Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2331/13.0BELRS-S1
Secção:CT
Data do Acordão:02/02/2023
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:DEPOIMENTO DE PARTE
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - A oposição à execução fiscal como procedimento declarativo enquadra-se na norma transitória do artigo 6.º, n.º 4 da Lei n.º 41/2013, pelo que o NCPC só é aplicável às oposições deduzidas após 01/09/2013.
II - O princípio do inquisitório consagrado nos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT consubstancia-se na atribuição ao juiz de poder para dirigir o processo e ordenar as diligências que entender necessárias à descoberta da verdade, operando no domínio da instrução do processo.
III - Na vigência do anterior CPC já era admitida a possibilidade de o depoimento de parte não ter somente como fim principal a confissão, admitindo a possibilidade de valoração de factos favoráveis ao depoente.
IV - No quadro da garantia de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efectiva dos direitos subjectivos, a recusa do tribunal em admitir e valorar livremente as declarações favoráveis do depoente pode implicar «uma concreta e intolerável ofensa do direito à prova».
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional do despacho do Tribunal Tributário de Lisboa, datado de 20/04/2022, que admitiu o pedido de prestação de declarações de parte, ao abrigo do artigo 466.º do Código do Processo Civil, requerido por J......., oponente nos presentes autos de oposição judicial e revertido no processo de execução fiscal n.º ……19 e apensos, para cobrança coerciva das dívidas relativas a IRC e IRS, no montante de € 72.516,86.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A- Recorre a Representação da Fazenda Publica do D. despacho proferido em 20-04- 2022, pela M. Juiz do Tribunal a quo no qual considerou que, no caso vertente, estão preenchidos os requisitos para a admissão da prestação de declarações de parte nos termos do art.º 466º nº 1 do CPC, por estarem em causa normas processuais e porque se afigura que as mesmas [declarações de parte] possam contribuir ao abrigo do art.º 99º LGT e art.º 13º do CPPT, para a descoberta da verdade material.

B- Em 09-05-2013 foi deduzida a presente oposição judicial tendo a mesma sido instaurada em 10-05-2013.

C- Nessa Petição Inicial foram arroladas três testemunhas.

D- Por despacho de 15-02-2022 foi designado o dia 20 de abril para a realização da diligência de inquirição de testemunhas;

E- Tendo, então, em 13-04-2022 o oponente requerido as declarações de parte nos termos do art.º 466 nº 1 do CPC.

F- Sendo a pretensão referida supra deferida por despacho de 20-04-2022, e que ora se recorre.

G- Atendendo ao pedido formulado pelo Oponente, considerando que os presentes autos foram instaurados em maio de 2013, e atendendo ao disposto no n.º 4 do art.º 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de julho, que aprovou o novo CPC, vislumbra-se que este só se aplica aos incidentes e procedimentos deduzidos a partir da entrada em vigor da presente Lei – ou seja, a partir de 01 de setembro de 2013. Nestes termos, o art.º 466.º do novo CPC, que prevê declarações de parte, não se aplica aos presentes autos de OPOSIÇÃO JUDICIAL - na medida em que o anterior CPC, de 1961, apenas prevê o depoimento de parte, pelo que deveria tal pedido ser indeferido.

H- Todavia, mesmo que as referidas declarações fossem admitidas por não existir esta salvaguarda,

I- O artigo começa por referir no seu n.º 1 que é a própria parte quem se oferece para depor, seja ela o autor, o réu ou os seus respetivos representantes legais. A nota de voluntariedade aqui presente e destacada por alguns autores, leva a crer que, então, não é permitido nem à parte contrária requerer, nem ao juiz determinar este tipo de declarações.

J- No caso sub judice, entendeu o tribunal a quo, primeiramente ser de aplicar o artigo 466º do CPC aos presentes autos por “estarem em causa normas processuais”, e em seguida ouvir o oponente ao abrigo de tal normativo, por entender que “as referidas declarações de parte possam contribuir ao abrigo do art.º 99º da LGT e art.º 13º do CPPT para a descoberta da verdade material”, ou seja, vem o D. Tribunal, ao abrigo do principio do inquisitório, admitir a prestação das declarações de parte requeridas nos termos do art.º 466º do CPC.

K- Ora, antes de mais, não pode esta RFP deixar de destacar a ambiguidade do referido despacho quando consagra ser de aplicar aos presentes autos o plasmado no art.º 466º do CPC, mas depois ouvir o oponente ao abrigo do art.º 99º da LGT e art.º 13º do CPPT, pois que,

L- Se entende ser de aplicação imediata o art.º 466º do CPC, porque é que veio avocar as referidas declarações ao abrigo do princípio do inquisitório plasmado nos art.º 99º da LGT e art.º 13º do CPPT?

M- Como já se deixou explanado supra, entende a FP não ser aplicável aos presentes autos o art.º 466º do CPC e por isso padece o referido despacho de nulidade.

N- E quanto à inquirição do oponente ao abrigo dos artigos 99º da LGT e art.º 13º do CPPT? Será admissível? Entende a Fazenda Publica igualmente que não.

O- Relembre-se que o processo de execução fiscal, em causa nos autos de oposição agora em recurso, tem em vista a cobrança coerciva de dívida proveniente de IRS e IRC de 2003 a 2006.

P- O regime de responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador dessa responsabilidade, pelo que, é de aplicar o regime previsto na al. b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, que foi, aliás, o normativo invocado pelo órgão de execução fiscal no despacho de reversão.

Q- Nos termos do aludido normativo, a Fazenda Pública beneficia de uma presunção legal relativamente à culpa e é ao oponente que cabe o ónus de demonstrar que a falta de entrega da prestação tributária, por delapidação do património societário, não lhe é imputável.

R- Da leitura da Petição Inicial de oposição verifica-se que a administração de facto não foi posta em causa, pelo oponente, mais alegando não ter sido por culpa sua que o património da devedora originária se tornou insuficiente para solver as dividas tributárias, Todavia,

S- O alegado pelo oponente não passa de considerandos absolutamente genéricos, sem concretização factual, e sem junção de documentação comprovativa que espelhe o referido, não ilidindo a presunção de culpa que sobre si recaía.

T- Ora, a falta de alegação de factos concretos na Petição Inicial suscetíveis de prova testemunhal ou por declarações de parte, deveria ter levado ao indeferimento do requerido pelo oponente.

U- No caso concreto, o oponente foi omisso quanto às medidas concretas tomadas para fazer face ao não pagamento dos impostos em dívida, não podendo, mesmo ao abrigo do princípio do contraditório, o Douto Tribunal substituir-se ao oponente, fazendo essa prova.

V- Os artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT, em que o tribunal a quo se apoiou para ouvir o oponente, não descaracterizam nem invalidam o princípio base do processo tributário do impulso processual, quer do contribuinte/sujeito passivo quer da Fazenda Pública, nomeadamente quanto à prova dos factos que pretendam que o tribunal reconheça. Tal princípio tem por finalidade superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso.

W- Assim, quer por não ser de aplicar aos presentes autos o art.º 466º do CPC por se entender que [ao disposto no n.º 4 do art.º 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de julho, que aprovou o novo CPC], este só se aplica aos incidentes e procedimentos deduzidos a partir da entrada em vigor da presente Lei, quer por violação do principio do ónus da prova por extensão da aplicação do principio do inquisitório, deverá o presente despacho ser revogado, dando se sem efeito as declarações de parte proferidas em sede de inquirição de testemunhas.

X- Mais ainda se requer subida imediata e efeito suspensivo nos termos do art.º 286º, nº 2 in fine do CPPT, pois, salvo o devido respeito, a RFP considera que, se o presente recurso apenas subir com o recurso da decisão final, tal recurso seria completamente esvaziado de qualquer efeito útil.

Porém V. Exas., Senhores Juízes Desembargadores, apreciarão e farão a costumada JUSTIÇA.»

3. O recorrido, J......., apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

«1. Vem o presente recurso do douto despacho que admitiu a prestação de declarações de parte do Oponente ao abrigo do disposto no art.º 466.º, n.º 1 do CPC.

2. Entende a Fazenda Pública que o referido dispositivo legal não é aplicável aos presentes autos e, além disso, não podia o Tribunal a quo lançar mão simultaneamente do disposto no art.º 466.º do CPC e do previsto nos arts.º 99.º da LGT e art.º 13.º do CPPT, mas sem razão, pelo que ao presente recurso não pode ser dado provimento.

3. À fixação do efeito do recurso e causa, aplica-se o regime previsto no art.º 286.º n.º 2 in fine do CPPT, e ainda as regras e os princípios constantes do CPC, designadamente, o previsto nos arts.º 644.º, 645.º e 647.º do CPC.

4. O presente recurso não cabe em nenhuma das situações previstas no art.º 647.º n. º 3 do CPC de atribuição directa e imediata ao mesmo do efeito suspensivo, nem a atribuição do efeito geral meramente devolutivo o tornaria inútil.

5. Não deve ser fixado o efeito suspensivo ao presente recurso,

6. O regime previsto no art.º 466.º do CPC, a saber, a possibilidade de prestação de declarações de parte, é aplicável aos presentes autos, não só porque o princípio geral da aplicação da lei no tempo das regras processuais é o da sua aplicação imediata, mas também porque tal decorre das normas transitórias da Lei n.º 41/2013, de 26 de Julho (arts.º 5.º ns. 3 e 4).

7. Não foi a Senhora Juiz quem determinou a prestação de declarações de parte do Oponente, antes foi este quem o requereu.

8. O Tribunal poderia sempre determinar a realização de qualquer meio de prova que pudesse contribuir para a descoberta da verdade e, ao abrigo desse poder, determinar que o Oponente fosse ouvido (art.º 13.º n.º 1 do CPPT).

9. O despacho em apreço não é nulo nem sofre de ambiguidade, por dele se ter feito constar, ao mesmo tempo, a referência ao art.º 466.º n.º 1 do CPC e aos arts.º 99.º da LGT e 13.º do CPPT.

10. O Tribunal ao proferir o despacho de admissão da prestação de declarações de parte, apreciou e decidiu um requerimento de meio de prova apresentado pelo Oponente, fazendo também constar do mesmo, em reforço da admissão do meio de prova requerido, que as declarações de parte podendo contribuir para a descoberta da verdade, também podiam ser admitidas ao abrigo do disposto nos arts.º 99.º da LGT e 13.º do CPPT, se tal fosse necessário.

11. Se as declarações de parte são ou não idóneas para provar os factos alegados pelo Oponente, ou se o Tribunal as vai considerar na decisão final, já não tem que ver com a prova em si, mas com o mérito da causa.

12. A única limitação referida na lei relativamente aos poderes do Juiz nesta matéria, tem que ver com os factos que lhe seja lícito conhecer (art.º 13.º n.º 1 in fine do CPPT), sendo igualmente esse o limite (e não o dos factos alegados) à actuação do Tribunal, nos termos do disposto no art.º 99.º n.º 1 da LGT.

13. Ao presente recurso nada interessa o alegado nos Pontos 25 e seguintes das alegações a que se responde.

14. O Tribunal não violou o conteúdo do princípio do contraditório, nem ultrapassou os seus poderes de cognição factual, actuando sempre dentro e ao abrigo do princípio do inquisitório, tal como o mesmo se encontra legalmente balizado.

15. O douto despacho em crise fez boa aplicação do direito, não violando qualquer normativo, designadamente o disposto no art.º 5.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Julho, no art.º 466.º do CPC, no art.º 99.º da LGT ou no art.º 13.º do CPPT.

Termos em que, pelo que antecede e pelo muito que V. Exas. haverão doutamente de suprir, deve ser negado provimento ao presente Recurso, mantendo-se o despacho sob censura, para assim se fazer JUSTIÇA!»

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

5. Com dispensa dos vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


*

II – QUESTÃO A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se o despacho recorrido enferma de erro de direito ao admitir a prestação de declarações de parte, ao abrigo do disposto nos artigos 99.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 13.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

Com base nos documentos juntos aos autos, consideram-se provados, com relevância para a decisão a proferir, os seguintes factos:

1. Em 09/05/2013 a petição inicial de oposição à execução fiscal foi remetida por correio registado ao Serviço de Finanças de Lisboa-3, onde deu entrada em 10/05/2013 (cfr. certidão de fls. 41 e segs. da numeração na plataforma Sitaf).

2. O Serviço de Finanças de Lisboa-3 remeteu a petição inicial de oposição ao Tribunal Tributário de Lisboa através do oficio n.º 14667, datado de 11/12/2013, onde deu entrada em 18/12/2013 (cfr. certidão de fls. 41 e segs. da numeração na plataforma Sitaf).

3. Por despacho de 15/02/2022 foi designado o dia 20 de abril de 2022 para a realização da diligência de inquirição de testemunhas (cfr. certidão de fls. 41 e segs. da numeração na plataforma Sitaf).

4. Em 13/04/2022 o oponente requereu as declarações de parte ao abrigo do disposto no artigo 466.º, n.º 1, do CPC, tendo indicado os factos sobre que há-de recair (cfr. certidão de fls. 41 e segs. da numeração na plataforma Sitaf).

5. Em sede de diligência de inquirição de testemunhas, realizada em 20/04/2022, a pretensão referida em 4. foi deferida por despacho com o seguinte teor:

«(…)

No que concerne ao requerimento de prestação de declarações do Oponente, não obstante a oposição manifestada pela Representação da Fazenda Pública, atenta o motivo invocado e, na medida em que estão em causa normas processuais, porque se afigura que as referidas declarações de parte possam contribuir para a descoberta da verdade material, defere-se o requerido, nos termos dos art.º 99.º da Lei Geral Tributária e 13.º do CPPT.

Notifique.»

Motivação:

A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou do teor dos documentos juntos aos autos, conforme referido em cada ponto da matéria de facto.


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2. DE DIREITO

A Recorrente imputa ao despacho proferido em 20/04/2022, que deferiu as declarações de parte, erro de julgamento de direito, por os artigos 466.º do CPC, 99.º da LGT e 13.º do CPPT, não serem aplicáveis aos presentes autos, para efeitos de deferir as aludidas declarações de parte.

Para o efeito, alega, em síntese, por um lado, que os presentes autos foram instaurados em data anterior à lei que aprovou no novo CPC, não lhe podendo ser aplicável o artigo 466.º, e, por outro lado, os artigos em que o tribunal a quo se apoiou para ouvir o oponente não descaracterizam nem invalidam o princípio base do processo tributário do impulso tributário, nomeadamente quanto à prova dos factos que pretendam que o tribunal reconheça, e tendo o Oponente alegado considerandos absolutamente genéricos, devia ter levado ao indeferimento do requerido pelo Oponente.

O Recorrido sustenta o despacho recorrido.

As questões a apreciar são as de saber da admissibilidade da prova por declarações de parte no processo de oposição à execução fiscal, cuja petição inicial foi apresentada em data anterior à entrada em vigor do actual Código de Processo Civil e, da verificação dos requisitos legais da admissibilidade da tomada de declarações ao Oponente.

Começa a Recorrente por alegar que o artigo 466.º do CPC não se aplica aos presentes autos, por o novo CPC só se aplicar a incidentes e procedimentos deduzidos a partir de 01/09/2013, nos termos do disposto no n.º 4, do artigo 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil.

O artigo 466.º do CPC, n.º 1 do CPC (aprovado pela Lei n.º 41/2013), preceitua o seguinte:

«1. As partes podem requerer, até ao inicio das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo.»

A prova por declarações de parte é um dos novos meios ao alcance dos sujeitos processuais.

Como se lê na exposição de motivos à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, «Prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão.»

O artigo 5.º, n.º 1 da Lei 41/2013, de 26 de Junho, estatue o seguinte:

«1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil. aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes.»

Por sua vez, o artigo 6.º, n.º 4 da Lei n.º 41/2013 dispõe o seguinte:

«4. O disposto Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir de entrada em vigor da presente lei.»

Os presentes autos respeitam a processo de oposição à execução fiscal, pelo que importa saber qual a natureza da oposição à execução fiscal.

Chamamos à colação o expendido no acórdão do TRP de 01/10/2009, proferido no processo n.º 4129/06 pela sua esclarecedora apreciação sobre a natureza da oposição, transcrevendo-se a parte relevante para os presentes autos:

«Para dilucidar a questão, importa começar por definir a natureza da oposição à execução.

Neste ponto, seguiremos de perto o Ac. desta Relação de 22.02.07[1]:
Alberto dos Reis[2] afirma que a oposição por simples requerimento ou por embargos – e especialmente esta – tem a configuração e exerce o papel de acção declarativa enxertada no processo de execução. Segue-se daqui que o requerimento de oposição e a petição de embargos equivalem a uma petição inicial para acção declarativa[3].

Após a reforma processual de 1995, continuou a entender-se que os embargos de executado constituíam acções declarativas, estruturalmente autónomas, porém instrumental e funcionalmente ligadas às acções executivas – nelas correndo por apenso – pelas quais o executado pretendia impedir a produção dos efeitos do título executivo[4].

A reforma da acção executiva, operada pelo DL 38/03 de 08.03, não alterou, na sua vertente substancial (sentido e função) a figura da oposição à execução.

Como refere Lebre de Freitas[5], diversamente da contestação da acção declarativa, a oposição à execução, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia.

A oposição à execução constitui, assim, em rigor, uma acção declarativa estruturalmente autónoma. Por isso, o requerimento de oposição equivale à petição inicial da acção declarativa, a que deve aplicar-se o artº 467º do CPC, devidamente adaptado[6].

Nomeadamente, deve conter a indicação do valor da causa (al. f), nº 1 do citado artº 467º) e deve aplicar-se-lhe o regime processual que rege para a petição inicial em caso de falta de apresentação dos documentos comprovativos do pagamento prévio da taxa de justiça ou da concessão do benefício do apoio judiciário, designadamente o disposto nos artºs 150º-A, nº 3, 467º, nº 3 e 474º, al. f, todos do CPC[7].

Será de ponderar, porém, que a oposição constitui também, como afirmámos, uma acção declarativa ligada instrumental e funcionalmente à acção executiva em que se enxerta. Na sua dinâmica, é uma fase eventual da acção executiva, garantindo ao executado a defesa contra a pretensão do exequente: a oposição corresponde ao exercício do direito de defesa face a essa pretensão.

A autonomia da oposição consubstancia-se e é resultado da sua tramitação declarativa, pautada, por isso mesmo, pelos princípios que enformam o processo declarativo, designadamente os princípios da igualdade e do contraditório (diferentemente do que sucede na acção executiva em que, por estar em causa a realização coerciva de uma prestação, a posição processual do executado conhece algumas restrições) [8].(disponível em www.dgsi.pt/).

Regressando ao caso em apreciação.

O presente processo trata-se, como já se deixou expresso supra, de um processo de oposição à execução fiscal, que constitui um meio processual tributário tipificado no artigo 203.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), sendo da execução fiscal formalmente autónomo.

A fase judicial só é aberta se o executado deduzir oposição, pois nas outras situações o processo prossegue e extingue-se unicamente perante os órgãos da administração tributária.

Por outro lado, a petição de oposição deve observar os requisitos previstos no artigo 206.º do CPPT e ainda os exigidos para qualquer outra petição inicial (artigos 467.º e 474.º do VCPC e 552.º e 558.º do NCPC, ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT; cfr. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª Edição, vol. 3, notas ao artigo 206.º, págs. 533 e segs.).

Nos termos do artigo 211.º, n.º 1 do CPPT, recebida a oposição à execução fiscal e notificado o representante da Fazenda Pública para contestar seguir-se-á o que para o processo de impugnação se prescreve a seguir ao despacho liminar.

O n.º 2 do artigo 211.º dispõe que são admitidos os meios gerais de prova, salvo as disposições especiais da lei tributária e sem prejuízo do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º.

Resulta do exposto que o regime da oposição à execução fiscal manteve-se inalterada e que constitui uma acção declarativa com autonomia relativamente à execução fiscal.

Relembramos que na situação dos autos aquando da entrada em vigor do NCPC o processo de oposição encontrava-se na fase dos articulados.

Numa primeira análise, inclinávamo-nos a defender neste caso a aplicação das normas transitórias da acção declarativa atenta a natureza da oposição à execução fiscal, ou seja, o disposto no artigo 5.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, excluindo a oposição à execução fiscal da aplicação do disposto artigo 6.º, n.º 4 da identificada lei.

O Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 01/06/2016, proferido no processo n.º 01009/15, pronunciou-se sobre a aplicação da lei no tempo relativamente a uma questão de patrocínio judiciário das partes suscitada no âmbito de uma oposição à execução fiscal instaurada na vigência do NCPC, no sentido de se aplicar o VCPC, com o seguinte discurso fundamentador:

«É sabido que a regra geral em termos de aplicação da lei adjectiva no tempo é a da aplicação imediata da lei nova, não apenas nas acções intentadas após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos que se venham a realizar após a entrada em vigor da lei nova, mesmo que esses actos devam ser praticados em acções pendentes (Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, págs. 47 a 49.). Este princípio, da aplicação imediata da nova lei processual, extrai-se do art. 12.º do CC quando aí se determina que a lei dispõe para o futuro.

Esse princípio foi também acolhido nos arts. 5.º e 6.º da referida Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, sendo que dos n.ºs 1 de ambos os artigos resulta inequívoca a aplicação imediata do novo CPC às acções declarativas e às acções executivas.
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa reconhece que assim é, mas considera que a situação
sub judice se subsume à excepção prevista no n.º 4 do art. 6.º daquela Lei.
É inquestionável a natureza declarativa do processo de oposição à execução fiscal. Como tem vindo a afirmar a doutrina, «[c]
onquanto a oposição apresente a fisionomia de uma acção, instaurada pela apresentação duma petição inicial, a verdade é que ela funciona como contestação. O seu fim é impugnar a própria execução fiscal; daí o nome de oposição» (ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, Almedina, 4.ª edição, anotação 2 ao art. 285.º, pág. 603.) e «a oposição à execução fiscal, embora com tramitação processual autónoma relativamente à execução fiscal, funciona na dependência deste como uma contestação à pretensão do exequente» (Sobre a questão, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 2 ao art. 203.º, pág. 428, com indicação de numerosa jurisprudência. ).

Poderemos questionar, como o faz o Procurador-Geral Adjunto, se na excepção ao princípio da aplicabilidade imediata da lei nova prevista n.º 4 do art. 6.º da Lei n.º 41/2013, se inclui a regra do n.º 3 do art. 47.º do novo CPC. Na verdade, enquanto naquela norma se refere «[o] disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa» do processo de execução, o art. 47.º do novo CPC, como resulta, desde logo, da sua inserção sistemática, não é uma norma relativa ao processo executivo, muito menos relativa “a procedimento e incidente de natureza declarativa no âmbito da acção executiva”, mas antes constitui uma norma relativa ao patrocínio judiciário das partes em processo civil, aplicável à generalidade das acções e em sede do processo tributário ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.

Prima facie, seríamos levados à conclusão de que o n.º 4 do art. 6.º da Lei n.º 41/2013 teria o seu âmbito de aplicação limitado às regras que se referem à tramitação dos meios processuais nele previstos, deixando fora do seu âmbito outras regras processuais como, designadamente e no que ora nos interessa, as relativas ao patrocínio judiciário.
No entanto, embora a hermenêutica da referida regra de direito transitório não se apresente isenta de dificuldades, afigura-se-nos que a melhor interpretação vai no sentido de que não se aplique dentro de um mesmo processo (ainda que, como no caso, a título subsidiário), intercaladamente, regras do novo CPC, quando a sua tramitação anterior fez e sua tramitação ulterior se fará ao abrigo das regras do CPC velho.
Como dizem VIRGÍNIO DA COSTA RIBEIRO e SÉRGIO REBELO, sobre o âmbito do n.º 4 do art. 6.º da Lei n.º 41/2013, «
Afigura-se-nos que a aplicabilidade do referido preceito deverá ser feita em bloco, rejeitando-se a possibilidade de utilização parcial das normas do nCPC aos processos instaurados antes do início da vigência deste diploma, quanto mais não seja por razões metodológicas em nome da regular tramitação do processo, da previsibilidade da aplicação do regime processual em cada fase do processo, e por forma a não provocar surpresas ou hiatos na sua tramitação. Assim, sem preocupação de exaustividade, as oposições à execução e à penhora, embargos de terceiro, reclamações de créditos, procedimentos cautelares, habilitações de herdeiros e de adquirente ou cessionário e liquidação e prestação de caução, instaurados antes da referida data (salvo no que respeita aos recursos nos termos do artigo 7º, nº 1, do diploma preambular, que em seguida serão analisados), continuarão a ser tramitados, até ao seu termo, com observância das normas processuais que vigoravam anteriormente, procedendo-se relativamente aos mesmos como se a reforma do Código de Processo Civil não tivesse tido lugar» (A acção Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, pág. 19).

Na verdade, em face de uma redacção inconclusiva da norma, devemos, quer em nome das referidas razões metodológicas e de previsibilidade, quer em nome dos valores constitucionais da segurança jurídica e da protecção da confiança, plasmados no art. 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), privilegiar a interpretação da qual decorra a impossibilidade de aplicar intercaladamente uma regra do novo CPC num processo cuja tramitação anterior se fez e cuja tramitação ulterior se fará à luz das regras do CPC velho. Sobretudo, quando a consequência da aplicação da regra do novo CPC tem consequências bem mais gravosas para a parte (extinção da instância em vez de suspensão da instância).

É neste sentido a anterior jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Cfr. o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 2 de Março de 2016, proferido no processo n.º 1289/15, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9952407c79acfc0a80257f72003f73ca.).» (disponível em www.dgsi.pt/).

Entendimento idêntico é perfilhado no Ac. do STA de 02/03/2016, processo n.º 01289/15 (disponível em www.dgsi.pt/).

Após uma maior reflexão, acompanhamos o entendimento vertido nos citados acórdãos do STA, no sentido de que à oposição à execução fiscal pendente à data da entrada em vigor do NCPC não se aplica as novas regras previstas no CPC por força do disposto no artigo 6.º, n.º 4 da Lei n.º 41/2013.

A oposição à execução fiscal como procedimento declarativo enquadra-se na norma transitória do artigo 6.º, n.º 4 da Lei n.º 41/2013, pelo que o NCPC só é aplicável às oposições deduzidas após 01/09/2013.

Ora, a oposição dos autos foi apresentada em data anterior à entrada em vigor do NCPC, pelo que não lhe é aplicável este diploma legal.

Com efeito, conforme decorre dos factos provados, a petição inicial de oposição foi apresentada na vigência do VCPC, tendo sido recebida no Tribunal Tributário de Lisboa já na vigência do NCPC, pelo que aquando da entrada em vigor deste diploma legal a oposição entrava-se na fase dos articulados e na sequência da normal tramitação do processo o Oponente em data anterior à realização da diligência de inquirição de testemunhas, requereu ao tribunal, ao abrigo do artigo 466.º do NCPC, que fosse ouvido em declarações de parte aos factos por si alegados nos pontos 46 e 56 a 59 da petição inicial.

A Mma. Juiz a quo deferiu o requerimento, depois de ouvida a Fazenda Pública, considerando o motivo invocado pelo oponente e por lhe afigurar que as declarações podem contribuir para a descoberta da verdade material, ao abrigo dos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT (cfr. ponto 5 do probatório).

O despacho recorrido nenhuma referência faz ao artigo 466.º do NCPC.

O n.º 1, do artigo 13.º do CPPT consagra os princípios da oficialidade e do inquisitório. Os n.ºs 1 e 3 do artigo 99.º da LGT correspondem ao artigo 13.º do CPPT.

O princípio do inquisitório consagrado nos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT consubstancia-se na atribuição ao juiz de poder para dirigir o processo e ordenar as diligências que entender necessárias à descoberta da verdade, operando no domínio da instrução do processo.

No caso concreto, o Tribunal a quo ordenou a realização de uma diligência que lhe foi requerida, questão que não é controvertida, por se lhe afigurar «que as referidas declarações de parte possam contribuir para a descoberta da verdade material».

Ao abrigo dos artigos 13.º do CPPT e 99.º da LGT o juiz pode ouvir as partes em qualquer altura do processo.

O n.º 2, do artigo 99.º da LGT preceitua o seguinte:

«2. Os particulares estão obrigados a prestar colaboração nos termos da lei de processo civil.»

Esta norma constitui uma remissão para o dever de cooperação previsto no processo civil, designadamente para o previsto nos artigos 519.º, 527.º a 540.º do VCPC.

O n.º 1 do artigo 519.º do CPC estatui o seguinte:

«Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos e praticando os actos que forem determinados.»

O artigo 266.º do VCPC também contempla o princípio da cooperação dando a possibilidade ao juiz de «em qualquer altura do processo ouvir as partes seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.» (cfr. n.º 2).

Em qualquer estado do processo o juiz pode determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à boa decisão da causa, nos termos do artigo 552.º n.º 1 do VCPC.

A decisão de ouvir ou não ouvir as partes compete ao juiz, podendo as partes sugerir que se tomem as declarações ao abrigo do dever de colaboração.

Dir-se-á ainda que na vigência do anterior CPC já era admitida a possibilidade de o depoimento de parte não ter somente como fim principal a confissão, admitindo a possibilidade de valoração de factos favoráveis ao depoente.

Neste sentido decidiu o Acórdão do STJ de 16/03/2011, proferido no processo n.º 237/04 deixou-se expresso: «(…) o depoimento tem um alcance muito mais vasto, podendo o tribunal ouvir qualquer uma das partes quando tal se revele necessário ao esclarecimento da verdade material. E se é certo que “a confissão” só pode versar sobre factos desfavoráveis à parte, não é menos verdade que o Juiz no depoimento em termos gerais não está espartilhado pela confissão, podendo colher elementos para a boa decisão da causa de acordo com o princípio da “livre apreciação da prova”.» (vide ainda acórdãos do STJ de 13/11/2012, processo 470/11, de 09/05/2006, processo 06A989 e de 02/10/2003, processo n.º 03B1909, todos disponíveis em www.dgsi.pt/).

O Tribunal da Relação de Guimarães em acórdão de 22/11/2011, proferido no processo n.º 2700/02.4TBVCT-BG1, decidiu esta questão nestes termos: Por decorrência do princípio da livre apreciação da prova, embora o depoimento de parte seja o meio próprio para colher a confissão judicial das partes, nada impede que dele se extraiam elementos que contribuam para a prova de factos favoráveis ao depoente ou para a contraprova de factos que lhe sejam desfavoráveis. (disponível em www.dgsi.pt/).

Assim sendo, a pertinência da consagração do artigo 466.º do NCPC não constitui uma novidade na realidade jurídica, consistindo antes a consagração da prática judiciária.

No quadro da garantia de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efectiva dos direitos subjectivos, a recusa do tribunal em admitir e valorar livremente as declarações favoráveis do depoente pode implicar «uma concreta e intolerável ofensa do direito à prova» (Vide Remédio Marques in “A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des) Favoráveis ao Depoente ou à Parte”, in Julgar, jan-abr. 2012, Nº16, pág. 168.).

Por a oposição à execução fiscal se encontrar pendente à data da entrada no novo CPC, por força do disposto no n.º 4 do artigo 6.º da Lei n.º 41/2013, é-lhe aplicável o anterior CPC, porém, nos termos supra expostos já era permitido ao juiz ouvir o oponente aos factos relevantes para a descoberta da verdade material, ou seja, tomar declarações às partes para esclarecimento sobre a matéria de facto.

No caso em apreço, conforme decorre dos factos provados, o Oponente em data anterior à realização da diligência de inquirição de testemunhas, requereu ao tribunal, que fosse ouvido em declarações de parte aos factos por si alegados nos pontos 46 e 56 a 59 da petição inicial.

Lidos tais pontos da petição inicial constata-se que respeitam, designadamente, às funções exercidas pelo Oponente no período a que se reportam as dívidas em cobrança coerciva, na sociedade devedora originária das dividas fiscais em cobrança coerciva, pelo que se justifica a prestação de depoimento face à natureza pessoal de tais factos.

Nas dívidas enquadradas no âmbito da alínea b) do artigo 24.º da LGT, o facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.

Ao contrário do alegado pela Recorrente o Oponente invocou factos susceptíveis de prova.

O depoimento de parte, quando não configure confissão, está sujeito à livre apreciação do julgador, cuja valoração é feita em momento posterior à sua produção e de forma conjugada com toda a prova produzida.

É certo que o oponente requereu as suas declarações de parte, ao abrigo do artigo 466.º do NCPC, mas como é sabido o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 664.º do VCPC, actual artigo 5.º, n.º 3).

O Tribunal a quo entendeu relevante tomar as declarações de parte por se afigurar poderem contribuir para a descoberta da verdade, e pode por sua iniciativa ou por sugestão de uma das partes determinar essas declarações. O requerimento do Oponente não pode deixar de ser interpretado neste último sentido, visto que o enquadrou requerimento nos termos do NCPC, que não é aplicável e norma não tem correspondência no VCPC.

Efectivamente, ao Juiz é permitido ouvir o oponente sobre factos em que interveio pessoalmente e sobre os quais tem conhecimento directo (cfr. artigos 552.º, n.º 1 e 554.º, n.º 1 do VCPC).

No caso em apreço, o Tribunal a quo indicou os artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT, ao abrigo dos quais determinou tomar declarações à parte.

A Recorrente insurge-se contra a indicação destas normas no despacho recorrido, sem razão como já se deixou expresso, pois, não se vislumbra qualquer violação do principio do ónus da prova, nem qualquer ambiguidade no despacho recorrido, embora se possa reconhecer alguma falta de rigor técnico-jurídico, que não põe em causa o decidido.

Não obstante, no despacho recorrido não se refira expressamente depoimento de parte, na acta consta antes da identificação do Oponente, a indicação de “Depoimento de parte”.

Termos em que se conclui que bem andou a Mma. Juiz a quo ao tomar declaração ao Oponente à matéria indicada.

Pelo exposto, improcedem as conclusões da alegação de recurso, negando-se provimento ao recurso.


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Conclusões/Sumário:

I. A oposição à execução fiscal como procedimento declarativo enquadra-se na norma transitória do artigo 6.º, n.º 4 da Lei n.º 41/2013, pelo que o NCPC só é aplicável às oposições deduzidas após 01/09/2013.

II. O princípio do inquisitório consagrado nos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT consubstancia-se na atribuição ao juiz de poder para dirigir o processo e ordenar as diligências que entender necessárias à descoberta da verdade, operando no domínio da instrução do processo.

III. Na vigência do anterior CPC já era admitida a possibilidade de o depoimento de parte não ter somente como fim principal a confissão, admitindo a possibilidade de valoração de factos favoráveis ao depoente.

IV. No quadro da garantia de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efectiva dos direitos subjectivos, a recusa do tribunal em admitir e valorar livremente as declarações favoráveis do depoente pode implicar «uma concreta e intolerável ofensa do direito à prova».


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam as juízas da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2023.



Maria Cardoso
Lurdes Toscano
Ana Cristina Carvalho

(assinaturas digitais)