Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:220/19.4BELRS-S1
Secção:CT
Data do Acordão:06/30/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:PROVA TESTEMUNHAL
PROVA PERICIAL
DISPENSA
DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
REGIME DO RECURSO
Sumário:Não estando em causa a rejeição de um meio de prova, o recurso do despacho que decide não realizar a inquirição de testemunhas ou a prova pericial, na medida em que os factos a provar serão por prova documental, apenas pode ser interposto a final, nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem C... – C....; S.A., recorrer para este Tribunal do despacho proferido pelo Tribunal Tributário de Lisboa datado de 22/11/2021, que indeferiu a produção de prova testemunhal e da prova pericial que havia sido requerida no âmbito da impugnação judicial deduzida contra o indeferimento tácito do pedido de revisão do acto tributário relativo ao IRC de 2013.

A Recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

i) O presente recurso vem interposto contra o despacho de 22/11/2021, proferido pelo Tribunal Tributário de Lisboa nos presentes autos de impugnação, na parte em que o mesmo considerou desnecessária a produção da prova testemunhal e da prova pericial requeridas pela então Impugnante, ora Recorrente;

ii) No entendimento da ora Recorrente, a impugnação judicial em causa assenta, para além da matéria de direito, em matéria de facto que não pode, em toda a sua extensão, ser explicitada e provada por recurso exclusivo à prova documental;

iii) No que se refere à correcção acima identificada na alínea i), importava, através da prova testemunhal, demonstrar que o financiamento em causa, realizado num contexto de operação de curto prazo e que teve como objectivo suprir carências de tesouraria, cumpriu com as regras de plena concorrência, tendo as partes tido a preocupação, real e concreta, de fixar condições não mais vantajosas que as que seriam praticas por entidades independentes;

iv) Assim como confirmar se foi feita uma efectiva avaliação do custo de oportunidade e das alternativas existentes no mercado, em termos de retorno de financiamento, por forma a adequar as condições praticadas ao que cada uma das partes poderia, individualmente, obter no mercado, dando a devia sustentação aos pontos vertidos nos artigos 40.º a 49.º da p.i., quanto à factualidade que é insusceptível de prova documental;

v) No que se refere à correcção identificada na alínea ii), a prova a produzir visava aferir do contexto, termos e condições em que foi acordado o pagamento da operação relativa à aludida aquisição de acções da INSPECENTRO à Impugnante, por parte da TAVFER INSPECÇÕES SGPS, ocorrida no ano de 2009, pelo valor total de € 45.280.000,00;

vi) Ou, ainda, as razões para ter sido estabelecido o diferimento no tempo daquele
pagamento e a circunstância de não se tratar de um efectivo financiamento, mas de meros saldos comerciais, razão pela qual não foram aplicadas as taxas de juros
pretendidas pela AT;

vii) No que concerne à prova pericial, considera a ora Recorrente que era essencial obter a resposta aos 20 quesitos formulados no seu requerimento de 07/06/2021;

viii) De facto, se há situação em que é essencial a validação dos critérios utilizados pelo sujeito passivo, à luz das normas particulares que regulam as operações entre entidades relacionadas e o cumprimento do Princípio da Plena Concorrência, é precisamente esta, pois o Dossier de Preços de Transferência muitas das vezes não permite evidenciar, com toda a clareza, os racionais e critérios subjacentes a operações entre entidades com relações especiais;

ix) De resto, o Tribunal a quo nem sequer teceu, no despacho proferido em 22/11/2021 e que indeferiu a produção daquela prova, qualquer consideração relativa à especial complexidade das questões suscitadas, invocando apenas, mal a nosso ver, que a metodologia dos Preços de Transferência é apenas susceptível de prova documental;

x) Assim, sendo a prova dos factos acima indicados determinante para a questão decidenda, e não podendo a mesma ser unicamente efetuada através da prova documental junta aos presentes autos, a Recorrente entende que o Tribunal a quo não poderia ter dispensado a inquirição das testemunhas por si arroladas e a produção da prova pericial;

xi) Ao afirmar, de forma conclusiva, que os factos invocados pela Recorrente apenas poderão ser demonstrados através de prova documental, o Tribunal a quo recusou prova passível de influenciar o exame e a boa decisão da causa, podendo vir a dar como não provados factos cujo conhecimento é indispensável à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa;

xii) Tal despacho é assim suscetível de violar o disposto nos artigos 115.º do CPPT, 515.º do CPC, 99.º da LGT e, por fim, 20.º da CRP, pelo que deve ser revogado, ordenando-se a prova testemunhal acima referida;

Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho, de 22/11/2021, na parte em que o mesmo considerou dispensável e impossível a realização da prova testemunhal e pericial requerida pela Impugnante, ora Recorrente e, em consequência, ser ordenada a produção dessa prova, nos termos e com os fundamentos supra expostos.”.

* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

* *
Com dispensa de vistos atenta a simplicidade da questão e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se o despacho proferido pelo Tribunal Tributário de Lisboa padece de erro de julgamento ao ter dispensado a prova testemunhal e pericial requerida pela impugnante.

Contudo, antes de iniciar a apreciação dos fundamentos de recurso, importa decidir se o despacho em apreço, é autonomamente recorrível.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

Pese embora não venham destacados factos provados e não provados na decisão recorrida, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, importa salientar a seguinte factualidade relevante para a decisão do recurso:

A) No decurso da tramitação processual do processo de impugnação judicial nº 220/19.4BELRS, foi proferido despacho datado de 22/11/2021 com o seguinte teor:
Requer o Impugnante a realização de prova pericial e inquirição de testemunhas, tendo para o efeito apresentado 20 quesitos e indicado os artigos 40.º, 42.º, 44.º a 50.º, 52.º, 53.º e 61.º a 65.º, da petição inicial.
Verifica-se, contudo, que o quesito 2 é irrelevante para o caso e os restantes quesitos versam sobre matéria de direito, como a metodologia dos preços de transferência, ou factual, a provar por prova documental, pelo que a prova pericial não é admissível.
Quanto à matéria sobre a qual deveria ser inquirida a testemunha, igualmente se conclui que a mesma não é suscetível de tal prova porquanto ou se tratam de considerações, artigos 40.º, 42.º, 45.º a 49.º e 61.º a 65.º, matéria de direito, artigos 50.º, 53.º e 61.º, ou suscetível de prova documental, artigos 44.º, 52.º, todos da petição inicial.
Com os fundamentos expostos, indefere-se a perícia e a prova testemunhal.
Notifique.
*
Notifique as partes para, querendo, no prazo de 20 dias, apresentarem as suas alegações escritas. (art.º 120.º ex vi art.º 211.º n.º 1 do CPPT)” (cfr. doc. nº 004429617 - numeração SITAF).

B) Contra o despacho mencionado na alínea anterior a Impugnante apresenta recurso jurisdicional em separado para este Tribunal, formulando o seguinte pedido “Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho de 22/11/2021, na parte em que o mesmo considerou dispensável e impossível a realização da prova testemunhal e pericial requerida pela Impugnante, ora Recorrente, e em consequência ser ordenada a produção dessa prova, nos termos e com os fundamentos supra expostos. (cfr. doc. nº 004429615 24-03-2022 15:55:45 - numeração SITAF).


Apreciando.

Salienta-se que o despacho recorrido consiste num despacho interlocutório, inserido na tramitação da causa, pelo que, antes do mais, coloca-se a questão prévia da admissibilidade do presente recurso.

Pelo Tribunal Tributário de Lisboa foi proferido despacho que admitiu o recurso, com subida imediata, em separado, e com efeito devolutivo, tendo mencionado os artigos 280º, nº 1, 281º e 286º, nº 2, 1ª parte todos do CPPT.

Recorde-se que o Tribunal ad quem não está vinculado ao teor do despacho de admissão do recurso, como resulta do disposto no art. 652º do CPC.

De acordo com o disposto no art. 281º do CPPT “Os recursos das decisões proferidas pelos tribunais tributários, ainda que interlocutórias, regem-se pelo disposto no Código de Processo Civil, salvo o disposto no presente título”.

E o n.º 2 do artigo 644.º do CPC enuncia, de forma taxativa, as decisões interlocutórias que admitem recurso imediato.

Dispõe o artigo 644.º do CPC, na parte que aqui interessa, o seguinte:
1 – Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
2 – Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância:
(…)
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
(…).

No caso em apreço, a decisão recorrida não procedeu a um verdadeiro indeferimento dos meios de prova requeridos pela impugnante, ora Recorrente. Na verdade, o Tribunal a quo não rejeitou qualquer meio de prova, limitou-se a analisar os factos em relação aos quais a impugnante pretendia a produção de prova testemunhal e pericial e concluiu face à prova documental existente nos autos, ser desnecessária a produção de prova testemunhal e pericial.

Em suma, o despacho em causa não rejeitou qualquer meio de prova, mas apenas considerou ser desnecessária a produção de prova requerida, o que constitui realidade distinta.

Destarte resulta que o despacho proferido de dispensa de produção de prova testemunhal não configura um “despacho de rejeição de meios de prova”, pelo que só pode ser impugnado no recurso que vier a ser interposto da decisão final, nos termos do nº 3 do artigo 644º do Código de Processo Civil.

A jurisprudência tem entendido, em casos similares aos dos presentes autos, que o despacho que dispensa a realização de determinado meio de prova não configura uma rejeição de meios de prova, e como tal esse despacho só pode ser impugnado no recurso que vier a ser interposto da decisão final. Veja-se nesse sentido o Ac. do TCA Sul de 19/12/2017 – proc. 236/14.7BELSB-A ao afirmar que “I. O despacho, proferido na fase de saneamento da causa, que considerou não haver necessidade em determinar a abertura de um período de produção de prova, que entende que a prova documental patente nos presentes autos e no processo administrativo é suficiente para a decisão da ação, configura um despacho que não procede a uma verdadeira rejeição dos meios de prova requeridos pelas partes, nos termos previstos no artigo 644.º do CPC.
II. Não podendo o despacho recorrido ser qualificado como despacho de rejeição de meios de prova, o mesmo só pode ser impugnado no recurso que vier a ser interposto da decisão final, nos termos do n.º 5 do artigo 142.º do CPTA.”. No mesmo sentido o Acórdão do TCA Norte de 07/04/2017 – proc. 2587/15.4BEBRG-A, e ainda o Ac. da Relação do Porto de 04/11/2019 – proc. 701/17.4T8MAI.PI, que a propósito do indeferimento de realização de 2ª perícia afirmou “I– O indeferimento da realização de uma 2.ª perícia não constitui a rejeição de um meio de prova, no sentido em que o artigo 644, n.º 2, alínea d) do CPC admite apelação.
II – Assim, o despacho que não admite a 2.ª perícia não é passível de recurso autónomo”.

No caso em apreço, tal como já foi afirmado, o tribunal não rejeitou qualquer meio de prova, limitou-se a analisar os factos em relação aos quais o impugnante pretendia a produção de prova testemunhal e pericial e concluiu pela sua desnecessidade, face à prova documental existente nos autos.

Na verdade, compete ao juiz, analisar o processo e aferir da admissibilidade ou não dos meios de prova oferecidos e bem assim, da sua eventual carência, tudo, face à factualidade controvertida e relevante para a boa decisão da causa, ponderando sempre as várias soluções plausíveis da questão de direito em apreciação.

Neste sentido veja-se ainda o acórdão do STA proferido em 22/05/2013, no processo n.º 0984/12, donde se transcreve a seguinte: “O direito à prova existe, assim, no procedimento e no processo tributário, e é objecto de uma tutela muito forte, embora não constitua um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o art. 392º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, e com o disposto nos artigos 393º, 394º e 395º desse Código, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal.
Razão por que compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.”

Face ao exposto, não deverá ser admitido, por irrecorribilidade autónoma da decisão recorrida, o requerimento de interposição de recurso jurisdicional, não se conhecendo do objecto do presente recurso.

IV - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em rejeitar o presente recurso.

Custas pela Recorrente
Lisboa, 30 de Junho de 2022

Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto