugnação administrativa e contenciosa (art.º 57/5).
IV - A inobservância do prazo de impugnação previsto no art.º 102.º, n.º 1 al. d), do CPPT, faz precludir a possibilidade de impugnação contenciosa do acto tácito formado, sem prejuízo da possibilidade de impugnação da decisão expressa, se entretanto, e tardiamente embora, vier a ser proferida.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

B… – Sociedade de Construções e Investimentos, Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que na verificação da excepção peremptória de caducidade do direito de acção, absolveu o Instituto da Segurança Social dos Açores, IPRA, I.P. do pedido formulado na impugnação judicial visando as liquidações de contribuições e cotizações à segurança social, no montante global de EUR. 17.592,58 referenciadas a períodos mensais dos anos de 2015 a 2017.

A Recorrente alega para tanto, conclusivamente, o seguinte:
«
A. O presente recurso tem por fundamento o erro de julgamento de direito e a falta de fundamentação da douta sentença.
B. Em concreto, diverge a ora Recorrente do entendimento perfilhado pela douta Sentença a quo que determinou a caducidade do direito da acção ancorada no facto de aqui Recorrente, ter tomado conhecimento das liquidações em crise em “notificação ocorrido, pelo menos, em 02/11/2018, em 06/10/2022 quando foi deduzida a presente impugnação, o prazo legal para o efeito já se encontrava, há muito, ultrapassado.”
C. Pois ignorou o Tribunal a quo que a impugnante invoca na sua petição inicial que nunca foi notificada de qualquer acto decisório da reclamação graciosa por si apresentada, pelo que o prazo para impugnar tem de se contar desde a data do conhecimento.
D. E isto porque a presente impugnação veio deduzida contra a “a decisão tomada no processo de reclamação graciosa, anteriormente apresentada pela ora Impugnante e que consta no ISSA como não pendente, o que só pode levar a concluir que a mesma foi indeferida apesar de não notificada tal decisão à aqui Impugnante e embora, também, tenha sido ordenada a constituição de garantia para suspender a execução.” – cf. artigo 2.º da PI.
E. Ou seja, a recorrente refere ter apresentado uma reclamação graciosa e em relação a essa nunca ter tido conhecimento da decisão da Ré, a Ré sobre isso nada disse na sua contestação, ignorando a expressão reclamação graciosa e referindo-se apenas a recurso hierárquico,
F. A Ré, aqui Recorrida, nunca respondeu ao tribunal a quo sobre a data de recepção da reclamação graciosa, invocada na impugnação judicial, nem sobre a data da decisão de mérito tomada sobre a mesma e nem sobre a data de notificação dessa decisão à aqui Recorente,
G. Acresce que a douta sentença concluir que “A A. foi notificada da liquidação oficiosa e dos prazos para apresentar reclamação ou recurso hierárquico em 17 de outubro de 2018” (SIC) – p. 1 e 2 da douta sentença, o que está incorrecto, havendo erro na matéria de facto dada como assente, uma vez que da consulta de fls 937 do PAT, em 17/10/2018 a Ré apenas procedeu à inserção dos elementos em sistema informático (inseriu os ficheiros em SAF), não ficou demonstrado e teria de o ser a data da notificação.
H. É incontroverso que os actos administrativos estão sujeitos a notificação em harmonia com as exigências axiológicas contidas no nº 3 do art. 268.º da Constituição, e, nesta decorrência, as notificações devem obrigatoriamente conter sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o ato notificado.
I. Ao omitir essa indicação o ato está ferido de nulidade, a qual é de conhecimento oficioso do Tribunal.
J. A sentença limita-se a referir que o prazo para a impugnação se conta nos termos da alínea a) do 102.º do CPPT – p. 9 da douta sentença – ignorando que o caso sub judice se ancora nas alíneas e) e f) do referido preceito legal – vide artigos 2 a 8 da PI
K. O que faz com que a douta sentença esteja ferida de morte, por vício de falta de fundamentação,erro sobre a matéria de facto e aplicação do direito, o que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
Nestes termos e nos mais de Direito, esperando e confiando no douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso, determinando-se em conformidade da revogação da douta Sentença e ordenando que os presentes autos prossigam os seus termos e assim se
fazendo plena JUSTIÇA!»
Não foram apresentadas contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão central que importa apreciar reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao dar por verificada a excepção de caducidade do direito de acção.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«


«Imagem em texto no original»



«Imagem em texto no original»









».

B.DE DIREITO

Não se conforma a Recorrente com a julgada caducidade do direito de acção, imputando à sentença, desde logo, erro de julgamento de facto, na medida em que deu por assente que “A A. foi notificada da liquidação oficiosa e dos prazos para apresentar reclamação ou recurso hierárquico em 17 de Outubro de 2018”, o que a seu ver, se mostra incorrecto face à prova dos autos.

Todavia, tratar-se-á de lapso da Recorrente. Esse facto não consta da matéria assente, trata-se, como a sentença aliás deixa bem claro, de matéria alegada pela entidade impugnada na defesa por excepção que apresentou.

Assim, improcede o apontado erro de julgamento de facto.

Outrossim, aponta a Recorrente à sentença falta de fundamentação, se bem apreendemos, porque “A sentença limita-se a referir que o prazo para a impugnação se conta nos termos da alínea a) do 102.º do CPPT – p. 9 da douta sentença – ignorando que o caso sub judice se ancora nas alíneas e) e f) do referido preceito legal – vide artigos 2 a 8 da PI”; no entanto, como é pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores, só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, com correspondência no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT – vd. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/03/2021, tirado n o proc.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1.

Portanto, se a sentença não fez correcta aplicação do direito aos factos alegados e assentes, nomeadamente se não levou em conta na apreciação que fez da excepção de caducidade do direito de acção a globalidade dos prazos de apresentação da impugnação judicial legalmente previstos no art.º 102.º do CPPT, tal poderá constituir erro de julgamento de direito, mas não inquina a sentença do vício mais grave da nulidade.

No que em particular respeita à falta de menção, na notificação, dos fundamentos e dos meios de defesa e prazos para reagir contra o acto comunicado, contrariamente ao que pretende a Recorrente, tal não inquina o acto comunicado de nulidade. Poderá gerar a ineficácia do acto comunicado relativamente ao seu destinatário, suprível mediante o exercício da faculdade prevista no art.º 37.º do CPPT.

O que vale por dizer que nos casos em que a comunicação do acto enferme de algumas deficiências, nomeadamente omita a fundamentação e os meios e prazos de reacção do acto comunicado, este não fica inquinado de nulidade, nem a sua impugnação pode ser deduzida a todo o tempo, como previsto no n.º 3 do art.º 102.º do CPPT.

Como também é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente expressada no seu acórdão de 11/27/2019, tirado no proc.º 0752/07.7BELRS, as ilegalidades da notificação do acto tributário não afectam a validade do acto notificado pelo que, os vícios de notificação, não integrando o acto tributário, não são fundamento de impugnação judicial.

Numa outra linha argumentativa, alega a Recorrente que a entidade impugnada não fez prova do cumprimento das formalidades relativa à notificação dos actos de liquidação contra o qual reage na impugnação judicial. E, nessa medida, não pode considerar-se, como erroneamente o fez a sentença recorrida, que teve conhecimento daqueles actos, nomeadamente para abertura dos prazos de impugnação.

Mas salvo o devido respeito, sem razão. Como a sentença deixa muito bem explicado e em termos que não nos merecem qualquer censura,
«Sustenta a Impugnante, com razão, que não consta dos autos aviso de receção por si assinado que ateste a receção do referido ofício.
Sucede que consta dos autos, requerimento assinado pela gerente da Impugnante, através do qual esta respondeu à notificação para pagamento voluntário referida no ponto A do probatório, o qual foi recebido no ISSA em 02/11/2018 (B do probatório).
Dúvidas não restam que com este requerimento se pretendeu responder à notificação para pagamento voluntário das liquidações impugnadas, como se pode constatar pelas referências coincidentes nos documentos constantes dos pontos A e B do probatório, bem como pelas datas sucessivas.
Donde se terá que entender que a Impugnante recebeu a notificação para pagamento voluntário das liquidações ora em crise, em data não apurada, mas necessariamente anterior a 02/11/2018, data em que foi recebida a sua resposta pelo ISSA.
Pelo que o prazo limite para esse pagamento voluntário foi de 30 dias contados deste presumido dia 02/11/2018.
Por outro lado, resulta do probatório que a petição inicial que deu origem aos presentes autos deu entrada no tribunal em 06/10/2022 (Facto E).
Compulsada a referida petição inicial consta-se que os vícios invocados têm como desvalor jurídico dos atos de liquidação impugnados a sua mera anulação, o que, aliás é expressamente requerido no pedido formulado.
Razão pela qual a presente Impugnação tinha que ser deduzida no prazo de três meses a contar do termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações em crise».

Nesse modo de ver, que acompanhamos, a notificação efectuada ainda que não possa ser considerada válida nem regular (por omissão de formalidades legais, nomeadamente o A/R) é, no entanto, eficaz (por ter chegado ao conhecimento do interessado) pelo que produziu efeitos, designadamente a título de interpelação para pagamento dos tributos liquidados.

É que, como é jurisprudência pacífica deste TCA, manifestada, entre outros, no Ac. de 04/07/00, no Recurso nº 1639/99, “em processo administrativo, a irregularidade de falta de formalidades legais, ocorridas na notificação de um acto, pode obter sanação mediante a prova do conhecimento efectivo desse acto pelo seu destinatário”. Este entendimento já foi reiterado no mais recente acórdão deste Tribunal, de 11/03/2010, tirado no proc.º 04270/10.

Por último, pretende a Recorrente que para além de impugnar os actos liquidação, também impugnou na P.I. o indeferimento da reclamação graciosa apresentada desses actos e que a sentença não tratou de saber quando foi apresentada essa reclamação, que não está documentada nos autos, nem se a impugnante, ora recorrente, foi notificada e quando da decisão de indeferimento da mesma. Vejamos.

Estabelece o pertinente art.º 26.º do CPPT:
«Artigo 26.º
Recibos
1 - Os serviços da administração tributária passarão obrigatoriamente recibo das petições e de quaisquer outros requerimentos, exposições ou reclamações, com menção dos documentos que os instruam e da data da apresentação, independentemente da natureza do processo administrativo ou judicial.
2 - No caso de remessa pelo correio, sob registo, de requerimentos, petições ou outros documentos dirigidos à administração tributária, considera-se que a mesma foi efectuada na data do respectivo registo, salvo o especialmente estabelecido nas leis tributárias.
3 - No caso de remessa de petições ou outros documentos dirigidos à administração tributária por telefax ou por via eletrónica, considera-se que a mesma foi efetuada na data de emissão, servindo de prova, respetivamente, a cópia do aviso de onde conste a menção de que a mensagem foi enviada com sucesso, bem como a data, hora e número de telefax do recetor ou o extrato da mensagem efetuado pelo funcionário, o qual será incluído no processo.
4 - A presunção referida no número anterior poderá ser ilidida por informação do operador sobre o conteúdo e a data da emissão».

Ora, o certo é que embora alegue ter apresentado reclamação graciosa das liquidações, facto é que a impugnante não fez prova da sua apresentação, juntando aos autos o comprovativo da sua apresentação nos serviços, nos termos estatuídos naquele predito art.º 26.º do CPPT, persistindo na inércia mesmo quando, na contestação, a entidade impugnada nenhuma alusão faz a qualquer entrega/ remessa de reclamação graciosa aos serviços.

E o ónus era da impugnante, constituindo o designado recibo uma formalidade ad probationem, destinada a provar que o requerimento foi apresentado nos serviços.

Se pretende que a resposta apresentada em 25/10/2018 à notificação para pagamento voluntário da dívida liquidada (cf. ponto B) do probatório), se assume como reclamação graciosa, então cumprirá realçar que pese embora o dever legal de decisão previsto no art.º 56.º da LGT, sobre a reclamação graciosa pode não recair qualquer decisão expressa da entidade administrativa que deva ser notificada ao interessado.

Dispõe o pertinente art.º 57.º da Lei Geral Tributária:
«Artigo 57.º
Prazos
1 - O procedimento tributário deve ser concluído no prazo de quatro meses, devendo a administração tributária e os contribuintes abster-se da prática de actos inúteis ou dilatórios.
2 - Os actos do procedimento tributário devem ser praticados no prazo de oito dias, salvo disposição legal em sentido contrário.
3 - No procedimento tributário, os prazos são contínuos e contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil.
4 - Os prazos referidos no presente artigo suspendem-se no caso de a dilação do procedimento ser imputável ao sujeito passivo por incumprimento dos seus deveres de cooperação.
5 - Sem prejuízo do princípio da celeridade e diligência, o incumprimento do prazo referido no n.º 1, contado a partir da entrada da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária, faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial.» (sublinhado nosso).

Assim, assumindo como reclamação graciosa a resposta referida em B) do probatório, persistindo a mesma por decidir para além do prazo de quatro meses previsto no n.º 1 do art.º 57.º da LGT, o incumprimento desse prazo faz presumir o indeferimento tácito para efeitos de impugnação contenciosa, que deverá ser apresentada no prazo de três meses a contar da formação do indeferimento tácito (art.º 102.º, n.º 1 alínea d), do CPPT).

Resulta, pois, manifesto que à data de apresentação da impugnação judicial – 06/01/2022 (ponto E) do probatório) – já há muito se encontravam esgotados os prazos de impugnação judicial desta pretensa reclamação graciosa e dos actos de liquidação dela objecto.

A sentença não incorreu no apontado erro de julgamento ao dar por verificada a caducidade do direito de impugnar.

O recurso não merece provimento.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 12 de Setembro de 2024


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Vital Lopes




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Rui Ferreira




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Teresa Costa Alemão